Guiné > Região do Oio > Jumbembem > CART 730 (1964/66) e CCAÇ 1565 (1966/68) > Domingo, 10 de julho de 1966 > Um dia trágico: pormenor da evacuação do cap mil inf Rui Romero, na foto a ser transferido para a maca do helicóptero Alouette II... A enfermeira paraquedista era a alf Maria Rosa Exposto.
Foto (e legenda): © Artur Conceição (2007). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]
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Capa do livro de que a Rosa Serra foi coautora e coordenadora, "Nós, enfermeiras paraquedistas" (Porto, Fronteira do Caos, 2014, 439 pp., Prefácio de Adriano Moreira)... Tinha, entretanto, em 2022 um livro, de teor autobiográfica, à espera de ser editado... Em princípio o livro deveria ter por título a divisa do BCP 21, "Que Nunca Por Vencidos Se conheçam"... Algums das melhores memórias da Rosa, como enfermeira paraquedista, estão intimamemte ligadas à hstória desta unidade. |
Mão amiga, a do Jaime Bonifácio Marques da Silva (ex-alf mil paraquedista, BCP 21, Angola, 1970/72, e membro da nossa Tabanca Grande) fez-nos chegar, por volta de dezembro de 2022, uns excertos (cerca de duas de folhas) do manuscrito do livro de memórias que a Rosa Serra estava a acabar de escrever, com autorização da parte dela para, depois de serem revistos por nós, os publicarmos no nosso blogue.
O Jaime e a Rosa ficaram amigos, estiveram juntos no BCP 21, em Angola: o livro da Rosa tem conhecido, entretanto, algumas peripécias, tendo estado inclusive agendado para ser "lançado... de paraquedas"... Infelizmente, e até por razões de saúde, ela ainda não arranjou um sítio seguro e confortável para "saltar"...com este "seu filho"...
Minhota de Vila Nova de Famalicão, vive aqui no Sul, em Paço de Arcos, Oeiras... Membro da nossa Tabanca Grande desde 25/5/2010, foi alf graduada enfermeira paraquedista, tendo passado pelos três TO: Guiné 1969-70, Angola 1970-71 e Moçambique 1973.
No Dia Internacional da Mulher e nos 20 anos do nosso blogue, que já estamos a celebrar (*), aqui vai a republicaçáo, num só, de três postes que publicámos em finais de 2022 (Postes P23858, P23862, e P3874). Voltámos a falar com ela ao telefone e obtivemos, de novo, a sua plena autorização para juntar num só poste estes três excertos.
Não é preciso lembrar que as enfermeiras paraquedistas são as únicas mulheres a quem, "de jure" e "de facto", podemos chamar camaradas. no sentido puro e duro da etimologia da palavra...
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Rosa Serra, ex-alf enf paraquedista (Guiné, 1969/70; Angola, 1970/71; Moçambique, 1973) |
História de vida: sinto-me muito realizada e feliz por ter sido uma simples enfermeira e, durante a guerra, enfermeira paraquedista (Rosa Serra)
(i) A minha mãe achava que eu tinha jeito para ser enfermeira
Muito recentemente, ao sair do Serviço de Urgência para o internamento do Hospital de Cascais, uma enfermeira jovem fez-me as seguintes perguntas: (i) quando resolveu ser enfermeira?; (ii) nunca se arrependeu por ter escolhido enfermagem?; (iii) onde trabalhou? (iv) quantos anos exerceu essa profissão?; e (v) teve alguma desilusão ou desilusões?
Após a minha narrativa dos vários locais onde exerci a minha profissão, logicamente também referi que fui enfermeira paraquedista. A jovem, de olhos abertos de espanto, informou-me:
– O meu marido é militar paraquedista.
Sorri…
– Só conheço paraquedistas velhotes como eu – respondi.
Continuei com as minhas explicações.
– Quando fui para a Escola de enfermagem, e até muito depois disso, ouvi muitas colegas dizerem que foram para a enfermagem por vocação. Várias dessas enfermeiras faziam questão de acrescentar que queriam muito ajudar e cuidar as criancinhas, os velhinhos, os doentinhos e até os pobrezinhos. Ouvi de tudo... ao ponto de me interrogar se eu algum dia seria boa enfermeira.
Diz-me ela:
– Hoje ninguém vem para enfermagem por vocação.
E continuou:
– Nós vamos para a enfermagem porque não entramos em medicina, farmácia ou outro qualquer curso mais de nosso agrado.
Eu respondi:
– Eu também não fui. No meu caso foi por conveniência familiar. Eu fui porque um dia um dia a minha mãe, que eu já tinha reparado andar muito pensativa, disse-me que o dinheiro era pouco para pagar o meu Externato, que era particular, porque não havia liceu na minha Vila. E assim sendo, talvez fosse melhor eu interromper e ir para um curso para que me permitisse, ao fim de 3 anos ter uma profissão, um ordenado e logicamente ser independente monetariamente. Respondi, à minha mãe, que gostava de ir para a Universidade.
– Que curso gostavas de fazer? – perguntou ela.
– Não sei…
Pegou-me nas mãos e continuou:
– Sabes que eu acho que tinhas jeito para seres enfermeira ... Penso que era bom para ti...
E acrescentou:
– Verás que vais gostar.
Ficou logo ali, definido o meu destino.
Apesar das minhas dificuldades, sobretudo económicas, lá fui aprender a ser enfermeira sem saber muito bem o que me esperava.
Fui para o Porto estudar. Na minha primeira escola, adquiri obrigatoriamente um livro; Técnica de Enfermagem, que era da Escola da Imaculada Conceição (Casa de Saúde da Boavista no Porto) que alguém informou a minha mãe ser uma boa escola, e foi aí que fiz o primeiro ano.
Os dois anos seguintes foram feitos numa outra escola que, passado pouco tempo descobri, que ficava mais económica.
Uma coisa que pesou muito era haver nesta segunda escola, um lar onde residiam as alunas que não eram da cidade do Porto, isso não acontecia com a Escola da Boavista, ficando assim bem mais barato.
Dessa primeira escola, não esqueci os desenhos logo na primeira folha do livro de Técnica de Enfermagem. O primeiro era uma cabeça feminina, com uma touca de enfermeira da época, sobre cabelos curtos e várias setas apontando para os mais diversos pontos da mesma, onde estavam enumeradas as qualidades indispensáveis de uma boa enfermeira: inteligência, memória, conhecimento, espírito de observação autodomínio, reserva.
Um pouco abaixo, mais dois desenhos. Um deles era um coração (forma humana), com três setinhas apontando para as palavras: compreensão, sensibilidade, bondade.
Do outro lado mais um desenho, duas mãos segurando uma seringa com mais três setas indicando: segurança, desembaraço, leveza.
Estas eram as qualidades indispensáveis a uma boa enfermeira no Ano de 1963. Dessa mesma Escola de Enfermagem.
Com a continuação do tempo, fui interiorizando estes conceitos e aceitei-os como compromisso. Mesmo quando me deparava com determinada tarefa que me custasse fazer, sempre pensava nas setinhas do coração e nunca deixei de as executar e muito menos pedir a alguém que a fizesse por mim, por mais que me custasse ou até mesmo me enfastiasse...
A minha vocação se calhar só a minha mãe a viu...! O certo é que sempre vivi a minha profissão com gosto, com proximidade daqueles que em determinado momento precisavam de uma enfermeira que se entregasse em plenitude.
A enfermagem, para mim, passou a ser vivida com grande rigor ético e com permanente desafio na aquisição de saberes, para melhor cuidar.
Hoje mais que adulta, penso: é impressionante como sempre me apercebi da mutabilidade dos conceitos, da sua significação ao longo dos tempos, da importância do progresso e da evolução da enfermagem.
É um gosto ver o enriquecimento que, ano após ano, se verifica na formação dos enfermeiros, na perceção da necessidade da existência das especialidades em enfermagem, do avanço científico da mesma. Orgulha-me ver o patamar que atingiu a enfermagem de hoje, e a respeitabilidade que os países estrangeiros manifestam ter pelos Enfermeiros Portugueses.
Em relação a mim, sempre fui movida pelo desejo de um saber abrangente na arte do cuidar em enfermagem.
Assim para fazer frente aos mais variados desempenhos que tive durante quarenta anos, e fazê-los de forma responsável e eficaz, apostei na formação contínua durante toda a minha vida profissional.
Ainda pensei fazer uma especialidade, um pequeno grupo de enfermeiras paraquedistas a fizeram, quando estas começaram a surgir. Mas logo percebi que não encaixava na minha personalidade ter sempre o mesmo tipo desempenho e conclui que só serviria para obter mais um título.
Sempre tive uma grande vontade de um saber alargado, para dar resposta às variadas necessidades do ser humano, num período desafinado do seu estado físico ou mental.
Essa simbiose entre um crescendo desejo de experiências e o dinamismo aportado pela minha juventude, foi o motor causador para uma formação variada e contínua.
Nesta caminhada transformadora, tive um desempenho multifacetado e a formação contribuiu muito para um crescimento profissional que, embora despretensioso, foi significativo, permitindo-me para além de aquisição de vários saberes, entender melhor a alma humana e sempre me senti feliz por isso.
Não fui para nenhuma Faculdade na minha juventude, mas completei, bem mais tarde, todo o Liceu (designado hoje como Ensino Secundário).
Quando do Acordo de Bolonha, a enfermagem passou a Curso Superior, já tinha passado quarenta anos e depois de ter iniciado o antigo Curso Geral de Enfermagem, eu regressei à escola para fazer mais um ano, o que fiz na Escola Superior de Enfermagem Francisco Gentil (anexa ao IPO e hoje integreda na ESEL - Escola Superior de Enfermagem de Lisboa) sendo me conferido o grau de licenciada em enfermagem. Sou agora Licenciada em Enfermagem desde 2003, quando ainda eu estava a exercer funções.
Por graça costumo dizer que iniciei o meu Curso de Enfermagem e só o terminei quarenta anos depois.
Também confesso que a obtenção de várias competências, e tão variados desempenhos que tive no contato direto com doentes, proporcionou-me um sentimento de realização muito intenso, e ainda hoje me sinto orgulhosa pelo percurso que tive e, muito, muito feliz, por ter sido uma simples Enfermeira Generalista (sem especialidade). (...)
Rosa Serra, hoje (2020)
(ii) A guerra e a sua violência... mas também havia situações "engraçadas" (como, por exemplo, quando "eles", em Tancos, tentavam esconder a revista "Playboy" quando eu chegava ao bar de oficiais...)
No Hospital de Cascais onde há tempos estive internada, ficaram admiradas, as jovens enfermeiras, quando, ao responder a uma pergunta delas, comecei a desfiar os vários locais e as experiências de trabalho que tive durante quarenta anos.
Há um que deixou todas ainda com mais espanto. Foi o período em que estive na Força Aérea, como enfermeira paraquedista.
Naturalmente que não escondi que foi uma experiência profissional interessante, mas acrescento sempre que essa realidade foi muito específica e muito diferente da prestação de cuidados em outros contextos, mas talvez não superior aos desempenhos como enfermeira, antes e depois, dos anos que estive ao serviço da Força Aérea.
A Arte do Cuidar é muito variável e sempre adaptada ao contexto onde se exerce. A nossa ação, como enfermeiras paraquedistas, foi num palco de guerra, que desencadeava estados de stresse elevado, sendo necessário geri-lo com mestria, para que a nossa intervenção fosse útil e eficaz. Tínhamos de ter atenção ao nosso estado emocional, pois ele refletia-se naqueles que eram socorridos por nós.
Foi uma mais valia fazermos o curso de paraquedismo, que não nos ensinou a ser enfermeiras, pois já o eramos antes de entrar no RCP - Regimento de Caçadores Paraquedistas, mas foi durante o curso de paraquedismo que aprendemos a controlar os nossos medos e emoções, para que aterrássemos em segurança. Esse treino repercutiu-se na nossa ação, que passou a ser mais calma e mais eficaz.
Os nossos combatentes tinham uma confiança ilimitada nas enfermeiras paraquedistas, foram eles que nos apelidaram de “Anjos“ que desciam do céu para os socorrer. Acredito que a maioria de nós, se não todas, se via como seres espirituais, mas foi uma expressão carinhosa, utilizada pelos nossos combatentes.
Com os pilotos, quando alguma coisa os preocupava, nós, mesmo não entendendo nada de aviões, tentávamos acalmá-los.
Recordo de uma vez na Guiné. O sr. capitão, piloto aviador Cartaxo, ao atravessar o Rio Geba, o maior rio da Guiné, que ficava em frente à cidade de Bissau, par irmos buscar um paraquedista à outra margem desse rio, deparou-se com um inesperado nevoeiro que, sem qualquer “aviso”, fechou o nosso caminho, impedindo que o rumo que estava traçado inicialmente, teria de ser alterado ou adiada a missão. Já estávamos a sobrevoar Tite quando esta alteração climática aconteceu.
De início, o piloto tentou ultrapassar as nuvens, e eu também fiquei atenta ao comportamento das mesmas e andamos ali um bom bocado a sobrevoar Tite, na expetativa de não ser necessário regressamos a Bissau, sem a nossa missão cumprida que era trazer o nosso ferido.
– Olha ali, as nuvens estão a abrir e a nosso favor – disse eu, mas o Capitão mexia na manche, alheio à minha informação.
Eu sem perceber por que razão o seu foco era apenas os instrumentos da aeronave. Só no fim de uns bons minutos, acedeu ao meu pedido e acabámos por aterrar no aldeamento donde vinha o pedido.
A pista que nos recebeu era de terra batida, cujas pedrinhas batiam na fuselagem da frágil avioneta, uma DO-27. O ferido que íamos buscar era um paraquedista da companhia do, na altura, capitão paraquedista Terras Marques [CCP 121 / BCP 12], que na noite anterior pernoitara nesse quartel do Exército, vindo de uma operação.
Quando aterrámos, chegou até nós o militar ferido, que já apresentava alguma dificuldade respiratória, porque ao cair da tarde foi tomar banho a um pequeno rio, mergulhando numa parte baixa e lesionou a coluna cervical, razão suficiente para eu pedir ao capitão que pedisse à BA 12, em Bissalanca, para ter um helicóptero disponível na pista à nossa chegada.
O hospital militar [ o HM 241, em Bissau, ] ficava relativamente perto da BA 12, mas não seria indicado ser transportado por terra, percorrendo uma estrada de piso degradado até lá.
O sr. capitão piloto aviador acedeu ao meu pedido e, quando aterrámos na BA 12, lá estava o Alouette III à espera. Fez-se transferência do ferido para o helicóptero e, antes de ele descolar, coloquei dois frascos de soro em cada lado do seu pescoço, para o manter minimamente estável e já não o acompanhei até ao hospital. O trajeto era demasiado curto, não justificava minha presença durante a viajem.
Depois do helicópetero levantar voo rumo ao Hospital Militar de Bissau, virei-me para o aviãozinho, para perguntar ao capitão se queria acompanhar-me ao bar dos pilotos para tomarmos o pequeno almoço, e qual não é o meu espanto quando vi num buraco na asa do avião, e em cima dela estava um cabo mecânico da Força Aérea que, com ar animado, informa:
– Meu capitão, já a encontrei.
Foi quando vi o furo no DO-27 e ingenuamente disse ao capitão:
– Eu, quando ouvia as pedras a bater na barriga do avião, pensei que estas iriam criar moça ao nosso aviãozinho.
Ele não reagiu à minha observação. Só no bar dos pilotos, não ele, mas quem ouviu a sua narrativa, ria descaradamente na minha cara. Até eu ri pela minha ignorância e estupidez.
Por vezes parecia que vivíamos num mundo de “anedotas”, estou a lembrar-me de outra reação que os pilotos tinham quando chegava um avião da TAP, com passageiros idos de Lisboa.
Após o almoço no Bar dos Pilotos, onde geralmente eu tomava café, de repente alguém me segura por um braço e diz:
– Vamos já para a pista.
E um deles arrasta-me me para dentro de um jipe que já estava à espera dos meninos pilotos, nesse dia acompanhados por uma enfermeira paraquedista. Explicaram-me:
– Vamos ver as miúdas que vêm de Lisboa.
Quando chegamos muito perto da pista, e na distância permitida, estacionaram o jipe e lá ficamos a olhar o belo avião TAP, de portas abertas com um assistente de bordo à espera da colocação das escadas, por onde desceriam os passageiros que chegavam de Lisboa.
Colocada a escada, os passageiros aparecem começando a descer os passageiros e iniciou-se o alvoroço:
– Olha a loiraça que aí vem, é o máximo – diz outro.
E eu pensava:
– Estão todos apanhados pelo clima, o que é que eu tenho a ver com isto?!
Até que de repente se instala a desilusão total e começaram a lamentações, dizendo:
– Ó, pá, é a Rosa Exposto (uma enfermeira paraquedista)
Eu arregalei os olhos, pensando como é enfermeira paraquedista já não interessa!... Mas, ri com gosto, pela desilusão dos nossos amigos pilotos.
"Essa enfermeira é gira mas é... uma enfermeira paraquedista", acredito que a frase, dita à minha frente, os incomodou por considerar o comentário pouco respeitoso.
Foi bom confirmar que, para além dos paraquedistas, também os pilotos tinham alguma preocupação em terem atitudes delicadas, pelo menos na nossa presença. (...)
(iii) Relembrando o enorme prazer de saltar de paraquedas (e os meus instrutores, srgt Nogueira e cap Cordeiro) ... O último salto que fiz, foi em dezembro de 1973, quatro meses antes de passar à disponibilidade
E continuei seguindo a ordem das perguntas, agora sobre as desilusões que expliquei não ser no plano pessoal, mas que foi nesta passagem pela Força Aérea, que despertei para os interesses de algumas pessoas, uma delas que serviu mal a Força Aérea, mas aproveitou-se bem dela, com incapacidades falsas, dadas por médicos sem escrúpulos, e que todos nós pagámos com os nossos impostos, para essa pessoa estar isenta de IRS com uma alta incapacidade há mais de quarenta anos.
É a única mulher “combatente” na lista dos deficientes das Forças Armadas, dos antigos combatentes da guerra do Ultramar Português. Desculpem a expressão, é uma “ovelha tresmalhada”, para nossa tristeza e desilusão, que não pode servir de exemplo para ninguém.
É triste ver uma nossa enfermeira, sempre saudável, que ignora os princípios éticos, inerentes à sua profissão, a Enfermagem.
Foi ainda como enfermeira paraquedista que despertei para muitos outros interesses que me escandalizaram: caso dos Açores.
Sempre achei estranho situar-se na Ilha Terceira, um minúsculo hospital, rotulado como Hospital da Força Aérea, existindo apenas nessa ilha uma única Unidade Militar (BA 4) que, se algo acontecesse aos jovens militares, poderiam recorrer ao hospital civil, de Angra do Heroísmo, enquanto que no Continente existiam várias Bases Aéreas espalhadas pelo País, e sem qualquer hospital desse Ramo.
Os militares da Força Aérea só poderiam ser tratados ou socorridos no Hospital Militar da Estrela.
Nesta ilha açoriana existia um médico, salvo erro graduado em tenente coronel, que, ao saber da existência de enfermeiras paraquedistas e sendo amigo do Diretor do Serviço de Saúde da Força Aérea em Lisboa, pediu a este se poderia enviar duas delas aos Açores, pois gostaria de as conhecer.
O Senhor Diretor assim fez, enviou duas enfermeiras que, ao chegarem lá, arregaçaram as mangas e com o seu profissionalismo, deram uma volta tal à orgânica, dos fracos serviços de enfermagem lá prestados, que o sr. Diretor gostou tanto que avançou logo com novos pedidos, ao seu amigo de Lisboa. Como os argumentos que iria usar, acreditava ele, que o Diretor de Lisboa não iria recusar.
A primeira proposta foi para que as enfermeiras paraquedistas, após o curso de paraquedismo e como forma de adaptação aos Serviços de Saúde Militar, passassem a fazer um estágio no Hospital da Terra Chã e só depois seguiriam para o Ultramar.
(Note-se: nessa altura havia uma enfermeira que quando se candidatou a paraquedista, desempenhava as suas funções no Serviço de Urgência do Hospital Central da Cidade onde trabalhava e, pasmem-se, também essa foi fazer estágio aos Açores no pequeno hospital da Ilha Terceira. Enquanto que o primeiro curso de Enfermeiras Paraquedistas, após concluído o curso de paraquedismo, foi fazer um estágio no Serviço de Urgência do Hospital de S. José. Espantados…? Eu também.)
Voltando ao nosso Diretor da Terra Chã: pouco tempo depois, deparou-se com um obstáculo, houve anos em que nenhuma enfermeira se candidatou a Enfermeiras Paraquedista.
Esperto como era, o Senhor Diretor dos Açores apresentou nova ideia ao seu amigo de Lisboa:
– Senhor Diretor do Serviço de Saúde da Força Aérea Portuguesa – argumentou ele –, coitadas das nossas enfermeiras, com um trabalho tão desgastante no Ultramar, bem merecem descansar nesta pequena, pacata e linda Ilha Açoriana durante uns tempos.
E para lá foram descansar algumas. Mas, como em tudo, há sempre alguém que não está na Força Aérea para fazer favores a este tipo de pessoas, até que chegou o dia em que o sr. Diretor de Lisboa informou essa enfermeira que teria de ir para os Açores.
Essa senhora enfermeira foi, mas apenas para arranjar argumentos suficientes para nunca mais lá pôr os pés. Passado pouco tempo da sua estadia na bela Ilha Açoriana, a mesma enfermeira foi à BA 4, pediu uma viagem para Lisboa e apresentou-se na Direção do Serviço de Saúde da Força Aérea em Lisboa, colocando os seus motivos para não voltar aos Açores.
Perante os argumentos apresentados, o sr. Diretor do Serviço de Saúde da Força Aérea de Lisboa ligou logo para a ilha, informando o seu amigo e lamentando que a dita enfermeira tinha argumentos demasiado fortes para não ir para os Açores. E acrescentava que, de facto, as enfermeiras paraquedistas, não tinham sido criadas para essas funções.
O diretor Açoriano, com a sua prepotência, barafustou até se cansar e rematou que não era a sra. enfermeira que se recusava, era ele que não a queria lá, pelo seu mau feitio.
Como curiosidade, que eu saiba, do primeiro curso de enfermeiras paraquedistas foi esta a única enfermeira paraquedista que, no ano seguinte após concluído o curso de enfermeiras paraquedistas, lhe foi atribuído o grau de Cavaleiro da Ordem de Benemerência, dada pelo sr. Presidente da República Américo Tomás, visto e registado a fl. 109 L.2 Decreto de 28 de fevereiro 1962, publicado no Diário do Governo nº 73, 2ª série de 27/3/1962, Expedido pelo Chancelaria das Ordens Portuguesas aos 3 de abril, de 1962, nº 1588. Por tanto cerca 6 meses depois, do primeiro curso de Enfermeiras Paraquedistas terminar a meio de agosto de 1961.
Em cima a foto do respetivo diploma cujo original foi oferecido para o museu do Regimento de Caçadores Paraquedistas (RCP), em Tancos, no dia 15 de outubro de 2022.
Entretanto o RCP, em Tancos, que tinha uma elevada noção de guerra, sabia que os primeiros socorros em terra, mesmo antes do Helicóptero de Socorro chegar, são importantes e, como tropa organizada e inteligente que é, teria de ter sempre alguém capaz para analisar qualquer situação, como: proteção à clareira onde o Helicóptero pudesse aterrar em segurança, assim como alguém devidamente preparado, que prestasse os primeiros socorros aos seus camaradas feridos, até esta aeronave chegar e os levar para o hospital.
A Direção do Serviço de Saúde da Força Aérea apenas se preocupava com os ditos “enfermeiros” da Força Aérea, que nos Açores aprendiam a dar comprimidos, injeções e a desinfetar pequenas escoriações e com fracas noções de assepsia.
Os paraquedistas resolveram a sua questão, não deixando que a Direção de Saúde da Força Aérea de Lisboa resolvesse o seu problema. Assim, nomearam enfermeiras paraquedistas, em anos diferentes para, no próprio Regimento, darem um Curso Avançado de Primeiros Socorros aos seus camaradas paraquedistas, acompanhando-os no respetivo estágio feito no Hospital Militar Principal em Lisboa.
E os socorristas Paraquedistas ficaram mais bem preparados, e de forma mais adequada e mais eficaz, para poderem cuidar dos seus camaradas quando feridos ou doentes, até o Helicóptero chegar e os levar para o hospital.
Deixaram assim os “enfermeiros” da Força Aérea, sossegados nas suas Bases Aéreas, a fazerem precárias tarefa tal como lhes ensinaram.
Foram três enfermeiras paraquedistas que, em anos diferentes, foram nomeadas para darem formação adequada aos seus camaradas socorristas paraquedistas e os acompanharam no seu estágio no Hospital Militar da Estrela em Lisboa.
Quando chegou a minha vez, após dar à formação aos nossos socorristas paraquedistas, com respetivo acompanhamento do estágio feito no Hospital Militar da Estrela, aproveitei e formulei um pedido ao nosso comandante, sr. coronel Fausto Marques, autorização para fazer o curso de instrutores e monitores, tal como a enfermeira Manuel França o tinha feito 2 ou 3 anos antes.
Fui autorizada e concluí-o com muito gosto. Fiz este curso apenas pelo prazer de saltar e considero ter sido mais um contributo para o meu próprio equilíbrio. Devo este prazer de saltar ao meu instrutor do curso de paraquedismo, na altura o senhor sargento pqdt Nogueira, meu querido instrutor, que me estimulou o prazer de saltar.
Sempre me disse que eu saltava muito bem da torre e por isso podia perfeitamente tirar partido desses momentos mágicos que os saltos nos proporcionam. Dizia-me ele;
– Primeiro logo que larga a porta, mantem o corpo recolhido e conta 232, 233, 234, que é o tempo para a calote se soltar do arnês e abrir. Depois é necessário verificar se todos os cordões não estão enrolados, e saber de que lado vem o vento. Com os pequenos minutos que lhe restam, aproveita para olhar mais longe, ver o horizonte, ver a terra de cima. Depois certifica-se de que lado vem o vento e, se necessário, fazer trações, para que este não a leve para zonas não aconselhadas, evitando assim acidente.
Sempre fiz isso, tudo como ele me ensinou. Apenas me surpreendeu o silêncio, que o “escutei“ com surpresa e foi maravilhoso. Razão por que anos mais tarde pedi ao nosso primeiro comandante Fausto Marques, para fazer o curso de instrutores e monitores só pelo prazer de saltar. Foi meu instrutor neste curso o sr. capitão pqdt João Costa Cordeiro que, quando acabei o curso me convidou para um jantar em Abrantes com ele e com a sua esposa.
Fiquei tristíssima quando, poucos anos depois, ele foi para a Guiné e morreu num salto de queda livre.
Fiz vários saltos, sendo o último feito na Beira, em Moçambique. quando de passagem para Lisboa, vinda de Mueda no fim da minha comissão, aguardando no BCP 32 pelos feridos, que vinham de Lourenço Marques.
O primeiro foi um salto automático e, acabada de chegar a terra e logo de seguida, vi a filha do engenheiro Jardim, a Carmo, junto a um Helicópetro da Força Aérea, equipada para fazer um salto manual, eu que estava junto de um paraquedista perguntei-lhe se havia um paraquedas para eu fazer um salto manual. Como foi buscar de imediato um, eu informei o piloto, que estava já dentro da aeronave, que também eu ia saltar.
Assim foi, entrámos as duas, e a Carmo nem “tugiu nem mugiu", simpática pensei eu, mas ignorei a presença da dita filha do engenheiro Jardim, entrámos. Ela ficou mais perto da porta quando já estávamos numa altura suficiente, já não sei a quantos metros de altitude, ela saltou e, de seguida, saltei eu. Foram os dois últimos saltos que dei e a última comissão que fiz. Fins de dezembro de 1973.
É de notar que nunca viemos como passageiras, mesmo em fim da comissão, sempre viemos prestando cuidados e assistência aos feridos durante toda a viagem até Lisboa. (...)
[Seleção / Revisão e fixação de texto / Negritos / Links / Titulo e subtítulo / Parênteses retos com notas: LG]
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Nota do editor: