Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
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segunda-feira, 12 de março de 2018
Guiné 61/74 - P18406: Notas de leitura (1048): “A History of Postcolonial Lusophone Africa”, autor principal Patrick Chabal, com participações de David Birmingham, Joshua Forrest, Malyn Newitt, Gerhard Seibert e Elisa Silva Andrade, Hurst & Company; Londres, 2002 (2) (Mário Beja Santos)
1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 6 de Maio de 2016:
Queridos amigos,
Apresentado em 2002 como a primeira investigação histórica abrangente sobre a África Lusófona pós-colonial, a cuidada investigação de Patrick Chabal e a sua equipa é um documento que requer a nossa atenção dado o seu rigor em dois pontos capitais. A construção da Nação-Estado nestes cinco países e uma descrição altamente documentada do processo político, económico e social de cada um deles (no caso vertente da Guiné-Bissau o seu autor foi Joshua Forrest, um autor credenciado e com diferentes e reputados estudos sobre o país).
Continuo a não perceber como é que não houve um editor para uma obra que teria seguramente encontrado milhares e milhares de leitores, desde os estudiosos ao grande público.
Um abraço do
Mário
A História da África Lusófona Pós-colonial:
Uma investigação de leitura obrigatória (2)
Beja Santos
“A History of Postcolonial Lusophone Africa” tem como autor principal Patrick Chabal, nome cimeiro da investigação dos movimentos revolucionários e das repúblicas africanas lusófonas, e conta com a comparticipação de investigadores de grande qualidade, como é o caso de David Birmingham, Joshua Forrest, Malyn Newitt, Gerhard Seibert e Elisa Silva Andrade, Hurst & Company, Londres, 2002.
Os regimes das cinco antigas colónias portuguesas de África seguiram caminhos distintos, uns gozaram da integridade nacional outros foram confrontados com guerras civis mas apresentaram afinidades com comportamentos já lamentavelmente conhecidos em quase todos os outros países africanos: autoritarismo e clientelismo dentro do sistema político; inabilidade do Estado para implementar um modelo minimamente harmonioso de desenvolvimento e que contasse com a confiança dos cidadãos; declínio gradual da economia que levou ao exacerbamento das questões do poder na cúspide dirigente. Também nesse contexto haverá que ter em conta a desmotivação das populações com os fracassos económicos, o desligamento entre os partidos únicos e os grupos étnicos, os programas de ajustamento estrutural que veio a significar o fim da mania das grandezas; e, no seu termo, a queda do Muro de Berlim que relançou a discussão dos processos de transição para o multipartidarismo e consagração da economia do mercado.
Os autores detalham com rigor os diferentes processos de transição económica e relevam as dificuldades suplementares vividas em Angola e Moçambique, devastados por guerras aparentemente sem fim à vista. Só a natureza desta investigação justifica a leitura deste livro.
A segunda parte do trabalho assenta em estudos estanques dos cinco países. Competiu a Joshua Forrest a investigação sobre a Guiné-Bissau. O investigador começa por chamar à atenção de como a independência da Guiné-Bissau foi saudada em África e noutros cantos do mundos, traduzia um sucesso militar e estratégico do PAIGC, resultava também do modo como Amílcar Cabral pusera a Guiné-Bissau no mapa internacional e das lutas revolucionárias, fora naquele território que emergira o embrião do MFA, da evolução que passara a ter a guerra a partir de 1973 concluíra-se da inevitabilidade de derrubar o governo e proceder à descolonização. Mas de 1974 a 2000 o PAIGC revelou-se incapaz de realizar os seus objetivos nomeadamente na construção do Estado e do desenvolvimento económico. As suas escolhas beneficiaram elites, caso dos ponteiros que criaram riqueza à custa de financiamentos que não foram restituídos aos cofres do Estado. Veio a demonstrar-se que o PAIGC e a direção política de Luís Cabral não dispunham de uma visão clara sobre as transformações que eram imperativas na administração. O falhanço da industrialização acelerada comprometeu todo o sistema financeiro, a dívida externa passou a ser um garrote; e o partido único que fora uma coqueluche revolucionária dividiu-se em frações, os tecnocratas passaram a ignorar as promessas de Cabral, os heróis do passado foram esquecidos, a despeito do nome de alguns aparecerem nas ruas e em certas instituições. Parecia que a economia estava ao serviço dos habitantes de Bissau. O partido-Estado isolou-se, cometeu erros palmares, caso da revisão constitucional concluída em Novembro de 1980, que deu munição letal aos guineenses contra as elites cabo-verdianas. A seguir, Nino Vieira repetiu em grande estilo os métodos autocráticos que criticou a Luís Cabral e fracionou ainda mais o PAIGC.
Joshua Forrest centra a sua atenção sobre as reformas económicas e os graves erros praticados na política agrária, era como se estivesse a praticar totalmente o oposto que fora preconizado por Amílcar Cabral. Assim que se passou do coletivismo à abertura económica expandiram-se as propriedades designadas por pontas, foram estes novos agricultores os grandes beneficiários do programa de ajustamento estrutural que conduziram ao descalabro financeiro. Quando se chegou à década de 1990 agravara-se a dependência externa e a corrupção era larvar, como uma mancha de óleo alastrara por todos os ministérios. À procura de uma solução mágica, Nino Vieira procurou intensificar as relações com a França e a francofonia, integrou à pressa a Guiné na zona económica da África Ocidental, abandonou-se o peso em substituição do franco CFA. Joshua Forrest detalha como precocemente o PAIGC perdeu o controlo político do Estado, os governadores ignoravam os comités de tabanca e os meios rurais vivam desfasados da condução política de Bissau. Emergiram idiossincrasias ocultistas e espíritos de seita, o autor ilustra com movimentos operados entre Balantas, Manjacos, nomeadamente nas regiões do Oio, do Cacheu, Tombali e Catió, estes poderes obscuros foram progressivamente afrontando e corroendo a construção do Estado pós-colonial.
O isolamento do regime foi rastilho para cimentar o regime despótico de Nino Vieira, são sucessivas as ondas de golpes (ou a sua invenção), deposição de amigos de ontem transformados em inimigos públicos, a corrupção chegou ao negócio das armas e das drogas, um regime caótico entra em deliquescência e desagua num conflito que levou ao afastamento de Nino Vieira e à ascensão de uma Junta Militar – assim se invertiam aparatosamente as instituições do regime em que a soberania assentava no decisor político. Joshua Forrest descreve o conflito no interior do PAIGC para a abertura democrática, as eleições de 1994 deixavam saber que o partido-Estado já não era o que fora, Nino Vieira confrontara-se com um novo demagogo, Kumba Yalá, e ganhará as eleições presidenciais por uma unha negra, com a agravante de constar que à custa de fraudes eleitorais. Como os governos não dispunham de manobra para resolver os problemas de fundo, Nino Vieira ia substituindo os primeiros-ministros, agravando as animosidades que depois se estenderam à esfera militar, antes do conflito de 1998-1999 os combatentes da liberdade da pátria publicaram um manifesto profundamente crítico com o estado dissoluto do regime.
Em jeito de conclusão, Joshua Forrest recapitula as questões primordiais deste quarto de século da independência da Guiné-Bissau: a contradição entre o pensamento de Cabral e a prática política que se seguiu; disseca as sucessivas crises envolvendo a fragilidade do Estado, a incapacidade de se dispor de uma administração eficaz, o regresso do animismo comprovando a ausência do partido-Estado na trama social; a despeito do desfasamento entre o regime e as aspirações populares sobreleva o fenómeno espantoso e mal explicado do suporte popular a Nino Vieira, um césar que pontificou 19 anos a fio; e para além dos erros de política económica é também importante observar que o governo se alheou da vida local e permitiu o regresso insidioso das instituições políticas pré-coloniais.
Não esquecer que este importantíssimo livro na segunda parte também carateriza os processos de Angola, Moçambique, Cabo Verde e S. Tomé e Príncipe.
É leitura obrigatória para quem pretenda dispor de uma grande angular sobre os primeiros 30 anos da história das cinco antigas colónias portuguesas em África.
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Notas do editor
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Último poste da série de 9 de março de 2018 > Guiné 61/74 - P18395: Notas de leitura (1047): Os Cronistas Desconhecidos do Canal do Geba: O BNU da Guiné (25) (Mário Beja Santos)
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segunda-feira, 5 de março de 2018
Guiné 61/74 - P18381: Notas de leitura (1046): “A History of Postcolonial Lusophone Africa”, autor principal Patrick Chabal, com participações de David Birmingham, Joshua Forrest, Malyn Newitt, Gerhard Seibert e Elisa Silva Andrade, Hurst & Company; Londres, 2002 (1) (Mário Beja Santos)
1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 6 de Maio de 2016:
Queridos amigos,
Continuo sem compreender como é que este livro não teve editor em Portugal ou Brasil em 2002, atendendo à investigação original e ao ineditismo do seu esquema básico: uma abordagem abrangente das cinco antigas colónias portuguesas em África.
Acresce que se juntou um naipe de oiro de grandes investigadores: Patrick Chabal, ao tempo professor do King's College em Londres, deve-se-lhe àquela que porventura é a melhor biografia internacional de Amílcar Cabral; David Birmingham, da Universidade de Kent; Joshua Forrest, professor da Universidade de Vermont e que deixa aqui um ensaio notável sobre a Guiné-Bissau; e também Malyn Newitt da Universidade de Londres e Gerard Seibert e Elisa Silva Andrade, investigadores com créditos firmados.
Sem hesitação, leitura recomendada para conhecer no grande ecrã 30 aos de história pós-colonial das cinco colónias portuguesas em África.
Um abraço do
Mário
A História da África Lusófona Pós-colonial:
Uma investigação de leitura obrigatória (1)
Beja Santos
O livro intitula-se “A History of Postcolonial Lusophone Africa”, o autor principal é Patrick Chabal, nome cimeiro da investigação dos movimentos revolucionários e das repúblicas africanas lusófonas, aparece neste livro com participações de David Birmingham, Joshua Forrest, Malyn Newitt, Gerhard Seibert e Elisa Silva Andrade, Hurst & Company, Londres, 2002.
Logo nos agradecimentos, Chabal recorda a evolução positiva da historiografia sobre os países africanos lusófonos e apresenta este volume que coordena como uma tentativa de fornecer uma visão abrangente das cinco antigas colónias portuguesas em África, e confessa que se utilizou uma abordagem iconoclástica: apresentação da história dos cinco países a partir de dois anos complementares, o que têm de comum e de divergente da restante África, seguindo-se uma enunciação sistemática dos eventos que ocorreram depois da independência com a utilização de fontes de investigadores, oficiais, semioficiais e até jornalísticas; a procura de um contexto histórico rigoroso articulando o período pré-colonial com o pós-colonial; numa tentativa de ultrapassagem de uma visão estreita do foco lusófono, apresenta-se a evolução comparada e igualmente contrastada dos cinco países. O âmbito do estudo centra-se no período entre 1975 e 2000.
Temos em primeiro lugar o fim do Império e chama-se a atenção para uma declaração do MFA feita em 5 de Maio de 1974 em que é proposta uma nova e fraternal cooperação entre Portugal e Guiné, o que parece ilustrar a contradição entre um regime que existia numa solução militar e um estado de espírito dos sublevados que ofereciam uma colaboração desinteressada como forma de reparar os crimes do fascismo e do colonialismo. Recorda-se que o regime de Salazar e de Caetano recusou sempre negociações com os movimentos independentistas, estas só apareceram de forma muito dissimulada no estertor do regime. Estes movimentos anticolonialistas são encarados em três categorias: os vanguardistas, os tradicionalistas e os etno-nacionalistas. Como vanguardistas são invocados o MPLA, o PAIGC e a FRELIMO, não terá sido por acaso que eram todos provenientes de uma geração jovem, de um modo geral com formação universitária ou bases culturais e com uma preparação ideológica da Esquerda do seu tempo. Entre os movimentos tradicionalistas aparecem agrupamentos com brancos, pretos mestiços e indianos e o exemplo escolhido para movimentos etno-nacionalistas são apresentados a FNLA e a UNITA. Estas guerras foram sempre conflitos políticos, resultantes de uma total incapacidade de o regime de Salazar e Caetano se aperceber da insustentabilidade para as razões da potência colonial teimar em ficar em África. O PAIGC aparece como um movimento mais bem-sucedido quanto aos critérios da eficácia da luta anticolonial: preservação da unidade nacional, a despeito do mosaico étnico; enorme capacidade para a mobilização política das populações rurais; submissão da luta armada a objetivos políticos; eficácia para apresentar na cena internacional as chamadas áreas libertadas graças a um bom uso diplomático. É também observado que o espírito de a missão colonial se foi desgastando ao longo dos anos e no fim da guerra o moral das tropas dava sinais de ser crítico.
O estudo prossegue com uma perspetiva histórica da descolonização a partir do momento em que os movimentos de libertação conseguiram uma plataforma de entendimento, a CONCP – Conferência das Organizações Nacionalistas das Colónias Portuguesas que gerou um elevado espírito de solidariedade e que permitiu a Amílcar Cabral encontrar formas de comunicação verdadeiramente criativas para sensibilizar a opinião pública em muitos países onde dava entrevistas, fazia conferências, distribuía documentos, conversava e justificava a guerrilha dada a inflexibilidade do regime de Salazar e Caetano. Na hora da descolonização, os políticos portugueses foram confrontados com movimentos nacionalistas influenciados pelo marxismo. Todos eles enveredaram, na fase de arranque da vida independente, por nacionalizações, estatização económica, monopólio de comércio externo, contando com a ajuda dos países da Europa Oriental, Cuba, URSS e China.
Pôs-se, obviamente, o problema da unidade nacional e do Estado-Nação, com disparidade de respostas. No que toca à Guiné-Bissau, a unidade Guiné-Cabo Verde resistiu até 1980, Cabo Verde enveredou pela sua via específica de identidade nacional, no caso vertente da Guiné-Bissau nem o tremendo conflito político-militar de 1998-1999 fez minimamente questionar a afloração de conflitos étnicos, nunca se questionou em propriedade nacional mas também nunca se iludiu a fragilidade do Estado, logo patente nos primeiros anos da era de Luís Cabral em que o PAIGC se desentendeu com a questão rural e as expetativas dos agricultores que recusaram sistematicamente vender ao Estado as suas produções, transferindo-as em muitos casos para os países limítrofes. O livro estuda os efeitos da guerra, as especificidades do nacionalismo revolucionário e dedica um importante estudo à construção do Estado-Nação. Nesta aceção, é sequenciada a história da África portuguesa e as sequelas que deixou nos Estados pós-coloniais, comparando-os com os países vizinhos. A construção do socialismo é igualmente analisada com a deteção dos pontos frágeis e dos obstáculos para os quais os partidos vitoriosos se revelaram incapazes de ultrapassar. Esta construção do socialismo tem uma importante análise do contexto histórico nos cinco países. Chama-se à atenção para a inviabilidade de seguir políticas similares em Cabo Verde e na Guiné: Cabo Verde não podia hostilizar as comunidades sediadas nos Estados Unidos e na Europa Ocidental, para já não esquecer a comunidade cabo-verdiana residente no Senegal; na Guiné-Bissau ensaiou-se um apelo à ajuda internacional dos países socialistas e acenou-se a uma ajuda dos países ocidentais, com os escandinavos e os Países Baixos à frente. Mas é uma leitura estimulante ler toda esta construção da Nação-Estado no xadrez africano, no permanente relacionamento entre os fatores internacionais e as políticas domésticas. Até porque os limites destes nacionalismos surgiram muito cedo quando se verificou que os partidos únicos se revelavam incapazes de conciliar o todo nacional.
(Continua)
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Nota do editor
Último poste da série de 2 de março de 2018 > Guiné 61/74 - P18373: Notas de leitura (1045): Os Cronistas Desconhecidos do Canal do Geba: O BNU da Guiné (24) (Mário Beja Santos)
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