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sexta-feira, 22 de abril de 2022

Guiné 61/74 - P23186: Manuscrito(s) (Luís Graça (212): Em memória de Maria Irene Martins (Lisboa, 1944 - Grenoble, França), assistente social, imigrante, católica progressista, ativista política contra a guerra colonial e o Estado Novo, amiga e colega da Alice Carneiro, assistiu semi-clandestinamente em Lisboa ao 25 de Abril de 1974

 


Lisboa >Parque das Nações > 22 de setembro de 2011 > A Alice Carneiro e a Irene Martins



Lourinhã > Moledo > 24 de junho de 2012 > "Por terras de Pedro e Inês"... Irene Martins e Alice Carneiro


Fotos (e legendas): © Luís Graça (2022). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



Maria Irene Martins
(Lisboa, 1944 – Grenoble, França, 2022) foi uma querida amiga e colega de trabalho da Alice Carneiro. Deixou-nos muito recentemente, aos 77 anos, vítima de ataque cardíaco, na véspera  de partir com a neta para uma viagem de turismo à Madeira. Vivia em Grenoble, desde o início dos anos 70. Tem dois filhos. Era uma pessoa muito estimada entre a comunidade francesa e portuguesa. 

Conhecia-a pessoalmente em 2011, em Lisboa, no Parque das Nações. E no ano seguinte foi nossa anfitriã na Lourinhã. Voltámos a encontrarmo-nos, no Norte, em Candoz e em Tormes, em 2015. Juntou-se aqui com a Alice e várias antigas colegas de trabalho da Junta de Colonização Interna.

Assistente social, católica progressita, formou-se no Instituto Superior de Serviço Social de Lisboa, o mesmo onde o nosso saudoso Jorge Cabral será depois professor a seguir ao 25 de Abril de 1974. Não sei se alguma vez se conheceram.

Trabalhou, com a Alice, na antiga Junta de Colonização Interna. Casou-depois com um francês, e emigrou para Grenoble. Aqui desenvolveu um notável trabalho, solidário, de apoio não só aos jovens que fugiam à guerra colonial (faltosos, refractários, desertores e exilados políticos) mas também simples trabalhadores, imigrantes. Pela sua casa também passaram cantores de intervenção como Zeca Afonso, Zé Mário Branco, Fanhais, Tino Flores e outros.

Aos filhos e netos, eu e a Alice já  endereçamos os nossos mais profundos votos de pesar pela brutal notícia da sua morte. Já seguiu também, para um dos filhos, uma seleção de fotos, de 2011 e 2012,  que fizemos, do nosso álbum. Temos mais, de 2015, tiradas no Marco de Canaveses e em Baião,  não disponíveis de momento.

2. Tomo, entretanto,  a liberdade de reproduzir aqui um excerto do livro "Exílios: testemunhos de exilados e desertores portugueses na Europa (1961-1974)", Carcavelos, Associação de Exilados Políticos Portugueses (AEP61-74), 2017, 160 pp.  Um dos 21 autores deste volume  I de "Exilios"  é a Maria Irene Martins.

O seu testemunho ("Desertores e refractários, pp. 53-58) pode ter um interesse adicional para os leitores do nosso blogue, ao dar uma ideia, mais aproximada, dos caminhos do exílio e da emigração que muitos portugueses da nossa geração percorreram.  E é também revelador da personalidade, da generosidade,  da solidariedade e da alegria de viver da Irene Martins, de quem também guardo saudades, e de quem fiquei amigo, mesmo só  tendo privado com ela em três curtos momentos das nossas vidas. A amizade, de resto, não tem barreiras nem preconceitos nem bandeiras. Até sempre, Irene!


Capa do livro "Exílios" (1º volume, 2016), de que a Maria Irene Martins é coautora (conforme nosso sublinhado a vermelho).


Maria Irene Martins, Grenoble,  França - Desertores e refractários (pp. 53-38) (com a devida vénia ao editor e aos herdeiros da autora...)




(…) A primeira acção de ajuda a desertores do serviço militar e refractários à Guerra Colonial [sic], surgiu logo no início da minha formação no Instituto Superior de Serviço Social (ISSS) [em Lisboa] quando a nossa colega e amiga Gabriela nos pediu, à Isabel e a mim, para levar o seu namorado e dois outros amigos para França, de onde eles partiriam para outros destinos. [Este episódio deve ter-se passado em meados de 60, a autora em 1962 já tinha 18 anos, já seria emancipada e teria passaporte, e deve ter sido o ano em que entrou no ISSS].

Lá fomos, eu e a Isabel, amiga desde os anos do liceu [Rainha Dona Leonor]. Ela conseguiu um carro emprestado pela família. Um Diane azul.

Partimos as duas de Lisboa, dormimos perto de Leiria, na casa de férias da família da Isabel. Na manhã seguinte, sem querer dar nas vistas, pusemos tudo em ordem de marcha, os sacos dos rapazes atrás, os nossos bem à vista e a merenda para a viagem. Logo aconteceu que a Isabel, ao sair, fez resvalar o carro que ficou prisioneiro numa vala da estrada. Lá foi chamar o caseiro que veio com o tractor para tirar o Diane, mais a aldeia em peso, para ajudar a “menina”...

Passado o acontecimento fomos até à Guarda onde dormimos numa pensão. A cama cheirava a “ pés sujos “ que se fartava ... Tínhamos encontro de manhã cedo em Espanha, numa estrada secundária. Passámos a fronteira 
[em Vilar Formoso ] sem dificuldade e lá os encontrámos. Partimos numa alegria contagiante que nos apanhava as entranhas.

Os rapazes atrás, as raparigas à frente, mapa de Espanha na mão. Quando chegámos à fronteira Espanha/França, em São Sebastião, os rapazes deixaram as roupas e subiram ao longo do rio para o passarem a vau.

Deixámos decorrer algum tempo e passámos a fronteira sem incidentes. Gritámos uf! E lá seguimos para o sítio do encontro em França.

Ao fim de uma grande subida, um carro da polícia francesa manda-nos parar. Garganta seca, fizemos como se não soubéssemos falar francês, não respondemos às perguntas que nos fizeram, mas falávamos muito em português. Eles queriam saber aonde íamos e porque tínhamos roupa que não era nossa no carro, a quem pertenciam aquelas calças e aqueles sapatos. Depois de revistarem tudo, foram-se embora.

Arrumámos o carro como pudemos e partimos rumo a uma estrada secundária na direcção de um ribeiro que faz a fronteira. Lá esperámos. Ao fim de um certo tempo, vimos surgir os nossos amigos. Chegaram todos molhados e sujos do “rio da merda”, como eles lhe chamaram. Sentadas numa vereda, esperámos que eles se limpassem e vestissem.

Já fazia escuro quando voltámos à estrada. Calados de medo, seguimos até Biarritz. Comemos e depois procurámos um albergue, enquanto os rapazes foram para a estação dos comboios. Era ali o fim da nossa viagem juntos. Abraçámo-nos emocionados. Foi difícil deixá-los, pois apetecia acompanhá-los até ao fim da viagem.

No dia seguinte, regressámos. Passámos por Pamplona, pois tínhamos dito à família que íamos às festas desta cidade [referência às famosas festas de São Firmino, que se realizam anualmente de 6 a 14 de julho]. Queríamos trazer alguns panfletos e outra publicidade que confirmassem a nossa “história”.

(…) A passagem da fronteira portuguesa foi complicada. Obrigaram-nos a estacionar o carro num parque, atrás da alfândega. Fomos levadas para dentro da alfândega onde nos interrogaram. Este tempo pareceu infinito. As respostas tinham sido já pensadas antes de partirmos. Muito firmes, respondemos a tudo. Eu tinha em mente uma frase do nosso professor de filosofia, Honorato Rosa [padre católico, falecido em 1968] , “A verdade é para quem a merece”.

Voltámos para o carro, com dois polícias que o desmancharam todo. Tiraram tudo do porta-bagagens, os revestimentos do porta-bagagem, o pneu sobressalente, enfim, um pavor! Por fim deixaram-nos passar. Não soubemos se telefonaram para Lisboa, para as nossas famílias, ou não. Mas passámos um mau bocado.

(...) Estas ajudas continuaram com outras modalidades e outras cumplicidades (…) O Carlos foi um dos últimos refractários que ajudámos a sair de Portugal, desta vez pelos lados de Trás-os-Montes. Era o amigo da Merita, minha amiga desde os nossos estudos universitários.

Ela foi ter com ele a Grenoble, e eu fui visitá-los várias vezes ao Chemin Jésus, nome da rua onde ficava um apartamento, numa casa antiga, com grandes quartos onde se vivia em comunidade entre os refugiados, desertores, refractários e exilados, numa convivência de “república de estudantes coimbrões”.

Aí conheci um francês que, mais tarde, no Verão de 1970, me veio visitar com a Merita e mais amigos, ao Norte de Portugal, onde trabalhava.(…)

(...) Fins da Primavera, princípios do Verão de 1973, amigos meus chegaram a Grenoble, fugidos de Portugal, a seguir à prisão da Xexão com a célebre “mala das armas”.

A nossa casa, um apartamento num bairro popular da periferia de Grenoble, onde viviam muitos compatriotas, meus vizinhos, transformou-se num albergue. Tentámos encontrar soluções para os amigos e outros portugueses fugidos à guerra. (...)

Nessa altura, conheci outras “redes” como a associação Chrétiens français-immigrés ["Ronda do Soldadinho", canção de José Mário Branco gravado em 1969 com o apoio de associações de imigrantes  portugueses] (...)

(…) A minha vida de imigrante em Grenoble era muito agitada. A semana começava às 6 horas da manhã no hospital e nunca acabava, pois a seguir ao trabalho eram os encontros e as reuniões.

Algum tempo depois de eu chegar a Grenoble, os imigrantes revoltaram-se contra as leis racistas francesas. Os imigrantes que habitavam nos “lares dos trabalhadores” fizeram greve.

(...) Os imigrantes portugueses estavam pouco organizados com os outros colegas de trabalho, não conheciam os sindicatos, queriam ser discretos, não dar nas vistas. Era preciso explicar, mobilizar.

(...) Em Varses e Vif, cidades muito perto de Grenoble, onde existiam muitos portugueses , ensinávamos cantigas, explicando o texto e o sentido da história : “Um e dois e três, era uma vez um soldadinho” teve grande sucesso.

Sábados e domingos, depois do almoço, íamos para as Associações de Portugueses: Em Echirolles onde vivia, no bairro Des Alpins, em Fontaine, no Clos d’Or....

Nós, o Noël [,o marido,] e eu, ficávamos com os mais jovens, crianças e adolescentes, cantávamos, dançávamos, discutíamos, falávamos de Portugal, das colónias, da guerra, da imigração...

Também falávamos da História de Portugal. Mostrávamos diapositivos dos monumentos, etc. Tanto os pais como os filhos, conheciam de Portugal, apenas a aldeia de onde vinham, onde passavam as férias e onde construíam “a casa”.

Sexta-feira à tarde ou sábado de manhã, nós as mulheres, preparávamos os nossos encontros do fim-de-semana. Lá em casa era um regabofe. Umas descascavam as batatas, outras desfiavam o bacalhau, picavam cebolas e salsa. Tudo isto no meio de cantares e histórias das vidas vividas. Risadas e falares alto com grande alegria e entusiasmo. Bons momentos de confidências e convivência.

(...) Nessa altura, a nossa casa estava à disposição de todos os que vinham pois tínhamos espaço e comodidades. Estou a ver ainda o Zeca Afonso, a fazer composições de novas músicas e novas letras e a gravar, em várias vozes sobrepostas, no nosso gravador, numa cassette que ainda tenho.

Nestas manifestações, os pastéis de bacalhau eram indispensáveis e, lá estávamos nós, as mulheres, às voltas a fazermos quilos e quilos de frituras que perfumavam a casa durante semanas.

Nesta altura, em França, e sobretudo em Grenoble, onde nasceu o Planeamento Familiar, uma militância importante cresceu entre as mulheres portuguesas e as mulheres francesas.

(...) Reuníamos entre nós para trabalharmos sobre acções políticas, para mobilizarmos a opinião pública francesa, na denúncia da política fascista e colonialista em Portugal.

Mobilizar a opinião pública internacional era um meio muito importante e eficaz na luta contra a política portuguesa, sempre muito sensível ao que se dizia de Portugal, no estrangeiro. Sempre foi assim e continua a ser.

(...) As reuniões faziam-se em nossa casa. Longas noites e longas tardes de Sábado, onde o sério se conjugava com risadas e anedotas.

(...) Mais tarde, formámos uma associação francesa (sob a lei de 1905), o GAP (Grupo de Acção Política), para termos acesso ao espaço público francês de maneira oficial.

(...) Voltemos a Grenoble e aos anos 1973/74. As manhãs de domingo eram dedicados à venda de O Alarme nos mercados. Éramos muitos, nesta tarefa militante, pois O Alarme chegava a todos os mercados de Grenoble e arredores. ["O Alarme" era um jornal regional, criado em Junho de 1972, sendo destimado aos imigrantes portugueses; era de publicação mensal e distribuído na região de Grenoble].

(...) Também íamos a cidades mais longe onde os portugueses nos esperavam para aqueles dois dedos de conversa, trocas das novidades do País e das famílias. Lembro Vienne, Rives, Tulin... Depois fazíamos as nossas compras. Vínhamos sempre carregados de couves e outros legumes bem ao nosso gosto, chouriços e outras delícias.

(...) Como sempre, éramos mais mulheres que homens . O “machismo”, bem português, também aí se fazia sentir pois tínhamos que seguir à letra o que o “chefe” dizia e estipulava. Brigávamos muito mas recomeçávamos sempre.

(...) A ida a Portugal para irmos buscar “os últimos objectores e refractários” foi a 22 de Abril 1974.

Partimos, o Noël e eu na nossa Renault 4L, rumo ao Alentejo. Ficámos em Madrid em casa do Bart, um amigo meu, holandês expulso de Portugal. Ele deu-nos as últimas notícias dos amigos que tinham sido presos nuns dias anteriores e insistia comigo para não seguir viagem pois, dizia ele, se eu entrasse em Portugal ia “dentro”, como os nossos amigos. A PIDE andava muito assanhada.

Nós tínhamos compromissos e partimos no dia seguinte. Escolhemos entrar pela fronteira de Vila Real de Santo António, mais discreta.

(...) Resolvemos seguir caminho. Parámos em Sines. Fomos comer alguma coisa num café. Que espanto, ouvíamos na rádio música e cantares proibidos. Não era possível! Perguntámos o que se passava. O empregado não sabia muito bem. Falava-se de Movimento das Forças Armadas. Ninguém sabia muito bem o que se passava em Lisboa.

Uns gritavam “Agora é que é ! O governo já caiu” . Outros gritavam “Ai meu Deus, que eles vão matar o povinho todo”.

Resolvemos vir rapidamente para Lisboa, sem parar em Évora onde tínhamos encontro com alguém que nos devia indicar o que devíamos fazer em seguida.

(…) Em Lisboa percebemos TUDO! Vimos amigos, sentimos o alvoroço. Fomos até à casa dos meus pais, no Bairro do Arco Cego, em frente do Ministério do Trabalho. “Chaimites” impediram que parássemos o carro em frente da casa.

Os meus pais estavam à janela do primeiro andar da moradia. A curiosidade era maior que todos os medos. A minha mãe, sempre com medo das revoluções e das guerras civis, que lembravam a sua infância, dizia-me “se eles te vêem minha filha... Isto está muito feio. Não sei em que isto vai dar”. Mas não saía da janela!

Telefonei, marcámos encontros, trocamos alegrias e esperanças. Saímos para ir para a Baixa. Não havia autocarros, nem Metropolitano. Fomos pelas Avenidas Novas em direcção ao Saldanha, com a intenção de descer a Avenida da Liberdade. Não pudemos avançar. Toda a Lisboa estava na rua.

O resto todos sabemos! 

[Seleção / Revisão e fixação de texto / Negritos e paratênses rectos com legendas explicativas, para publicação exclusiva no blogue: LG]

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Nota do editor:

Último poste da série > 18 de abril de 2022 > Guiné 61/74 - P23179: Manuscrito(s) (Luís Graça) (211): "Viva o compasso pascal / Desta linda freguesia, / Fizeram-nos muito mal / Estes dois anos de pandemia."

quarta-feira, 28 de junho de 2017

Guiné 61/74 - P17520: (De) Caras (80): Maria Sofia Pomba Guerra (1907- c.1970), mais uma "desterrada política", tal como Fausto Teixeira, elogiada pelos históricos dirigentes do PAIGC

1. O nome de Fausto Teixeira parece estar hoje esquecido (espero bem que não esteja proscrito ...), ao não contar da lista dos "antifascistas da resistência"... Pelo menos não aparece na lista das 600 personalidades que constam, como tal,  no respetivo blogue e na respetiva página do Facebook (" notas biográficas de cidadãs e cidadãos que lutaram contra o fascismo e o colonialismo").

Provavelmente falta-lhe um biógrafo ou um "advogado", mesmo que oficioso... Mas o mesmo acontece com outros dos seus companheiros de desventura:  de facto, também não contam dessa lista os nomes de Gabriel Pedro (1898-1972) (igualmente desterrado para a Guiné e depois para o Tarrafal, tal como o seu filho Edmundo Pedro) e de Manuel Viegas Carrascalão (1901-1977) (operário gráfico, anarcossindicalista, preso sob a acusação de bombismo e de pertencer,  tal como Fausto Teixeira e Gabriel Pedro, à "Legião Vermelha", acabando por ser desterrado para Timor em abril de 1927, no navio "Pêro de Alenquer", numa viagem que vai demorar  5 meses, com passagem por Cabo Verde, Guiné, onde desembarcam alguns deles e entram outros, e Moçambique onde é rendido o comandante do navio.). 

Admite-se que, no caso do Fausto Teixeira, a omissão do seu nome  seja  devida, pura e  simplesmente, ao facto de lhe terem perdido rasto, desde que, com 25 anos, foi desterrado para a Guiné, em 1925, não pelo "fascismo" da Ditadura Militar / Estado Novo mas pela I República. 

De qualquer modo, a Guiné e  Timor era dois dos piores sítios do nosso glorioso Império para onde o Estado mandava os desgraçados dos "desterrados políticos", sendo ali entregues à sua sorte. Para este inferno, que eram estas duas colónias, iam em geral os indivíduos de profissões manuais ou, no caso de militares, os soldados e os marinheiros. 

Até no exílio e deportação, todos eram iguais mas uns eram mais iguais do que outros.
.
[Foto acima: Maria Sofia Carrajola Pomba  Amaral da Guerra, cortesia do blogue "Silêncios e Memórias", editado por João Esteves]


2. O nome de Fausto Teixeira (ou Fausto da Silva Teixeira] aparece associado ao de Maria Sofia Carrajola Pomba [Amaral da Guerra, por casamento], sobre a qual colhemos as seguintes informações, a partir dessa página do Facebook e outras fontes na Net:

(i) nasce a 18 de julho de 1906, em São Pedro, Elvas, distrito de Portalegre (terra igualmente de uma militante pioneira do feminismo, a médica Adelaide Cabete, 1867-1935);

(ii) licencia-se em Farmácia pela Universidade de Coimbra, no princípio dos anos 30 (no ano lectivo de 1926/27, está no 2º ano, segundo apurámos por conta própria);

(iii)  a partir de meados da década de 30, vai para Moçambique [deve ter sido em 1933:
vd. GUERRA, Maria Sofia Pomba - Dois anos em África / Maria Sofia Pomba Guerra. - : Ed. do Autor, 1935. - XIII, 206 pp.]

(iv) em Lourenço Marques, publica alguns estudos sobre frutos silvestres e produtos exportáveis, é analista no Hospital Miguel Bombarda, lecciona na Escola Primária Correia da Silva, onde tem como aluno o poeta, jornalista e activista moçambicano Rui Nogar (1932-1993);

(iv) terá aderido ao PCP - Partido Comunista Português, em Lourenço Marques, por intermédio de um  ferroviário, o  Cassiano Carvalho Caldas [1915-c..2002/03, ], no final da década de 1930 ou princípios de 1940;

(v) mantém naquela cidade do Índico uma  militância activa, colabora nos jornais "Emancipador" e a "Itinerário", publicação editada entre 1941 e 1955, participa entre 1947 e 1948, na construção de uma estrutura comunista local [Fonte: José Pacheco Pereira, Álvaro Cunhal, vol. 3] e desenvolve, juntamente com Noémia de Sousa, actividades no âmbito do Movimento dos Jovens Democratas Moçambicanos, versão local do MUDJ da metrópole, integrando a direcção;

(vi) em 1949, torna-se na primeira mulher branca a ser presa e deportada para a metrópole: apresentada na PIDE em 23 de novembro de 1949, fica detida em Caxias até 4 de julho de 1950; será então libertada por ordem do Tribunal Plenário de Lisboa, por ter sido absolvida;

(vii) parte a seguir  para Cabo Verde, onde se junta ao marido, médico,  colega de Coimbra [ Platão Zorai do Amaral Guerra] e dali para a Guiné, onde vem a ser proprietária da Farmácia Lisboa;  ensina inglês no Liceu de Bissau (acabado de fundar) [não fica claro se vem para a Guiné como "deportada" ou se de livre vontade...];

(viii) em Bissau, vai procurar reatar a sua actividade política, juntamente com o empresário Fausto Teixeira e o médico Gumercindo de Oliveira Correia: segundo Pacheco Pereira [Álvaro Cunhal, vol. 3];

(ix)  Sofia Pomba Guerra era vigiada pela PIDE (instalada em Bissau a partir de 1957), que sabia que a farmacêutica recebia e fazia circular revistas comunistas francesas e panfletos portugueses, procurando mesmo organizar células comunistas no seio da população trabalhadora urbana (incluindo o incipiente operariado);

(x) o seu apoio, ao embrionário nacionalismo independentista, é reconhecido pelos históricos dirigentes do PAIGC  que não poupam elogios ao seu papel na luta anticolonialista, nomeadamente no auxílio à organização clandestina de reuniões, na prestação de informações relevantes sobre prisões iminentes, como a de Carlos Correia, e na preparação de fugas, como a de Luís Cabral (auxiliado também por Fausto Teixeira);

(xi) está associada, em 1958, à fundação do Movimento de Libertação da Guiné (MLG) (mais moderado que o PAIGC, defendendo uma solução de tipo federalista entre a Guiné e Portugal);

(xii) na sua farmácia trabalham destacados futuros combatentes do PAIGC como Epifânio Souto Amado e Osvaldo Vieira (este, um dos principais combatentes do PAIGC, morto em 1974, mas igualmente suspeito de envolvimento no complô contra Amílcar Cabral que levaria ao seu assassinato em 20/1/1973);

(xiii) Amílcar Cabral [Bafatá, 12/9/1924-Conacri, 20/01/1973], com quem Sofia convive na década de 50, no discurso pronunciado num Seminário de Quadros do PAIGC, efectuado entre 19 e 24 de novembro de 1969, refere-se à contribuição de dois brancos [Fausto Ferreira e Sofia Pomba Guerra]  na fuga de Luís Cabral da capital guineense, afirmando explicitamente que “uma pessoa que teve influência no trabalho do nosso Partido em Bissau, foi uma portuguesa", e acrescentando: "só quem não está no Partido é que não sabe isso. Ao Osvaldo, a primeira pessoa que lhe ensinou coisas para a luta, foi ela, não fui eu. Eu não conhecia o Osvaldo” [Amílcar Cabral, Alguns Princípios do Partido, pp. 21-22];

(xiii) mais tarde, Luís Cabral, nas suas memórias, a Crónica de Libertação [1984], evoca os contactos que manteve com esta “deportada para a Guiné", com a ficha na PIDE e a indicação de se tratar de "um elemento altamente perigoso”:  e acrescenta:  “embora vigiada pela polícia política, cujo chefe veio morar mesmo em frente da sua casa, retomou na primeira oportunidade as suas actividades políticas”;

(xiv) relaciona-se com Amílcar Cabral, Aristides Pereira, Fernando Fortes, Luís Cabral, a quem dá lições de Inglês do 7.º ano do liceu, e muitos outros;  “apesar da posterior separação da actividade anticolonialista do movimento geral antifascista, a dr.ª Sofia Pomba Guerra continuou, como no passado, a ser a amiga e conselheira de cada um de nós” [idem]; foi ela quem apresentou Aristides Pereira a Amílcar Cabral quando este chega à Guiné no início dos anos 50;

(xv) o rótulo de "desterrada política antifascista e comunista" (sic) acompanha-a por todos os locais por onde passa  mas isso nunca a impedirá de intervir politicamente e manter-se fiel às suas ideias;

(xvi) morre sem chegar a ver a  independência, da Guiné-Bissau,  em data que não sabemos precisar, talvez no início da década de 70;

(xvii)  muito mais tarde, Luís Cabral terá reencontrado em Portugal o marido, o dr. Guerra, “que parecia estar sempre muito distante das actividades da esposa, [mas] era um grande patriota e democrata português que encorajava e apoiava essa actividade” [idem], com a filha mais nova Tafia;

(xviii) é autora de várias publicações  de natureza económica e científica, em Moçambique, outras: “Fruta de Moçambique” (1936), “Alguns frutos silvestres de Moçambique” (1938), “Alguns produtos exportáveis de Moçambique e os seus mercados externos” (1939);

(xviii) colaborou ainda  com o Centro de Estudos Culturais da Guiné Portuguesa:  vd.  GUERRA, Maria Sofia Pomba - Amendoim e palmeira do azeite : pilares económicos da Guiné portuguesa / Maria Sofia Pomba Guerra. In: Boletim cultural da Guiné portuguesa. - Vol. VII, nº25 (1952), p.9-83.
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Fonte: Adapt.com a devida vénia, do blogue "Silêncios e Memórias", editado por  João Esteves > 12 de junho de 2015 > [0998.] Maria Sofia Carrajola Pomba Amaral da Guerra [I]

Vd. também a nota biográfica da autoria de historiador João Esteves com colaboração de Helena Pato, sendo a fotografia,  acima publicada, enviada ao João Esteves por uma das netas da biografada, Maria Leonor Guerra Rodrigues Eisman > Página do Facebook Antifascistas da Resistência.
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Nota do editor:

Último poste da série > 26 de junho de 2017 > Guiné 61/74 - P17512: (De) Caras (86): Francisco Augusto Regalla (1871-1937), médico militar: a história de uma família ou de um clã (Juvenal Amado / Manuel Coelho / Armando Tavares da Silva / Patrício Ribeiro / Ricardo Regalla Dias-Pinto)

segunda-feira, 10 de abril de 2017

Guiné 61/74 - P17230: Agenda cultural (553): Convite para sessão de apresentação do livro "Exílios: testemunhos de exilados e desertores portugueses na Europa (1961-1974)". Lisboa, Museu do Aljube, 3ª feira, dia 11, às 18h00. Apresentação de Carlos Matos Gomes, e intervenções de 2 dos 21 autores. (Confirmar presença.para info@museudoaljube.pt)






1. Mensagem de Helena Pinto Janeiro, com data de hoje, às 20h15

Estimado Luís Graça e amigos do blogue «camaradas da Guiné»

O coronel Carlos Matos Gomes, um dos vossos ilustres camaradas na Guiné, vai amanhã apresentar um livro sobre deserção e exílio na guerra colonial. Aqui fica o convite para um evento que demonstra como, em democracia, mesmo os temas incómodos podem ser discutidos com a elevação que o nome dos intervenientes promete.


​ No Museu do Aljube, à Sé, pelas 18h de 11 de Abril.

Com os melhores cumprimentos,

Helena Pinto Janeiro, PhD 


Museu do Aljube - Resistência e Liberdade & Instituto de História Contemporânea, FCSH/ Universidade NOVA de Lisboa
helenajaneiro@egeac.pt
https://fcsh-unl.academia.edu/HelenaPintoJaneiro


[O livro é editado pela Associação de Exilados Políticos Portugueses (AEP61-74), com sede em Carcavelos. Vd aqui o respetivo sítio na Net bem como o índice da obra.]


["A AEP61-74, Associação de Exilados Políticos Portugueses reúne um conjunto de antigos desertores, refractários e exilados políticos portugueses na Europa. Tem por objectivos, publicar o livro Exílios, testemunhos de exilados portugueses na Europa (1961-74); recolher e divulgar memórias do exílio dos anos 60/70 do século XX; criar, produzir e apoiar comunicação multimédia sobre o mesmo período; apoiar e desenvolver iniciativas pela paz, pelos direitos humanos, contra a guerra. É uma organização sem fins lucrativos e está aberta a iniciativas, defensores e activistas destas causas." ]


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Nota do editor:

Último poste da série > 6 de abril de 2017 > Guiné 61/74 - P17213: Agenda cultural (552): Lançamento do livro de Sérgio Neto, "Do Minho ao Mandovi: um estudo do pensamento colonial de Norton de Matos" (Coimbra, Imprensa da Universidade de Coimbra, 2016): 10 de abril, 2ª feira, às 17h., Casa Municipal da Cultura, Coimbra. Apresentação: professores doutores Luís Reis Torgal e Armando Malheiro da Silva