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domingo, 16 de junho de 2024

Guiné 61/74 - P25643: Elementos para a história do Pel Caç Nat 54, "Águias Negras" (1966/74) - Parte II: Com o José António Viegas, por Bissau, Bolama, Mansabá, Enxalé e Missirá, no 2ºs emestre de 1966




Guiné > Zona Leste > Região de Bafatá > Sector L1 (Bambadinca) > Missirá > Pel Caç Nat 54 > 1966 > O alf mil Marchand (ou Marchã) junto ao depósito de géneros, destruído no ataque de 22/12/1966


Guiné > Zona Leste > Região de Bafatá > Sector L1 (Bambadinca) > Missirá > Pel Caç Nat 54 > 1966 > Mais uma vista parcial do destacamento (e tabanca), depois do ataque de 22 de dezembro de 1966.



Guiné >  Rio Geba > Pel Caç Nat 54 >c. agosto de 1966 >  No "cais" do Enxalé: da esquerda para a direita, o José António Viegas, o alf mil Marchand (Ou Marchã), ambos do Pel Caç Nat 54, eo fur mil enf, da CCAÇ 1439


Guiné >  Rio Geba > Pel Caç Nat 54 > Agosto  1966 > Nos barcos "turras" (Casa Gouveia), a caminho o Enxalé


Guiné >  Rio Geba > Pel Caç Nat 54 > Enxalé > Agosto de 1966 >  Vacas comparadas em Bissá, pelo comandante da CCAÇ 1439, cap Pires.

Fotos (e legendas): © José António Viegas  (2012). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Confirma-nos, por email de ontem, o José António Viegas, que, no início, o Pel Caç Nat 54, formado no CIM de Bolama, era constituído por:

  • alferes Carlos Alberto de Almeida e Marchã (ou Marchand);
  • furriel mil Álvaro Valentim Antunes (morto na 1ª mina);
  • furriel Arlindo Alves da Costa (DFA, ferido na segunda mina);
  • fur mil José António Viegas;
  • 1ºs Cabos Manuel Januário (DFA), Coelho (DFA) e João Simão (telegrafista);
  • os soldados, do recrutamento local, eram das etnias Papel, Fula, Mandinga e Olof (um deles) (*)

Na primeira foto acima, o alferes Marchand (ou Marchã) está junto ao depósito de géneros depois do ataque a Missirá, em 21 de Dezembro de 1966.



José António Viegas, ex-fur mil, Pel Caç Nat 54
 (Bolama, Mansabá, Enxalé, Missirá, Porto Gole,  
Ilha das Galinhas, 
1966/68)


2. O José António Viegas, nosso grã-tabanqueiro nº 587 (desde 11 de novembro de 2012),  continua a ser a fonte privilegiada de informação sobre o seu Pel Caç Nat 54, de que é um dos "pais-fundadores". Daí que o seu percurso no CTIG, de 1966 a 1968, também o é desta subunidade, de que... "não reza a História" (*).

Vamos recordar alguns dos seus passos (**):

(i) Bolama, agosto de 1966

(...) Embarquei para o CTIGem 30 de julho de 1966,  no Uíge. Fui em rendição individual para ir formar, em Bolama, com outros camaradas, os primeiros Pelotões de Caçadores Nativos. Chegámos a 3 de agosto. (...)  Quatro  dias depois seguimos para Bolama para receber os Pelotões e fazer os treinos operacionais. O meu Pelotão foi o 54.

(...) Aqui apanhei o meu primeiro paludismo que me deixou de rastos por uns dias. O cheiro de que estávamos numa guerra e não de férias em África, era o ouvir de rebentamentos todas as noites em S. João, que ficava em frente a Bolama, e em Tite, e logo de seguida fazer a guarda de honra a um camarada que tinha morrido no rebentamento de uma bailarina em S. João e que foi enterrado no cemitério de Bolama.

(...) A minha estadia em Bolama, antes de ser colocado com o meu Pel Caç Nat 54 em Mansabá..., lembro-me bem daquela cidade já em degradação mas ainda com várias edificações em bom estado, como os correios, junto à piscina do Cabo Augusto onde se passavam os bons tempos de lazer, a casa do Governador e o Hotel, que estava em boas condições, onde muitos camaradas vinham descansar e passar férias.

(ii) Mansabá, setembro/outubro  de 1966

(...) No fim de Agosto, depois de ter terminado o treino operacional, seguimos para Bissau e depois para Mansoa, numa coluna enorme, onde se juntaram mais militares com destino a Mansabá.

A coluna até Cutia decorreu com normalidade, mas a partir daqui foram tomadas todas as precauções até Mansabá, onde se ouviram alguns tiros e aviso.

Em Mansabá estivemos 45 dias com a CCAÇ 1421. Aqui começa a nossa entrada na guerra. Logo nos primeiros dias fomos fazer um golpe de mão e, como tal, foi posta à prova a nossa impreparação para reagirmos debaixo de fogo. Quando se chegou ao objectivo, foi lançado o ataque pelo homem da bazuca e, debaixo daquele fogachal, eu de pé com as balas a assobiar sem saber o que fazer.

Aqui começa a minha preparação com os melhores operacionais, os meus soldados nativos, o meu cabo Ananias Pereira Fernandes, o homem que não gostava de G3 e só usava a Madsen, que me joga para o chão e me ensina a organizar e dispersar debaixo de fogo.

Lembro-me o que aprendemos em Vendas Novas com aqueles filmes da guerra da Argélia, no meio de dunas, e nós íamos para a selva, enfim ainda havia poucos formadores com experiência de combate.

(...) Voltando aos meus 45 dias em Mansabá... (Pena que não tenha fotos desta fase pois ardeu-me tudo no ataque em Missirá.)

Nos primeiros dias em Mansabá, ao cair da noite, começou o nosso obus 8.8 a cantar, vim até ao pé da bateria falar com o artilheiro um Fur. Mili. cabo-verdiano, perguntar o que se passava, dizendo ele que tinham informações que o Amílcar andava por ali.

Na semana seguinte foi feita uma operação em forte com a 5.ª CComandos, a CCP 121, a CCAÇ 1421 e o nosso Pelotão. Entrámos pelo Morés, os Comandos e os Páras fizeram o estrago e voltamos.
Um Sargº. Paraquedista trocou o seu camuflado com o meu, soube há pouco tempo que morreu com a doença maldita e que vivia aqui perto de Loulé.

Todas as semanas estávamos a sair sempre à noite. Nas progressões, até me habituar no escuro da noite, às grandes teias de aranha e aos terríveis bicos das Micaias, foi uma tortura.

Antes de sairmos, fomos montar uma emboscada no Alto de Momboncó com um Pelotão da 1421. Estava com o meu pelotão emboscado quando vejo os Fiat a picar sobre nós, deu para assustar, levantámos com as armas para o alto e vejo o asa a desviar, logo de seguida ouviu-se largar as bombas e o cheiro horrível de petróleo. Este era um dia não, e no regresso apanhámos com uma emboscada de abelhas, os nativos largaram as armas e toca a fugir. O Sargento Monteiro da 1421 ficou bem picado e ainda por cima tinha pouco cabelo, ficando num estado lastimável.

Desta CCAÇ 1421 lembro-me do Cap Carrapotoso, já falecido, e dos Furriéis Fernandes e Passeiro. (...)

(iii) Enxalé, novembro de 1966

(...) Os poucos dias que estive em Bissau, foi para tomar contacto com a cidade, um dos sítios de encontro era o Café Bento, conhecido pela a 5ª Rep, onde encontrei amigos que nem pensava que estavam por aqueles lados.

Neste café sabiam-se as novidades todas do mato e também as histórias que contavam aos piriquitos. Havia um pouco de tudo, aqueles que diziam que estávamos ali na guerra para defender os interesses da CUF que era representada pela Casa Gouveia, outros que diziam que ainda iam voltar situações piores que a Ilha do Como.

Os frequentadores assíduos do Café aconselharam-me logo que se quisesse bons livros era falar com o Sr. Bento, pois que certos livros a Pide ia lá buscar, mais tarde tive ocasião de presenciar.

Passados que foram estes curtos dias em Bissau, lá fomos embarcados nos barcos da Casa Gouveia, que iam levar abastecimentos a Bambadinca, e navegando rio Geba acima durante a noite, aconchegados da humidade no meio da carga.

Chegámos ao Enxalé pela manhã. As barcaças encostaram, não havia cais, fomos recebidos pela Companhia 1439 e pelo Pel Caç Nat 51 que já estava naquele aquartelamento.

Fui encontrar o pessoal da CCAÇ 1439 um pouco desmoralizado pois um mês antes, em outubro, tinha rebentado uma mina em Mato Cão, na ida houve um primeiro rebentamento que pulverizou um soldado açoriano, e na volta outro rebentamento que resultou na morte do furriel Mano.

Esta Companhia era comandada pelo Capitão Pires, um grande homem e um bom operacional.

A nossa primeira saída foi para ir a Bissá onde o BCAÇ 1888 queria fazer um destacamento.
Fomos direito a Porto Gole e depois seguimos para Bissá, era impressionante ver aquele aldeamento, no chão balanta, no meio de uma grande clareira com bastante gado e celeiros de arroz enormes.

Lembro-me do cap Pires dizer:

- Um destacamento aqui, no meio de um dos principais fornecedores do IN ? Vai correr muito sangue.

E foi verdade, entre 1967 e 1968 muitos morreram e muitos ficaram feridos.

Regressámos com gado comprado para a Companhia.

Nesta mês de Novembro a nossa missão era fazer colunas a Missirá e a Porto Gole e umas operações na zona. Lembro-me do alferes Zagalo de Matos que,  quando saía para as operações o seu ordenança trazia o camuflado impecável e as botas a brilhar, tinha que estar todo a rigor. Ainda há dois para três anos, quando o encontrei nas suas andanças teatrais, lhe falei nisto que ele recordou com saudade. (Já partiu).

Havia na companhia um Furriel que era professor, o Farinha, dava aulas aos militares, a maior parte madeirenses, alguns analfabetos, e dava aulas numa escola improvisada no aldeamento, não esqueço a fome de aprender daquelas crianças.

(iv) Missirá, dezembro de 1966:

(...) O Capitão Pires, da CCAÇ 1439,  querendo juntar o máximo da Companhia para passarem o ultimo Natal juntos, enviou o nosso Pelotão 54 para Missirá, todo o pessoal dizia que íamos passar umas férias, pois aquele destacamento não tinha problemas de ataques há muito.

Instalámo-nos e fizemos o respectivo reconhecimento. No dia 22 recebemos o correio,  via Bambadinca, com algumas encomendas de Natal e preparávamos o nosso primeiro Natal na guerra. Depois do jantar, e depois de verificar os postos, fomo-nos deitar. 

Na nossa palhota dormíamos os três furriéis. Enquanto o sono não vinha,  íamos falando até que, por volta das 10 horas da noite, começa a entrar pela nossa palhota uma metralha de fogo: explosivas, tracejantes e iluminantes de arma pesada, por sorte o fogo passava todo a um metro acima das nossas camas, foi agarrar nas armas como estavámos, já com a palhota a arder, e tentar organizar a defesa.

Eu fui municiar o meu cabo Ananias Pereira Fernandes , com a MG42,  para o abrigo e tentar pôr o pessoal a fazer fogo o mais rasteiro possível. O destacamento parecia Roma a arder e a pontaria deles era tão grande que conseguiram meter uma morteirada no bidão do azeite no depósito de géneros. O rebentamento deste parecia fogo de artifício.

No meio da gritaria e dos impropérios de um lado e de outro, ouve-se um grito de agarra-lo á mano, pois de certeza que vinham com cubanos.

Depois de quase uma hora de fogo, as morteirada estavam a cair junto ao refeitório onde estava o Unimog debaixo do embondeiro, o soldado condutor da CCAÇ 1439 foge e consegue pôr a viatura a funcionar, que estava com escape livre, para o retirar daquela zona de fogo. Julgo que eles pensaram que vinham reforços e debandaram, foi uma sorte porque as munições não eram muitas, principalmente as de morteiro 60 e bazuca.

Tentou-se a seguir ver se havia feridos, não havendo nada a registar entre os militares, mas acho que na população houve dois mortos e três feridos.

Hipótese de ajuda não tínhamos, nem de Finete, que era o destacamento mais perto, nem de Bambadinca, pois tinham que atravessar o rio. Só aguardando o pessoal do Enxalé.

Logo pelo nascer do dia veio o heli fazer as evacuações, o piloto era o Faísca, moço conhecido do Algarve. Assim que o heli levantou começamos a ouvir metralha, era o pessoal da CCAÇ 1439 e o pessoal do Pell Caç Nat 51 que estava a ser emboscado entre Mato Cão e Missirá. O IN retirou mas ficou emboscado, era lógico que viria ajuda.

Começámos então a olhar para a realidade, palhotas ardidas e grande destruição, dos nossos pertences só tínhamos a roupa vestida no corpo, o resto era tudo cinza. Guardo a única coisa que encontrei, uma moeda de 10 pesos toda queimada. No reconhecimento que fizemos, encontrámos bastante sangue e uma pistola. Era triste ver o destacamento com tanta destruição.

Com o depósito de géneros completamente destruído, pouco tínhamos para comer, fomos a Bambadinca buscar algumas coisas e tentar arranjar roupa.

Chega o dia de Natal, a comida não era muita, vem o meu cabo Januário e outro cabo Ananias dizer que iam dar uma volta para arranjar carne. Chegada a hora do almoço apresentaram um repasto de carne com arroz de xabéu , que estava uma delicia, findo o almoço o cabo africano Ananias chamou-me à parte e deu-me as caveiras dos macacos que tínhamos acabado de comer. Guardei uma como talismã que perdi quando vim da Africa do Sul em 1978. (...)

 (Selecção, reevisão / fixação de texto: LG)
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Notas do editor:

(*) Último poste da série > 14 de junho de 2024 > Guiné 61/74 - P25640: Elementos para a história do Pel Caç Nat 54, "Águia Negras" (1966/74) - Parte I: Temos dois representantes na Tabanca Grande, o algarvio José António Viegas (1966/68) e o açoriano Mário Armas de Sousa (1968/70)...



27 de novembro de  2012 > Guiné 63/74 - P10731: Memórias de Mansabá (26): Os meus 45 dias em Mansabá (José António Viegas)