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segunda-feira, 18 de março de 2024

Guiné 61/74 - P25282: Manuscrito(s) (Luís Graça) (247): Quando os ventos sopravam em Assuão...

 

Egito > Assuão > Templos de Abu-Simbel > Cortesia de Wikipedia e Panoramio (foto)

 

Quando os ventos sopravam em Assuão era verão

por Luís Graça


Aqui o verão era fértil,
O verão era fútil,
O verão era fértil em coisas fúteis.
Fértil no Vale do Nilo,  fútil em Abu Simbel.

Era no Verão que se comia melancia ao quilo,
E, enquanto amadureciam as tâmaras,
Vendia-se a inultura geral a granel 
Em folhas de falso papiro:

... "Welcome, sejam bem vindos a Assuão!"

Senhores e senhoras do Norte, 
Em agosto resiste-se melhor 
À melancolia do entardecer em África,
Bem como ao medo das câmaras escuras da morte,
Na linha do horizonte, abaixo do Trópico de Câncer.

Em Abu Simbel, o verão era ostentação.
Tu preferias os óstracos
Onde o operário de Deir el-Medina
Falava da sua condição,
De produtor, de artesão,
De construtor de túmulos,
De escultor de esfinges, 
De guardador de segredos,
De malandro e de grevista,
De salteador e de ladrão,
De violador de medos
E de barqueiro Caronte.

Tu sempre achaste que esta estação não rimava com poesia.
Mas tu não eras o Ramsés Segundo
Nem conhecias o caminho irreversível para a imortalidade.

Aqui o verão era fértil em coisas fúteis
Como o escriba acocorado
Perante o espectáculo risível do mundo globalizado.

..."Na terra prometida do pão e do mel,
Tenham cuidado, meus senhores, com os vegetais,
Bebam águas minerais, encapsuladas, 
Levem dimicina e ultralevure
Por causa dos desarranjos intestinais
E das sete pragas do Egito!

... "E o vírus do Nilo, senhor barqueiro  ? É mortal ?"

... "Descanse, my lady, que o barco tem escolta policial."


Na Ilha Elefantina nâo havia manicure,
Havia apenas pessoas  inúteis
Que adoravam subir aos píncaros do verão.
De camelo.

... "Sobretudo não tome uísque com gelo",

Podia ler-se numa tabuleta à beira do lago Nasser.

... "Meus senhores, estamos em África, be careful"

Aqui o verão era, por excelência, o paraíso 
Com o ocre como pano de fundo.
E sob os carris de ferro das dunas
O barco, bêbedo, do poeta Rimbaud.
O verão era uma casa de adobe e uma esteira no chão
E os altos muros do deserto
Estrangulando o fio de água da vida.

... "Ah, o nascer e o pôr do sol, 
Não esquecer de pagar tributo ao deus-sol".

Porque o verão no Egipto era a rosa do mundo.
O misticismo. A demência. 
Os calores 
De Santa Teresa d’Ávila em trabalho de múltiplos orgasmos.
No Vale dos Reis. E das Rainhas. E dos Nobres.

... "Esqueçam, por favor, a mastabas dos pobres!

... "Ah! Não vêm nos roteiros turísticos ?

... "I'm sorry"!

O verão era o sexo distendido.
O músculo relaxado. A alma em carne viva.
A praia. O creme Nívea. O postal ilustrado.
O repelente para os mosquitos,
A alegre promiscuidade dos cinco sentidos.
O carrossel do Cairo em três dimensões.
O teu gin tónico com limão.
A carne em decomposição. O desastre humanitário.
Mais, ao fundo do mapa,  a Núbia, o Sudão.
Os dóceis núbios. As volúpteis núbias.
A mutilação genital feminina das futa-fulas da Guiné.
A tragédia de Darfur.
Tudo trivialidades.

... E ainda a louca montanha russa. O bazar.
A dança do ventre dançada por travestis, canastrões.
A mesquita de alabastro.
O mítico mar vermelho.
A Sagrada Família. Jesus, Maria e José.
O burrinho puxando a nora.
A felicidade a preço de saldo.
O exotismo com molho de bechamel.
O oásis no deserto. 
Todos os estereótipos do mundo.

... "E, por favor, tirem uma fotografia digital,
Da varanda do hotel Marriott."


Bem gostarias de apresentar uma reclamação,
Por escrito, ao senhor vizir:

... "Eu estive em Abu Simbel
E experimentei as dificuldades da comunicação humana."


O verão era o Vale do Nilo, 
Um gigantesco falo que penetrava, fundo,
A terra árida e seca da Mãe África.
Gretada, a terra, a carne.

... "White women, carne branca.
I Egiptian man, fertility man.
Portugal ? Good, Luís Figo!"


Do alto da mesquita de Najaf,
Mais acima no mapa do corpo humano,
Dizia o guia, o teu guia:

... "Alá é Grande!,,,
Mas o meu o coração sangra de dor
Pelos meus irmãos, xiitas, sunitas, ismaelitas.


Do alto das pirâmides de Sacara
Havia um imã que te notificava
Por carta registada com aviso de recepção:

... "Que a vida eterna te chama
E exige a mortificação, a mumificação!"


Recebeste por fi
m notícias de Lisboa
Onde a fertilidade da futilidade
Era então um problema de saúde pública.
Um osso duro de roer.
Tão duro como o granito de Assuão
Donde soprava o vento que modelava o  rosto das esfinges.

De Lisboa ao Cairo erguia-se o templo do futuro
Com paragem técnica em Luxor
Para consultar os arquitectos da eternidade.
A antiga Tebas, a cidade das cem portas,
Era  já um pequeno burgo.
E o teu guia, egípcio, brasileiro, muçulmano,
Dizia que tinha o coração a sangrar.
Marcos chorava pelos seus irmãos
De Najaf, no Iraque,
E confidenciava-te:

... "Eu nunca poderia trabalhar
Para os meus inimigos e vizinhos de Israel.
Por muito dinheiro que me pagassem."

Marcos não tinha preço.
Incorruptivel como o corpo dos faraós.
E recusava-se a atravessar o Mar Vermelho. 

... "Não matarás!,  sentenciava Moisés".

Que tivessem  santa paciência.
Os pobres. Os diabos. Os pobres diabos.
Os santos. Os turistas. Os contribuintes.
Os camponeses. Os escribas. Os escravos,
Os guias turísticos. Os romancistas policiais.
Os arqueólogos. Os caçadores de tesouros.
As esposas dos ricos homens de negócios das arábias.
Os sacerdotes do templo de Kom-Omb
Que eram carecas.

... "E sobretudo os pobres,
Porque deles ainda há de ser o reino da terra!"


Pobre planeta, sem rei nem roque.
E com tantos súbditos e tão poucos sábios.

... "E não se esqueçam de pôr a escrita em dia.
Pesem a alma. Meçam as bolsas.
Leiam o Livro dos Mortos
Ou A Morte no Nilo,
Que o barco vai zarpar!"...

E o Habibo, de mão estendida:

... "Um oiro, um euro, amigo.
Para o Habibo.
E para o camelo do Habibo,
Que tem sede e fome.
Óscar, de seu nome."


E o Estado que já não garantia ser mais Estado no futuro,
E muito menos o Estado-Providência.
E pagar o leitinho às criancinhas.
E o funeral aos velhinhos.
E a baixa por doença ou acidente 
Aos construtores, descartáveis,  de piràmides,
E nem sequer já a múmia ao faraó.

..."Deixem isso às madraças
E à caridade em tempo de Ramadão".


Restava-te a Alta Autoridade do Nilo
Que regulava os influxos e os defluxos dos deuses.
E a exploração do trabalho infantil
Nas escolas-fábricas de tapeçarias em Memphis.

Na verdade, o verão era apenas uma estação.
De comboio.
Do comboio de via estreita
Que ia do nascer ao morrer,
Duna acima duna abaixo.
E quem dizia estação dizia cais. 
De chegar. De apodrecer.
Como esta falua do Nilo à beira Tejo
Que era o rio que passava à tua porta antes de ser desviado
Para ir regar as palmeiras do Éden.

Sexta-feira, treze.
De Agosto. De azar,
Quer quisessem ou não, a indústria do lazer
Iria ser o principal foco de infecção
Naquele pico de verão.

... "Tenham cuidado com o cão
E com a maldição
Do Faraó Tutankamon."


Morrera a indústria dos metais pesados,
Como acabara por decreto o tráfico de escravos
Que alimentava o Novo e o Velho Mundo.
Pois que vivesse, agora, a indústria do lazer.
Leve. Ecológica. 

... "De terceira vaga.
Com homologação. Com certificação.
Com acreditação. Com exemplos de boas práticas.
Com análises de custo/benefício."


Graças ao lóbi da qualidade
O mundo iria bem melhor sem escravos nem metais pesados.

... "Que a vida era dura,
E o que a gente faz para ganhá-la", dizia o Marcos.

Como o búfalo que pastava nas margens do Nilo.
Como qualquer búfalo domesticado
Depois de trabalhar o dia inteiro
Para o seu suserano,
O camponês egípcio.
Que por sua vez alimentava o Faraó 
E as suas esposas e concubinas,
O seu exército, a sua polícia núbia e os seus esbirros,
E a legião de escribas acocorados
Que tinham o monopólio da escrita. E do saber.
Ah!, sem esquecer os engenheiros da barragem de Assuão.

Na época, as partes pudendas, a zona púbica,
A coisa pia, do Portugal contemporâneo,
Iria ser matéria de alto relevo na televisão.
Dizia o Eça, o escriba ainda de pé,
Em missão de reportagem na inauguração do Canal do Suez.

... "Já não tens rei, ó portuguès,
Nem o tique aristocrático do beija-mão.
Nem o Conde de Burnay.
Nem faraó. Nem deuses. Agora é que é,
A república é quem mais ordena.
Senão popular, pelo menos populista.
A coisa pia mais fino no Portugal pequenino
Mas demo...crático."


Imaginavas.
Sem imagem nem voz.
Porque estavas em férias num cruzeiro do Nilo,
A observar o elegante voo da garça real.

... "Onde estará o pelicano ?
E a cegonha preta ? E a abetarda ? E o jagudi da Guiné ?
E os filhos ilegítimos do povo ?"


No barco não apanhavas a RTP, felizmente de todos nós.
Nem sabias se o Porto perdera na supertaça
E o Obikwelo ganhara a medalha de prata dos 100 metros
Nas Olimpíadas de Atenas.

... "Turco, grego, tunisino ?
Espanhol, italiano, palestino ?"...

... "Ah!, não, ah!, sim, português !

... "Ah!, Portugal, Luís Figo! Compra, amigo."

... "Quanto, quanto ? Dez nove oito sete seis cinco...
Quatro três dois, um!"

... "É só um oiro, um euro, amigo.
Que o Habibo tem fome e sede mais o camelo."


Maria do Patrocínio, tua avó materna.
Lembrar-te-ás dela,  a 'ti Patxina ?!
Patxina, de alcunha, 
Por economia de letras do alfabeto.
Morrera cega,
Sem hieroglifos gravados na estela,
'Ti Patxina, apalpando os netos, o  cabelo,  a cara.
E não a mumificaram
Nem muito menos a operaram às cataratas
Que no seu tempo
As obras de misericórdia
Eram sete espirituais e sete corporais.
Como no Egipto dos faraós.
Como as sete pragas do Egipto.
Como naquela triste aldeia núbia
Que era uma espécie de reserva dos últimos núbios
Com crocodilos de plástico
E pretos garanhões de olhos verdes.
E onde havia uma velhota,
Cega como a  ti' Patxina,
Que vendia bugigangas pró turista.

De Assuão a Luxor, tu gostarias de ter escrito
Um poema sobre os teus estados de alma.
Tão contraditórios que se anulavam.
A verdade é que encontraste aqui
Um povo afável.

... "Mas que te  adiantava o pedigree, ó Habibo,
E os cinco milénios de civilização.
E Ramsés Segundo e Nefertiti,
E o templo de Edfu,
 E a barragem de Assuão,
E o museu do Cairo...
Se nada mudara, pobre de ti,
Na tua condição de burro carrejão ?"

Soprava o vento dessecante.
Estavas em Assuão.
Nos píncaros do verão.
E nem sequer havia um gin tónico, refrescante.


Egipto, em cruzeiro pelo Nilo, 22-28 de agosto de 2004. 
Revisto em 16 de março de 2024.

______________

Nota do editor:

Último poste da série > 10 de março de 2024 > Guiné 61/74 - P25260: Manuscrito(s) (Luís Graça) (246): Provérbios populares sobre a doença, a medicina, a saúde, a vida e a morte: o que podemos aprender com eles? - Parte V: 3. Da medicina mágico-religiosa do templo de Epidauro aos atuais médicos de família

segunda-feira, 17 de maio de 2021

Guiné 61/74 - P22206: Depois de Canchungo, Mansoa e Cufar, 1972/74: No Espelho do Mundo (António Graça de Abreu) - Parte V: Egipto, Alexandria, 2011






Egito, Alexandria> 2011


Texto e fotos de António Graça de Abreu, enviados em 10/5/2021. Continuação da série "Depois de Canchungo, Mansoa e Cufar, 1972/74: No Espelho do Mundo" (*), da autoria de António Graca de Abreu [, ex-alf mil, CAOP1, Canchungo, Mansoa e Cufar, 1972/74: escritor e docente universitário, sinólogo (escialista em língua, literatura e história da China); natural do Porto, vive em Cascais; é autor de mais de 20 títulos, entre eles, "Diário da Guiné: Lama, Sangue e Água Pura" (Lisboa: Guerra & Paz Editores, 2007, 220 pp); "globetrotter", viajante compulsivo com duas voltas em mundo, em cruzeiros, é membro da nossa Tabanca Grande desde 2007, tem mais de 270 referências no blogue]


Alexandria, Egipto, 2011

Oh, Alexandria, velha cidade grega, velha cidade bizantina, onde estás? Onde estão os teus quatro mil banhos, os teus quatro mil circos, os teus quatro mil jardins? Onde estão os teus dez mil mercadores e os doze mil judeus que pagavam tributo ao santo califa Omar? Onde estão as tuas bibliotecas, e os teus palácios egípcios, e o jardim maravilhoso de Ceres?

Eça de Queirós, em A Relíquia


Em 2011, venho pelas águas brandas do Mediterrâneo, meio iluminado pela luz turva do
farol, maravilha do mundo, há quase dois milénios inexistente. Entro na cidade pelo lado do istmo no mar, pela sombra da fortaleza. 

A minha Cleópatra chinesa cobre-se com véus do islão para não ofender crenças locais. Meio inseguros, passeamos entre as gentes. Alexandre, o Grande, há vinte e três séculos inventor do burgo, permanece há muito, silencioso, no vazio. Júlio César, envelhecido numa nuvem, ressona. Abandonada a terra pelos filhos de Roma, chegou, século após século, em avalanches, o grito e o estar dos bons seguidores de Mafoma.

Hoje, sexta-feira, milhares de fiéis muçulmanos reverenciam Alá e Maomé nas mesquitas, ou lá fora, onde ajoelham em alfombras gastas, espalhadas no chão de Alexandria, por tudo quanto á espaço aparentemente feliz nas ruas da cidade.

Caminho. Subo pela grande biblioteca, engenho aprimorado dos homens São os escritos do perpassar de cinco mil anos. Sobraço um volume sobre a China e leio. Vou-me perdendo, ao acaso, no tempo do tempo que adormece. Lá fora, desvanecendo-se, a noite anoitece.

António Graça de Abreu

Texto recebido em 5 de maio de 2021
__________

Nota do editor:

sábado, 20 de outubro de 2018

Guiné 61/74 - P19121: Notícias (extravagantes) de uma Volta ao Mundo em 100 dias (António Graça de Abreu) - XL (e última) Parte: Canal do Suez, Roma e regresso ... "A vida é o que fazemos dela, / As viagens são os viajantes. / O que vemos não é o que vemos / Senão o que somos" (Bernardo Soares / Fernando Pessoa)



Foto nº 4


Foto nº 3


Foto nº 5


Foto nº 1


Foto nº  2


Foto nº  6


Fotos (e legendas): © António Graça de Abreu (2018). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]




1.  Úlltimas duas rrónicas da "viagem à volta ao mundo em 100 dias" [3 meses e oito dias], do nosso camarada António Graça de Abreu.

Escritor, poeta, sinólogo, ex-alf mil SGE, CAOP 1 (Teixeira Pinto, Mansoa e Cufar, 1972/74), membro sénior da nossa Tabanca Grande, e ativo colaborador do nosso blogue com cerca de 220 referências, é casado com a médica chinesa Hai Yuan, natural de Xangai, e tem dois filhos, João e Pedro. Vive no concelho de Cascais.

[Foto à direita: Hai Yuan e António Graça de Abreu]



2. Sinopse da série "Notícias (extravagantes) de uma Volta ao Mundo em 100 dias" (*)

(i) neste cruzeiro à volta do mundo, o nosso camarada e a sua esposa partiram do porto de Barcelona em 1 de setembro de 2016; [não sabemos quanto despenderam, mas o "barco do amor" deve-lhes cobrado uma nota preta: c. 40 mil euros, no mínimo, estimamos nós];

(ii) três semanas depois de o navio italiano "Costa Luminosa", com quase três centenas de metros de comprimento, sair do Mediterrâneo e atravessar o Atlântico, estava no Pacífico, e mais concretamente no Oceano Pacífico, na Costa Rica (21/9/2016) e na Guatemala (24/9/2017), e depois no México (26/9/2017);

(iii) na II etapa da "viagem de volta ao mundo em 100 dias", com um mês de cruzeiro (a primeira parte terá sido "a menos interessante", diz-nos o escritor), o "Costa Luminosa" chega aos EUA, à costa da Califórnia: San Diego e San Pedro (30/9/2016), Long Beach (1/10/2016), Los Angeles (30/9/2016) e São Francisco (3/4/10/2017); no dia 9, está em Honolulu, Hawai, território norte-americano; navega agora em pleno Oceano Pacífico, a caminho da Polinésia, onde há algumas das mais belas ilhas do mundo;

(iv) um mês e meio do início do cruzeiro, em Barcelona, o "Costa Luminosa" atraca no porto de Pago Pago, capital da Samoa Americana, ilha de Tutuila, Polinésia, em 15/10/2016;

(v) seguem-se depois as ilhas Tonga; visita a Auckland, Nova Zelândia, em 20/10/2016; volta pela Austrália: Sidney, a capital, e as Montanhas Azuis (24-26 de outubro de 2016);

(vi) o navio "Costa Luminosa" chega, pela manhã de 29/10/2016, à cidade de Melbourne, Austrália; visita à Austrália Ocidental, enquanto o navio segue depois para Singapura; o Graça de Abreu e a esposa alugam um carro e percorrem grande parte da costa seguindo depois em 8 de novembro, de avião para Singapura, e voltando a "apanhar" o seu barco do amor...

(vii) de 8 a 10 de novembro. o casal está de visita a Singapura, seguindo depois o cruzeiro para Kuala Lumpur, Malásia (11 de novembro); Phuket, Tailândia (12-13 de novembro); Colombo, capital do Sri Lanka ou Ceilão ou Trapobana (segundo os "Lusíadas", de Luís de Camões. I, 1), em 15-16 de novembro. de 2016;

(viii) na III (e última) parte da viagem, Graça de Abreu e a esposa estão, a 17 de novembro de 2016, em Cochim, na Índia, e descobrem a cada passo vestígios da presença portuguesa; a 18, estão em Goa, seguindo depois para Bombaím (20 e 21 de novembro de 2016);

(ix) com 2 meses e 20 dias, depois da Índia, os nossos viajantes estão no Dubai, Emiratos Árabes Unidos, passando por Muscat, e Salah, dois sultanatos de Omã, em datas que já não podemos precisar (, as fotos deixam de ter data e hora...), de qualquer modo já estamos em finais de novembro/ princípios de em dezembro de 2016;

(x) tempo ainda para visitar Petra, na Jordânia, e atravessar os 170 km do canal do Suez (Egito), antes de o "Costa Luminosa" entrar no Mediterrâneo; a viagem irá terminar em Civitavecchia, porto de Roma, antes da chegada do novo ano, 2017.


3. Fim da Viagem de volta ao mundo em 100 dias > Canal do Suezs e Roma > s/d, c. final de dezembro de 2016] (pp. 25-29], da terceira e última Parte, que nos foi enviada em formato pdf]


Canal do Suez, Egipto

Desde Aqaba, o navio enviesou e caiu no mar Vermelho, na imparável subida para o Mediterrâneo e a Europa. Passamos ao lado de Sharm-el-Sheik, situada a estibordo, navegamos junto a Hurghada, escondida a bombordo, lugares de excepção no Egipto turístico agora afectados pelo terrorismo que lhes despovoa as centenas de hotéis onde se alojavam aos milhares as gentes vindas de múltiplas paragens da Europa, em busca do sol, das águas tépidas do mar, da história do Egipto, dos faraós e dos árabes. [Foto nº 1]

Chegado à noite à cidade de Suez para a travessia do Canal, o Costa estaciona atrás de um cruzador norte-americano que, creio, regressa aos States após missão no Golfo Pérsico. Assim que raiar a manhã, avançaremos num comboio de navios durante os 168 quilómetros de águas do Canal do Suez. [Foto nº 2]

O dia começa com nevoeiro, os horizontes estão curtos, envoltos na bruma. Aí vamos no início da travessia que durará até às três da tarde. A névoa levanta e temos este extraordinário Canal para ver e cruzar. Com muito trânsito de navios, em ambas as margens há filas e filas de camiões, e automóveis egípcios, que esperam que a navegação dos grandes barcos diminua para, em pequenos ferries, poderem passar de um lado para o outro do canal.

O Costa segue viagem lentamente como que tacteando as águas. Avançamos de sul para norte e, na margem direita, espraiam-se quase só terras desérticas, num perder de vista por pequenos montes e areais imensos. A margem esquerda foi mais bafejada pela sorte. As águas do rio Nilo, que corre quase paralelo ao Canal, a uns oitenta quilómetros de distância, a poente, foram domadas, encaminhadas e trazidas até estes lugares. Em vários troços são visíveis grandes extensões de terreno verde e fértil. Aqui o camponês, o felah, abre canais de irrigação, trabalha a terra, conta com as águas sagradas do Nilo. E há trigo e legumes, várzeas e pomares, e é necessário dar de comer a milhões e milhões de pessoas. O Egipto tem hoje 83 milhões de habitantes para alimentar, e um vasto território quase todo desértico.  [Foto nº 3]

Impressionante é a segurança montada em ambos os lados do Canal. Ao longo de todas as duas correntezas das margen -- quase 170 quilómetros vezes dois --, foi construído um muro aí com 5 metros de altura, que separa e delimita o curso das águas, com guaritas, soldados e pequenos destacamentos militares. Tudo activo e vigilante diante da quase permanente passagem de navios. Imaginem o que seria um enorme petroleiro ou um navio de cruzeiros como o nosso, ser atacado e incendiado por radicais islâmicos, a partir das margens do Canal do Suez!

Estamos a chegar a Port Said, a cidade junto à saída para o Mediterrâneo, burgo fundamental que nasceu e cresceu quando da construção do Canal. Quem por aqui andou, em Novembro de 1869, foi o nosso Eça de Queirós, então com apenas 24 anos, que escreveu para o Diário de Notícias quatro extensas crónicas publicadas em Janeiro de 1870 sobre as “festas” de inauguração do Canal do Suez. Considerou os seus textos “uma narração trivial, um relatório chato” e fala assim da cidade:

“Por uma bela manhã, entrámos em Port Said por entre os dois grandes molhes que se adiantam paralelamente pelo mar, feitos de poderosos blocos de pedra solta. Port Said é uma cidade de indústria e de operários: isto dá-lhe uma especialidade de fisionomia: estaleiros, forjas, serralharias, armazéns de materiais, aparelhos destilatórios. (…) nem edifícios, nem monumentos, nem construções sólidas e sérias: tudo é ligeiro, barato, provisório. A igreja católica é como uma grande barraca: vê-se o céu azul através do seu tecto feito de grandes traves mal unidas. Tudo isto dá a Port Said um aspecto triste.”

Não desembarcámos em Port Said, passámos ao lado do porto e da baía, mas deu para ver que, cento e cinquenta anos após a visita de Eça de Queirós, a cidade cresceu exponencialmente, hoje tem 600 mil habitantes contra os 12 mil existentes na altura da viagem do autor de A Relíquia. 

Em breve, depois de entrar na noite dos séculos, cá regressarei para tomar um chá de menta com o nosso Eça de Queirós, para falarmos do Egipto, dos atribulados tempos actuais e para conversarmos longamente sobre uma das nossas grandes paixões, a China e os Chineses. Não foi Eça quem escreveu no capítulo XVIII de Os Maias: “Os anos vão passando (…) E com os anos, a não ser a China, tudo na terra passa.”


Roma, Itália

Aí está a nossa Europa!

O estreito de Messina, com a ponta da bota da Itália calabresa a dar o pontapé na Sicília e nós a navegar entre.


Mais duas horas ao sabor da ondulação e passamos mesmo ao lado do vulcão Stromboli, um cone perfeitinho a sair do mar e, do lado norte, o fumo permanente das erupções. A ilha e o vulcão, em 1949, foram cenário de filme “Stromboli terra di Dio”, com a Ingrid Bergman, realizado por Roberto Rossellini, então marido da diva sueca. [Foto nº 4]

Chegada a Civitavecchia, porto de Roma. Viagem de uma hora até à “cidade eterna”, por uma auto-estrada a ondular pelos campos do velho Lácio. Chego, saúdo Rómulo e Remo, e não esqueço a mãe loba, estou no coração da Roma dos santos papas, de Júlio César e Constantino, de gentes como Sofia Loren e Federico Fellini. Revisitar Roma, a basílica de São Pedro, a excelência perfeita da Pietá do Miguel Ângelo, logo à entrada, à direita, o esplendor na imensa nave da maior igreja do globo. [Foto nº 5]

Como das outras visitas, não vi o Papa, mas deambular ao acaso por Roma após uma volta ao mundo, após tanto mar e infindáveis terras, tudo criado pelo engenho de Deus e alguma loucura dos homens, concede-nos a excelência de sermos criaturas inventadas pelos deuses, de sermos os homens que ergueram maravilhas como São Pedro, o Museu do Vaticano, com bem menor dimensão, a nossa igreja de Santo António dos Portugueses.[Foto nº 6]

Roma é uma cidade que levo, há muitos anos, suspensa nas pregas do coração, onde regressarei, de certeza, logo no início de uma próxima reencarnação.

Amanhã o Costa conclui a jornada de volta ao mundo, segue de Civitavecchia para Savona, pedaços de mar Mediterrâneo que conhece de cór. Depois, um avião para Lisboa e regressaremos a casa, ao dulcíssimo lar. Foram três meses e oito dias de viagem por oceanos infindos, terras de todos os assombros e magias. Começo a ter saudades da ditosa pátria, do conforto da minha casa, de respirar Portugal.

Recordo palavras de Bernardo Soares, aliás Fernando Pessoa:

A vida é o que fazemos dela,
As viagens são os viajantes.
O que vemos não é o que vemos
Senão o que somos.

António Graça de Abreu

FIM

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