Guiné-Bissau > Bissau > 1996 > Rua onde ficava a célebre cervejaria Solmar, aqui evocada pelo Hélder Sousa, acabado de chegar a Bissau, em 9 de novembro de 1970: "Após o jantar, uma voltinha para desmoer e reconhecer os vários locais de interesse, a Solmar, o Solar do 10, a Ronda, o inevitável Café do Bento (5ª Rep.), a casa das ostras na rua paralela à marginal, o Pelicano"...
Foto: © Humberto Reis (2005). Todos os sireitos reservados. [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné].
Foto: © Hugo Costa (2006). Todos os sireitos reservados. [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]
1. O nosso camarada, amigo e grã-tabanqueiro Hélder Sousa (ex-Fur Mil de Transmissões TSF, Piche e Bissau, 1970/72), desembarcou, em Bissau, do T/T Ambrizete, em rendição individual, em 9 de novembro de 1970 (, tendo partido de Lisboa ao findar dia 3).
Apresentou-se no STM (Serviço de Transmissões Militares), em Santa Luzia, e depois foi dar uma volta para conhecer Bissau "by night"... São as primeiras impressões da cidade que ele relata aqui, telegraficamente (*). É mais um contributo para a nossa "memória dos lugares" (**)... Curiosamente, do seu roteiro inicial de Bissau, "by night", não constava o Chez Toi..."Boite", "cabaret", "night club"...era a coqueluche de Bissau "by night", no início da década de 1970...Não havia cão nem gato que não conhecesse ou quisesse conhecer o "Chez Toi" onde "gajas brancas",,,
(...) O camarada que fui substituir deixou-me depois aos cuidados dos meus conterrâneos vilafranquenses, furriéis milicianos José Augusto Gonçalves e Vitor Ferreira, o primeiro deles meu colega da Escola Industrial e o outro das tertúlias do Café A Brasileira, mais parceiro que adversário das partidas de bilhar, os quais estavam integrados nas Transmissões (nessa ocasião ainda estava em criação o futuro Agrupamento de Transmissões) os quais arranjaram um espaço para me acomodar no quarto que compartilhavam nas instalações para sargentos em Santa Luzia, juntamente com outro Furriel, de apelido Pechincha, que tinha estado numa Companhia de Caçadores Nativos [, CART 11,] e que estava agora destacado numa repartição qualquer do QG.
Levaram-me a jantar à Meta (já li algumas referências no Blogue mas não me parece que lhe tenham dado o relevo que de facto tinha naqueles finais de 1970), lugar muito frequentado, com uma zona de Bar, zona de restauração e uma enorme pista de minicarros, muito maior que as que conhecia cá na Metrópole e que era palco de acesas e renhidas disputas de competição dos vários miniaceleras que por lá iam gastando o seu tempo e dinheiro.
Após o jantar, uma voltinha para desmoer e reconhecer os vários locais de interesse:
- a Solmar;
- o Solar do 10;
- a Ronda;
- o inevitável Café do Bento (5ª Rep.);
- a casa das ostras na rua paralela à marginal;
- o Pelicano.
O primeiro foi a sensação estranha de estar ali na esplanada a ouvir embrulhar lá longe, do outro lado do grande e largo Geba, diziam que era em Tite, ou Fulacunda ou qualquer outro nome que para mim naquela ocasião não assumia personalidade, coisa que mais tarde já não era assim, os nomes tinham depois uma identidade própria, acho mesmo que havia até uma como que espécie de hierarquia, no que respeita à forma como eram identificados pelas dificuladdes de vida que lhes eram inerentes.
Estar ali a ouvir os rebentamentos abafados pela distância e a ver alguns clarões deu logo um arrepiozinho na espinha, com aquele misto de temor e de ansiedade que nessas ocasiões nos assaltam, mas também com um pensamento de solidaridade e angústia pela impotência de quem só pode assistir e não intervir.
O segundo contacto foi mais do género de constactar a degradação moral que a permanência em situações daquelas podia produzir em espíritos mais fracos. Já se falava do que acontecia no Vietname com os soldados americanos consumindo droga para resolver os seus problemas mas ali no Pelicano não foi esse o caso.
Tratou-se apenas do facto de que em determinado momento um desgraçado qualquer acercou-se da mesa onde estávamos e procurou vender uma fotos "de gaijas nuas". É claro que recusámos mas fui depois esclarecido de que não se tratavam de "gaijas" mas sim de "uma gaija", a própria mulher dele, a quem ele (diziam que era um fulano já bastante apanhado do clima) enviava fotos que tirava a si mesmo sem roupa e pedindo que ela lhe enviasse fotos do mesmo jeito, que ele depois reproduzia e tentava vender.
Fiquei bastante impressionado com aquela demonstração prática da alienação a que o clima de guerra e o consequente improviso da vivência podiam produzir em seres humanos e jurei a mim mesmo que haveria de sair da Guiné são de cabeça e mais determinado em contribuir para as mudanças inevitáveis que haveriam de ocorrer na nossa sociedade. (...)
_____________
Notas do editor:
(**) 10 de agosto de 2018 > Guiné 61/74 - P18910: Memória dos lugares (378): Restaurante, pensão e "boite", o Chez Toi fazia parte do roteiro de "Bissau, by night"... O estabelecimento situava-se na rua engº Sá Carneiro... Desdobrável publicitário: cortesia de Carlos Vinhal.