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sexta-feira, 1 de novembro de 2024

Guiné 61/74 - P26102: Humor de caserna (80): Fui um felizardo: mandaram-me ir substituir uma enfermeira paraquedista e fazer uma evacuação no mato...Foi a primeira vez que peguei na G3, dei um tiro, para o ar...(António Reis, ex-1º cabo enf aux, HM 241, Bissau, 1966/68)



Capa do livro de  António Reis, "A minha jornada de África", 
1ª ed., s/l, Palavras e Rimas, Lda, 2015, 111 pp. 




António Reis, hoje e ontem: ex-1º cabo aux enf, HM 241, Bissau, 1966/68; natural de Avintes, V. N. Gaia, é membro da nossa Tabanca Grande, nº 882; é autor de dois livros de memórias da Guiné; tem página no Facebook.


Fotos (e legendas): © António Reis (2023). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Do seu pequeno livro de memórias, "A minha jornada em África" (2015, 111 pp.), tomamos a liberdade de reproduzir este pequeno apontamento, bem humorado, "A estrela da sorte": ele considera-se um felizardo porque só deu... um tiro e foi para o ar! (pag. 73).

Humor de caserna > A estrela da sorte

por António Reis

 Posso dizer que fui um felizardo. Enquanto que uns passaram parte do tempo fazendo fogo para dele não morrer, ou matando para sobreviver, eu apenas dei um tiro e foi para o ar.

Foi um sábado à tarde ou um domingo. Estava de serviço de escala,  quando recebo ordens para ir de helicóptero fazer a evacuação de um enfermo do mato para o hospital.

Quem desempenhava estas funções eram normalmente enfermeiras paraquedistas com o posto de tenente, mas que, por qualquer motivo, não podiam ir. E,  então, foi requisitado um do hospital. E que fosse armado. 

Eu fui o escalado.

Era a primeira vez que pegava na minha G3, que estava à cabeceira da cama com quatro cartucheiras. E, na iminência de a usar, havia que a experimentar. E experimentei-a, dando um tiro para o ar.

Entretanto deram-nos ordem em contrário e já não foi necessário ir ninguém do hospital.

No dia seguinte fui chamado para justificar o porquê de ter dado o tiro. Justifiquei-me . E ficou justificado.

(Revisão/ fixação de texto, título: LG)
______________

Nota do editor:

Último poste da série > 21 de outubro de 2024 > Guiné 61/74 - P26066: Humor de caserna (79): O soldado que foge, apavorado, do bloco operatório ao ver "tantas tesouras e faquinhas"... (Maria Celeste Guerra, ex-alferes graduada enfermeira paraquedista, FAP, 1962/65)

segunda-feira, 21 de outubro de 2024

Guiné 61/74 - P26066: Humor de caserna (79): O soldado que foge, apavorado, do bloco operatório ao ver "tantas tesouras e faquinhas"... (Maria Celeste Guerra, ex-alferes graduada enfermeira paraquedista, FAP, 1962/65)

 


Maria Celeste  [Guerra, ex-alferes graduada enfermeira paraquedista]:  é do 2º curso (1962). Esteve na FAP de 1962 a 1965. Cumpriu uma  missão de serviço em Moçambique e duas na Guiné. 

Fonte: "Nós, as enfermeiras paraquedistas" (2014), pág. 389/390.


Humor de caserna > O soldado que foge, apavorado, do bloco operatório ao ver "tantas tesouras e faquinhas"...

por Maria Celeste


(...) No Hospital Militar de Bissau [HM 241], aconteceu um dia uma cena muito cómica! 

Por algum motivo, fui ajudar no serviço de cirugia. Eu estava à vontade na técnica deste serviço, pois antes de ir para a Força Aérea tinha trabalhado no Hospital da Parede [Hospital Ortopédico Santa'Ana, HOSA] como instrumentista.

Estava então a preparar a mesa para a cirurgia que ia ser feita. Entretanto, tinham trazido para a sala, talvez cedo de mais, o soldado doente a quem ia ser feita uma apendicectomia,

Às tantas, no meio da nossa conversa, meio aturdido com as drogas que já lhe tinham sido administradas, ele perguntou-me:

 Diga lá, minha Alferes, essas tesouras e faquinhas,são para quê ?

Respondi:

— São para a sua operação!

— Valha-me  Deus, isso tudo?!...

 É tudo preciso  acrescentei eu.

Como não houve mais comentários e se seguiu um grande silêncio, alguns momentos depois voltei-me para trás (estava de costas para o soldado) e... qual doente ?!| 

Não o vi, ele tinha desaparecido!

Corri para a porta e, no final do enorme corredor, consegui ainda avistá-lo, fugindo apavorado, embrulhado num lençol!!! (...)


Fonte: Excertos de Maria Celeste - "Cenas do quotidiano, na guerra". In: "Nós, enfermeiras paraquedistas", 2ª ed., org. Rosa Serra, prefácio do Prof. Adriano Moreira (Porto: Fronteira do Caos, 2014), pág. 342 (com a devida vénia)

(Seleção, revisão / fixação de texto, título: LG)

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Nota do editor:

Último poste da série > 20 de outubro de 2024 > Guiné 61/74 - P26062: Humor de caserna (78): o velho, a "bajuda fugidona" e a justiça salomónica do alferes Mota (Carlos Fortunato, ex-fur mil, CCAÇ 13, Bissorã, 1969/71)

sexta-feira, 18 de outubro de 2024

Guiné 61/74 - P26056: Tabanca Grande (564): António Galinha Dias, ex-fur mil pil, BA 12 (Bissalanca, 1968/70): natural de Torres Novas, senta-se à sombra do nosso poilão no lugar nº 894

 


António Galinha Dias, ex-fur mil pil, BA 12, Bissalanca (1968/70)

Foto (e legenda): © António Galinha Dis (2024). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné].



Ribamar da Lourinhã, Festa de N. Sra. de Monserrate > 14 de outubro de 2024 > António Galinha Dias,
 
Foto (e legenda): © Luís Graça (2024). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné].

Sintra > Mira-Sintra / Meleças > 2018 > Convívio de pessoal da FAP que voou na Guiné. O segundo a contar da esquerda é o ex-fur mil pil António Galinha Dias, que fez a helievacuação do cap cubano Pedro Rpodriguez Peralta, em 18 de novembro de 1969, sendo a enfermeira paarquedista a Maria Zulmira André Pereira (1931-2010), uma das "Seis Marias", as histórica do 1º curso de enfermeiras paraquedistas (1961), juntamente com a Maria Arminda Santos, a Maria Ivone Reis (1929-2022), a Maria de Lurdes ("Lurdinhas"), a Maria do Céu Policarpo e a Maria da Nazaré (falecida em 1984)

Foto (e legenda): © Miguel Pessoa (2021). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné].


1. Costumamos dizer, aqui entre nós, que o Mundo é Pequeno e a Nossa Tabanca... é Grande... E nomeadamente quando, nos nossos convívios, vamos encontrar antigos combatentes que, como nós, conheceram a Guiné, por terra, ar e mar... Foi o caso do Antóno Galinha Dias que vive em Torres Novas e eu fui encontrar a 70 km de distância, em Ribamar da Lourinhã. Veio com o mano mais vellho, o Alcides Galinha Dias (rapaz da colheita de 1945) para o tradicional convívio de velhos condiscípulos que se realiza todos os anos, na segunda feira da segunda semana de outubro, por ocasião das festas da padroeira daquela terra de pescadores, a N. Sra. de Monserrate (este ano, de 11 a 16 de outubro)... 

Pois foi justamente em Ribamar da Lourinhã que eu fui descobrir, na passada segunda feira, mais um camarada da Guiné, neste caso da FAP,  o António Dias Galinha, ex-fur mil pil, BA 12, Bissalanca, 1968/70, que foi piloto de AL III, de helicanhão, DO 27 e de C-130...

Já tínhamos no nosso blogue alguns referências a este camarada (**). Um dos aspetos mais marcantes do seu currículo militar terá sido a circunstância de ter sido ele a fazer a evacuação Ypsilon, de helicóptero  "com escolta", do mais célebre dos "internacionalistas cubanos", o cap Pedro Rodriguez Peralta, do local onde foi gravemente ferido e capturado por forças do BCP 12 (Op Jove, 18nov69) até o HM 241, Bissau (**)...A enfermeira paraquedista de serviço nesse voo foi a saudosa Maria Zulmira André Pereira (1931-2010) (**).

Quem é o António Dias Galinha Dias, para além de ter estado seis anos, como voluntário na FAP ?E mais conhecido por Galinha, apelido materno. Voltou a terra natal, depois de se reformar:  foi durante anos  sócio-gerente da firma Agroar - Trabalhos Aéreos Lda, com sede em Évora.  É um homem calmo, discreto, mas afável.
 
Fiquei com o email do António Dias Galinha e desafiei-o a juntar-se à nossa Tabanca Grande, onde tem cá conterrâneos (como o César Dias) e amigos e vizinhos (como o Carlos Pinheiro), mas também gente do seu tempo da FAP como o Jorge Narciso, o Jorge Félix, o Jorge Caiano (que está no Canadá), o Mário Santos, ou mais novos como o Gil Moutinho (teu conhecido da Tabanca dos Melros), o Victor Barata,  infelizmente já falecido  (1951-2021) ou o Eduardo Jorge Ferreira, que também já nos deixou prematuramente (1952-2019)... Sem falar da malta do BCP 12, sem esquecer as enfermeiras paraquedistas Maria Arminda, da Giselda Pessoa, da Rosa Serra... nem os nossos "pesos pesados", os ex-ten pilav Miguel Pessoa  e António Martins de Matos... (Enfim, alguns dos nomes de malta da FAP que se sentam à sombra do nosso poilão,e  que me vêm de repente à memória.)

Segundo ele me contou é do tempo das enfermeiras paraquedistas Rosa Serra, Rosa Exposto, Maria Zulmira, Eugénia... Depois de ter pilotado o AL III e a DO-27, fez o curso de C-130.

 "Amigo" da nossa página no Facebook (temos 19 amigos em comum. incluindo o Carlos Pinheiro e o Jorge Narciso), está na altura de sentar o nosso camarada (e já amigo) Galinha, à sombra do poilão da Tabanca Grande, no lugar nº 894. 

As regras de convívio da nossa Tabanca Grande são amplamente conhecidas e reconhecidas. Todos nos tratamos por tu, como camaradas de armas que somos (e que de algum modo continuamos a ser). Cabemos aqui todos com tudo o que nos une e até com o que nos pode separar (política, religão, futebol...). Estamos aqui para partilhar memórias (e afetos) e honrar a memórias dos nossos camaradas que já deixaram a Terra da Alegria e que não queremos ver inumados na vala comum do esquecimento.

Sê bem vindo, António, e rapa lá das tuas memórias mais algumas fotos e outras lembranças (como episódios que te tenham marcado como piloto). Um alfabravo, camarada, novo grão-tabanqueiro. (Luís Graça)

PS - O teu nome passará a figurar na lista alfabética da Tabanca Grande (n=894), constante da badana, a coluna estática do blogue, do lado esquerdo.

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 Notas do editor:


(**) Vd. postes de:


terça-feira, 15 de outubro de 2024

Guiné 61/74 - P26045: O Mundo é Pequeno e a Nossa Tabanca...é Grande (131): António Galinha Dias, o ex-fur mil pil, que helievacuou o cap cubano Peralta, o mais célebre dos "internacionalistas cubanos", em 18/11/1969... Fui ontem encontrá-lo na famosa caldeirada de Ribamar da Lourinhã, e convidei-o a sentar-se à sombra do nosso poilão (Luís Graça)

 


Ribamar > Festa de N. Sra. de Monserrate > A famosa caldeirada da segunda feir da segunda semana de outubro > 14 de outubro de 2024 >   O António Diass Galinha




Ribamar > Festa de N. Sra. de Monserrate > A famosa caldeirada da segunda feira da segunda semana de outubro > 14 de outubro de 2024 >   O Alcides Dias Galinha, de Torres Novas, o irmão António, e o Alfredo, que veio do Algarve (!), com a esposa (foi piloto de helicóptero, AL III, em Angola, ao tempo do Jaime Silva, um dos organizadores deste fantástico convívio, que tem já cerca de 3 dezenas de anos.)



Ribamar > Festa de N. Sra. de Monserrate > A famosa caldeirada á  pescador, confeccionada na segunda feira da segunda semana de outubro > 14 de outubro de 2024 >   O grupo era de cerca de 8 dezenas de comensais.

Fotos (e legendas): © Luís Graça (2024). Todos os direitos reservados. [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné].



1. Na realidade, o Mundo é Pequeno e a Nossa Tabanca... é Grande (*)... São pouco mais do que 70 km a distância que nos separa, entre Torres Novas e Lourinhã... Pois foi justamente em Ribamar da Lourinhã que eu fui encontrar, ontem, o nosso camarada António Dias Galinha, ex-fur mil pil, BA 12, Bissalanca,  1968/70.  

Quem é o António Dias Galinha Dias (Galinha, apelido materno) ? 

Terá ficado na história da guerra da Guiné por ter helitransportado o mais célebre dos "internacionalistas cubanos", o cap Pedro Rodriguez Peralta, do local onde foi gravemente ferido e capturado por forças do BCP 12 (Op Jove, 18nov69) até o HM 241, Bissau (**)...

 A enfermeira paraquedista de serviço nesse voo foi a saudosa  Maria Zulmira André Pereira (1931-2010) (***). 

O hoje ainda vivo coronel Pedro Rodriguez Peralta, membro do comité central do Partido Comunista Cubano (pelo menos até há uns anos atrás) deve-lhes a vida. A eles, e ao ex-cap pqdt João Bessa (recentemente falecido em 13set2024) e ao 1º cabo Regales.

Já tinhamos notícia do Galinha Dias, aqui no blogue: sabíamos, por exemplo, que em 2018 era  sócio-gerente da firma Agroar - Trabalhos Aéreos Lda,  com sede em Évora. Vive hoje em Torres Novas. Reformado. Veio à famosa caldeirada de Ribamar com o irmão, mais velho, Alcides Galinha Dias.

Na caldeirada de Ribamar, evento que tem quase 3 dezenas de anos, juntam-se familiares, amigos, vizinhos, condiscípulos, colegas e camaradas do Eduardo Jorge Ferreira (1952 - 2019) (****)

 Sobre o Galinh osa Dias, escreveu o seu conterrâneo Cèsar Dias (***):

(...) "Estivemos juntos em Mansabá em finais de 70, o Galinha Dias estava com o Helicanhão nesse periodo em proteção aos trabalhos na estrada Mansabá - Farim. Recordo-me por porque no bar de sargentos termos reunido três torrejanos, um piloto, um sapador e um comando da 27a. (...)."

 Fiquei com o email do António Dias Galinha e desafiei-o a juntar-se à nossa Tabanca Grande. Para  já passa a ser "amigo" da nossa página no Facebook. Temos vinte amigos em comum (incluindo o Carlos Pinheiro e o Jorge Narciso). 

Convidei-o a sentar-se à sombra do poilão da Tabanca Grande. O convite é "irrecusável":  do seu tempo já  cá estão o Jorge Narciso, o Jorge Félix, entre outros camaradas da FAP... E para o ano, espero, António e Alcides,  ver-vos sentados de novo à nossa grande mesa de Ribamar: este ano fomos cerca de 80!... Haja saúde!

PS - Soube, pelo camarada Galinha, da morte de mais uma antiga enfermeira paraquedista, a Rosa Exposto, naturald e Bragança. A sua primeira comissão foi na Guiné. Ainda náo conseguimos confirmar por outras fontes (a Rosa Serra, a Giselda Pessoa, a Maria Arminda, que são nossas tabanqueiras; a Rosa Serra não sabia da triste notícia).
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Notas do editor:

(*) Vd. poste de 13 de agosto de 2024 > Guiné 61/74 - P25835: O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande (130): Algarve, 2 de agosto de 2024: juntando à mesa amigos e camaradas, da CCAÇ 2585, CCAÇ 14, 27ª CCmds... (Manuel Resende / Eduardo Estrela)


Vd, também poste de 17 de março de 2021 > Guiné 61/74: P22014: Memórias cruzadas: 18 de novembro de 1969: uma dia (a)normal no HM 241, Bissau, um dia na vida do cap cubano Pedro Rodriguez Peralta, ferido em combate e helievacuado [Jorge Narciso, ex-1º cabo esp, MMA, BA, 12 (Bissalanca, 1969/71) / Jorge Teixeira 'Portojo' (1945-2017), ex-fur mil, Pel Can s/r 2054 (Catió, 1968/70 ) / Manuela Gonçalves (Nela), esposa do ex-alf mil Nelson Gonçalves, cmdt Pel Caç Nat 60 (São Domingos, 1969)]

sexta-feira, 8 de março de 2024

Guiné 61/74 - P25250: 20.º aniversário do nosso blogue (2): Alguns dos nossos melhores postes de sempre (II): Rosa Serra, história de vida de uma enfermeira paraquedista

Guiné > Região do Oio > Jumbembem > CART 730 (1964/66) e CCAÇ 1565 (1966/68) > Domingo, 10 de julho de 1966 > Um dia trágico: pormenor da evacuação do cap mil inf Rui Romero, na foto a ser transferido para a maca do helicóptero Alouette II... A enfermeira paraquedista era a alf Maria Rosa Exposto.

Foto (e legenda): © Artur Conceição (2007). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



Capa do livro de que a Rosa Serra foi coautora e coordenadora,
"Nós, enfermeiras paraquedistas" (Porto, Fronteira do Caos, 2014, 
439 pp., Prefácio de Adriano Moreira)... Tinha, entretanto, em 2022
um livro,  de teor autobiográfica, à espera de ser  editado... 
Em princípio o livro deveria ter por título a divisa do BCP 21, 
"Que Nunca Por Vencidos Se conheçam"... Algums das melhores 
memórias da Rosa, como enfermeira paraquedista, 
estão intimamemte ligadas à hstória desta unidade.
 

Mão amiga, a do Jaime Bonifácio Marques da Silva (ex-alf mil paraquedista, BCP 21, Angola, 1970/72, e membro da nossa Tabanca Grande) fez-nos chegar, por volta de dezembro de 2022,  uns excertos (cerca de  duas de folhas) do manuscrito do livro de memórias que a Rosa Serra estava a acabar de escrever,  com autorização da parte dela para, depois de serem revistos por nós,  os publicarmos no nosso blogue.

O Jaime e a Rosa ficaram amigos, estiveram juntos no BCP 21, em Angola: o livro da Rosa tem conhecido, entretanto, algumas peripécias, tendo estado inclusive agendado para ser "lançado... de paraquedas"... Infelizmente,  e até por razões de saúde, ela ainda não arranjou um sítio seguro e confortável para  "saltar"...com este "seu filho"...

Minhota de Vila Nova de Famalicão,  vive aqui no Sul, em Paço de Arcos, Oeiras... Membro da nossa Tabanca Grande desde 25/5/2010, foi alf graduada enfermeira paraquedista, tendo passado pelos três TO: Guiné 1969-70, Angola 1970-71 e Moçambique 1973.

No Dia Internacional da Mulher e nos 20 anos do nosso blogue, que já estamos a celebrar (*), aqui vai a republicaçáo, num só, de três postes que publicámos  em finais de 2022 (Postes P23858, P23862,  e P3874). Voltámos a falar com ela ao telefone e obtivemos, de novo,  a sua plena autorização para juntar num só poste estes três excertos. 

Não é preciso lembrar que as enfermeiras paraquedistas são as únicas mulheres a quem, "de jure" e "de facto", podemos chamar camaradas. no sentido puro e duro da etimologia da palavra...


Rosa Serra, ex-alf enf paraquedista
(Guiné, 1969/70; Angola, 1970/71;
Moçambique, 1973)


História de vida: sinto-me muito realizada e feliz por ter sido uma simples enfermeira e, durante a guerra, enfermeira paraquedista (Rosa Serra)


(i) A minha mãe achava que eu tinha jeito para ser enfermeira


Muito recentemente, ao sair do Serviço de Urgência para o internamento do Hospital de Cascais, uma enfermeira jovem fez-me as seguintes perguntas: (i) quando resolveu ser enfermeira?;  (ii) nunca se arrependeu por ter escolhido enfermagem?;  (iii) onde trabalhou? (iv) quantos anos exerceu essa profissão?;  e (v) teve alguma desilusão ou desilusões?

Após a minha narrativa dos vários locais onde exerci a minha profissão, logicamente também referi que fui enfermeira paraquedista. A jovem, de olhos abertos de espanto, informou-me:

– O meu marido é militar paraquedista.

Sorri…

– Só conheço paraquedistas velhotes como eu – respondi.

Continuei com as minhas explicações.

– Quando fui para a Escola de enfermagem, e até muito depois disso, ouvi muitas colegas dizerem que foram para a enfermagem por vocação. Várias dessas enfermeiras faziam questão de acrescentar que queriam muito ajudar e cuidar as criancinhas, os velhinhos, os doentinhos e até os pobrezinhos. Ouvi de tudo... ao ponto de me interrogar se eu algum dia seria boa enfermeira.

Diz-me ela:

– Hoje ninguém vem para enfermagem por vocação.

E continuou:

– Nós vamos para a enfermagem porque não entramos em medicina, farmácia ou outro qualquer curso mais de nosso agrado.

Eu respondi:

– Eu também não fui. No meu caso foi por conveniência familiar. Eu fui porque um dia um dia a minha mãe, que eu já tinha reparado andar muito pensativa, disse-me que o dinheiro era pouco para pagar o meu Externato, que era particular, porque não havia liceu na minha Vila. E assim sendo, talvez fosse melhor eu interromper e ir para um curso para que me permitisse, ao fim de 3 anos ter uma profissão, um ordenado e logicamente ser independente monetariamente. Respondi, à minha mãe, que gostava de ir para a Universidade.

– Que curso gostavas de fazer? – perguntou ela.

– Não sei…

Pegou-me nas mãos e continuou:

– Sabes que eu acho que tinhas jeito para seres enfermeira ... Penso que era bom para ti...

E acrescentou:

– Verás que vais gostar.

Ficou logo ali, definido o meu destino.

Apesar das minhas dificuldades, sobretudo económicas, lá fui aprender a ser enfermeira sem saber muito bem o que me esperava.

Fui para o Porto estudar. Na minha primeira escola, adquiri obrigatoriamente um livro; Técnica de Enfermagem, que era da Escola da Imaculada Conceição (Casa de Saúde da Boavista no Porto) que alguém informou a minha mãe ser uma boa escola, e foi aí que fiz o primeiro ano.

Os dois anos seguintes foram feitos numa outra escola que, passado pouco tempo descobri, que ficava mais económica.

Uma coisa que pesou muito era haver nesta segunda escola, um lar onde residiam as alunas que não eram da cidade do Porto, isso não acontecia com a Escola da Boavista, ficando assim bem mais barato.

Dessa primeira escola, não esqueci os desenhos logo na primeira folha do livro de Técnica de Enfermagem. O primeiro era uma cabeça feminina, com uma touca de enfermeira da época, sobre cabelos curtos e várias setas apontando para os mais diversos pontos da mesma, onde estavam enumeradas as qualidades indispensáveis de uma boa enfermeira: inteligência, memória, conhecimento, espírito de observação autodomínio, reserva.

Um pouco abaixo, mais dois desenhos. Um deles era um coração (forma humana), com três setinhas apontando para as palavras: compreensão, sensibilidade, bondade.

Do outro lado mais um desenho, duas mãos segurando uma seringa com mais três setas indicando: segurança, desembaraço, leveza.

Estas eram as qualidades indispensáveis a uma boa enfermeira no Ano de 1963. Dessa mesma Escola de Enfermagem.

Com a continuação do tempo, fui interiorizando estes conceitos e aceitei-os como compromisso. Mesmo quando me deparava com determinada tarefa que me custasse fazer, sempre pensava nas setinhas do coração e nunca deixei de as executar e muito menos pedir a alguém que a fizesse por mim, por mais que me custasse ou até mesmo me enfastiasse...

A minha vocação se calhar só a minha mãe a viu...! O certo é que sempre vivi a minha profissão com gosto, com proximidade daqueles que em determinado momento precisavam de uma enfermeira que se entregasse em plenitude.

A enfermagem, para mim, passou a ser vivida com grande rigor ético e com permanente desafio na aquisição de saberes, para melhor cuidar.

Hoje mais que adulta, penso: é impressionante como sempre me apercebi da mutabilidade dos conceitos, da sua significação ao longo dos tempos, da importância do progresso e da evolução da enfermagem.

É um gosto ver o enriquecimento que, ano após ano, se verifica na formação dos enfermeiros, na perceção da necessidade da existência das especialidades em enfermagem, do avanço científico da mesma. Orgulha-me ver o patamar que atingiu a enfermagem de hoje, e a respeitabilidade que os países estrangeiros manifestam ter pelos Enfermeiros Portugueses.

Em relação a mim, sempre fui movida pelo desejo de um saber abrangente na arte do cuidar em enfermagem.

Assim para fazer frente aos mais variados desempenhos que tive durante quarenta anos, e fazê-los de forma responsável e eficaz, apostei na formação contínua durante toda a minha vida profissional.

Ainda pensei fazer uma especialidade, um pequeno grupo de enfermeiras paraquedistas a fizeram, quando estas começaram a surgir. Mas logo percebi que não encaixava na minha personalidade ter sempre o mesmo tipo desempenho e conclui que só serviria para obter mais um título.

Sempre tive uma grande vontade de um saber alargado, para dar resposta às variadas necessidades do ser humano, num período desafinado do seu estado físico ou mental.

Essa simbiose entre um crescendo desejo de experiências e o dinamismo aportado pela minha juventude, foi o motor causador para uma formação variada e contínua.

Nesta caminhada transformadora, tive um desempenho multifacetado e a formação contribuiu muito para um crescimento profissional que, embora despretensioso, foi significativo, permitindo-me para além de aquisição de vários saberes, entender melhor a alma humana e sempre me senti feliz por isso.

Não fui para nenhuma Faculdade na minha juventude, mas completei, bem mais tarde, todo o Liceu (designado hoje como Ensino Secundário).

Quando do Acordo de Bolonha, a enfermagem passou a Curso Superior, já tinha passado quarenta anos e depois de ter iniciado o antigo Curso Geral de Enfermagem, eu regressei à escola para fazer mais um ano, o que fiz na Escola Superior de Enfermagem Francisco Gentil (anexa ao IPO e hoje integreda na ESEL - Escola Superior de Enfermagem de Lisboa) sendo me conferido o grau de licenciada em enfermagem. Sou agora Licenciada em Enfermagem desde 2003, quando ainda eu estava a exercer funções.

Por graça costumo dizer que iniciei o meu Curso de Enfermagem e só o terminei quarenta anos depois.

Também confesso que a obtenção de várias competências, e tão variados desempenhos que tive no contato direto com doentes, proporcionou-me um sentimento de realização muito intenso, e ainda hoje me sinto orgulhosa pelo percurso que tive e, muito, muito feliz, por ter sido uma simples Enfermeira Generalista (sem especialidade). (...)



Rosa Serra, hoje (2020)


(ii) A guerra e a sua violência... mas também havia situações  "engraçadas" (como, por exemplo, quando "eles", em Tancos, tentavam esconder a revista "Playboy" quando eu chegava ao bar de oficiais...) 


No Hospital de Cascais onde há tempos estive  internada,  ficaram admiradas, as jovens  enfermeiras, quando, ao responder a uma pergunta delas,  comecei a desfiar os vários locais e as experiências de trabalho que tive durante quarenta anos.

Há um que deixou todas ainda com mais espanto. Foi o período em que estive na Força Aérea, como enfermeira paraquedista.

Naturalmente que não escondi que foi uma experiência profissional interessante, mas acrescento sempre que essa realidade foi muito específica e muito diferente da prestação de cuidados em outros contextos, mas talvez não superior aos desempenhos como enfermeira, antes e depois, dos anos que estive ao serviço da Força Aérea.

A Arte do Cuidar é muito variável e sempre adaptada ao contexto onde se exerce. A nossa ação, como enfermeiras paraquedistas, foi num palco de guerra, que desencadeava estados de stresse elevado, sendo necessário geri-lo com mestria, para que a nossa intervenção fosse útil e eficaz. Tínhamos de ter atenção ao nosso estado emocional, pois ele refletia-se naqueles que eram socorridos por nós.

Foi uma mais valia fazermos o curso de paraquedismo, que não nos ensinou a ser enfermeiras, pois já o eramos antes de entrar no RCP - Regimento de Caçadores Paraquedistas, mas foi durante o curso de paraquedismo que aprendemos a controlar os nossos medos e emoções, para que aterrássemos em segurança. Esse treino repercutiu-se na nossa ação, que passou a ser mais calma e mais eficaz.

Os nossos combatentes tinham uma confiança ilimitada nas enfermeiras paraquedistas, foram eles que nos apelidaram de “Anjos“ que desciam do céu para os socorrer. Acredito que a maioria de nós, se não todas, se via como seres espirituais, mas foi uma expressão carinhosa, utilizada pelos nossos combatentes.

Com os pilotos, quando alguma coisa os preocupava, nós, mesmo não entendendo nada de aviões, tentávamos acalmá-los.

Recordo de uma vez na Guiné. O sr. capitão, piloto aviador Cartaxo, ao atravessar o Rio Geba, o maior rio da Guiné, que ficava em frente à cidade de Bissau, par irmos buscar um paraquedista à outra margem desse rio, deparou-se com um inesperado nevoeiro que, sem qualquer “aviso”, fechou o nosso caminho, impedindo que o rumo que estava traçado inicialmente, teria de ser alterado ou adiada a missão. Já estávamos a sobrevoar Tite quando esta alteração climática aconteceu.

De início, o piloto tentou ultrapassar as nuvens, e eu também fiquei atenta ao comportamento das mesmas e andamos ali um bom bocado a sobrevoar Tite, na expetativa de não ser necessário regressamos a Bissau, sem a nossa missão cumprida que era trazer o nosso ferido.

– Olha ali, as nuvens estão a abrir e a nosso favor – disse eu, mas o Capitão mexia na manche,  alheio à minha informação.

Eu sem perceber por que razão o seu foco era apenas os instrumentos da aeronave. Só no fim de uns bons minutos, acedeu ao meu pedido e acabámos por aterrar no aldeamento donde vinha o pedido.

A pista que nos recebeu era de terra batida, cujas pedrinhas batiam na fuselagem da frágil avioneta, uma DO-27. O ferido que íamos buscar era um paraquedista da companhia do, na altura,  capitão paraquedista Terras Marques [CCP 121 / BCP 12],   que na noite anterior pernoitara nesse quartel do Exército, vindo de uma operação.

Quando aterrámos, chegou até nós o militar ferido,  que já apresentava alguma dificuldade respiratória, porque ao cair da tarde foi tomar banho a um pequeno rio, mergulhando numa parte baixa e lesionou a coluna cervical, razão suficiente para eu pedir ao capitão que pedisse à BA 12, em Bissalanca, para ter um helicóptero disponível na pista à nossa chegada.

O hospital militar [ o HM 241, em Bissau, ficava relativamente perto da BA 12, mas não seria indicado ser transportado por terra, percorrendo uma estrada de piso degradado até lá.

O sr. capitão piloto aviador acedeu ao meu pedido e, quando aterrámos na BA 12, lá estava o Alouette III à espera. Fez-se transferência do ferido para o helicóptero e, antes de ele descolar, coloquei dois frascos de soro em cada lado do seu pescoço, para o manter minimamente estável e já não o acompanhei até ao hospital. O trajeto era demasiado curto, não justificava minha presença durante a viajem.

Depois do helicópetero levantar voo rumo ao Hospital Militar de Bissau, virei-me para o aviãozinho, para perguntar ao capitão se queria acompanhar-me ao bar dos pilotos para tomarmos o pequeno almoço, e qual não é o meu espanto quando vi num buraco na asa do avião, e em cima dela estava um cabo mecânico da Força Aérea que, com ar animado, informa:

– Meu capitão, já a encontrei.

Foi quando vi o furo no DO-27 e ingenuamente disse ao capitão:

– Eu,  quando ouvia as pedras a bater na barriga do avião,  pensei que estas iriam criar moça ao nosso aviãozinho. 

Ele não reagiu à minha observação. Só no bar dos pilotos, não ele, mas quem ouviu a sua narrativa, ria descaradamente na minha cara. Até eu ri pela minha ignorância e estupidez.

Por vezes parecia que vivíamos num mundo de “anedotas”, estou a lembrar-me de outra reação que os pilotos tinham quando chegava um avião da TAP, com passageiros idos de Lisboa.

Após o almoço no Bar dos Pilotos, onde geralmente eu tomava café, de repente alguém me segura por um braço e diz:

– Vamos já para a pista.

E um deles arrasta-me me para dentro de um jipe que já estava à espera dos meninos pilotos, nesse dia acompanhados por uma enfermeira paraquedista. Explicaram-me:

– Vamos ver as miúdas que vêm de Lisboa.

Quando chegamos muito perto da pista, e na distância permitida, estacionaram o jipe e lá ficamos a olhar o belo avião TAP, de portas abertas com um assistente de bordo à espera da colocação das escadas, por onde desceriam os passageiros que chegavam de Lisboa.

Colocada a escada, os passageiros aparecem começando a descer os passageiros e iniciou-se o alvoroço:

– Olha a loiraça que aí vem, é o máximo – diz outro.

E eu pensava:

– Estão todos apanhados pelo clima, o que é que eu tenho a ver com isto?!

Até que de repente se instala a desilusão total e começaram a lamentações, dizendo:

– Ó, pá, é a Rosa Exposto (uma enfermeira paraquedista)

Eu arregalei os olhos, pensando como é enfermeira paraquedista já não interessa!... Mas, ri com gosto, pela desilusão dos nossos amigos pilotos.

"Essa enfermeira é gira mas é... uma enfermeira paraquedista", acredito que a frase, dita à minha frente, os incomodou por considerar o comentário pouco respeitoso.

Foi bom confirmar que, para além dos paraquedistas, também os pilotos tinham alguma preocupação em terem atitudes delicadas, pelo menos na nossa presença. (...)


(iii) Relembrando o enorme prazer de saltar de paraquedas (e os meus instrutores, srgt Nogueira e cap Cordeiro)  ... O último salto que fiz,  foi em dezembro de 1973,  quatro meses antes de passar à disponibilidade

E continuei seguindo a ordem das perguntas, agora sobre as desilusões  que expliquei não ser no plano pessoal, mas que foi nesta passagem pela Força Aérea, que despertei para os interesses de algumas pessoas, uma delas que serviu mal a Força Aérea, mas aproveitou-se bem dela, com incapacidades falsas, dadas por médicos sem escrúpulos, e que todos nós pagámos com os nossos impostos, para essa pessoa estar isenta de IRS com uma alta incapacidade há mais de quarenta anos.

É a única mulher “combatente” na lista dos deficientes das Forças Armadas, dos antigos combatentes da guerra do Ultramar Português. Desculpem a expressão, é uma “ovelha tresmalhada”, para nossa tristeza e desilusão, que não pode servir de exemplo para ninguém.

É triste ver uma nossa enfermeira, sempre saudável, que ignora os princípios éticos, inerentes à sua profissão, a Enfermagem.

Foi ainda como enfermeira paraquedista que despertei para muitos outros interesses que me escandalizaram:  caso dos Açores.

Sempre achei estranho situar-se na Ilha Terceira, um minúsculo hospital, rotulado como Hospital da Força Aérea, existindo apenas nessa ilha uma única Unidade Militar (BA 4) que, se algo acontecesse aos jovens militares, poderiam recorrer ao hospital civil, de Angra do Heroísmo, enquanto que no Continente existiam várias Bases Aéreas espalhadas pelo País, e sem qualquer hospital desse Ramo.

Os militares da Força Aérea só poderiam ser tratados ou socorridos no Hospital Militar da Estrela.

Nesta ilha açoriana existia um médico, salvo erro graduado em tenente coronel, que,  ao saber da existência de enfermeiras paraquedistas e sendo amigo do Diretor do Serviço de Saúde da Força Aérea em Lisboa, pediu a este se poderia enviar duas delas aos Açores, pois gostaria de as conhecer.

O Senhor Diretor assim fez, enviou duas enfermeiras que, ao chegarem lá, arregaçaram as mangas e com o seu profissionalismo, deram uma volta tal à orgânica, dos fracos serviços de enfermagem lá prestados, que o sr. Diretor gostou tanto que avançou logo com novos pedidos, ao seu amigo de Lisboa. Como os argumentos que iria usar, acreditava ele, que o Diretor de Lisboa não iria recusar.

A primeira proposta foi para que as enfermeiras paraquedistas, após o curso de paraquedismo e como forma de adaptação aos Serviços de Saúde Militar, passassem a fazer um estágio no Hospital da Terra Chã e só depois seguiriam para o Ultramar.

(Note-se: nessa altura havia uma enfermeira que quando se candidatou a paraquedista, desempenhava as suas funções no Serviço de Urgência do Hospital Central da Cidade onde trabalhava e, pasmem-se, também essa foi fazer estágio aos Açores no pequeno hospital da Ilha Terceira. Enquanto que o primeiro curso de Enfermeiras Paraquedistas, após concluído o curso de paraquedismo, foi fazer um estágio no Serviço de Urgência do Hospital de S. José. Espantados…? Eu também.)

Voltando ao nosso Diretor da Terra Chã:  pouco tempo depois, deparou-se com um obstáculo, houve anos em que nenhuma enfermeira se candidatou a Enfermeiras Paraquedista.

Esperto como era, o Senhor Diretor dos Açores apresentou nova ideia ao seu amigo de Lisboa:  

–  Senhor Diretor do Serviço de Saúde da Força Aérea Portuguesa  argumentou ele –, coitadas das nossas enfermeiras, com um trabalho tão desgastante no Ultramar, bem merecem descansar nesta pequena, pacata e linda Ilha Açoriana durante uns tempos.

E para lá foram descansar algumas. Mas,  como em tudo, há sempre alguém que não está na Força Aérea para fazer favores a este tipo de pessoas, até que chegou o dia em que o sr. Diretor de Lisboa informou essa enfermeira que teria de ir para os Açores.

Essa senhora enfermeira foi, mas apenas para arranjar argumentos suficientes para nunca mais lá pôr os pés. Passado pouco tempo da sua estadia na bela Ilha Açoriana, a mesma enfermeira foi à BA 4,  pediu uma viagem para Lisboa e apresentou-se na Direção do Serviço de Saúde da Força Aérea em Lisboa, colocando os seus motivos para não voltar aos Açores.

Perante os argumentos apresentados,  o sr. Diretor do Serviço de Saúde da Força Aérea de Lisboa ligou logo para a  ilha, informando o seu amigo e lamentando que a dita enfermeira tinha argumentos demasiado fortes para não ir para os Açores. E acrescentava que, de facto, as enfermeiras paraquedistas, não tinham sido  criadas para essas funções.

O diretor Açoriano, com a sua prepotência, barafustou até se cansar e rematou que não era a sra. enfermeira que se recusava, era ele que não a queria lá, pelo seu mau feitio.


A então ten enf pqdt Ivone Reis, em Cacine,
12/12/1968. Nasceu em 1929, faleceu em 2022.
Foto: António J. Pereira da Costa (2013)



Como curiosidade, que eu saiba, do primeiro curso de enfermeiras paraquedistas foi esta a única enfermeira paraquedista que,  no ano seguinte após concluído o curso de enfermeiras paraquedistas, lhe foi atribuído o grau de Cavaleiro da Ordem de Benemerência,  dada pelo sr. Presidente da República Américo Tomás, visto e registado a fl. 109 L.2 Decreto de 28 de fevereiro 1962, publicado no Diário do Governo nº 73, 2ª série de 27/3/1962, Expedido pelo Chancelaria das Ordens Portuguesas aos 3 de abril, de 1962, nº 1588. Por tanto cerca 6 meses depois, do primeiro curso de Enfermeiras Paraquedistas terminar a meio de agosto de 1961.

Em cima  a foto do respetivo diploma cujo original foi oferecido para o museu do 
Regimento de Caçadores Paraquedistas (RCP), em Tancos, no dia 15 de outubro de 2022.

Entretanto o  RCP, em Tancos, que tinha uma elevada noção de guerra, sabia que os primeiros socorros em terra, mesmo antes do Helicóptero de Socorro chegar, são importantes e, como tropa organizada e inteligente que é, teria de ter sempre alguém capaz para analisar qualquer situação, como: proteção à clareira onde o Helicóptero pudesse aterrar em segurança, assim como alguém devidamente preparado, que prestasse os primeiros socorros aos seus camaradas feridos, até esta aeronave chegar e os levar para o hospital.

A Direção do Serviço de Saúde da Força Aérea apenas se preocupava com os ditos “enfermeiros” da Força Aérea, que nos Açores aprendiam a dar comprimidos, injeções e a desinfetar pequenas escoriações e com fracas noções de assepsia.

Os paraquedistas resolveram a sua questão, não deixando que a Direção de Saúde da Força Aérea de Lisboa resolvesse o seu problema. Assim, nomearam enfermeiras paraquedistas, em anos diferentes para,  no próprio Regimento,  darem um Curso Avançado de Primeiros Socorros aos seus camaradas paraquedistas, acompanhando-os no respetivo estágio feito no Hospital Militar Principal em Lisboa.  

E os socorristas Paraquedistas ficaram mais bem preparados, e de forma mais adequada e mais eficaz, para poderem cuidar dos seus camaradas quando feridos ou doentes, até o Helicóptero chegar e os levar para o hospital.

Deixaram assim os “enfermeiros” da Força Aérea, sossegados nas suas Bases Aéreas,  a fazerem precárias tarefa tal como lhes ensinaram.

Foram três enfermeiras paraquedistas que, em anos diferentes, foram nomeadas para darem formação adequada aos seus camaradas socorristas paraquedistas e os acompanharam no seu estágio no Hospital Militar da Estrela em Lisboa.

Quando chegou a minha vez, após dar à formação aos nossos socorristas paraquedistas, com respetivo acompanhamento do estágio feito no Hospital Militar da Estrela, aproveitei e formulei um pedido ao nosso comandante, sr. coronel Fausto Marques, autorização para fazer o curso de instrutores e monitores, tal como a enfermeira Manuel França o tinha feito 2 ou 3 anos antes. 

Fui autorizada e concluí-o com muito gosto. Fiz este curso apenas pelo prazer de saltar e considero ter sido mais um contributo para o meu próprio equilíbrio. Devo este prazer de saltar ao meu instrutor do curso de paraquedismo, na altura o senhor sargento pqdt Nogueira, meu querido instrutor, que me estimulou o prazer de saltar.

Sempre me disse que eu saltava muito bem da torre e por isso podia perfeitamente tirar partido desses momentos mágicos que os saltos nos proporcionam. Dizia-me ele; 

–   Primeiro logo que larga a porta,  mantem o corpo recolhido e conta 232, 233, 234, que é o tempo para a calote se soltar do arnês e abrir. Depois é necessário verificar se todos os cordões não estão enrolados, e saber de que lado vem o vento. Com os pequenos minutos que lhe restam,  aproveita para olhar mais longe, ver o horizonte, ver a terra de cima. Depois certifica-se de que lado vem o vento e,  se necessário,  fazer trações, para que este não a leve para zonas não aconselhadas, evitando assim acidente.

Sempre fiz isso, tudo como ele me ensinou. Apenas me surpreendeu o silêncio, que o “escutei“ com surpresa e foi maravilhoso. Razão por que anos mais tarde pedi ao nosso primeiro comandante Fausto Marques, para fazer o curso de instrutores e monitores só pelo prazer de saltar. Foi meu instrutor neste curso o sr. capitão pqdt João Costa Cordeiro que, quando acabei o curso me convidou para um jantar em Abrantes com ele e com a sua esposa.

Fiquei tristíssima quando,  poucos anos depois,  ele foi para a Guiné e morreu num salto de queda livre.

Fiz vários saltos, sendo o último feito na Beira,  em Moçambique. quando de passagem para Lisboa, vinda de Mueda no fim da minha comissão, aguardando no BCP 32 pelos feridos, que vinham de Lourenço Marques. 

O primeiro foi um salto automático e,  acabada de chegar a terra e logo de seguida,  vi a filha do engenheiro Jardim, a Carmo, junto a um Helicópetro da Força Aérea,  equipada para fazer um salto manual, eu que estava junto de um paraquedista perguntei-lhe se havia um paraquedas para eu fazer um salto manual. Como foi buscar de imediato um, eu informei o piloto, que estava já dentro da aeronave,  que também eu ia saltar. 

Assim foi,  entrámos as duas, e a Carmo nem “tugiu nem mugiu", simpática pensei eu, mas ignorei a presença da dita filha do engenheiro Jardim, entrámos. Ela ficou mais perto da porta quando já estávamos numa altura suficiente,  já não sei a quantos metros de altitude, ela saltou e, de seguida, saltei eu. Foram os dois últimos saltos que dei e a última comissão que fiz. Fins de dezembro de 1973.

É de notar que nunca viemos como passageiras, mesmo em fim da comissão, sempre viemos prestando cuidados e assistência aos feridos durante toda a viagem até Lisboa. (...)

[Seleção / Revisão e fixação de texto / Negritos / Links / Titulo e subtítulo / Parênteses retos com notas: LG]
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Nota do editor:

sábado, 2 de setembro de 2023

Guiné 61/74 - P24609: Por onde andam os nossos fotógrafos ? (8): ex-alf mil cav Jaime Machado, cmdt Pel Rec Daimler 2046 (Bambadinca, 1968/70) - Parte IV: a morte à saída da Missão do Sono em Bambadinca, na madrugada do dia 1 de janeiro de 1970


Foto nº 19 > Guiné > Zona leste > Região de Bafatá >  Setor L1 > Bambadinca > CCS/BCAÇ 2852 (1968/70) >  1 de janeiro de 1970 > O fotógrafo estava lá!... Uma enfermeira paraquedista prepara o moribundo Uam Sambu para a evacuação para o HM 241...  O camarada, de costas, com o camuflado todo ensanguentado é o Mário Beja Santos, comandante do Pel Caç Nat  52, de acordo com a identificação feita pelo fotógrafo, o Jaime Machado.  À saída da Missão do Sono, em Bambadincazinho, reordenamento a  escassas centenas de metros do quartel de Bambadinca, o Sambu foi vítima de um grave acidente com arma de fogo que lhe custou a vida.  


Foto nº 19A  > Guiné > Zona leste > Região de Bafatá > Setor L1 > Bambadinca > CCS/BCAÇ 2852 (1968/70) >  1 de janeiro de 1970 > Não conseguimos identificar a enfermeira paraquedista que, nessa manhã, a do primeiro dia do novo ano de 1970, veio de DO 27 para tentar salvar o Sambu... Em vão, ele irá morrer na viagem... Vamos continuar a tentar saber quem era a enfermeira... (que tanto pode ter sido a Maria Ivone como a Rosa Serra, que nesse dia estava de serviço).


Foto nº 19B >Guiné > Zona leste > Região de Bafatá > Setor L1 > Bambadinca > CCS/BCAÇ 2852 (1968/70) >  1 de janeiro de 1970 > Quem seria a enfermeira paraquedista que, nessa manhã, a do primeiro dia do novo ano de 1970, veio de DO 27 para tentar salvar o Sambu ?  Tanto pode ter sido a Maria Ivone como a Rosa Serra, que nesse dia estava de serviço mas, que nos informou, nunca usou pulseira (para mais na mão esquerda).


Foto nº 20 > Guiné > Zona leste > Setor L1 > Região de Bafatá > Bambadinca > CCS/BCAÇ 2852 (1968/70) >  1 de janeiro de 1970 >  A DO 27 que no primeiro dia do novo ano de 1970, logo de manhã cedo, veio fazer evacuação do Sambu. Do lado esquerdo, de perfil, vê-se o piloto, com "cara de puto", alferes...


Foto nº 20A  > Guiné > Zona leste > Setor L1 > Bambadinca > CCS/BCAÇ 2852 (1968/70) >  1 de janeiro de 1970 >  Outro pormenor dos primeiros socorros que foram prestados ao Sambu antes de ser evacuado. Era médico do batalhão o Vidal Saraiva. À esquerda do Beja Santos, sob a asa do DO 27, com a mão direita à cintura, em pose expectante, parece-se ser o fur mil enf da CCAÇ 12, o meu amigo João Carreiro Martins. Ao fundo estão camaradas do infortunado Sambu, do Pel Caç Nat 52.



Foto nº 21 > Guiné > Zona leste > Região de Bafatá: Setor L1 > Bambadinca > CCS/BCAÇ 2852 (1968/70) >  1 de janeiro de 1970 >  Um DO 27 a levantar voo, de regresso a Bissau... Pode ser a mesma da foto anterior, como pode ser outra... Tudo indica que esta foto tenha sido tirada noutra altura e noutro lugar. Parece-me ser a pista de Bafatá, a avaliar pelo casario ao fundo... (O Jaime Machado diz-me que é Bambadinca e vem na sequência das fotos anteriores,,,).  (LG)

Fotos: © Jaime Machado (2015). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné


1. Continuação da publicação de uma seleção das melhores fotos  do álbum do nosso camarada Jaime Machado, ex-alf mil cav, cmdt do Pel Rec Daimler 2046 (Bambadinca, 1968/70) (*), que vive na Senhora da Hora, Matosinhos [foto atual à direita], e foi contemporâneo do Mário Beja Santos (cmdt do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com uma pequena  diferença de meses. Eu também estive com eles, lá, na mesma altura, desde julho de 1969... O Jaime saiu em fevereiro de 1970, e o Mário, dois meses depois, em abril de 1970, se não erro.

Ao ver estas fotos, tive um arrepio, quando o Jaime Machado me disse que o camarada com o camuflado ensanguentado era o Beja Santos, o nosso "Tigre de Missirá"...  

Lembrei-me imediatamente deste trágico acidente que ceifou a vida ao Uam Sambú. Fui pesquisar os escritos do Mário Beja Santos. Aqui vai um excerto do poste P2540, de 15/2/2008 (**)

(...) O Setúbal já nos tinha avisado que viria o Xabregas [condutor]  ao amanhecer, eu que não estivesse preocupado. Assim que clareou, todos de pé, arrumadas as mantas, satisfeitas as necessidades mais prementes nas redondezas, esperámos a tiritar a aproximação dos faróis do Unimog, procurando desentorpecer os músculos. Assim foi naquele amanhecer de 1 de Janeiro de 1970. O Xabregas trouxe um burrinho, o que significava dez militares sentados, 20 a pé. Dez não, um outro saltava para o lado do condutor, mais um outro encavalitava-se junto do alferes. Uam Sambu senta-se ao pé de mim e diz a Quebá Sissé:
- Sobe,  Doutor, dá cá a mão!

Vejo o riso feliz e sempre aberto de Quebá Sissé, segue-se o estrondo inusitado de uma rajada de G3, procuro levantar-me, oiço gritos de aflição, imprecações, um coro desorientado de protestos, e é nisto que Uam me cai nos braços,  enterrando-me no assento:
- Alferes, estou morto!

Com Uam no meu colo, vejo o seu peito esburacado, os lábios num esgar de dor, o olhar a esmorecer, o sangue passa para a minha farda em abundância. O burrinho corre em poucos minutos nas mãos expeditas do Xabregas até à enfermaria. Vou a correr tirar da cama o [alf mil médico] Vidal Saraiva que se debruça atarantado sobre Uam com o peito tracejado por diferentes perfurações. 

Cá fora, desenrola-se uma outra tragédia, há quem ameace o Doutor, ouve-se a palavra assassino, ouvem-se as expressões impensadas do costume. Ora, tinha sido o mais estúpido dos acidentes, o malogrado Doutor ao subir metera o dedo no gatilho e fulminara Uam, o Doutor era a alma mais pacífica do 52, ninguém lhe conhecia azedume, aguentara estoicamente todos os comentários ao seu trabalho de cozinheiro. Percebendo que era necessário pôr termo àquela ira dementada, disse ao Domingos:
- Não quero aqui ninguém, tudo para a tabanca, tu desces imediatamente com eles e explicas que foi um acidente, quem tocar no Doutor tramo-lhe a vida.

Dita a bazófia, acerquei-me da marquesa onde o Vidal Saraiva me avisou:
- Só por milagre se salva, tem os órgãos vitais atingidos, veja o sangue aos cantos da boca, pulmões e rins têm lesões que presumo serem irreversíveis. Vamos ver como é que ele se aguenta até Bissau.

 O DO [27] chegou rapidamente e lá fomos todos a acompanhar o moribundo até à pista de aviação, Binta, a mulher do Uam, gritava o seu desespero, o Pel Caç Nat 52 assistia ao transporte de Uam num silêncio total, estarrecido. Dispersámos, o Vidal Saraiva era o mais acabrunhado entre nós. (...) 
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segunda-feira, 12 de junho de 2023

Guiné 61/74 - P24390: O segredo de... (38): António Branquinho (1947-2023): Passei-me dos carretos... Perante a recusa dos helis em levaram os nossos dois mortos, puxei a culatra atrás da G3 e gritei: 'Levais os mortos ou… dou-vos um tiro nos c….!' (Acção Galhito, 22/6/1971, regulado do Cuor, sector L1)

Guiné > Zona Leste > Região de Baftá  Sector L1 (Bambadinca)  > Regulado do Cuor > Missirá > 1969 > Aqui esteve destacado, em 1970/712, o seu Pel Caç Nat 63, com os nossos dois tabanqueiros, que a morte já levou, o alf mil art Jorge Cabral (1944-2021), natural de Lisboa,  e o fur  mil art António Branquinho (1947-2023), nascido em Vila Nova de Foz Coa. 

Entre 1971 e 1974, os Pel Caç Nat 52, 54 e 63 passaram "rotativamente" por vários aquartelamentos e destacamentos do Sector L1: Bambadinca, Fá, Missirá, Mato Cão, ponte do rio Udunduma , Enxalé, etc. O Jorge Cabral foi substituído, no comamdo do Pel Caç Nat 
63, em 1 de julho de 1971, pelo alf mil at Manuel David Coelho (oriundo da  CART 2714 / BART 2917).

O Pel Caç Nat 54, até 18/11/1970, era comandado pelo alf mil Correia. A partir desta data até para além do regresso do BART 2917 à Metrópole, passou a ser comandado pelo alf ml Hélder P. R. Martins.

Por sua vez, o Pel Caç Nat 52, era comandado pelo alf mil Mário Beja Santos, até 24/7/1970, sendo nesta data substituído,  até para além do regresso do BART 2917 à Metrópole, pelo alf mil at Nelson Alberto Wahnon Reis.
 
Foto do arquivo de Humberto Reis (ex-fur mil op esp, CCAÇ 12, Contuboel e Bambadinca, 1969/71)

Foto: © Humberto Reis (2006) Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]
 


Guiné > Região de Bafatá > Carta de Bambadinca (1955) > Escala de 1/50 mil > Detalhes: posição relativa de Bambadinca, Nhabijões, Mato Cão, Missirá, Sancorlá e Salá. O PAIGC só mandava (alguma coisa), a partir de Salá... tendo "barracas", mas a noroeste, na zona de Madina / Belel). Já no Oio havia a "base central" de Sara Sarauol... O destacamento, mais a norte de Bambadinca, no setor L1 era Missirá, guarnecido por um Pel Caç Nat (52 ou 63, em diferentes períodos) e um pelotão de milícias... Vários camaradas nossos, membros da Tabanca Grande, andaram por outros sítios, "pouco recomendáveis"...  A Madina/ Belel (que já não vem neste excerto do mapa) ia-se uma vez por ano, na época seca... para dar e levar porrada.  A história abaixo contada passou-se no trilho Missirá - Sancorlã - Salá, em 22 de junho de 1971, no decorrer da Acção Galhito.

Infografia: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2018)


1. O Antóno Branquinho deixou-nos no passado dia 27 de maio, aos 76 anos (*)... Natural de Vila Nova de Foz Coa, vivia na Covilhã, era irmão do Alberto Branquinho. Escreveu poucas coisas para o blogue. Tem vinte e tal referências. Mas há um "segredo" que ele não leva para o Olimpo dos antigos combatentes: já aqui o contou, em 2010 (**). De maneira singela, sem fanfarronice, mas também sem alguns detalhes importantes, como o local e a data... (Fomos recuperar, entretanto, essa informação de contexto.) Vale a pena recordar esse poste, agora republicado na série "O segredo de..." (***)


O segedo de... António Branquinho: "Passei-me dos carretos..."

Missirá, pelas 6 da manhã, preparação e início de mais uma operação de rotina. 
O Pelotão tinha sido “convocado” para proceder a uma operação de reconhecimento e patrulhamento, conjuntamente com outros dois grupos de combate. Tínhamos ainda como objectivo, desactivar uma mina anti-pessoal, detectada há já muito tempo.(**=

Durante o percurso íamos passando por locais paradisíacos, com palmeiras, mangueiros, outras árvores exóticas e pequenos cursos de água. Se não houvesse guerra e tivesse dinheiro, não me importava de construir uma vivenda num daqueles locais. Maldita guerra!

Ia eu nestas cogitações, quando me dá uma valente dor de barriga. Desta situação avisei o Jorge Cabral, como comandante do Pel Caç Nat 63, informando-o que iria sair do trilho para fazer uma necessidade fisiológica. 

Estava eu a preparar-me para baixar as calças, quando se ouve um violento estrondo. De imediato, ponho-me a correr em direcção à cabeça da coluna, ainda com as calças em baixo. Sabendo da existência da tal mina, corri de imediato ao encontro do Jorge Cabral, pensando que a mesma tinha sido accionada pelos elementos da frente. Por sua vez o Jorge Cabral pensou que eu,  ao sair do trilho,  teria accionado outra mina. Encontrámo-nos ao meio do percurso, em direcções opostas, ficando ambos estupefactos e felizes por estarmos sãos e salvos.

Como seria de esperar, gerou-se uma certa confusão. Após a acalmia das “tropas” e de se averiguar a situação, constatou-se que tinha rebentado uma mina (reforçada com granada de canhão sem recuo), na retaguarda da coluna. Tendo esta provocando dois mortos e vários feridos, uns graves e outros leves.

Perante esta situação, via rádio, pediu-se a evacuação dos elementos atingidos pelos estilhaços da mina. De imediato procedeu-se à organização da segurança a prestar aos meios aéreos.

Há já cerca de duas horas, que os grupos de combate estavam devidamente instalados, quando se ouviu o som característico dos helicópteros. Eram dois. Voando em círculos, aterraram numa clareira. Do seu interior saíram duas enfermeiras paraquedistas para se inteirarem da situação. Verificaram que além dos feridos havia dois mortos, recusaram de imediato o transporte destes, levariam só os feridos. 

Comunicaram esta decisão aos pilotos, com a qual eles concordaram. Ao aperceber-me daquela decisão, pedi-lhes para que transportassem também os mortos. Mantiveram a sua posição, dizendo:

– Não levamos os mortos!

Perante as suas atitudes drásticas, quanto ao meu pedido “passei-me”. De modo bastante drástico e enervado, empunhei a G3 em riste, puxei a culatra atrás e vociferei:

– Levais os mortos ou… dou-vos um tiro nos c….!

Como seria óbvio, eu não daria nenhum tiro, era só “ronco”. Uma coisa é certa – levaram também os mortos.

Em consequência de todas estas peripécias, não mais me lembrei da dor de barriga. Lembrei-me, sim, ao regressarmos a Missirá de beber não sei quantas “bazucas” para matar a sede.

[Seleção / Revisão e fixação de texto / Subtítulo / Negritos: LG]


2. Comentário do editor LG:


Dos 8 comentários ao poste P7291 (**), escolhi três, mais pertinentes:

(i) Luís Graça;

(...) Ora aqui está uma boa questão a pôr às nossas queridas camaradas enfermeiras paraquedistas... Por que é que elas se recusavam a levar os mortos? Eram elas ou eram eles, os homens da FAP, os pilotos e os melec?

Seguramente que havia "instruções de cima"... O custo de um heli era equivalente a 15 contos, na época, por HORA!, ou seja o vencimento (mensal) de dois alferes, se não mais, ou o pré (mensal) de 25 soldados de 2ª classe (leia-se: do recrutamento local, sem a 3ª classe da instrução primária)...

De facto, a mão de obra do exército, a tropa-macaca (sem ofensa para ninguém...), era muito mais "barata"...

No mato, para transportar, a pé, um morto, até ao aquartelamento mais próximo ou à estrada mais próxima (onde pudessem chegar as nossas viaturas) era preciso "mobilizar" um grupo de combate (30 homens) que se ia revesando... Era a tarefa mais penosa (física e psicologicamente falando) que nos podia caber, transportar, ao sol ou à chuva, um camaradda morto, em maca improvisada com paus de arbustos, impermeáveis e lianas...

Esse "calvário" está magistralmente descrito no livro do Amor Pires Mota, que eu li de um trago, a "Estranha Noiva de Guerra"...

16 de novembro de 2010 às 13:32

(ii) José Corceiro:

Numa narração que hoje escrevi para o blogue, que oportunamente irei enviar, durante uma emboscada tombaram no mato dois militares, também houve feridos. Pediram-se evacuações de heli, mas os mortos não foram no heli, ainda que não pertencessem à CCAÇ 5, foram em viatura para Canjadude, onde foram amortalhados.

É lógico, neste caso, se fosse só uma questão económica, teria sido mais vantajoso transportá-los no heli, a partir do local onde tombaram. Porque teve que vir meio aéreo, a Canjadude, trazer duas urnas. Posteriormente voltou a vir meio aéreo para levá-los já nos caixões, creio que para o local onde estava sediada a companhia à qual eles pertenciam. Eram duma companhia de “Paras”.

Interpreto a recusa de transportar mortos nos helis, por uma questão de utilidade e eficácia, porque durante o percurso do transporte dos feridos e mortos, poder-se-ia dar a coincidência de na mesma rota, aparecerem mais feridos e neste caso a lotação dum morto poderia impedir a evacuação dum ferido.

16 de novembro de 2010 às 22:20


(iii) Jorge Cabral:

Olá, Branquinho! Foi mesmo assim que aconteceu no dia 22 de Junho de 1971, na área de Salá (****). Eu já passara os 24 meses, mas ainda havia de lá voltar a 14 de Julho, quando o Pelotão já não se encontrava em Missirá. Os mortos foram Cherno Sanhá e Sambaro Embaló, ambos do Pel Caç Nat 54. (...)

17 de novembro de 2010 às 09:48
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Notas do editor:

(*) Vd. poste de 11 de junho de 2023 > Guiné 61/74 - P24389: In Memoriam (479): António Branquinho (1947-2023), ex-fur mil, Pel Caç Nat 63 (Fá e Missirá, set/69 - out/71)... Nosso tabanqueiro desde 24/9/2010, era irmão do advogado e escritor Alberto Branquinho, também ele membro da nossa Tabanca Grande

(**) Vd. poste 16 de novembro de 2010 > Guiné 63/74 - P7291: Estórias avulsas (100): A mina, que seriam duas (António Branquinho)

(***) Último poste da série > 21 de fevereiro de  2022 > Guiné 61/74 - P23012: O segredo de... (37): Demburri Seidi: demorou mais de dois anos para sair da sua boca o testemunho sobre os trágicos acontecimentos de Cuntima, em novembro de 1976, devido em parte ao medo que sentia e a manifesta dificuldade em falar sobre a "justiça revolucionária" praticada pelos vencedores contra os vencidos (Cherno Baldé)

(****) Segundo a História do BART 2917 (pág. 78) 

22 de junho de 1971: 

No decorrer da Acção “Galhito”, realizada por forças dos Pel Caç Nat 54 e 63,  na área de Sancorlã – Salá – Paté Gidé, as NT accionaram uma mina anti-pessoal reforçada em (BAMBADINCA 2F4-76) sofrendo dois mortos e dois feridos.