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terça-feira, 8 de outubro de 2024

Guiné 61/74 - P26020: Timor Leste: Passado e presente (24): Notas de leitura do livro do médico José dos Santos Carvalho, "Vida e Morte em Timor durante a Segunda Guerra Mundial" (1972, 208 pp.) - Anexo III: a situação sanitária em 1943: de 52 profissionais de saúde, 34 (c. de dois terços) tinham falecido, ou desaparecido, ou estavam ausentes



Timor > Álbum Fontoura > c. 1936-1940 > Foto 16690 > Ambulància



Timor > Álbum Fontoura > c. 1936-1940 > Foto 16949 > Tecelão



Timor > Álbum Fontoura > c. 1936-1940 > Foto  16927 > Vida social e familiar  > Mulheres, jovens e crianças



Timor > Álbum Fontoura > c. 1936-1940 > Foto 17047 > Uma escola em Balibó



Timor > Álbum Fontoura > c. 1936-1940 > Foto  16994 > O farol de Díli

Fotos do Arquivo de História Social > Álbum Fontoura. Imagens do domínio público, de acordo coma Wikimefdia Commons. (Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné, 2024)


O Álbum «Colónia Portuguesa de Timor», mais conhecido por «Álbum Fontoura», nome do governador que o mandou elaborar em finais dos anos 30, e coincidindo, então, com a permanência em Timor de uma missão geográfica e geológica, chefiada pelo geógrafo Jorge Castilho, contém 549 fotografias relativas a:~

  •  «grupos étnico-linguísticos e tipos em geral», 
  • «trajos, ornamentos, pertences e armas», 
  • «vida familiar e social», 
  • «formas de trabalho (…), arte indígena e instrumentos musicais» 
  • e «acção civilizadora e colonizadora». 

O exemplar do álbum, recuperado após Abril de 1974 pelo antropólogo, professor António de Almeida, foi depositado no AHS (Arquivo Histório Social, ISC/UL), pela «Família Almeida», através do Doutor Pedro Cardim. (Fonte: AHS/Album Fontoura)

 
O coronel Álvaro Fontoura (Bragança, 1891 - Lisboa, 1975), foi "governador de Timor entre 1936 a 1940 e é-lhe atribuída a ideia de organizar o Álbum Fontoura". 

Era então major de infantaria. Licenciou-se em engenharia civil na Universidade do Porto e foi professor do Colégio Militar entre os anos de 1925 a 1937, da Escola Superior Colonial entre 1932 a 1947 e do Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas Ultramarinas (ISCSPU) / Universidade Técnica de Lisboa entre os anos de 1939 e 1961.

Será depois chefe de gabinete do Ministro das Colónias, Francisco José Vieira Machado, de 1940 a 1944, presidente da Junta Central de Trabalho e Emigração do Ministério do Ultramar de 1937 a 1960 e Diretor dos Caminhos de Ferro de Moçambique. Como parlamentar participou como deputado da IV Legislatura (1945 - 1949) pelo círculo eleitoral de Macau.


1. José dos Santos Carvalho (de quem não temos uma única foto) foi médico de saúde pública, no território português de Timor, ao tempo da ocupação estrangeira da ilha (primeiro, da parte dos australianos e holandeses, e, depois,  dos japoneses). Médico,  exerceu as funções de chefe interino da Repartição Técnica de Saúde e Higiene, em Lahane, desde meados de 1943.

Fora colocado, em  meados de 1940, em Timor como médico de 2ª classe, do "quadro comum colonial".  Devido à guerra, levou alguns meses a chegar ao território. Desembarcou em Díli nas vésperas do ano novo de 1943.

O livro que escreveu sobre Timor durante a ocupação japonesa,  baseia-se nas suas recordações e registos  pessoais bem como nas memórias de outros portugueses, seus companheiros de infortúnio.   .

Em anexo, o autor publica também os relatórios anuais do serviço de saúde relativos a 1943, 1944 e 1945  (pp. 142-194), que têm igualmente interesse documental para  a historiografia da presença portuguesa em Timor, relatórios esses que ele nunca deixou de fazer,  apesar das dramáticas circunstâncias em que teve de exercer as suas funções de médico e  chefe interino da Repartição Técnica de Saúde e Higiene. Não sabemos se chegaram, na altura, ao conhecimento de quem de direito, para além  do governador da colónia (que esteve, na prática, durante os três  anos de ocupação, na situação de refém dos japoneses e sem comunicações com Lisboa).

O livro, de 208 pp.,  ilustrado com algumas fotografias, foi escrito, em 1970, quando passavam  já 25 anos sobre o fim da ocupação japonesa do território de Timor e a libertação dos prisioneiros portugueses, timorenses e outros. Foi composto e impresso na Gráfica Lamego e publicado pela Livraria Portugal, 1972, editora que já não existe. 

O livro e o autor merecem não ser esquecidos. 

Imagem à direita: Capa do livro de José dos Santos Carvalho: "Vida e Morte em Timor Durante a Segunda Guerra Mundial", Lisboa: Livraria Portugal, 1972,  208 pp. , il... Livro raro, só possível de encontrar em alfarrabistas, ou então no Internet Archive, em formato digital; está registado na Porbase - Base Nacional de Dados Bibliográficos, podendo ser encontrado na Biblioteca Nacional de Portugal e no Instituto Científico de Investigação Tropical.

Sobre a situação da saúde da população nessa época e naquele território, bem como sobre a organização e funcionamento dos serviços de saúde naquela longínqua colónia portuguesa do sudeste da Ásia, vamos reproduzir aqui alguns excertos e apontamentos. A sua leitura ajuda-nos a perceber até que ponto a saúde e os serviços de saúde são vulneráveis em situações-limite como a guerra com todo o seu cortejo de horrores.


Notas de leitura do livro do médico José dos Santos Carvalho, "Vida e Morte em Timor durante a Segunda Guerra Mundial" (1972, 208 pp.) 

Anexo III:  Relatório dos Serviços de Saúde 
(Ano de 1943) (pp. 142-148)

 
(i) Como bom funcionário público e representante da autoridade de saúde, no apogeu do Estado Novo, o dr. José dos Santos Carvalho, médico de 2ª classe, não deixou de cumprir os seus deveres, apesar da ocupação do território por forças estrangeiras, e nomeadamente japonesas (entre 20 de fevereiro de 1943 e 2 de setembro de 1945). 

Recorde-se que dos quatro médicos existentes no território, dois morreram. alegadamente por suicídio: o dr.  Diniz Ângelo de Arriartre Pedroso (Aileu, 1 de outubro de 1942), e o dr. José Aníbal Torres Correia Teles (algures na região de Viqueque, em fevereiro de 1943).

O dr. José dos Santos Carvalho, chefe interino da repartição de saúde e higiene  (desde 2 de agosto de 1943) foi louvado, em 10 de outubro de 1945, pelo governador cessante, Manuel  de Abreu  Ferreira de Carvalho, "pela forma  como soube sempre cumprir os seus deveres, não abandonando, mesmo em circunstâncias muito difíceis, o seu posto e procurando, apesar de todas as deficiências materiais com que sempre lutou, dar a maior eficiência possível aos serviços de saúde, cuja chefia lhe foi confiada, e ainda pelos trabalhos de  investigação e de estudo, a que se dedicou e que procurou sempre orientar num sentido de utilidade imediata para a população" 
(pág. 135/136).



 (...) "As circunstâncias extraordinárias e completamente anormais em que nos encontramos, sujeitos a todos os perigos e consequências da guerra, e guerra a valer, impõem ao fiel servidor muito maiores deveres, grande paciência, abnegação, sacrifícios sem conta e muitas vezes dificuldades insuperáveis, que a história mal virá a conhecer, sendo dificílimo destrinçar e avaliar com inteira justiça os serviços prestados à Pátria, quer colectiva quer individualmente. 

 "A crítica histórica tem de ser feita passados os acontecimentos, com calma e sem paixões. Não é, pois, ocasião para a fazer. Porém os factos devem ser registados, embora, por enquanto, não possam ser comentados, nem se possa também investigar a sua razão de ser, o que deverá ser feito mais tarde, recompensando-se os que cumpriram e castigando-se os prevaricadores se os houver. 

"É por ter considerado estas proposições que me julgo na obrigação de juntar a este relatório uma resenha dos factos principais respeitante ao serviço, dos quais tive conhecimento, a qual será completada ou mesmo corrigida com o testemunhe dos funcionários da Repartição que agora não posso obter. 

 "Apresento assim um esboço de história (...).

"Também, sem dúvida, interessará sobremaneira, saber das condições de vida dos portugueses durante o período de guerra. Por esse motivo incluo neste relatório (que obviamente deveria começar na data da minha posse, em 2 de agosto de 1943) a descrição das circunstâncias de interesse para a Saúde Pública, desde o ajuntamento dos portugueses na zona de concentração (Novembro de 1942), tanto mais que o estado de guerra, as ansiedades e incertezas do futuro e mesmo a falta de expediente impediram que fossem elaborados os variados documentos da estatística normal. 

"Feitas estas ligeiríssimas considerações, preâmbulo que me parece necessário, entro agora no relatório propriamente dito." (...)


Medicamentos, Material Cirúrgico, Utensílios, Roupas, etc.

(...) "Foi com a maior tristeza e quase com desespero que os dois médicos a quem coube prestar assistência aos portugueses, verificaram que, além dos seus esforços e boa vontade de bem servir, com pouco mais poderiam contar para cumprirem a sua humanitária missão.

"Praticamente todo o recheio do hospital Dr. Carvalho, transferido para Quelicai, aí se perdeu; e o mesmo aconteceu nas sedes de delegação (Aileu e Baucau) a não ser uma malinha de mão, em que o signatário tinha juntado alguns medicamentos de urgência e instrumentos de pequena cirurgia para o caso, que se deu, de ser impossível empacotar para transporte, pelo menos o mais útil. 

"Em suma, ficamos reduzidos às existências das ambulâncias de Lahane e Liquiçá, as quais eram muito pobres, salvando-se todavia alguns utensílios de valor (autoclaves, mesa de operações, aparelho de Clayton), livros técnicos, etc, assim como bastantes frascos com medicamentos (infelizmente de pouco valor terapêutico por serem muito antigos) (...)-

"Feito o inventário, encontram-se ainda, em barricas e latas, razoáveis quantidades de: 

  • sulfato de sódio,
  •  borato de sódio, 
  •  ácido bórico, 
  • sulfato de cobre, 
  • enxofre, 
  • vaselina 
  • e permanganato de potássio. 

"Têm sido estes medicamentos, generosa dádiva da Providência, largamente empregados. 

"O material de penso existia em quantidade mínima, e temo-nos aguentado, poupando-o com a mais profunda avareza; hoje está reduzido praticamente a zero com exceção de uma quantidade mínima guardada para ferimentos graves, sempre prováveis. 

"Operações cirúrgicas, em condições de sucesso, são impossíveis. Falta o material cirúrgico e de penso, luvas, batas, toalhas, etc; e todo o material de anestesia, além dos medicamentos  necessários para acudir prontamente aos acidentados. Esterilizações perfeitas também não podem ser efectuadas por não termos petróleo para aquecer os autoclaves.

"Foi devido a estes factos que foi solicitado, que os quatro timorenses, auxiliares dos europeus, gravemente feridos por estilhaços de bomba (que ficaram profundamente situados nos tecidos), a quando do bombardeamento das vizinhanças do hospital, fossem operados no hospital nipónico. Os curativos consecutivos foram feitos por mim e enfermeiros em serviço no hospital, transferindo-se mais tarde os feridos: para a ambulância de Liquiçá, onde parecia não haver perigo de bombardeamentos. 

"As operações de pequena cirurgia e os curativos de feridas e úlceras têm-se feito todavia, utilizando-se os mais diversos recursos como, pano de roupa muito usada (a substituir a gaze). sumaúma (para almofadar as lesões da pele), ataduras de qualquer pano e mesmo de folhas de palmeira (servindo-nos as folhas verdes de palmeira esterilizadas à chama do álcool indígena, para tornar impermeáveis certos pensos) e tantas improvisações a que a penúria obriga. 

"Foram cedidos alguns medicamentos pelas forças nipónicas. Assim receberam-se em dezembro de 1942, dois mil e quinhentos comprimidos de quinino, e em maio de 1943 uma pequena quantidade de medicamentos, entre os quais havia 170 gramas de euquinina, que muito jeito fizeram para o tratamento do sezonismo das crianças.

"Em 18 de maio do mesmo ano foi entregue,  ao senhor Cônsul do Japão, uma lista dos medicamentos, material de penso e utensílios, essenciais para os portugueses. 

"Em 10 de setembro foram internados no hospital Dr. Carvalho dois timorenses com várias lesões traumáticas, tendo o médico nipónico, que os acompanhou, enviado algum material de penso para o seu tratamento. 

"Em novembro, ainda no mesmo ano de 1943, registaram-se casos de varicela tendo-se pedido, e obtido, alguns medicamentos, embora em pequeníssima quantidade. Em outubro, recebemos 400 tablóides de quinino a 0,10 g." (...)


Estado sanitário da população

(...) "Não nos afligiu, até agora, o cataclismo das grandes e mortíferas epidemias que tão facilmente se instalam nos aglomerados humanos em que o ajuntamento de várias famílias sob o mesmo teto, sem qualquer espécie de conforto, com falta de quase tudo, desde as roupas e material doméstico até à alimentação, que por ser pouco variada e reduzida (devido à sua dificílima aquisição, visto aparecer nos mercados em pouca quantidade e com custo incrível) não corresponde às normais necessidades da fisiologia nutritiva, por lhe faltarem quantidades suficientes de gorduras, proteínas e  os princípios vitamínicos essenciais à manutenção da vida sã. 

"A alimentação é pouquíssimo variada e é quase exclusivamente constituída por feculentos (milho assado, cozido ou em papa, arroz, mandioca, batata doce e inhames, sendo raras as batatas); fazem muita falta os ovos, carne e peixe em quantidade suficiente, os variados legumes, fruta, hortaliças e gorduras animais ou vegetais, pois não havendo há muito tempo o azeite de oliveira, são quase impossíveis de obter a banha e os produtos vegetais oleosos (óleos de amendoim e de coco, e amêndoas de "quiar"— 'Canarium molucannum', Blume — ). O leite é tão pouco que teve de ser racionado pelos doentes e crianças, exclusivamente. 

"Se acrescentarmos as preocupações diárias, o quase invencível desânimo, a vida sedentária, ou para muitos os rudes trabalhos das «hortas» a céu descoberto em clima tropical (ótimas ajudas para a acção dos agentes microbianos), facilmente concluiremos que fatalmente seríamos presa de doença, se não fora a sorte, segundo alguns, ou a ajuda Divina conforme a maioria crê. 

"Também não apareceram moléstias que, não existindo até agora em Timor,r  poderiam ter sido veiculadas pelos soldados (dengue, cólera, febre amarela, tifo exantemático, bilharzíase, per exemplo). 

"Durante o mês de dezembro registou-se em Liquiçá e Maubara o aparecimento de gripe com laringite e angina com carácter bastante transmissível, doenças que o sr. Delegado de Saúde de Liquiçá conseguiu tratar e evitar a sua difusão, lamentando-se o falecimento de duas crianças (filhas de europeus), uma de dois anos e outra de cinco anos de idade." (...) 


(ii) Eis a listagem alguns casos benignos de doenças ocorridos em 1943, 
segundo o relatório da autoridade de saúde:

  • sezonismo; 
  • disenteria bacilar e alguns casos de disenteria amibiana crónica; 
  • gripe; 
  • reumatismo; 
  • anginas; 
  • sarna (devido à falta de sabão) ; 
  • úlceras tropicais; 
  • corizas banais; 
  • parotidites; 
  •  varicela; 
  • alastrim; 
  • cáries dentárias, com ou sem abcesso; 
  • boubas (entre os timorenses); 
  • cólicas hepáticas; e várias neurastenias e histerismos próprios das circunstâncias. 

 (...) "Alguns portugueses que foram forçados a viver no mato durante meses, apresentaram sinais de beribéri:  paresias e insensibilidade ligeiras dos membros inferiores, astenia cardíaca e edemas na face e nos pés (dorso e à roda dos maléolos). Estes sintomas curaram facilmente com o tratamento baseado em alimentação rica em vitamina B1.

"Infelizmente já se registaram óbitos entre a população europeia. Os dois primeiros deram-se em Liquiçá no mês de novembro de 1943: um, devido a tuberculose pulmonar crónica (...); e outro  devido a angina de Ludwig (...), ambos em adultos. 

"Em dezembro faleceram duas crianças, na epidemia de gripe com laringite  e angina, de que acima falei." (...)

   Direcção dos serviços 

 (...)  "Também tive a honra de obter o assentimento de V Exª para a minha proposta da abertura imediata de um curso de enfermagem. Esse curso tem funcionado com bastante regularidade, tendo eu escrito as lições para os alunos a meu cargo,   circunstância bastante útil pois até agora não existia um guia para o estudo dos alunos. Também, acabadas as lições, cada futuro enfermeiro terá um formulário com os medicamentos usuais e já conhecidos por ele o que será de grande vantagem atendendo a que o enfermeiro isolado tem de atuar como clínico 

 "Em Liquiça, o senhor Delegado de Saúde [ dr. Francisco Rodrigues]  faz também um curso semelhante, devendo os exames ser feitos em abril do ano de 1944, no  Hospital Dr. Carvalho 

" Os doentes internados têm sido poucos pelo motivo de os timorenses terem receio dos bombardeamentos, preferindo viver e... morrer no mato. 

"Ao contrário, o posto médico é relativamente bastante frequentado para consulta, curativos e tratamentos ambulatórios dos quais se tem obtido resultados que satisfazem, embora não possuamos o material de penso e desinfetantes convenientes; como felizmente nos restava um pouco de salicilato de bismuto pudemos tratar boubas do pessoal timorense, preparando uma suspensão a 10% em óleo de coco, com magníficos resultados, como há muito tempo foi verificado pelos médicos desta Colónia, " (...)


(iii) O dr. José dos Santos Carvalho diz que, nesse ano de 1943,  foram hospitalizados "44 doentes sendo a média diária de 7", 
 por doenças tais como: 

  • varicela, 
  • parotidite, 
  • sarna, 
  • feridas, 
  • gripe, 
  • úlceras, 
  • blenorragia 
  • e tuberculose pulmonar. 

(...) "Faleceram 3 timorenses (parotidite complicada, 1; gangrena, 1; úlcera crónica, 1); e um chinês (tuberculose pulmonar crónica) . 

"Foi também internada uma mulher em estado de parto que verifiquei ser distócico; por felicidade existia no hospital um fórceps de modelo arcaico, o qual, todavia, não me deixou ficar mal. " (...)

 Secretaria da Repartição 

 
(...) "O arquivo da Repartição perdeu-se em Quelicai. Tendo sido feita, por ordem de V. Ex. a , uma escolha de documentos nos montes de livros e papelada constituídos por arquivos de várias repartições, resultou encontrarem-se alguns respeitantes a esta repartição (pouco importantes), várias revistas médicas e a colecção quase completa do Boletim Sanitário da Colónia que guardei e ordenei. 

"Assim consegui juntar os elementos suficientes para a preparação consciente de um projecto minucioso de remodelação dos Serviços de Saúde em que trabalho há tempos. Também foram encontrados estudos botânicos sobre a Colónia de Timor, que me facilitaram extraordinariamente a elaboração de um trabalho sobre medicamentos vegetais provenientes de plantas de Timor, nativas ou já aclimadas, com o fim de divulgar propriedades terapêuticas dessas plantas, pouco conhecidas, visto que poucas drogas farmacêuticas possuímos." (..,)

 Funcionários 


 (iv) Sobre o comportamento e o movimento dos seus funcionários,  o chefe (interino) da repartição técnica de higiene e saúde, faz o ponto da situação em 31 de dezembro de 1943 (pp. 155/156).  
Resumindo:

  • Dos 4 médicos, 2 tinham morrido;
  • O farmacêutico estava ausente;
  • Dos 16 enfermeiros, 2 tinham falecido, 1 estava desaparecido e 7 estavam ausentes;
  • Dos 31 auxiliares de enfermagem,  19 estavam ausentes,
  • Dos 4 enfermeiros estagiários, 1 estava ausente e outro pedira a exoneração.
Ou seja,  de um total de 52 profissionais de saúde, 34 (c. de dois terços) tinham falecido, ou desaparecido, ou estavam ausentes.

 Conclusões

(...) "O estado sanitário da população é razoável, porém, é muito de temer, por possível e provável, a irrupção de moléstias graves que levem à morte muitos portugueses, se as condições de vida não se modificarem, nomeadamente no respeitante à alimentação e aos meios de combater as doenças. 

"O pessoal dos Serviços de Saúde é suficiente e cumpridor pelo que é de prever que, quando possuir os meios necessários,  deve satisfazer." (...)

(Seleção, revisão / fixação de texto, notas, título: LG)
___________

Nota do editor:

segunda-feira, 23 de setembro de 2024

Guiné 61/74 - P25970: Timor: passado e presente (22): Notas de leitura do livro do médico José dos Santos Carvalho, "Vida e Morte em Timor durante a Segunda Guerra Mundial" (1972, 208 pp.) - Anexo I: Lista dos cerca de uma centena de portugueses mortos durante a ocupação japonesa

 





Timor > s/l > 10938 >  Fotos da Missão Geográfica e Geolõgica de Timor: as duas primeiras parecem-nos ser relativas à construção de um marco geodésico. A última é de um habitante local.  (Grande parte das 558 fotos do Álbum Fontoura não trazem legenda, embora estejam organizadas por área temática; estas três pertencem à série 6 "Ação Civilizadora e Colonizadora" 

Foto do Arquivo de História Social > Álbum Fontoura. Imagem do domínio público, de acordo com a Wikimedia Commons. Editada (e legendada) por blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2024)


O Álbum «Colónia Portuguesa de Timor», mais conhecido por «Álbum Fontoura», nome do governador que o mandou elaborar em finais dos anos 30, e coincidindo, então, com a permanência em Timor de uma missão geográfica e geológica, chefiada pelo geógrafo Jorge Castilho, contém 549 fotografias relativas a «grupos étnico-linguísticos e tipos em geral», «trajos, ornamentos, pertences e armas», «vida familiar e social», «formas de trabalho (…), arte indígena e instrumentos musicais» e «acção civilizadora e colonizadora». O exemplar do álbum, recuperado após Abril de 1974 pelo antropólogo, professor António de Almeida, foi depositado no AHS (Arquivo Histório Social, ISC/UL, pela «Família Almeida», através do Doutor Pedro Cardim. (Fonte: AHS/Album Fontoura)




Capa do livro de José dos Santos Carvalho: "Vida e Morte em Timor Durante a Segunda Guerra Mundial", Lisboa: Livraria Portugal, 1972, 208 pp. Cortesia de Internet Archive. O livro é publicado trinta anos depois dos acontecimentos. O autor terá nascido na primeira década do séc. XX.



1. Chegámos  ao fim das notas de leitura e excertos do livro do médico de saúde pública José dos Santos Carvalho, "Vida e Morte em Timor durante a Segunda Guerra Mundial" (*), disponível em formato digital no Internet Archive.

Há, no entanto, alguma informação  em anexo que vale a pena disponibilizar ao leitor que se interessa pela história de Timor durante a II Guerra mundial.

Começamos pela listagem dos portugueses mortos durante a ocupação japonesa (n=80,  incluindo 16 deportados).

Dos timorenses que morreram durante este trágico período da sua história (e terão sido algumas dezenas de milhares), só sabemos os nomes de alguns dos seus chefes tradicionais ("liurais"), que se mantiveram leais à bandeira portuguesa (n  > 11).
  


Notas de leitura do livro do médico José dos Santos Carvalho, "Vida e Morte em Timor durante a Segunda Guerra Mundial" (1972, 208 pp.) 

Anexo I:   Lista dos cerca de uma centenas de portugueses mortos durante a ocupação japonesa  (pp. 127-132)  
 


(A) Alguns Portugueses Mortos  em Combate Durante a Ocupação Japonesa (n=10)


1 — Paulo Moreira. Cabo de infantaria. Em Lébus, a 5 de setembro de 1942. 

2 — Abel Soares dos Santos. Soldado. Em Lébus, a 5 de setembro de 1942. 

3 — António Fernão Magalhães. Natural de Macau, servindo de enfermeiro numa coluna expedicionária. Em Lébus,  a 5 de setembro de 1942. 
 
4 — Evaristo Gregório Madeira, Cabo de infantaria. Em Aileu, a 1 de outubro de 1942. 

5 — Júlio António da Costa. Cabo de infantaria. Em Aileu, a 1 de outubro de 1942. 

6 — Álvaro Henrique Maher. Soldado. Em Aileu, a 1 de outubro de 1942. 

7 — João Florindo. Soldado. Em Aileu, a 1 de outubro de 1942. 

8 — Dr. João Mendes de Almeida. Licenciado em Letras e administrador de circunscrição. Em Manatuto, a 13 de  novembro de/1942. 

9 — Augusto Pereira Padinha. Chefe de posto administrativo, licenciado pela Escola Superior Colonial. Em Manatuto,  a 13 de novembro de 1942. 

10 — Eduardo Felner Duarte. Deportado. Nas faldas do monte Ramelau, nos arredores de Ainaro, em maio de 1943. 


(B) Alguns Portugueses Assassinados Durante a Ocupação Japonesa  (n=37)

1 — Francisco Ramos Graça. Deportado. No Remexio, em março de 1942. 

2 — Fernando Martins. Deportado. Em Díli, em março de  1942. 

3 — Alfredo Baptista. Cabo de infantaria e chefe de poste  administrativo. Em Fátu-Lúlic, em agosto de 1942. 

4 — Francisco Martins Coelho. Cabo de infantaria e chefe de  posto administrativo. Em Maubisse, em agosto de 1942. 

5 — José Faria Braga. Deportado. Em Maubisse, em agosto  de 1942. 

6 — Fernando Augusto Mariz. Deportado. Na circunscrição  da Fronteira, em agosto de 1942. 

7 — Sebastião da Costa. Agricultor. Na circunscrição de  Aileu, junto ao limite com Laulara, em setembro de 1942. 

8 — Luísa Pereira da Costa. Esposa do anterior. Idem. 

9 — Maria Elisa Vigário. Filha do casal anterior e esposa de  João Pereira Vigário. Idem. 

10  — Alice Pereira Vigário. Filha da anterior. Idem. 

11 — Uma criança de três meses, filha de Manuel Albano dá  Costa. Idem. 

12 — Padre António Manuel Pires. Missionário. Em Ainaro, a 2 de outubro de 1942. 

13 — Padre Norberto de Oliveira Barros. Missionário. Idem. 

14 — Luís Ferreira da Silva, Deportado. Idem. 

15 — Emílio Augusto Caldeira. Deportado. Em Lete-Fóho, em  agosto de 1942. ;. 

16 — João Romano da Silva. Deportado. Idem. 

17 — Joaquim Pereira Vigário. Agricultor. Em Aileu — Laulara, a 3 de novembro de 1942. 

18 — Manuel Ribeiro. Agricultor. Idem. 

19 — Manuel Arroio Estanislau de Barros. Administrador de  circunscrição. Na área da sede da circunscrição de Lautém, a 17 de novembro de 1942. 

20 — Maria das Dores de Barros. Esposa do anterior. Idem. 

21 — António Teixeira. Deportado. Em Lautém, em novembro  de 1942. 

22 — Raul Monteiro. Deportado. Em Fuiloro. 

23 — Mário Gonçalves. Deportado, Em Lautém. 

24 — Alípio Ferreira. Alferes reformado. Em Cribas, em data  ignorada. 

25 — Alberto Ferreira. Filho do anterior. Idem. 

26 — António Xavier de Jesus Araújo. Secretário de circunscrição aposentado, natural de Timor. Em Díli, a 28 de  janeiro de 1943. 

27 — Helena Barros de Araújo. Mãe do anterior. Idem. 

28 — Fernando José Maria Senanes. Ajudante de enfermeiro. Na região de Luca, antes de 28 de fevereiro de 1943. 

29 — Manuel Albano da Costa. Agricultor. Em terras de Malua, em data ignorada, (Filho do n.° 7 desta lista, Sebastião da Costa) . 

30 — Padre Abílio Caldas. Missionário, natural de Timor. Em  Barique, em data ignorada. 

31  — Romualdo Aniceto. Soldado. Em Leu-Moa (Ainaro), em  abril ou maio de 1943. 

32 — José Cachaço. Soldado. Idem. 

33 — José Estêvão Alexandrino. Na Ermera, em junho de  1943. 

34 — João Brás. Cabo de infantaria e chefe de posto administrativo. Em Vátu-Carabau, depois de junho de 1943. 

35 — José Rebelo, Cabo de infantaria. Fuzilado pelos japoneses  em Lautém, em agosto de 1945. 

36 — Armindo Fernandes. Soldado. Idem 

37 — José Carvalho. Filho de um antigo liurai de Liquiçá e  educado na Casa Pia de Lisboa. Fusilado pelos japoneses  em Lautem, em agosto de 1945. 


(C) Alguns Portugueses Mortos na Prisão (n=8)

1 — José Plínio dos Santos Tinoco. Chefe de posto administrativo. Na cadeia de Díli, a 8 de abril de 1944. 

2 — Manuel de Jesus Pires, Tenente de infantaria e administrador de circunscrição. Na cadeia de Díli, em data ignorada de 1944. 

3 — Cipriano Vieira. Cabo de infantaria. Idem. 

4 — João Vieira. Cabo de infantaria. Idem. 

5 — Serafim Joaquim Pinto. Enfermeiro. Na cadeia de Díli antes de 29 de abril de 1944. 

6 — Augusto Leal de Matos e Silva. Chefe de posto administrativo. Na cadeia de Díli, possivelmente em 9 de maio de 1944. 

7 — Artur do Canto Resende. Engenheiro-geógrafo. Em Kalabai, na ilha holandesa de Alor, a 23 de Fevereiro de 1945. 

8 — João Jorge Duarte. Gerente da filial do Banco Nacional  Ultramarino de Díli. Em Kalabai, Alor, a 25 de março de 1945. 


(D) Portugueses de que Consta  Terem-se Suicidado (n=16)

1 — António Maria Freire da Costa. Capitão de infantaria.  Em Aileu, a 1 de outubro de 1942. 

2 — Maria Eugenia Freire da Costa. Esposa do anterior  Idem. 

3 — Dr. Diniz Ângelo de Arriarte Pedroso. Médico. Idem. 
 
4 — José Gouveia Leite. Secretário de circunscrição. Idem. 

5 — António Afonso. Chefe de posto administrativo auxiliar. Idem. 

6 — Dr. José Aníbal Torres Correia Teles. Médico. Na região  de Viqueque, em fevereiro de 1943. 


(E) Alguns Portugueses Falecidos no Mato Onde Andaram Foragidos (n=19)


1 — Jacinto José Ansejo. Guarda da polícia de Macau. Em  Manatuto, em data ignorada. 

2 — Luís Baptista. Aspirante administrativo. Na região de  Manatuto, em data ignorada. 

Padre Francisco Madeira. Missionário. Na região de  Lacluta, em data ignorada. 

 José Armelim Mendonça. Aspirante administrativo. Em  Barique, em abril de 1943. 

5 — Narcisa Mendonça. Esposa do anterior. Idem. 

6/7/8/9 — Crianças, filhas do casal anterior. 

10 — Carlos Drumond Meneses de Jesus. Secretário de circunscrição. Em Barique, em junho de 1943. 

11 —Orlando Vai do Rio Paiva. Agente técnico de engenharia.  Na região de Dilor, em data ignorada. 

12 — Manuel Simões Miranda. Deportado. Idem. 

13 — António Dias. Deportado, Local e data ignorados. 

14 — Dionísio Teixeira. Deportado. Na região de Dilor, em data ignorada. 

15 — Raimundo de Carvalho. Deportado. Local e data ignorados. 

16 — Alcino José Gregório Madeira. Ajudante de enfermeiro. Local e data ignorados. 

17 — Acácio de Oliveira. Cabo de infantaria, Idem. 

18 — António Mendes. Cabo de infantaria. Idem. 

19 — Venceslau Pereira. Escrivão da comarca de Díli. Idem. 


(F) Alguns Timorenses  Assassinados  ou Mortos na Prisão  (n > 11)


1 — D. Aleixo Corte Real, liurai do reino do Suro. 

2 — Todos os filhos de D. Aleixo, que ao seu lado morreram. 

3 — Francisco Costa, liurai de Hátu-trdo e companheiro de armas de D. Aleixo. 

4 — Liurai Cipriano, de Atsabe. 

5 — Liurai Tálu-Bere, da Maliana. 

6 — Liurai Paulo, de Ussuroa. 

7 — Chefe de Suco  D. Jeremias dos Reis Amaral, de Luca. 

8 — Liurai Luís Noronha, de Lacló, Manatuto. 

9 — Liurai coronel D. Moisés, de Fátu-Ãhi. 

10 — Cosms Soares, primo do liurai Paulo de Ussuroa. 

11 — Liurai de Maubisse, Evaristo de Sá e Benevidas, de Hai-Hou, assassinado com toda a sua família, exceto  um filho, depois de ter sido preso por demonstrar inteira  lealdade a Portugal.






Mapa de Timor em 1940. In: José dos Santos Carvalho: "Vida e Morte em Timor Durante a Segunda Guerra Mundial", Lisboa: Livraria Portugal, 1972, pág. 11. (Com a devida vénia). Assinalado a vermelho a posição relativa de Maubara e Liquiçá, a oeste de Díli, onde se situava a zona de detenção dos portugueses, imposta pelos japoneses (finais de 1942 - setembro de 1945)

Infografia: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2024)

(Seleção, revisão / fixação de texto, excertos: LG) 


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Nota do editor

14 de setembro de 2024 > Guiné 61/74 - P25941: Timor: passado e presente (21): Notas de leitura do livro do médico José dos Santos Carvalho, "Vida e Morte em Timor durante a Segunda Guerra Mundial" (1972, 208 pp.) - Parte XII: O regresso à Pátria e o fim do anátema de 'deportado' (pp. 102-107)

segunda-feira, 5 de agosto de 2024

Guiné 61/74 - P25809: Timor: passado e presente (16): Notas de leitura do livro do médico José dos Santos Carvalho, "Vida e Morte em Timor durante a Segunda Guerra Mundial" (1972, 208 pp.) - Parte VII: As chacina de Aileu e Ainaro, em outubro de 1942... E a coragem da jovem Julieta Lopes, de 17 anos, que gritou aos assassinos, em tétum: Quétac óhò feto ò labáric! (Na guerra não se matam mulheres e crianças!)



Timor Leste  > Dli >  c. 1936/40  > O Palácio do Governador



Timor Leste > Díli > c. 1936/40 > "Sua Excelência o Governador e S. E. Reverendissima o Bispo da Diocese"... Trata-se do governador Álvaro Fontoura (1891-1975), que exerveu o cargo antes dos acontecimentos aqui descritos, ou seja, entre 11/9/1937 e 10/5/1940. Duarante a Guerra Mundial, foi governador o cap inf Manuel de Abreu Ferreira de Carvalho (1893-1968).



Timor Leste > Díli > 1937 > "Baleeira governamental quando da chegada de S. E. o Governador"


Timor Leste > Díli > c. 1936/40 > Baucau > "Residência do Governador (Vila Salazar)"



´Timor > Bacau ou "Vila Salazar > c. 1936-1940 > Um aspeto da vila

Fotos do Arquivo de História Social > Álbum Fontoura. Imagens do domínio público, de acordo coma Wikimefdia Commons.




1. Estamos a publicar notas de leitura e excertos do livro do médico José dos Santos Carvalho, "Vida e Morte em Timor durante a Segunda Guerra Mundial" (*), disponível em formato digital no Internet Archive.

 Timor Leste, como é sabido, foi o único território  português ultramarino (na altura, designado como "colónia" , até 1951)  que foi invadido e esteve ocupado por forças estrangeiras, durante a II Guerra Mundial (entre dezembro de 1941 e setembro de 1945): tropas aliadas (anglo-australianas  e holandesas, primeiro, e japonesas depois),

O livro em apreço é um documento importante para se conhecer melhor este dramático  período da história de Timor. Devido à censura, o "caso de Timor", ou todo o seu horror,  só foi conhecido depois do fim da guerra. Timor foi uma "pedra" na bota de Salazar, que vociferou contra os aliados e praticamennte calou-se ante os nipónicos.

Para ajudar a leitura, reproduzimos no fim deste poste o mapa de Timor em 1940 (da autoria de José dos Santos Carvalho). Em termos administrativos, a atual República Democrática de Timor-Leste encontra-se dividido em 13 distritos: 

(i) Bobonaro, Liquiçá, Díli, Baucau, Manatuto e Lautém na costa norte;  | (ii) Cova-Lima, Ainaro, Manufahi e Viqueque, na costa sul;  ! (iii) Ermera e Aileu, situados no interior montanhoso;  | (iv) e Oecussi-Ambeno, enclave no território indonésio.

 

Notas de leitura do livro do médico José dos Santos Carvalho, "Vida e Morte em Timor durante a Segunda Guerra Mundial" (1972, 208 pp.) 

Parte VII:   As chacina de Aileu e Anaro,  em outubro de 1942... E a coragem da menina Julieta Lopes que gritou aos assassinos, em tétum: Quétac óhò feto ò labáric!   (Na guerra não se matam mulheres e crianças!)


(i) Na madrugada de 1 de outubro de 1942, quinta feira, 
deu-se um dos episódios mais trágicos de toda a guerra 
no Timor português: o ataque à Companhia de Caçadores 
e à casa do seu comandante, o cap inf  Freire da Costa; 
uns morreram de armas na mão 
fazendo frente a uma "coluna negra",
 outros suicídaram-se. 

Segundo o adjunto da Companhia, o tenente Antóni0 Oliveira Liberato, dispunha de 200 homens, quase todos timorenses, 2 metralhadoras Vickers, 1 Lewis e 48 espingardas... do séc. XIX, Kropatchek, e umas escassas milhares de munições, velhas. Os prometidos morteiros, essenciais num território montanhoso,
ficaram, prometidos, em Lisbos. 

Toda a estratégia militar de Salazar e Santos Costa, na II Guerra Mundial, esteve orientada para a defesa das ilhas atlânticas (Madeira, Açores e Cabo Verde),  Tim0r foi, metaforicamente falando, 
riscada do mapa.

Nesta época, a população de Timor, de origem metropolitana, não ultrapassaria as duas centenas (não contando com as famílias): cerca de 90 deportados ("políticos e sociais"), meia centena de militares, umas escassas dezenas de funcionários administrativos, pessoal das missões católicas... Não havia colonos, ou contavam-se pelos dedos,
 

(...) Na tarde do dia 2 de outubro de 1942, o chanceler do consulado japonês, sr. Irié, veio ao hospital informar o engenheiro Canto de que em breve aí chegariam vários portugueses provenientes de Aileu.

De facto, cerca das 21 horas, apareceram três camionetas do exército nipónico, transportando portugueses de Aileu, entre os quais vinha o administrador Virgílio Castilho Duarte, o tenente reformado João Cândido Lopes e suas três filhas, o sargento António Lourenço da Costa Martins, o sargento Carlos de Miranda Relvas, o sargento Manuel dos Santos, os cabos Porfírio Soares e Jacinto Santos, e os enfermeiros Marcelo Nunes e Daniel Madeira.

Contou-nos, então o sargento Martins que na madrugada do dia 1 de Outubro, o aquartelamento da Companhia, instalado no depósito de degredados de Aileu, havia sido subitamente atacado e bombardeado por morteiros e, em seguida, por granadas de mão e alvo de tiros de metralhadora e espingarda, ouvindo-se gritos em língua indígena desconhecida no Timor português mas entre as quais se distinguia a palavra «Atambura» (1).

Tratava-se, pois, de uma coluna negra principalmente recrutada nessa cidade do Timor holandês. A guarda da Companhia, encurralada dentro dos muros do presídio, pois os japoneses haviam exigido que não patrulhasse as suas imediações, reagiu, saindo à portada, disparando uma metralhadora e espingardas, os cabos Evaristo Gregório Madeira e Júilo António da Costa, os soldados Álvaro Henrique Maher e João Florindo e vários soldados timorenses, tendo morrido, atingidos pela metralha, aqueles quatro europeus e seis soldados timorenses.

O ataque parou então, o que permitiu a fuga dos sobreviventes tendo, porém, alguns militares europeus ficado dentro do edifício do aquartelamento, escondidos e acaçapados no vão de um sobrado, coberto com as tábuas que tinham levantado. Assim se mantiveram até que, na manhã seguinte a tropa japonesa que visitou o edifício, os descobriu, com evidente surpresa e desapontamento.

A menina Julieta, filha do tenente Lopes (2) , eontou-me pormenorizadamente a tragédia que se tinha desenrolado na habitação em que estava instalado o comandante da Companhia e situada perto do aquartelamento.

Naquela noite, temerosos de acontecimentos terríveis que pressentiam, haviam-se acolhido à casa do comandante, o administrador Virgílio Duarte, o dr. Dinis Ângelo Arriarte Pedroso (delegado de saúde da zona oeste que habitava em Aileu desde o mês de junho), o secretário da administração de Aileu, José Gouveia Leite, sua esp
osa  [Cacilda] e dois filhos (um de sete anos de idade e outro ainda de peito), o chefe de posto auxiliar Antono Afonso, as três filhas do tenente Lopes  (2) e o filho do tenente Liberato, de doze anos de idade (3) .

O ataque principiou pelo quartel mas logo passou à casa do comandante que foi varrida por saraivadas de balas e a que começou a ser lançado fogo, pegando-o a uma dependência que servia de capoeira e lhe estava encostada. 

Não tendo dúvidas de que iriam ser mortos e torturados pelos assaltantes, tal como acontecera ao sr. Martins Coelho em Maubisse, e vendo que ficariam assados no braseiro em que a casa ameaçava tornar-se, todos os que ali se encontravam foram tomados do maior pânico, em especial os que temiam os piores vexames para as suas esposas que preferiam ver mortas

Em resultado deste estado de espírito, o capitão Freire da Costa suicidou-se com um tiro de pistola na cabeça, a sua esposa procedeu do mesmo modo com um pequeno revólver, o dr. Pedroso encostou uma espingarda ao peito e desfechou sobre o coração, e o secretário Gouveia Leite e o chefe de posto António Afonso meteram espingardas sob o queixo e dispararam. Em poucos instantes todos estes estavam mortos.

O administrador Virgílio Duarte teve, então, a ideia de se misturar com os cadáveres e se fingir morto. Assim fez, e foi isso que lhe salvou a vida. Entretanto, o fumo do incêndio, que alastrava, já quase asfixiava os sobreviventes, o que os obrigou a abrirem a porta para sair para o exterior. 

A turba ululante que se preparava para os exterminar foi então detida pela enérgica e decidida acção da menina Julieta Lopes (2), que, como conhecedora dos costumes primitivos timorenses,  se lhe dirigiu em alta voz, em tétum: Quétac óhò feto ò labáric! (4). Assim, lembrando àqueles homens que na guerra não se matam mulheres e crianças, salvou a vida do desgraçado grupo.

Entrou a malta na casa e saciou o seu ódio disparando, ainda, tiros sobre os cadáveres, um dos quais feriu levemente no nariz, actuando de ricochete, o administrador Virgílio Duarte. As senhoras e crianças sobreviventes dirigiram-se então, livremente, para a residência do administrador que, tal como todas as casas de Aileu, com exceção do quartel e a do comandante, não havia sido atacada pela coluna negra.

Manhã cedo, militares japoneses vieram do seu acampamento vistoriar Aileu e foram eles que encontraram os militares portugueses escondidos nos escombros do quartel da Companhia e o administrador Virgílio na casa do comandante. 

Ficaram todos os sobreviventes da chacina de Aileu alojados na residência do administrador e, no dia seguinte, escoltados por soldados japoneses, tiveram de fazer a pé a longa caminhada entre Aileu e a ribeira de Cômoro onde encontraram as três camionetas que os transportaram ao hospital de Lahane, sendo recebidos com o carinho e a emoção fáceis de imaginar.

Passados poucos dias, seguiram a hospedar-se em casas de Liquiçá. Somente dias depois, soubemos em Lahane que em 2 de Outubro, dia seguinte à da chacina de Aileu, uma coluna de tropa japonesa acompanhada de timorenses havia assassinado em Ainaro, com requintes de selvajaria, os missionários, padres António Manuel Pires e Norberto de Oliveira Barros e o deportado Luís Ferreira da Silva que, na missão de Ainaro, prestava serviço como mestre-de-obras.

Devido a tantos acontecimentos desastrosos, o tenente Ramalho retirou-se do seu acampamento de Ai-Hou, daí saindo e dirigindo-se para leste, no dia 5 de outubro, chegando à Baucau a 24. 

O tenente Liberato ainda se manteve uns dias em Bobonaro, porém teve que retirar para Atsabe, no dia 12, seguindo a f ixar-se no lugar de Mânu-Tássi, a dois quilómeros da Hátu-Lia, cumprindo uma ordem do Governador que o incumbia de orientar a atuação nas áreas dos postos ainda ocupados pelas autoridades administrativas — Atsabe, Lete-Fóho, Hátu-Lia, Cailaco e Ermera — e cobrindo com as tropas as regiões de Liquiçá, Bazar-Tete e Boibau (6).

Entretanto, factos graves se passavam em Bazar-Tete e tropas japonesas, acompanhadas de indígenas, ameaçavam Lete-Fóho. Na primeira dessas localidades, apareceu de surpresa, à hora em que se realizava o bazar (7) , uma coluna negra, vinda de Aileu. Precedendo a sua entrada de breve fuzilaria, puseram em debandada os timorenses e os europeus que se encontravam no mercado.

O sr. Moreira Rato, chefe do posto, e família, perseguidos a tiro, conseguiram escapar aos assaltantes, refugiando-se no mato. Auxiliados por timorenses dedicados, alcançaram Liquiçá. Exaustos, rotos, corpos cheios de arranhaduras, entraram na vila, onde foram socorridos pelo chefe de posto José Nascimento. Incansáveis, ele e sua esposa, prestaram-lhes carinhosa assistência. Outro tanto haviam feito já aos refugiados de Aileu.

No dia 19 de outubro, os japoneses entraram em Lete-Fóho, afugentando os moradores com rajadas de metralhadora e incendiando as residências, armazéns, etc, e regressando a Hátu-Builícu, donde tinham ido. Dois europeus, o deportado Emílio Augusto Caldeira e o condenado João Romano da Silva, morreram às mãos dos indígenas que acompanhavam os nipónicos (6).


(ii) Isolados do mundo (com a estação radiotelegráfica de Taibessi nas mãos dos japoneses), não há sinais de esperança, vindos de Lisboa, pelo que o governador (e os restantes portugueses) acaba por ter de aceitar a "solução japonesa", a de os concentrar em Liquiçá e Maubara.

Entretanto, há já aviões norte-americanos a bombardear o território... Dois anos depois, em 28/11/1944,  a diplomacia portuguesa, jogando com o pau de dois bicos (a famosa "neutralidade colaborante") consegue assegurar a restituição da soberania de Timor, ao conceder aos EUA facilidades na utilização 
da base da ilha de Santa Maria, Açores. 



(...) Após as chacinas de Aileu e Ainaro, o Governador resolveu informar do acontecido a população europeia instalada em Baucau pedindo-lhe, ao mesmo tempo, para se pronunciar sobre a urgente necessidade de se enviar um telegrama para Lisboa, rogando a evacuação de Timor, da população que estava sistematicamente a ser dizimada. 

O caso, que primeiro foi tratado com os que residiam no hospital de Lahane, pessoalmente pelo Governador, revestia-se de excecional delicadeza. A nossa dificílima situação era motivada, não pela impotência de dominarmos os limitados focos de rebelião de timorenses-portugueses mas, sim, pela impossibilidade de podermos castigar e reprimir os bandos de indígenas do Timor holandês que os japoneses lançavam contra nós e que, sem dúvida alguma, protegeriam.

Ora, desde o dia 31 de maio que estávamos isolados de qualquer comunicação com o resto do mundo por os japoneses terem ocupado a nossa estação radiotelegráfica de Taibéssi e, somente por intermédio deles poderíamos enviar um SOS ao Governo central. 

Porém, como explicar-lhe que todas as nossas aflições resultavam da velada ação nipónica, em telegrama aberto, pois o cônsul japonês logo claramente informara o engenheiro Canto de que a mensagem, por razões de segurança das forças militares, não poderia ser em cifra ?

Seguiu então para Manatuto e Baucau o capitão Vieira, enviado do Governador, no dia 4 de outubro, tendo recebido o assentimento dos portugueses aí reunidos para se mandar ao Governo um telegrama que, pelo seu apelo desesperado, lhe desse a entender que estávamos inteiramente impossibilitados de garantir a vida de qualquer de nós. 

A resposta do Governo central não se fez esperar, tendo eu sabido, por meias palavras do engenheiro Canto, que nela não havia qualquer esperança de alívio para a nossa situação, julgada perfeitamente controlável pelos meios locais.

Não restou, assim, ao Governador outra hipótese de solução, senão aceitar o oferecimento, que já várias vezes tinha sido feito, de o exército japonês garantir a nossa segurança desde que todos os não-timorenses se concentrassem na zona constituída pelas povoações de Liquiçá e Maubara, por eles escolhida. Todos os portugueses de Lahane concordaram com esta ideia, o mesmo acontecendo com os da zona Leste, a quem o capitão Vieira foi novamente informar do que se passava, partindo para Baucau no dia 11 de outubro.

Era, então, absolutamente claro para todos, não podermos ter a mínima confiança em os nipónicos cumprirem a palavra  dada. Todavia, nada mais nos era dado escolher e tínhamos que nos sujeitar ao que entendíamos ser um subterfúgio para afastar as autoridades portuguesas dos seus postos de soberania

No dia 14 de outubro, passados os dois meses da minha estadia voluntária em Díli, voltei para Baucau e o dr. Rodrigues regressou ao hospital de Lahane, tendo deixado a sua esposa naquela vila, hospedada na residência do secretário Howell de Mendonça de cuja esposa era íntima amiga.

Decorridos três dias, fui surpreendido em Baucau pela notícia de que a família do Governador tinha chegado na noite da véspera trazendo consigo outras pessoas e que todos estavam instalados no «palácio», uma residência de férias dos governadores. Imediatamente, como me cumpria, me dirigi ao palácio para apresentar os meus cumprimentos e no seu átrio encontrei o capitão Vieira que me informou do que se passara em Manatuto, no dia 16 de outubro. 

Aviões com o distintivo americano, haviam, então bombardeado a estrada de Manatuto a Saututo, tendo caído bombas muito perto da residência do administrador, o que motivara a vinda de todos os que aí habitavam para Baucau com exceção do dr. Mendes de Almeida e do secretário Augusto Padinha.

Estavam, assim, no palácio, a senhora D. Cora Ferreira de Carvalho e as suas três filhas, o capitão Vieira e sua esposa e filha, a esposa do tenente Alves e suas duas filhas e um filho, a esposa do administrador dr. Mendes de Almeida e a esposa do secretário Padinha e seus filho e filha. 

No dia 24 de outubro, à tarde, as filhas do Governador e a do capitão Vieira estavam a jogar o ténis comigo. Com grande surpresa, nossa, avistámos, marchando, uma coluna de tropa portuguesa à frente da qual comandava o tenente Ramalho. Era, de facto, este oficial que voltava da sua missão de combater a rebelião de Maubisse e que ia alojar a sua tropa no belo edifício da escola de Baucau, a cerca de quinhentos metros para norte da vila. 

Fui visitá-lo, na manhã do dia seguinte, tendo-lhe oferecido roupas interiores e umas calças minhas que ele, reconhecidamente aceitou, pois não tinha possibilidade de substituir as que ainda usava, rasgadas pelos espinhos do mato, durante as árduas lutas em que tomara parte.

No dia seguinte ao da chegada do tenente Ramalho apareceram, em Baucau o engenheiro Canto e o tenente Alves que convocaram uma reunião onde compareceram quase todos os portugueses não-timorenses. Deram então conhecimento de que tinha sido concluido o acordo com o comando nipónico, negociado por intermédio do engenheiro Canto e do cônsul japonês, pelo qual aceitávamos a sua protecção, e a deslocação para a zona de Liquiçá e Maubara e de que traziam instruções sobre a forma como esta última se havia de processar.

O meio de transporte seria o vapor Oé-Kússi (5) que ainda demoraria a vir cerca de duas semanas, e que começaria por fazer viagens somente com géneros alimentícios (que se deviam juntar em Baucau pois a zona era muito pobre em agricultura) e com bagagens dos passageiros, os quais seguiriam depois. Vários dos assistentes à reunião tomaram então a palavra, sendo o primeiro o Coronel Castilho e seguindo-se-lhe os administradores, tenente Pires e Sousa Santos. Todos foram unânimes na opinião de que não tinham a mínima confiança nas promessas dos japoneses, mas que para nós não havia outra alternativa senão a de seguir para a zona de concentração, que, à boca pequena, se classificava como «o açougue dos portugueses».

As disposições relativas à concentração dos portugueses, tomadas de acordo com o comando nipónico, foram então referidas, de um modo vago, pelo engenheiro Canto e encontramo-las num dos livros do capitão Liberato (6), do qual as passo a transcrever.

«A zona de concentração, necessidade premente, imposta pela situação aflitiva que a colónia atravessava, abrangeria as áreas dos postos administrativos de Liquiçá e Maubara. 

"Ali se concentrariam todos os portugueses. Os destacamentos militares, o meu e o do tenente Ramalho dos Santos, estabelecer-se-iam respectivamente em Boebau (8), área de Liquiçá, e nas montanhas de Maubara, com a missão de defender a integridade da zona, contra os ataques dos indígenas. 

"Cada português poderia conservar em seu poder uma arma de fogo para defesa pessoal. Os indivíduos cujas funções obrigassem a permanecer em Díli, residiriam no hospital Dr. Carvalho, em Lahane».

O acordo foi firmado em bases imprecisas, porque os nipónicos sempre se recusaram a reduzir a escrito os pormenores regulando a sua execução, como insistentemente lhes foi pedido è nas próprias bases era prometido. Manhosos, velhacos, nunca quiseram firmar um compromisso que de certo modo lhes pudesse cecear a sua acção sobre os portugueses. Jamais se decidiriam a penhorar á sua palavra, assinando um documento que no fúturo constituísse a demonstração insofismável da sua desleal conduta (9).

Em minha casa, onde ficou hospedado, me contou o engenheiro Canto que tinha trazido um pedido do Governador para o administrador de Manatuto adquirir, juntar e enviar para Baucau todo arroz que lhe fosse possível obter, para embarcar no OeKussi. 

Transmitidas pelo tenente Pires as instruções do Governador ao administrador de Lautém, todos começaram os seus preparativos para a deslocação, mas sem qualquer ansiedade pois havia um razoável período de espera pelo transporte.

So mais tarde eu soube que no dia 28 de outubro, bastantes portugueses dos lados da Hátu-Lia e Ermera e que se encontravam albergados na plantação de Fátu-Béssi,  haviam abandonado esse local e ido para parte incerta, para não seguirem para a zona.

Conta-nos o dr. Cal Brandão (10) que um oficial australiano que a passara com a sua guerrilha, os informara não ser do conhecimento do seu comando a criação duma zona neutra e que, assim, eles não se julgariam obrigados a respeitar uma convenção feita sem o seu assentimento. 

Depois, o major Bernard Callinan (11), segundo-comandante australiano, declarara que o seu comando criaria também, uma zona de protecção às famílias portuguesas, a evacuar para a Austrália em caso de necessidade, com a condição dos homens lhe prestarem ajuda, ficando como seus intérpretes e colaboradores (10) .

«O facto tornou-se conhecido, fizeram-se os preparativos necessários para a viagem, que podia ser acidentada, e era demorada por certo. No dia 28 de outubro, logo de manhã cedo, com doze australianos a proteger-nos a retirada e sentinelas colocadas nas encruzilhadas em que seria possível um mau encontro, pôs-se a caminho uma caravana de cerca de oitenta pessoas, muitas mulheres e crianças, umas a pé outras a cavalo, em bicha indiana serpeando pelos estreitos carreiros cavados nas encostas de íngremes montanhas» (10) .

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Notas do autor (complementadas pelo editor LG):


(1) Atambua era uma cidade do Timor holandês, situada próximo da nossa fronteira.

(2) O intendente militar, tenente reformado João Cândido Lopes , tinha 3 filhas, entre elas a Julieta Lopes (aqui citada pelo autor), de 17 anos. 

(3) O tenente António Oliveira Liberato, viúvo, deixara o seu filho Luís Filipe, de 12 anos,  à protecção do capitão Freire da Costa, quando partira com o destacamento da Companhia a combater a rebelião dos povos da Fronteira.  Casará depois, em 1943/44, com a Cacilda, viúva do secretário da administração de Aileu, Júlio Gouveia Leite.  (O casal tinha chegado a Timor em setembro de 1936.)  

António Liberato e Cacilda vão reencontrar.se no campo de concentração, com os 3 filhos (dois dela, um dele).

(4) Esta frase, em tétum, significa: "Não se devem matar (após a vitória em combate) as mulheres e as crianças".

(5) O vapor Oé-Kússi, havia sido tomado pelos japoneses para seu serviço no mês de maio de 1942, depois de repetidas vezes, a sua cedência ou aluguer lhes serem negados pelo governador.

(6) Vide Capitão António Oliveira Liberato, O Caso de Timor, Portugália, Lisboa.

(7) Em Timor os mercados públicos têm a designação comum de «bazar».

(8) Onde hoje fica a ESFA (Escola de São Francisco de Assis), construída pela ASTIL - Associação de Solidariedade com Timor Leste.

(9) Vide Capitão António de Oliveira Liberato, Os japoneses estiveram em Timor, Empresa Nacional de Publicidade. Lisboa, 1951.

(10) Vide Carlos Cal Brandão, Funo. Porto, 1946.

(11) E não Callini, lapso do autor ou gralha tipográfica. (Nasceu em 1913 e faleceu em 1995, sendo um grande amigo de Timor Leste).

Fonte: José dos Santos Carvalho: "Vida e Morte em Timor Durante a Segunda Guerra Mundial", Lisboa: Livraria Portugal, 1972, pp. 44-53.

 
(Seleção, revisão / fixação de texto, título, notas introdutórias, reorganização das notas, itálicos e negritos: LG)






Mapa de Timor em 1940. In: José dos Santos Carvalho: "Vida e Morte em Timor Durante a Segunda Guerra Mundial", Lisboa: Livraria Portugal, 1972, pág. 11. (Com a devida vénia).

Infografia: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2024)


Timor Leste > Com c. 15 mil km2, e mais de 1,3 milhões de habitantes, ocupa a parte oriental da ilha de Timor, mais o enclave de Oecusse e a ilha de  Ataúro. Antiga colónia portuguesa, tornou-se independente desde 2002, depois de ter sido  invadida e ocupada pela Indonésia durante 24 nos, desde finais de 1975.   Na II Grande Guerra, conheceu por duas vezes a invasão e ocupação por tropas estrangeiras (os Aliados, em 17 de fevereiro de 1941; e depois os japoneses, em 20 de fevereiro de 1942). Na altura teria pouco mais de 400 mil habitantes. O território era administrado por Portugal desde o início do Séc. XVIII.

Infografia : Wikipédia > Timor-Leste |  Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné 
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Nota do editor:

(*) Último poste da série > 2 de agosto de 2024 > Guiné 61/74 - P25802: Timor-Leste: passado e presente (15): Notas de leitura do livro do médico José dos Santos Carvalho, "Vida e Morte em Timor durante a Segunda Guerra Mundial" (1972, 208 pp.) - Parte VI: e o terror continuou no 2º semestre de 1942...