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terça-feira, 14 de janeiro de 2025

Guiné 61/74 - P26388: Nunca Tantos Deveram Tanto a Tão Poucas (1): Uma portuguesa, mulher de um furriel, perdida num aquartelamento do Nordeste... (Giselda Pessoa)



Guiné-Bissau > Região de Cacheu > Cacheu > Forte (séc. XVII) > 1995 > Giselda Antunes Pessoa entre os "despojos do Império". Foi a primeira, das ex-enfermeiras paraquedistas, a integrar a Tabanca Grande, em 20 de fevereiro de 2009 (*). Em 1995, ela e o marido, o cor pilav ref, Miguel Pessoa, voltaram ao CTIG, com uma equipagem de filmagem da SIC. Como se vê pela imagem, o forte do Cacheu estava ao abandono. Foi de objeto de recuperação e requalificação em 2004, com recurso a fundos disponibilizados  pela União das Cidades Capitais de Língua Oficial Portuguesa (UCCLA)

Foto (e legenda): © Miguel Pessoa (2009). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



Base Escola de Tancos > 1970 > 7.º curso de paraquedismo, para enfermeiras civis. Foto de grupo.


Foto (e legenda: © Giselda Pessoa (2009). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



1. Winston Churchil, num discurso que fez na Câmara dos Comuns, em 20 de agosto de 1940, proferiu a frase mais famosa (ou uma das mais famosa) de toda a II Guerra Mundial: "Nunca tantos deveram tanto a tão poucos"... 

Referia-se, neste caso,  às tripulações, inglesas e aliadas, da Royal Air Force, que, em inferioridade numérica, travaram a épica e decisiva batalha da Grã-Bretanha contra a Luftwaffe alemã.

Parafraseando o grande estadista inglês, e numa escala e num contexto completamente diferentes (o da guerra colonial portuguesa, de 1961/74), podemos também dizer que "nunca tantos deveram tanto a tão poucas"...  

Queremos com isso evocar, dar a conhecer melhor e homenagear o papel das nossas 46 enfermeiras paraquedistas, jovens, todas  elas voluntárias, que foram as primeira mulheres, portuguesas, a envergar, a entre nós,  uma farda militar, a partir de 1961.

Um terço já morreu e poucas das que estão vivas terão opotunidade de acompanhar esta série.  Das 46 houve trinta que participaram com as suas memórias, fotos e testemunhos na elaboração do livro "Nós, enfermeiras paraquedistas" (ed. lit. Rosa Serra, 2ª ed., Porto, Fronteira do Caos, 2014, 439 pp.).

Destas 30, há pelo menos 5 que são membros da Tabanca Grande: 

Oito destas nossas camaradas de armas participaram no filme da Marta Pessoa, "Quem Vai à Guerra" (2011)
  • Aura Teles
  • Cristina Silva,  
  • Ercília Pedro
  • Giselda Pessoa,
  • Júlia Lemos,
  • Maria Arminda Santos, 
  • Natércia Neves, 
  • Rosa Serra.

Já se passaram mais de 10 anos do lançamento do livro "Nós, enfermeiras paraquedistas" (que teve como prefaciador o prof Adriano Moreira, entretanto falecido com 100 anos, em 2022). Com a benevolência das autoras (e da editora), temos vindo a republicar no blogue alguns excertos das suas histórias, quer na série "Humor de caserna" quer em postes avulsos...

Esta nova série "Nunca Tantos Deveram a Tão Poucas" é uma forma de as continuar a homenagear e de tentar também suscitar a produção de depoimentos dos nossos camaradas da Guiné que foram objeto dos seus cuidados ou que com elas conviveram... 

Não vai ser fácil, porque elas eram mesmo poucas e na época pertenciam à FAP, prestando serviço na BA 12, em Bissalanca.  O seu contacto com a malta do exército era pontual, por ocasião de evacuações no mato ou nos quartéis do interior. De qualquer modo mais histórias sobre este tema serão bem vindas. 


Infelizmente também não há estatísticas sobre a sua atividade. Quantas evacuações terão feito, no TO da Guiné (e também em Angola e Moçambique) ? E recorde-se que não eram apenas de feridos ou doentes militares, mas também de população civil, de mulheres grávidas a crianças, sem esquecer combatentes do PAIGC, feridos, aprisionados, e até combatentes estrangeiros como o capitão cubano Peralta...

Óbvio que também não podemos esquecer aqui o resto das tripulações dos helicópteros (AL II e AL III), avionetas (DO-27) e outros aviões (Dakota...) que as nossas enfermeiras paraquedistas integravam, nomeadamente pilotos e especialistas (na época, "mecânicos").  A todos eles, a nossa gratidão .Ajudaram a  salvar muitas vidas... O seu trabalho (bem como o de todos o pessoal dos serviços de saúde militar, incluindo o do HM 241 e doo HMP - Hospital Militar Princopal)  está sempre no nosso espírito:  médicos, enfermeiros, técnicos de meios complementares de diagnóstico e terapêutica, administrativos, condutores de ambulância, etc. , sem esquecer os capelães.

O descritor Os nossos médicos tem 418 referências... Outros: os nossos enferemeiros (152); os nossos capelães (86); HM 241 (165); Hospital Militar Principal (28), etc. 

2. A Giselda Pessoa foi a primeira a entrar para o nosso blogue (*).  É também aquela com quem temos convivido mais, nomeadamente nos encontros das nossas tabancas. Com ela,  a Rosa Serra e a Maria Arminda também falamos ao telefone. A Aura devo tê-la visto uma vez ou duas vezes.

Vamos aqui reproduzir uma das singelas (e tocantes) histórias com que  a Giselda se estreou no nosso blogue (**). Recorde-se que fez uma comissão de 28 meses no CTIG, entre 1972 e 1974, que não era frequente entre as enfermeiras paraquedistas que, ao fim de a um ano, mudavam para outro teatro de operações. (#)  Da Guiné é tem inúmeras histórias.

Natural de São Martinho de Anta, concelho de Sabrosa (conterrânea, por tanto, do escritor Miguel Torga),  frequentou a Escola de Enfermagem do Hospital de S.João, no Porto, em 1966. Começou a trabalhar como enfermeira,  em 1968, no Serviço de Urgência do S.João. 

Tinha uma irmã, Antonieta,  também enfermeira, então integrada na Força Aérea como enfermeira paraquedista, e que lhe dava notícias de África.  Mas "foi um pouco por acaso que numa deslocação a Lisboa à Direcção do Serviço de Saúde da Força Aérea, alguns dos presentes me incentivaram a inscrever-me no novo curso que estava em preparação".  

(...) "Assim, em 1970 acabei por frequentar o curso de paraquedismo na Base Escola em Tancos, o 7º constituído por enfermeiras civis. Das nove que constituíam o curso acabaram oito, iniciando nós então um rodopio entre a base-mãe, os Açores, Guiné, Angola e Moçambique.

"No meu caso pessoal, fui inicialmente colocada em Moçambique durante todo o ano de 1971, onde se pode dizer que tive um período de férias razoável, pois para além de curtos períodos em Nacala e Nampula, estive essencialmente baseada em Lourenço Marques. Aí prestava apoio no serviço de saúde, o que incluía deslocações periódicas a Lisboa, acompanhando e apoiando os militares evacuados, inicialmente no DC-6, mais tarde nos Boeing 707.

"Deve dizer-se que em Lourenço Marques ainda se sentia menos a guerra do que em Lisboa e que este período não foi representativo para a minha formação militar, desgostando-me mesmo certos comportamentos que pude observar localmente, quer em alguma da população branca, quer em alguns militares mais acomodados a uma vida fácil e pouco arriscada." (***)


Uma portuguesa, mulher de um furriel, perdida num aquartelamento do Nordeste...

por Giselda Pessoa


No decorrer de uma evacuação que tinha como objectivo um aquartelamento no nordeste da Guiné, o helicóptero aterrou na placa, onde embarcou o militar  evacuado. No decorrer dessa operação, aproximou-se do AL-III um furriel daquela unidade, o qual se me dirigiu com um pedido fora do vulgar. Explicou-me que com ele estava naquele quartel a sua mulher, sendo ela a única branca que ali vivia; e que, não vendo nenhuma branca há já muitos meses, certamente apreciaria falar comigo por uns momentos. 

 Expliquei-lhe que o facto de transportarmos um ferido e o pouco combustível de que dispunhamos não permitia prolongar a nossa estadia ali. Mesmo assim, ele montou a sua motoreta e foi buscar a mulher, para a levar junto de nós. 

A espera prolongou-se por mais tempo do que aquele de que dispúnhamos, o que levou o piloto a decidir-se por descolar, com grande pena minha. Já no ar, tive a possibilidade de ver aproximar-se da placa a motoreta com o furriel, trazendo a mulher à boleia. Ali chegados, apenas teve ela tempo para nos acenar enquanto o AL-III rodava em direcção a Bissau. 

 Senti naquele momento um desgosto enorme por não ter podido proporcionar àquela mulher um momento de carinho e de solidariedade, de que ela tanto necessitaria. E imagino a sua frustação quando não lhe foi possível partilhar de uns momentos de proximidade com alguém que lhe recordaria outras companhias e outros ambientes deixados há muito para trás. (**)

Giselda Pessoa 

 
 (#) As comissões das enfermeiras paraquedistas variavam entre seis meses e um ano, o que provocava uma constante rotação do nosso pessoal. Vá-se lá saber porquê, fui optando por prolongar a minha estadia na Guiné, muito provavelmente devido ao ótimo ambiente que ali se vivia e também por me sentir realizada no trabalho que ali desenvolvia, numa atmosfera que não deixava esconder a guerra que nos rodeava. 

(Seleção, revisão / fixação de texto, negritos, itálicos e título: LG)

 

3. Comentário do editor  L.G.: 

 Como tive ocasião de dizer â Giselda, na altura em que ela foi apresentada pelo Carlos Vinhal à Tabanca Grande, nesta "caserna virtual"...  "somos todos generais de muitas estrelas, somos todos VIP, somos todos importantes, isto é, somos todos camaradas (um termo castrense ou militar, por excelência)"... 

Não fazíamos na altura nem fazemos hoje distinção de idade, género, nacionalidade, posto, especialidade, arma, condição social, estatuto, estado de saúde, risco de morrer... 

Enfim, fiz questão de sublinhar qua a sua entrada na Tabanca Grande, em 2009,  "nada tinha a ver com feminismo ou, muito menos, com o politicamente correcto: conquistaste por direito próprio, nos céus da Guiné, o direito de estar aqui em pleníssima igualdade com os outros camaradas, da Força Aérea, da Marinha ou do Exército"...

 Mas não se podia escamotear o facto de ser ela "a primeira mulher militar", e ainda por cima enfermeira e paraquedista, "a entrar para o nosso blogue" (em boa verdade, o corpo de enfermeiras paraquedistas já tinha sido extinto há 30 anos, em 1980)...

Depois tratava-se de "uma mulher do Norte, corajosa, determinada e... bem disposta".

Em terceiro lugar, era "uma profissional de saúde, uma enfermeira (uma profissão que foi durante muito tempo estigmatizada, a ponto de o Estado Novo proibir as enfermeiras de se casarem, proibição essa, fundamentalista, que só acabou em... 1963!"). 

Esta (a primeira história da Giselda que publicámos no blogue) tinha, além disso,  o mérito de revelar uma outra faceta da sua personalidade: além de enfermeira paraquedista valente, destemida e competente, e de saber contar uma boa história, a Giselda era(é) uma grande camarada, sensível e solidária, e uma grande portuguesa... 

Sabíamos que era a primeira de outras histórias passadas no TO da Guiné, "terra de paixão e de solidariedade, terra vermelha, inferno verde, labirinto de bolanhas, mangal, rios e braços de mar, céus de chumbo, que nunca mais ela, o Miguel, eu e todos nós poderíamos esquecer... De resto, a Giselda e o Miguel voltaram lá em 1995, eu em 2o08, e muitos de nós também uma ou até mais vzes.

E finalizava com o seguinte comentário;

"Não podias estar impunemente 28 meses na Guiné, nos anos de brasa de 1972/74, naquela terra e naquela guerra, e chegares agora ao quilómetro 62 da tua vida e dizer: 'Não, por favor, não mais Guiné!... Nem já sei onde fica !'). 

"Morcões, abram alas, vai entrar uma camarada, uma grande senhora!"

____________


(**) Este excerto foi reproduzido no poste de 28 de fevereiro de 2009> Guiné 63/74 - P3952: As Nossas Queridas Enfermeiras Pára-quedistas (3): No fim do mundo (Giselda Pessoa)

Faz também das várias histórias da Giselda, no citado livro, "Nòs, enfermeiras paraquedistas" (2014, pp. 318-319).

terça-feira, 7 de janeiro de 2025

Guiné 61/74 - P26358: S(C)em Comentários (54): "Fui saneada em 17 de abril de 1975 do Hospital da Força Aérea que ia abrir em janeiro de 1976" (Maria Ivone Reis, ex-maj enfermeira paraquedista, 1929-2022)


Lisboa  > Associação da Força Aérea Portuguesa (AFAP) > 8/8/2011 > 
Data do 50.º aniversário do 1º Curso de Enfermeiras Parquedistas (1961)... Da esquerda para a direita, 4 das 6 Marias, Mª do Céu Policarpo, Mª Arminda Santos, Mª Ivone Reis (†) e Mª de Lurdes Rodrigues. (Foto da Maria Arminda Santos, reeditada e reproduzida aqui com a devida vénia...) (Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné, 2025)


A então ten graduada enf pqdt Ivone Reis (1929-2022), 
em Cacine, 12/12/1968.
Foto: António J. Pereira da Costa (2013)


1. Excerto do poste P21766 (*), com parte do depoimento da Maria Ivone Reis, publicado em 2004 na "Revista Crítica de Ciências Sociais".  Não tínhamos, no nosso blogue, o descritor "saneamento", vocábulo que nos ficou dos tempos ("conturbados") do pós-25 de Abril. 

De qualquer modo, a Maria Arminda Santos (hoje a decana das antigas enfemeiras paraquedistas) no nosso último poste da série "Humor de caserna",  levantava aqui, com luvas de veludo e pinças, essa questão, sensível e delicada, não tanto dos "saneamanentos" (que atingiram muitas das nossas instituições e organizações a seguir ao 25 de Abril) como sobretudo dos "mal amados", os antigos combatentes, em 26 de Abril (**):

(...)  [O 25 de Abril e as suas contradições]


(...)  Vivi o 25 de Abril toda contente, a bater palmas, porque finalmente acabava a guerra. Mas, ao fim de uma semana fiquei triste,  deixei de perceber o que estava a acontecer. 

Eu tinha regressado após tantos anos de África e estava na Força Aérea, a trabalhar no Hospital. Fui saneada a 17 de Abril de 1975 e isso surpreendeu-me. O hospital, no qual tanto me empenhara, ia abrir em Janeiro de 1976. 

Nunca me disseram a razão do meu saneamento e para que efectivamente eu saísse tinha de assinar uma rescisão de contrato com a Força Aérea. 

Andei um ano e meio naquela situação, falei com o General Costa Gomes, mas nunca me disseram a causa e eu nunca assinei nada. Após a eleição do General Eanes fui reintegrada na vida ativa hospitalar até à minha reforma. (...) (***)

_____________

Notas do editor:


(**) 7 Vd. poste de 7 de janeiro de 2025 > Guiné 61/74 - P26357: Humor de caserna (92): "Então a senhora não me conhece ?!...Foi-me buscar a Bambadinca quando eu fui ferido!"... (Maria Arminda Santos, ex-ten grad enfermeira paraquedista, FAP, 1961/70)

(Comentário de Luís Graça):

(...) A Arminda que é uma mulher sábia e experiente, com 9 anos de guerra (1961/70), toca aqui também num ponto delicado e sensível, e que, como tal, tende a ser esquecido nos nossos escritos: os "mal amados" do dia 26 de Abril... Foram, afinal, todos os antigos combatentes...

No dia 26 começaram a ser, não direi hostilizados, mas "mal amados"... Todos eles, incluindo as enfermeiras paraquedistas... Todos deixámos de falar da "guerra do ultramar" (que passou a ser "guerra colonial")... Todos nos esquecemos, que tínhamos participado nessa guerra, uma geração inteira !... (Má consciência, culpa, pudor, vergonha ?!... enfim, um filme que já tínhamos visto noutras "salas de cinema"!),

E algumas enfermeiras paraquedistas deverão ter tido os seus problemas por estes dias de 74/75...A Maria Ivone, por exemplo, foi "saneada" pelos seus "camaradas" da Força Aérea e só foi reintegrada, felizmente, no tempo do Ramalho Eanes... Mas a mágoa ficou...

Guiné 61/74 - P26357: Humor de caserna (92): "Então a senhora não me conhece ?!...Foi-me buscar a Bambadinca quando eu fui ferido!"... (Maria Arminda Santos, ex-ten grad enfermeira paraquedista, FAP, 1961/70)

Guiné, Bissalanca, BA12, s/d   > Da esquerda para a direita, (i) a Maria Arminda; (ii) a Maria Zulmira André (falecida em 2010); e (iii) a Júlia Almeida (falecida em 2017). 

 Foto de cronologia do Facebook da Maria Arminda Santos. (Editada e reproduzida aqui com a devida vénia...) (LG)



 
A Maria Arminda Santos (n. 1937, ex-tenente graduada enfermeira paraquedista, 1961-1970, hoje ref) pertenceu ao grupo das Seis Marias, nome pelo qual ficou c
onhecido o 1.º curso de Enfermeiras Paraquedistas portuguesas feito em 1961. Nossa grã-tabanqueira nº 500 (desde 23 de maio de 2011), co,m mais de 6 dezenas de referências no blogue, é agora a decana ou a matriarca das antigas enfermeiras paraquedistas: tem uma "memória de elefante" e é uma excelente contadora de histórias.

Nasceu e vive hoje em Setúbal. Os pais eram oriundos do concelho de Mafra. O pai foi combatente da I Grande Guerra. E algumas histórias que ouviu dele,   terão influenciado a sua decisão de ser enfermeira e depois paraquedista.

Passou por todos os TO, e nomeadamente Guiné (1962 / jan 63) e depois  1965/67, e 1969 (vários períodos no CTIG, onterrompidos, por outras missões), até passar à disponibilidade em finais de 1970.





Fonte: Excertos de Maria Arminda - "Manifestaçóes de reconhecimento."  In: "Nós, enfermeiras paraquedistas", 2ª ed., org. Rosa Serra, prefácio do Prof. Adriano Moreira (Porto: Fronteira do Caos, 2014), pág. 370 (com a devida vénia) (Imagem acima: Capa do livro)

Coautoras (das 30 da lista, com a Rosa Serra, editora literária, 18 são Marias...):

Maria Arminda Pereira (Santos por casamento) | Maria Zulmira André   | Maria da Nazaré Andrade (†) | Maria do Céu Policarpo | Maria Ivone Reis (†) | Maria de Lourdes Rodrigues | Maria Celeste Guerra | Eugénia Espírito Santo | Ercília Silva | Maria do Céu Pedro (†) | Maria Bernardo Teixeira | Júlia Almeida 
(†)  | Maria Emília Rebocho | Maria Rosa Exposto | Maria do Céu Chaves | Maria de Lourdes Cobra | Maria de La Salette Silva | Maria Cristina Silva | Mariana Gomes | Dulce Murteira | Aura Teles | Ana Maria Bermudes | Ana Gertrudes Ramalho | Maria de Lurdes Gomes | Octávia Santos | Maria Natércia Pais | Giselda Antunes (Pessoa, por casamenti) | Maria Natália Santos | Francis Matias | Maria de Lurdes Costa.

____________________________________________

Então a senhora não me conhece ?!...

por Maria Arminda Santos




(...) A vida dá tantas voltas! E, assim sendo, em 1974, resolvi mudar de casa e fui morar para uma zona desconhecida.

Ninguém sabia quem eu era e o que fazia ou tinha feito. 

Passados poucos dias abordou-me um vizinho, um homem da rua, como é hábito dizer-se na minha terra, que me perguntou se eu não o conhecia.

Não tinha a mínima ideia de já alguma vez o ter visto, pelo que respondi negativamente. Então, com um largo sorriso. disse-me:

–  Pois eu lembro-me muito bem de si, foi-me buscar a Bambadinca. quando fui ferido!

Não queria acreditar, mas era verdade!

Passado pouco tempo, os habitantes da rua ficaram a saber...

Foi numa época menos boa e de certa conflitualidade, após o 25 de Abril, e o modo como a população encarava os militares que tinham estado em Africa não era muito favorável.

Esse facto nunca me intimidou e, sempre que fosse oportuno, eu afirmava que tinha andado na guerra do Ultramar como enfermeira. (...)

(Seleção, revisão / fixação de texto, título. negritos, itálicos: LG)

__________________

Nota do editor:

Último poste da série > 4 de janeiro de 2025 > Guiné 61/74 - P26348: Humor de caserna (91): O anedotário da Spinolândia (XIV): "Vão-se todos vestir com a roupa que tinham quando viram o helicóptero!"... (Mário Gaspar, ex-fur mil art, MA, CART 1659, Gandembel e Ganturé, 1967/69)

quinta-feira, 12 de dezembro de 2024

Guiné 61/74 - P26260: Humor de caserna (86): O ”turra” e a boina verde da enfermeira paraquedista (Maria Arminda, ex-ten graduada enfermeira paraquedista, FAP, 1961/70)




Tancos > RCP (Regimento de Caçadores Paraquedistas) > 8 de Agosto de 1961 > Da esquerda para a direita: Maria do Céu, Maria Ivone
 (†)  , Maria de Lurdes (Lurdinhas), Maria Zulmira (†)  , Maria Arminda e o capitão pqdt Fausto Marques (Director Instrutor). Nota: Para completar o grupo das "Seis Marias", falta(va) a Maria da Nazaré  (†)  que torceu um pé no 4.º salto e só viria a acabar o curso alguns dias depois.


Foto (e legenda): © Maria Arminda (2011). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



1. A Maria Arminda Santos (tenente graduada enfermeira parquedista, 1961-1970) pertence ao grupo das Seis Marias, nome pelo qual ficou conhecido o 1.º curso de Enfermeiras Paraquedistas portuguesas feito em 1961.  Arminda Santos (n. 1937), nossa grã-tabanqueira nº 500 (desde 23 de maio de 2011), é agora a decana ou a matriarca das antigas enfermeiras paraquedistas: tem uma "memória de elefante" , é à sua "base de dados" que recorro sempre que tenho uma dúvida ou uma pergunta sem resposta sobre o "curriculum vitae" das suas colegas).

Passou por todos os TO, e nomeadamnte Guiné (1962 / jan 63) e depois  1965/67, e 1969 (vários períodos no CTIG, nterrompidos, por outras missões), até passar à disponibilidade em finais de 1970 (*)

A história que se segue, julgamos que se passa em Cufar, na região de Tombali, em meados de 1965, por volta do de junho, e no decurso da Op Saturno (fiando-nos na memória do Mário Fitas, ex-fur mil, da CCAÇ 763, os "Lassas!, Cufar, 1965/66) (**)


2. É também uma excente contadora de histórias, como se pode ver a seguir (***). Tem 60 referências no nosso blogue. Vive em Setúbal.


O ”turra” e a boina verde 

da enfermeira paraquedista


por Maria Arminda


(…) Quase sempre, ao aproximar-me do DO-27 ou do AL III, para iniciar uma missão, ao chegar junto dele, instintivamente, dava-lhes duas palmadas na fuselagem, em jeito de saudação. Era assim como que a dizer-lhe: “Aqui estou eu! Leva-me em segurança”.

O incidente que passo a relatar, ocorreu  num DO-27. Eu tinha sido destacada para uma base de operações, em Cufar, em alerta para evacuação urgente de feridos. A operação desenrolava-se no Cantanhez, conhecida pelo “Reino do Nino”. (**)

Surgiu então uma missão de evacuação (…).

Havia três feridos para evacuar, todos africanos, supostamente do recrutamente local, todos metidos dentro do DO-27. Eu fiquei próxima do único que considerava estar em estado grave, a fim de melhor o poder socorrer durante o percurso. (O que aquele avião nos permitia fazer!)

Daqueles três feridos, o mais grave, e que ia junto a mim, era combatente do inimigo, um “turra” (…).  Mesmo que não me tivessem previamente informado desse facto ainda em terra,  eu facilmente chegaria a essa conclusão pela forma pouco amistosa com que os restantes  dois feridos o encaravam e, por vezes,  se lhe dirigiam, verbalmente.

O voo decorria  com normalidade e eu ia, evidentemente,  dispensando mais cuidados ao ferido “turra” por ser o único grave. Mss era bem visível que esta minha atitude não agradava aos outros, embora eu não entendesse bem o que eles diziam entre si.

Aí a meio da viagem, o sol começou a incidir sobre a cabeça  do guerrilheiro e, não tendo eu mais nada para o proteger do sol, coloquei a minha boina verde de paraquedista na cabeça dele.

Aí os outros não aguentaram mais! E foi a revolta! Houve quase um motim a bordo!

Indignados, gritavam para mim que ele, o guerrilheiro, era um “bandido”, e que não merecia  um bom tratamento. E muito menos que lhe pusesse na cabeça a minha boina militar!

Lá os acalmei como pude, gritando um pouco também, e consegui sossegá-los. Já me não recordo de que forma,  e como o consegui, mas foi com alguma dificuldade,  chegando mesmo a recear que eles agredissem o guerrilheiro.

O final do motim ainda me deu tempo, até aterrarmos em Bissalanca, para meditar sobre a importância que aqueles africanos  davam à boina de um militar. Tão grande, que era indecoroso  ser colocada na cabeça de um guerrilheiro.

Consegui acalmá-los com dificuldade,  dizendo-lhes a verdade: que para as enfermeiras paraquedistas, aquele guerrilheiro era apenas mais um ferido,  a necessitar de todo o meu saber e empenhamento. E que, como era entre todos eles o mais grave,  era  a ele que tinha de dispensar mais cuidados.

Mas a eles pouco ou mesmo nada lhes interessavam estas teorias!


Fonte: Excertos de Ivone - "Aspetos humanos da nossa atividade:  O 'bandido' e a boina verde". In: "Nós, enfermeiras paraquedistas", 2ª ed., org. Rosa Serra, prefácio do Prof. Adriano Moreira (Porto: Fronteira do Caos, 2014), pp. 323 / 324  (com a devida vénia) (Imagem à direita, a seguir: Capa do livro)


(Seleção, revisão / fixação de texto, título, introdução: LG) (**)


Coautoras (das 30 da lista, com a Rosa Serra, editora literária, 18 são Marias...):


Maria Arminda Pereira | Maria Zulmira André (†) | Maria da Nazaré Andrade (†) | Maria do Céu Policarpo | Maria Ivone Reis (†) | Maria de Lourdes Rodrigues | Maria Celeste Guerra | Eugénia Espírito Santo | Ercília Silva | Maria do Céu Pedro (†) | Maria Bernardo Teixeira | Júlia Almeida | Maria Emília Rebocho | Maria Rosa Exposto | Maria do Céu Chaves | Maria de Lourdes Cobra | Maria de La Salette Silva | Maria Cristina Silva | Mariana Gomes | Dulce Murteira | Aura Teles | Ana Maria Bermudes | Ana Gertrudes Ramalho | Maria de Lurdes Gomes | Octávia Santos | Maria Natércia Pais | Giselda Antunes (Pessoa) | Maria Natália Santos | Francis Matias | Maria de Lurdes Costa.


______________

Notas do editor:

(*) Vd. poste de 23 de maio de 2011 > Guiné 63/74 - P8314: Tabanca Grande (286): Maria Arminda Lopes Pereira dos Santos, ex-Ten Grad Enf.ª Pára-quedista, 1961-1970

(**) Vd. poste de 29 de maio de 2010 > Guiné 63/74 - P6487: As Nossas Queridas Enfermeiras Pára-quedistas (14): As primeiras mulheres portuguesas equiparadas a militares (2): Maria Arminda (Rosa Serra)

sábado, 7 de dezembro de 2024

Guiné 61/74 - P26241: Humor de caserna (85): "Ai, não caia, senhora, não caia!"...(responde um guerrilheiro do PAIGC, capturado, ferido, quando ela lhe perguntou o que lhe fariam os seus camaradas se o avião caisse e ela fosse apanhada à unha...): uma história de (†) Maria Ivone Reis, enfermeira paraquedista, maj ref graduada


Angola > Base de Negage > Agosto de 1961 > As enfermeiras paraquedistas Maria Arminda e Maria Ivone, em missão de apoio no âmbito de uma operação na Serra da Canda

Foto: Cortesia de um nosso leitor, devidamente identificado, mas que prefere o anonimato (trata-se de antigo oficial paraquedista do BCP 12 e BCP 12).



Guiné > Região de Tombali > Cufar > CCAÇ 763 (1965/66) > Uma enfermeira paraquedista no meio dos "Lassas"... Muito oportunamente o nosso camarada Jorge Félix, ex-Alf Mil Pil Heli AL III (1968/70), identificou-a como sendo a Maria Ivone Reis (Em 1968 era graduada em tenente, reformou-se com o posto de posto de major)


Foto (e legenda): © Mário Fitas (2008). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]

1. A Maria Ivone Reis pertence ao grupo das 6 Marias, nome pelo qual ficou conhecido o 1.º curso de Enfermeiras Paraquedistas portuguesas feito em 1961, curso esse que é também o da Maria Arminda Santos (n. 1937), nossa grã-tabanqueira, e agora a matriarca das antigas enfermeiras paraquedistas (é à sua "base de dados" que recorro sempre que tenho uma dúvida ou uma pergunta sem resposta sobre o "curriculum vitae" das suas colegas).(*)

As outras quatro Marias eram a Céu (Policarpo), a Lourdes ("Lurdinhas"), a Nazaré (†) e a Zulmira (†). Sobre a Maria Ivone Reis temos 33 referências no nosso blogue:

(i) conclui em 1958 o Curso de Enfermagem Geral na Escola das Franciscanas Missionárias de Maria;

(ii) começou a trabalhar em 1959, no hospital da CUF;

(iii) fez o curso de enfermeira paraquedista em Tancos, em junho-agosto de 1961;

(iv) na Força Aérea, nos paraquedistas, já havia mulheres, civis, na parte administrativa,  informa-nos ela;

(v)  a relação com os paraquedistas foi sempre  muito cordial;

(vi) partiu para Angola, em 23 de agosto de 1961, com a Maria Arminda;

(vii) esteve 3 vezes na Guiné: em 1963, 65 e 69;

(viii) o seu maior desgosto foi o de ter sido saneada em  17 de abril de 1975, no Hospital da Força Aérea onde trabalhava (e onde voltou mais tarde, depois de reintegrada).

Mas voltemos à sua experiência como enfermeira paraquedista:

(...) "No quartel nós podíamos sair do avião, mas na zona de combate nós não devíamos sair do avião ou do helicóptero. Era uma circunstância de muito risco. Se houvesse ataque do inimigo o helicóptero teria de levantar voo imediatamente ficando a enfermeira em terra em grande risco, sem meios nem ambiente para tratar dos feridos. Eventualmente fizemos isso em situações muito excecionais, bem medidas, porque podia tornar-se um altruísmo muito arriscado para a vida dos outros. 

"Nesse aspeto é muito importante a questão do medo, porque ajuda ao raciocínio e ao controlo. O importante é perceber como controlar o medo, para termos oportunidade de perceber a razão do medo e para que possamos ultrapassá-lo." (...)

A história que se segue é sobre isso mesmo: como lidar com o medo e a consciência do risco... Em todas as profissões de risco ou de maior risco, o profissional tem que criar mecanismos de defesa contra a ansiedade, a angústia, o medo de falhar, de cometer,  de ter um acidente, de ser capturado, de morrer, etc. As enfermeiras paraquedistas estão nessa lista das profissões de risco. 

A história merece figurar na série "Humor de caserna"... A autora não pondera a hipótese de o avião cair e ela morrer, mas sim, a de ser capturada pelo inimigo... E racionaliza, e muito bem: "Sou enfermeira, mas também sou mulher: não me vão fazer mal, posso ser muito útil para tratar os seus feridos...". 

Mas depois é confrontada com a opinião de um guerrilheiro (nunca lhe chama "turra", como era corrente na Guiné; curioso o nome, Armand, devia ser do outro lado, da Guiné-Conacri ou do Senegal, é um nome francófono)...


Humor de caserna (85): "Ai, não caia, senhora, não caia!"...

por Maria Ivone Reis (1929 - 2022)



A então ten enf pqdt Ivone Reis,
em Cacine, 12/12/1968.
Foto: António J. Pereira
da Costa
 (2013)



Sempre estive bem consciente de que o trabalho que executava quando fazíamos evacuações sanitárias, tinha alguns riscos. Estes eram elevados e bem patentes quando elas eram feitas desde os locais de combate. Mas, mesmo nos outros casos, o simples facto de sobrevoarmos zonas por vezes controladas pelo inimigo, incutia em nós alguma sensação de insegurança.

 Naqueles momentos, e enquanto olhava para a paisagem que lá em baixo ia passando sobre os  meus olhos, pensava em muitas coisas... 

Uma, recorrrente, era: "O que me fariam os guerrilheiros, se o avião fosse abatido, e nós  feitos prisioneiros ?".

Pensava muito na minha condição de mulher, que talvez agravasse a situação. Mas, por outro lado, tinha esperança de que, pelo facto de ser enfermeira e os guerrilheiros saberem que nós também tratávamos dos seus feridos, me não fariam qualquer mal.

Por conveniência ou não, quanto mais pensava nisto mais me convencia de que eu beneficiaria dessa proteção pelo simples facto de ser enfermeira!

Até que um dia as minhas dúvidas se  desfizeram!

Uma vez, na Guiné, quando socorria um guerrilheiro que estava ferido e que tinha sido capturado, perguntei-lhe se, por acaso um dia o meu avião caísse no meio do mato com enfermeiras a bordo, se eles nos fariam mal. Eu tinha a ilusão  de que ele diria que nenhum mal nos aconteceria.

Então o Armand   – era assim que ele se chamava   abriu muito os olhos e respondeu-me:

– Não caia, senhora, não caia!

E ali acabaram as minhas ilusões sobre tal assunto!


Fonte: Excertos de Ivone - "Aspetos humanos da nossa atividade: Não caia, senhora...". In: "Nós, enfermeiras paraquedistas", 2ª ed., org. Rosa Serra, prefácio do Prof. Adriano Moreira (Porto: Fronteira do Caos, 2014), pág.333  (com a devida vénia) (Imagem à direita, a seguir: Capa do livro)

(Seleção, revisão / fixação de texto, título, introdução: LG) (**)


Coautoras (das 30 da lista, com a Rosa Serra,  editora literária,  18 são Marias...): 

Maria Arminda Pereira | Maria Zulmira André (†) | Maria da Nazaré Andrade (†) | Maria do Céu Policarpo | Maria Ivone Reis (†) | Maria de Lourdes Rodrigues | Maria Celeste Guerra | Eugénia Espírito Santo | Ercília Silva | Maria do Céu Pedro (†) | Maria Bernardo Teixeira | Júlia Almeida | Maria Emília Rebocho | Maria Rosa Exposto | Maria do Céu Chaves | Maria de Lourdes Cobra | Maria de La Salette Silva | Maria Cristina Silva | Mariana Gomes | Dulce Murteira | Aura Teles | Ana Maria Bermudes | Ana Gertrudes Ramalho | Maria de Lurdes Gomes | Octávia Santos | Maria Natércia Pais | Giselda Antunes (Pessoa) | Maria Natália Santos | Francis Matias | Maria de Lurdes Costa.

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Notas do editor:

(*) Vd., postes de:^

18 de maio de 2022 > Guiné 61/74 - P23275: (In)citações (206): Maria Ivone Reis (1929-2022), a primeira enfermeira paraquedista que eu conheci, em 1967, no Porto (Rosa Serra)

16 de maio de 2022 > Guiné 61/74 - P23267: In Memoriam (435): Maria Ivone Reis, Major Enfermeira Paraquedista Reformada (1929-2022), falecida no dia 15 de Maio de 2022

13 de janeiro de 2021 > Guiné 61/74 - P21764: (De)Caras (168): Maria Ivone Reis, major enfermeira paraquedista reformada, faz hoje 92 anos e é uma referência para outras outras mulheres e para nós, seus camaradas: excertos de um seu depoimento, publicado em 2004 na Revista Crítica de Ciências Sociais - Parte I

13 de janeiro de 2021 > Guiné 61/74 - P21766: (De)Caras (169): Maria Ivone Reis, major enfermeira paraquedista reformada, faz hoje 92 anos e é uma referência para outras outras mulheres e para nós, seus camaradas: excertos de um seu depoimento, publicado em 2004 na Revista Crítica de Ciências Sociais - Parte II (e última)

5 de novembro de 2011 > Guiné 63/74 - P8998: As nossas queridas enfermeiras pára-quedistas (28): Comemoração dos 50 anos dos cursos de 1961 das Tropas Pára-quedistas (Rosa Serra / Maria Arminda)

26 de agosto de 2010 > Guiné 63/74 - P6900: As nossas queridas enfermeiras pára-quedistas (20): Uma foto histórica: as Alferes Arminda e Ivone, em Angola, Negage, Agosto de 1961

5 de junho de 2010 > Guiné 63/74 - P6535: As Nossas Queridas Enfermeiras Pára-quedistas (18): As primeiras mulheres portuguesas equiparadas a militares (5): Maria Ivone Reis (Rosa Serra)

11 de maio de 2009 > Guiné 63/74 - P4318: As Nossas Queridas Enfermeiras Pára-quedistas (10): Ivone Reis, Anjo da Guarda na Guiné, Angola e Moçambique (António Brandão)

20 de fevereiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3914: As nossas queridas enfermeiras pára-quedistas (1): Uma brincadeira (machista...) em terra dos Lassas (Mário Fitas)

quinta-feira, 5 de dezembro de 2024

Guiné 61/74 - P26237: Humor de caserna (84): Para mais sendo mulher, eu tive medo de ser capturada e pedi ao piloto que me desse... um tiro! (Maria Celeste Guerra, ex-alferes graduada enfermeira paraquedista, FAP, 1962/65)


Maria Celeste [Guerra, ex-alferes graduada enfermeira paraquedista]: é do 2º curso (1962), para o qual entrou aos 19 anos. É oriunda da Escola de Enfermagem Franciscanas Missionárias de Maria. Esteve na FAP de 1963 a 1965. Cumpriu uma missão de serviço em Moçambique e duas na Guiné.

Foto:  "Nós, as enfermeiras paraquedistas" (2014), pág. 389 (com  devida vénia).




Humor de caserna >  Para mais sendo mulher,  eu tive medo de ser capturada e pedi ao piloto que me desse... um tiro!

por Maria Celeste


A Maria Celeste devia ser  uma jovem encantadora e com grande sentido de humor...Já aqui foi publicado um pequeno excerto de uma das cenas "divertidas" que ela guardou da sua experiência como enfermeira paraquedista (*). 

Gosto da pessoa que, tendo passado por situações dramáticas ou até de risco de vida, sabe depois "dar a volta", e contá-las, aos outros, com graça, com leveza, com descontração, até como forma de catarse. E sem complexos, nomeadamente sem receio de ser julgada mal pelos outros ou de cair no ridículo. 

A verdade é que todos nós, antigos combatentes, e sobretudo no início da guerra, quando ainda éramos "periquitos", devemos ter passado, em "noites palúdicas", pelo pesadelo de podermos ser "apanhados à unha" no mato...Infelizmente, esses casos não foram assim tão raros, na Guiné... Mas ao fim de seis meses, já éramos "imortais"...

 Talvez até com mais razões, as enfermeiras paraquedistas também ponderavam esse risco , mesmo subliminarmente: por avaria ou fogo inimigo, o helicóptero ou a avioneta que usavam quase  todos os dias, em evacuações no mato, podiam correr  o risco de  ser capturadas pelos "turras"... E, sendo mulheres, estavam, mais do que nós, sujeitas  a ser violadas ou sexualmente molestadas... Era o que se passava na cabeça da Maria Celeste nesta situação em que ela partilha,com ingenuidade e sinceridade, mas com muita piada, os medos que a afligiram... Ainda devia a estar a aprender a lidar com o(s) medo(s)... (LG).


(...) Em outra ocasião fui fazer uma evacuação de feridos, num dia com muito nevoeiro.O piloto ainda não conhecia bem o terreno e, às tantas, tivemos de aterrar num local desconhecido!

Sabíamos que era perigoso, mas não havia alternativa...

Como mulher, eu tinha medo de cair em mãos erradas, por isso pedi ao piloto que se, ao aterrar, visse que haveria problemas, me desse um tiro...

Aterrámos... O motor do helicóptero foi parado... Só se ouvia 'silêncio' em nosso redor!. Nós nem falávamos, apenas sussurrávamos, de um para o outro! Havia um silêncio total...

Daí a alguns minutos, ouvimos vozes a dar ordens, que não eram percetíveis para nós e que pareciam ser de indígenas. Senti medo de ser capturada!

— Afonso, por favor, faça o que lhe pedi mal eles apareçam! — disse-lhe eu.
~
Olhei para ele e vi-o de pistola na mão, muito pálido, a dizer que tinha pena... mas não seria capaz!

— Deus do céu, dê cá isso que eu trato do assunto !

Fiquei com a arma na mão à espera, fria que nem gelo... Nisto começámos a ouvir o barulho de gente a aproximar-se, gente apressada a pisar as folhas e ainda tenho nos ouvidos aquele restolhar!

— São nossos! — grita o Afonso, hilariante.


— Ai são ?! — respondo eu... e caio "redondinha" no chão!

A valentia tinha-me fugido a sete pés!... E, durante muito tempo, fui amigavelmente "gozada"... (**)


Fonte: Excertos de Maria Celeste - "Cenas do quotidiano, na guerra". In: "Nós, enfermeiras paraquedistas", 2ª ed., org. Rosa Serra, prefácio do Prof. Adriano Moreira (Porto: Fronteira do Caos, 2014), pág. 342/343 (com a devida vénia)
(Imagem à esquerda: Capa do livro) 

(Seleção, revisão / fixação de texto, título, introdução: LG)



Coautoras: Maria Arminda Pereira | Maria Zulmira André (†) | Maria da Nazaré Andrade (†) | Maria do Céu Policarpo | Maria Ivone Reis (†) | Maria de Lourdes Rodrigues | Maria Celeste Guerra | Eugénia Espírito Santo | Ercília Silva | Maria do Céu Pedro (†) | Maria Bernardo Teixeira | Júlia Almeida | Maria Emília Rebocho | Maria Rosa Exposto  | Maria do Céu Chaves | Maria de Lourdes Cobra | Maria de La Salette Silva | Maria Cristina Silva | Mariana Gomes | Dulce Murteira | Aura Teles | Ana Maria Bermudes | Ana Gertrudes Ramalho | Maria de Lurdes Gomes | Octávia Santos | Maria Natércia Pais | Giselda Antunes | Maria Natália Santos | Francis Matias | Maria de Lurdes Costa.
 
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terça-feira, 3 de dezembro de 2024

Guiné 61/74 - P26227: Recordações e desabafos de um artilheiro (Domingos Robalo, fur mil art, BAC 1 /GAC 7, Bissau, 1969/71) - X Parte (Adenda): A todas as nossas enfermeiras paraquedistas, um bem-haja !


Domingos Robalo, ex-fur mil art,
BAC 1 / GAC 7 / GA 7, Bissau, 1969/71;
foi comandante do 22º Pel Art, em Fulacunda
(1969/70); nasceu em Castelo Branco,
trabalhou na Lisnave,
vive em Almada; tem cerca de
 3 dezenas de referências no nosso blogue.
1.  Comentário postado na página do Facebook da Tabanca Grande, 2 de dezembro de2024, 18:30


Creio que foi a 1 de janeiro de 1971. Eu e o capitão de artilharia Viriato Osório, estamos a bordo de uma DO com destino a Buba onde íamos fazer uma regulação de tiro de artilharia. Já quase a chegarmos a Buba reparamos na exagerada atenção do piloto sobre as comunicações. Apercebemos- nos que algo de mau estava a acontecer. Antes de nos fazermos à pista o piloto informa que nos ia largar na pista e regressar a Bissau para uma evacuação.

Ok, tudo bem.

Tudo bem, não. Porque ao avistarmos a pista, havia nesta uma movimentação muito fora do normal.

Antes de aterrarmos já sabíamos que mais 3 DO voavam de Bissau para Buba.Estava em curso a assistência médica de urgência, porque um pelotão ao fazer os preparativos para uma 
patrulha já tinha várias baixas. Num acidente, 
não raro, daqueles que ao chibatarmos para cima do ombro as granadas amarradas entre si por um “cordel", provocou um rebentamento na caserna. Imagina-se a “desgraça “.

Rapidamente mais 3 DO se fazem à pista e as primeiras pessoas a sair foram as enfermeiras paraquedistas. Em correria iniciaram a execução das suas tarefas. Cuidar, estabilizar e embarcar. 

Num ápice as 4 DO levantam voo e procedem à evacuação dos feridos, alguns deles graves. Já não sei fazer referência a mortos, porque a 54 anos de distância muita coisa a memória foi perdendo. 

Às nossas camaradas enfermeiras paraquedistas, que em muitas circunstâncias foram as salvadoras de muitos camaradas,  o meu obrigado. Merecem mais do que reconhecimento, merecem a nossa gratidão o nosso respeito. A todas um bem-haja!.

Assisti a um episódio semelhante na semana de Carnaval de 1971, em Piche, durante os preparativos da Operação “Mabecos”.

Desabafo de um artilheiro-combatente.

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Nota do editor:

Ultimo poste da série > 19 de novembro de 2019 > Guiné 61/74 - P20364: Recordações e desabafos de um artilheiro (Domingos Robalo, fur mil art, BAC 1 /GAC 7, Bissau, 1969/71) - IX (e última) Parte: Nunca mais esquecerei aquele abraço, num lojeca em Bissau, antes do meu regresso a casa, daquele negro de Fulacunda, o Eusébio, suspeito de colaborar com o IN, e a quem poderei ter salvo a vida...

segunda-feira, 2 de dezembro de 2024

Guiné 61/74 - P26223: Humor de caserna (83): "Oh, senhora enfermeira, deixe-me pôr os olhos... em cima de si!" (Natércia Neves)

 

"Penso que a sexualidade dos militares no isolamento do mato era uma questão complexa, que por vezes levava a comportamentos algo inesperados e um pouco bizarros", escreveu a enfermeira paraquedista Maria Natércia Pais no livro coletivo, "Nós,  enfermeiras paraquedistas" (2014)... 

E narra dois casos que, sem ofensa nem para ela nem para os visados (de resto, nem sequer identificados), cabem aqui muito bem na série "Humor de caserna" (*),

A Natércia Neves era enfermeira paraquedista, graduada em furriel. É beirã. De seu nome completo, Maria Natércia Conceição Pais Neves. Pela Arminda Santos, sabemos que ele é do 7º curso, de 1970 (e,m que o brevet 8 enfermeiras paraquedistas...  Fez uma comissão de serviço nma Guiné, em 1971/72 (terá chegado logo no início de 1971 pela referência que faz a Gadamael e à morte do cap inf Assunção Silva, cmd da CCAÇ 2796). 

As duas pequenas histórias que aqui conta, são uma delícia, pelo seu fino humor. Merecem figurar num cantinho do nosso blogue. Vem inseridas no capº X ("Aspetos humanos da nossa atividade") do livro "Nós, enfermeiras paraquedistas" (2014)...

E ela passa a ter pelo menos uma primeira referência no blogie. Acrescente-se que participou no filme "Quem vai à Guerra" (Realização: Marta Pessoa | Produção: Real Ficção | Ano: 2009 | Duração:123 minutos).


Sexualidade em tempo de guerra...

por Natércia Neves


Um dia aterrei numa povoação 0nde existia um médico que, quando me viu sair do avião, não mais tirou os olhos da minha pessoa. Quando chegou muito próximo de mim, ainda antes de o ferido a evacuar chegar ao avião,  com o ar mais natural da vida, disse-me:

 − Oh, senhora enfermeiras, deixe-me pôr os olhos em cima de si! Já não vejo uma mulher há tanto tempo....

E ali ficou como que hipnotizado, a olhar-me! 

Fiquei em silêncio,um pouco encabulada, e nada disse. A maca com o ferido aproximou-.se, meteram-na dentro do avião. O médico não me disse sequer o que se tinha passado com o militar, nem qual era o seu  estado, como era sua obrigação... 

E eu também nada perguntei, pois senti que para ele não era oportuno.

Descolámos para Bissau, e o médico ficvou ali a olhar-me até que o avião, com a minha figura lá dentro, saiu do seu ângulo de visão. 

Ele não foi desrespeitoso, apenas pediu, e explicou o seu olhar...

Tive um outro caso, em que tive de fazer um qualquer tratamento em terra a um ferido antes de este entrar no pequeno avião DO-27. 

Com a maca no chão, ajoelhei-me no solo para executar o que tinha de fazer e, de repente, reparo que alguém também se ajoelhou perto de mim, mas não olhei na sua direção.

Só quando  acabei de fazer o meu trabalho é que levantei a cabeça e vi     que o meu "vizinho" estava a espreitar para o discreto decote da minha t-shirt branca, quase de gatas. e alheio a tudo o que o rodeava.

Era o comandante dessa unidade que, quando deu conta do meu raparo, tentou disgfarçar e se levantou de imediato desviando o olhar. sem nada dizer. Nem se despediu...


Fonte: Excertos de Natércia  - "Sexualidade na guerra". In: "Nós, enfermeiras paraquedistas", 2ª ed., org. Rosa Serra, prefácio do Prof. Adriano Moreira (Porto: Fronteira do Caos, 2014), pág. 344(com a devida vénia)


(Seleção, revisão / fixação de texto, título: LG)


Capa do livro "Nós, enfermeiras paraquedistas", 2ª ed., org. Rosa Serra, prefácio do Prof. Adriano Moreira (Porto: Fronteira do Caos, 2014,  439 pp.). 


Coautoras: Maria Arminda Pereira | Maria Zulmira André (†) |  Maria da Nazaré Andrade  (†) |  Maria do Céu Policarpo | Maria Ivone Reis (†) | Maria de Lourdes Rodrigues | Maria Celeste Guerra | Eugénia Espírito Santo |  Ercília Silva | Maria do Céu Pedro  (†) | Maria Bernardo Teixeira |  Júlia Almeida |  Maria Emília Rebocho |  Maria Rosa Exposto (†) | Maria do Céu Chaves |  Maria de Lourdes Cobra | Maria de La Salette Silva | Maria Cristina Silva |  Mariana Gomes | Dulce Murteira | Aura Teles |  Ana Maria Bermudes |  Ana Gertrudes Ramalho | Maria de Lurdes Gomes |  Octávia Santos | Maria Natércia Pais |  Giselda Antunes |  Maria Natália Santos |   Francis Matias | Maria de Lurdes Costa.~





Depoimento da Natércia Neves (ou Maria Natércia Pais), "Olhando para trás..." 
(op. cit., 2014, pp. 429 - 430).

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Nota do editor:

Último poste da série > 22 de novembro de 2024 > Guiné 61/74 - P26178: Humor de caserna (82): "Anestesiado... com uísque" (António Reis, ex-1º cabo aux enf, HM 241, Bissau, 1966/68)


sexta-feira, 1 de novembro de 2024

Guiné 61/74 - P26102: Humor de caserna (80): Fui um felizardo: mandaram-me ir substituir uma enfermeira paraquedista e fazer uma evacuação no mato...Foi a primeira vez que peguei na G3, dei um tiro, para o ar...(António Reis, ex-1º cabo enf aux, HM 241, Bissau, 1966/68)



Capa do livro de  António Reis, "A minha jornada de África", 
1ª ed., s/l, Palavras e Rimas, Lda, 2015, 111 pp. 




António Reis, hoje e ontem: ex-1º cabo aux enf, HM 241, Bissau, 1966/68; natural de Avintes, V. N. Gaia, é membro da nossa Tabanca Grande, nº 882; é autor de dois livros de memórias da Guiné; tem página no Facebook.


Fotos (e legendas): © António Reis (2023). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Do seu pequeno livro de memórias, "A minha jornada em África" (2015, 111 pp.), tomamos a liberdade de reproduzir este pequeno apontamento, bem humorado, "A estrela da sorte": ele considera-se um felizardo porque só deu... um tiro e foi para o ar! (pag. 73).

Humor de caserna > A estrela da sorte

por António Reis

 Posso dizer que fui um felizardo. Enquanto que uns passaram parte do tempo fazendo fogo para dele não morrer, ou matando para sobreviver, eu apenas dei um tiro e foi para o ar.

Foi um sábado à tarde ou um domingo. Estava de serviço de escala,  quando recebo ordens para ir de helicóptero fazer a evacuação de um enfermo do mato para o hospital.

Quem desempenhava estas funções eram normalmente enfermeiras paraquedistas com o posto de tenente, mas que, por qualquer motivo, não podiam ir. E,  então, foi requisitado um do hospital. E que fosse armado. 

Eu fui o escalado.

Era a primeira vez que pegava na minha G3, que estava à cabeceira da cama com quatro cartucheiras. E, na iminência de a usar, havia que a experimentar. E experimentei-a, dando um tiro para o ar.

Entretanto deram-nos ordem em contrário e já não foi necessário ir ninguém do hospital.

No dia seguinte fui chamado para justificar o porquê de ter dado o tiro. Justifiquei-me . E ficou justificado.

(Revisão/ fixação de texto, título: LG)
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Nota do editor:

Último poste da série > 21 de outubro de 2024 > Guiné 61/74 - P26066: Humor de caserna (79): O soldado que foge, apavorado, do bloco operatório ao ver "tantas tesouras e faquinhas"... (Maria Celeste Guerra, ex-alferes graduada enfermeira paraquedista, FAP, 1962/65)