1. Mensagem do
Hugo Guerra (ex-Alf Mil, hoje Coronel DFA, Pel Caç Nat 55 e Pel Caç Nat 50,
Gandembel, Ponte Balana,
Chamarra e
S. Domingos, 1968/70) (1):
Camaradas Tertulianos:
Não queria deixar passar esta oportunidade sem vos contar uma estória que se passou comigo em Bissau, aí por volta do Natal.
Ao longo dos anos que já passaram recordo-a com graça e só tenho pena de não ter sido filmada porque era capaz de ser publicada no Youtube ou outra coisa parecida.
Dezembro 1968 . Tinha vindo a Bissau ao hospital fazer uma desintoxicação de Gandembel.
Com mais dois camaradas descíamos a Avenida que vinha do Palácio do Governo em direcção à baixa ,mais concretamente aos Correios. Eis senão quando, qual emboscada do IN, aparece a Polícia Militar, que no cumprimento da sua
espinhosa missão me ataca com todas as armas de que dispunha e me passa um
raspanete por eu ter mais botões desabotoados do que os permitidos no RDM. Logo a mim que me considerava um dos poucos da tropa-macaca que tinha experiência
in loco do famoso corredor de Guileje...
Fiquei urso, mas os rapazes até tinham razão e lá abotoámos os botões. Chegados aos Correios, no meio da barafunda total estava um esganiçado e aperaltado 1º cabo, com a camisa desabotoada até ao umbigo.
Depois do que me acontecera pouco antes, aquela situação caía como sopa no mel... Afiando as garras tivemos este diálogo:
- Ó nosso cabo, ouça lá.
- Ó nosso cabo não, meu Alferes, sou o Marco Paulo... (Desconhecia em absoluto quem era semelhante personalidade) (2).
- Marco Paulo uma merda, ou abotoa esses botões todos ou temos chatice! - respondi eu.
Claro que o obriguei a estar em sentido até acabar o
castigo e comecei a aperceber-me duns sorrisos à socapa dos camaradas que estavam por ali….
Satisfeito com a minha façanha do dia, viemos para fora e só então fiquei a saber que tive muita sorte por ele não ter dito nada…..senão ainda levava uma porrada e era enviado pra Gandembel, aliás para onde regressei passados 2 ou 3 dias depois.
Ao longo dos anos ainda sorrio quando me lembro desta estória …de Natal.
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Notas de L.G:
(1) Vd. post de 29 de Novembro de 2007 >
Guiné 63/74 - P2312: Tabanca Grande (43): Hugo Guerra, ex-Alf Mil, Pel Caç Nat 55 e 50 (Gandembel, Ponte Balana, Chamarra e S. Domingos, 1968/70)(2) Extactos de uma recente entrevista do cantor Parco Paulo (nascido em Mourão, há 62 anos de idade, e com 41 anos de carreira...), ao
Correio da Manhã, em 9 de Junho de 2007:
– Fez tropa na Guiné durante dois anos. Do que se recorda?
– Recordo-me de ter pedido a todos os santos para não ir, acima de tudo porque eu sabia que se fosse para a Guiné possivelmente quando regressasse já não podia dar seguimento à minha carreira. A minha sorte foi que o meu produtor, Mário Martins, fazia sempre questão que eu viesse de férias. Durante esse período eu gravava, e quando voltava para a Guiné a editora lançava o disco. Por isso nunca caí no esquecimento.
– Chegou a sentir medo?
– Quando cheguei à Guiné não foi fácil. Pensei: “Olha, vou para o mato. Levo lá um tiro na cabeça e pronto!” Só que fui para o quartel da Amura, para a secção de Justiça, como escriturário. Ouvia os bombardeamentos, mas não deu propriamente para sentir medo. Depois, como a rádio lá passava muitos discos meus, eu era aproveitado para abrilhantar as festas militares.
– Compreendeu, à época, as motivações daquela guerra?
– Eu não estava por dentro dos assuntos da política. Disseram-me que Guiné era Portugal e eu acreditei. Hoje, olhando para trás, vejo que foram dois anos perdidos.Também nas Selecções do
Reader's Digest - Portugal - Revista, pode ler-se uma entrevita com o Marco Paulo, a propósito dos 35 anos de carreira e dos 3 milhões de discos vendidos. Alguns excertos relativos ao tempo que o MP esteve na Guiné:
(...) LO: Voltando um pouco atrás. Onde cumpriu o serviço militar?
MP: Na Guiné. Quando fui para a guerra, já tinha gravado dois ou três discos, discos sem grandes sucesso mas que passavam na rádio e que já vendiam alguma coisa. Ao regressar da guerra, não fazia ideia do que seria a minha vida no futuro, não era líquido que o meu futuro passasse pelas cantigas.
LO: Recorda o dia em que partiu para a guerra?
MP: Muito bem. No fundo, não sabia para onde ia. Foram dias muito inquietantes, mas por sorte acabei por ir parar a Bissau. Os meus pais choraram quando se despediram de mim, choraram tanto como eu. Aliás, lembro-me de ter chorado duas vezes na minha vida: nessa ocasião e quando me deram a notícia de que tinha um cancro. Não é nada fácil alguém me ver chorar, nada fácil mesmo.
LO: O estatuto de cantor beneficiou-o de alguma forma durante a Guerra Colonial?
MP: De forma nenhuma. Por sorte, não estive nos sítios onde se vivia a guerra, limitei-me a estar numa zona mais resguardada. Fui obrigado a ir. Estava numa secção de escritório a fazer cartas, para mim foram quase umas férias. Só me apercebia de que existia guerra quando me convidavam para ir cantar a algum hospital ou à Força Aérea; no sítio onde estava não percebia nada. Deu-me muito prazer cantar na Guiné, os meus camaradas pediam-me e eu nunca recusava. (...)Também no
blogue do Luís de Matos (ex-Fur Mil, da CCAÇ 1590,
Os Gazelas, 1966/68), há uma referência ao Marco Paulo, aquando da chegada a Bissau, a 11 de Agosto de 1966:
(...) Findo este trabalho, o capitão deu folga a todo o pessoal para conhecer a cidade. Logo na primeira noite, juntei-me a um pequeno grupo para irmos dar uma volta, para conhecermos um pouco da noite guineense. O furriel miliciano Charneca, que é natural de Beja, ou arredores, não sei bem, pertence à CCS do meu batalhão, o 1894, disse-me que há um nosso camarada, já “velho”, o que equivale a dizer que não é “periquito”, que está no rádio do Quartel-General com o Marco Paulo, um artista da rádio e da TV e também alentejano, de Mourão. Vamos lá ter com eles, para nos mostrarem como é isto. Ou pelo menos, aquele meu amigo vai connosco. Estava uma noite escura como breu. Não me recordo de mais nada. O que sei é que me vi dentro dum táxi, com o Charneca e o tal amigo do QG, por um trilho, em que o capim era bem mais alto que o nosso transporte e fomos parar a uma vivenda onde havia música. Muita música cabo verdiana e dança, frangos no churrasco, cerveja e whisky. Não conseguia deixar de pensar que me podiam cortar a cabeça com uma catana. É que a gente ouvia contar cada estória!. Mas ao mesmo tempo, tinha uma certa confiança no tal camarada mais velho. Se ele estava ali e continuava vivo, é porque o local e as pessoas eram de confiança. Há-de ser o que Deus quiser. Coração ao largo, pensei cá prós meus botões" (...)