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sexta-feira, 12 de abril de 2024

Guiné 61/74 - P25374: A 23ª hora: Memórias do consulado do Gen Bettencourt Rodrigues, Governador e Com-Chefe do CTIG (21 de setembro de 1973-26 de abril de 1974) - Parte XV: as ondas hertzianas também chegavam a Nhala, Gadamael, Pirada, Canquelifá...

1. O nosso camarada Eduardo Estrela (ex-fur mil at inf, CCAÇ 14, Cuntima e Farim, 1969/71) escreveu em comentário ao poste P25364 (*):


(..:) "Não vivi o 25 de Abril de 1974 na Guiné, mas lembro-me bem de a bordo do Niassa, depois de termos zarpado de Lisboa em 24 de maio de 1969, alguém ter dito em surdina que éramos nós que íamos fazer a comissão liquidatária da Guiné.

Infelizmente não foi assim e muitos outros ainda foram enviados para o matadouro. Mas por este pormaior se pode ver a enorme vontade que já havia em acabar com uma guerra que nunca devia ter começado." (...)

Pois é, Eduardo, fomos juntos no T/T Niassa, que ainda muitas viagens teve que fazer, levando e trazendo tropa, armas e bagagens... No dia 9 de abril de1974, já não partiu do Cais da Rocha Conde Óbidos: foi vítima de bomba, num atentado atribuido às Brigadas Revolucionárias. Ninguém soube, ou muita pouca gente... A censura continuava de lápís azul na mão...

Em Bissau, também se conspirava há muito... O gen Bettencourt Rodrigues parece que foi o último a saber, na madrugad de 26 de Abril de 1974 (*).

Continuamos a publicar mais alguns singelos testemunhos de camaradas nossos que lá estavam, no CTIG, cumprindo o seu dever... E que foram apanhados, como todos nós, aui na metrópole,mpelas notícias que rapidamente se propagaram pelas ondas hertzianas...


António Murta, ex-alf mil, 2ª CCaç / BCaç  4513 (Aldeia Formosa, Nhala e Buba, 1973/74)

 (...) «25 de Abril de 1974 – Estava no mato a uns quilómetros de Nhala. Eram umas 3 ou 4 horas da tarde quando chegou numa Berliet um furriel “periquito”  com uma escolta, aos berros,  para que regressássemos porque a guerra ia acabar. Na Metrópole tinha havido uma revolução! 

Fiquei doido. O pessoal do meu grupo parece que não percebeu muito bem a notícia. Mas subiram alegres para a viatura. Eu e o furriel “periquito”, sentados nos guarda-lamas da Berliet, à frente, berrávamos para o ar e agitávamos as espingardas. Os soldados riam-se e faziam barulho. Pergunto ao furriel por mais pormenores e ele:
— Não se sabe mais nada. Houve uma revolução em Lisboa e prenderam os Pides. Não se sabe mais nada.

“...e prenderam os Pides”. O meu coração quase rebentava. A comoção perturbava-me. Chegámos ao quartel e estava tudo na maior confusão, agarrados aos rádios, mas pouco se adiantava. Quis ver e interpretar as caras das pessoas, ver as suas reacções e, de facto, elas eram diferentes, embora a generalidade estivesse radiante. Ainda era cedo para as pessoas se definirem e manifestarem, quer pela sua despolitização, quer pela incerteza dos pormenores dos acontecimentos».

A desinformação era tal, que os acontecimentos só me mereceriam nova referência em 5 de Maio, onde dou conta de ocorrências graves em Bissau: rebentamentos nas ruas, perseguições a Pides e, até, a agressão à esposa de um deles, frente ao Mercado de Bissau, em que a senhora foi completamente despida. A tropa interveio e impediu coisas certamente mais graves. Eram os rumores que iam chegando. (...) (**)

C. Martins,ex-cmdt., 15º Pel Art (Gadamael, 1972/74)


(...) Bem,eu estava em Gadamael,e após fazer a minha ronda higiénica,  liguei o rádio em onda curta e percorri as ondas do "éter"..."rádio Habana, Cuba, território libre in America", nada; "rádio Moscovo", nada; "Deutchsvella", nada: "rádio Globo", nada.."BBC.. golpe militar em Portugal, general Spinola, coiso e tal"... O  quê ?... Porra,.finalmente!...

Contactei o Sr. comandante H. Patrício, dizendo-lhe que estava a decorrer um golpe militar,e este pergunta se era o nosso General Spínola que estava à frente... E eu..claro que é.. (eram 7 da manhã e eu não fazia a mais pequena ideia)... Ah, sendo assim eu alinho...Boa.

Não houve a flagelação da ordem, já não saiu uma companhia para o mato  e o resto continuou tudo como dantes... Apenas troca intensa de mensagens com Bissau, que pouco ou nada sabiam,ou não queriam dizer.

Foi assim o meu 25A.(***)

Carlos Ferreira, ex-fur mil at cav,  3ª CCav/BCav 8323 (Pirada, set73/set74)

Um dia inesquecível, para mim. Estava em Pirada, em uniforme nº. 2, pronto para embarcar numa aeronave, com destino a Bissau, via Lisboa, para gozar as minhas férias disciplinares. Nesse interim, fomos atacados pelo IN, com um potencial de fogo muito superior ao do ataque que tivemos em Março.

Saltei para a vala mais próxima e aguardei que acabasse a flagelação. Não houve vítimas militares, mas pereceram, creio que 8 senegaleses, que se encontravm ao balcão, de uma loja, de um comerciante local. (***)

Joaquim Vicente da Silva, ex- 1º cabo at cav, 3ª/BCav 8323 (Pirada, set1973/set1974

(...) Vou contar a história do violento ataque que sofremos em Pirada,  exactamente no dia 25 de Abril de 1974.

No dia 25 de Abril de madrugada, saímos dois pelotões, mais os sapadores. Fomos levantar algumas minas que estavam na picada em direcção a Gabu (Nova Lamego). Regressámos a Pirada por volta das dez da manhã. Participei nesta saída, tínhamos de fazer a protecção aos sapadores.

Eram mais ou menos dez e meia, eu já tinha tomado banho e estava no meu quarto, abrigo nº. 1, deitado em cima da minha cama e ouvi um pequeno estalido. Um colega que estava cá fora sentado num banco, gritou logo:

- Saiam para a vala que isto é o início de um ataque!...

Naquele dia o PAIGG bombardeou Pirada com muitos mísseis e morteiros, alguns caíram bem perto do local onde eu me encontrava, eu não morri por sorte. A meu lado, morreram três africanos nossos colegas, um míssil caiu-lhes aos pés e cortou-os em pedaços. Nunca tinha visto nada daquilo. Fiquei horrorizado, ainda hoje mexe comigo.

Nós, soldados brancos, não morremos nenhum, porque estávamos bem agachados nas valas ou trincheiras. Vieram juntar-se a nós vários oficiais, incluindo o alferes médico que nos disse para nos espalharmos mais pelas valas porque aquilo estava a ficar feio.

Este bombardeamento durou cerca de duas horas. Nós respondemos com os morteiros 81, os nossos obuses 10.5 e o nosso obus 14 que estava junto à pista de aviação  de Pirada.  Bajocunda também nos deu apoio de fogo com o obus 14 deles. Foi um inferno. Só se ouviam bombas a voar, outras a assobiar e a rebentar por cima ou perto de nós.

Assim que terminou o ataque, mandaram-nos equipar para sair. Fomos patrulhar em volta de Pirada e encontrámos, para o lado do Senegal,  o mato todo a arder, mas felizmente não vimos ninguém do PAIGC. Caiu um míssil na casa de um comerciante branco, de nome António Palhas, que escapou ileso, mas morreram seis africanos que estavam noutro compartimento da casa.

Nesse dia,  nós, cabos e soldados,  não sabíamos nada do que estava a acontecer cá na Metrópole. Só à noite, através da BBC é que tivemos conhecimento do golpe de Estado. Foi uma grande alegria para todos nós porque pensámos logo que a guerra acabava naquele dia. Festejámos com muitas cervejas.

No dia seguinte na telefonia, começámos a ouvir a Grândola, Vila Morena e outras músicas do Zeca Afonso. A guerra ia acabar, que alegria! (...) (****)

Carlos Costa, ex-fur mil,  2ªC/BCAÇ 4516 /73 (Aldeia Formosa, Mampatá, Colibuia, Canquelifá, Ilone, Canquelifá, Bissau, jul73/set74)

Nesse dia estava eu em Canquelifá, a notícia foi recebida com natural surpresa e curiosidade de saber o que na verdade se estaria a passar. Escutávamos a rádio,  ávidos de saber notícias. 

No dia seguinte o capitão chamou,  a uma reunião, sargentos e oficiais, comunicando-nos que tinha duas mensagens para nos transmitir, um seria dada a conhecer naquele momento e a outra passadas 24 horas. Assim a mensagem lida de imediato anunciava que estaria iminente mais um ataque do PAIGC. 

Passaram-se as 24 horas, debaixo de uma enorme tensão, à espera do primeiro "buuu, BCAÇ m" que não chegou a acontecer. Foi então lida a 2ª mensagem que revelava ter havido os primeiros contactos do MFA com os movimentos de libertação das colónias, tendo sido acordado que as escaramuças seriam evitadas: não haveria mais ataques e, se encontros houvesse no mato, haveria apenas alguns tiros para o ar, sinalizando a presença, seguindo cada força em sentidos opostos. 

Os dias que se seguiram foram calmos,  com uma excepção,  com os paraquedistas em segurança de uma coluna,  um deles pisou uma mina, perdeu a vida. 

Como eu era do batalhão de intervenção da Guiné BCAÇ 4516/73, , passado algum tempo regressámos (a 2ª Companhia) a Bissau e,  até Setembro, mês do regresso à metrópole,  fizemos segurança à cidade.


José Carlos Gabriel, ex-1.º Cabo Op. Cripto, 2.ª CCAÇ/BCAC 4513
Nhala, 1973/74

Camarada António Murta: Embora me encontre na Alemanha junto aos meus netos (deixaram-me agora respirar um pouco), entrei no Blogue e vi a tua mensagem.  (..:)

Como me lembro dessa noite em que recebemos a mensagem sobre a revolução e que dizia o seguinte; 

252245NABR RELAMPAGO “Agências noticiosas informam Governo Professor MARCELO CAETANO derrubado por movimento Forças Armadas “. 

A festa que foi feita nessa altura por toda a companhia e, se a memória me não falha,  já ninguém foi mais para a cama e penso que até o “cantinas“ foi abrir a mesma mas já não tenho a certeza.  (...) (*****)
____________

Notas do editor:
 
(*) Último poste da série > 10 de abril de 2024 > Guiné 61/74 - P25364: A 23ª hora: Memórias do consulado do Gen Bettencourt Rodrigues, Governador e Com-Chefe do CTIG (21 de setembro de 1973-26 de abril de 1974) - Parte XIV: Foi pela rádio, a BBC e outras emissoras, que a malta ouviu a notícia do golpe de Estado em Lisboa... Uns em Bissau, outros em Bissorã, Canssissé, Guidaje, Xitole...

(**) 15 e abril de 2014 > Guiné 63/74 - P12988: No 25 de abril eu estava em... (20): No mato, algures entre Nhala e Buba, emboscado, junto à estrada nova que ligava as duas povoações... (António Murta, ex-al mil, 2.ª CCAÇ / BCAÇ 4513, Aldeia Formosa, Nhala e Buba, 1973-74)

segunda-feira, 19 de fevereiro de 2024

Guiné 61/74 - P25185: A 23ª hora: Memórias do consulado do Gen Bettencourt Rodrigues, Governador e Com-chefe do CTIG (21 de setembro de 1973-26 de abril de 1974) - Parte IV: a decisão, de 8fev74, de retirar o destacamento de Copá, defendido por 30 bravos da 1ª C/BCAV 8323/73 (Bajocunda, 1973/74)


Guiné > Zona leste > Setor L6 > Pirada > BCAV 8323/73 (1973/74) > 14 de fevereiro de 1974 > O 4º Grupo de Combate da 1ª C/BCAV 8323/73, homenageado na parada pelo ten cor Jorge Matias, um dia depois da sua retirada do destacamento de Copá (vd. carta de Canquelifá).

Foto: © António Rodrigues (2015). Todos os direitos reservados.   [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Mais um exemplo, constante do livro da CECA (2015), onde se dá conta das dificuldades das NT no nordeste da Guiné (CAOP 2), no 1º trimestre de 1974: a pressão do IN sobre Copá, já aqui bastas vezes referida (a par da grande bravura dos nossos camaradas da 1ª C/BCAV 8323/73, que lá aguentaram durante quase 3 meses a fio, de 25nov73 a 14fev74), levou à decisão do Com-Chefe de mandar retirar o destacamento, fazendo regressar as 3 dezenas de militares à sua subunidade de origem  (que estava em quadrícula, no subsetor de Bajocunda, sendo Pirada a sede do sctor 6). (**)
 
Base naval do Alfeite da Marinha , 
30 de abril de 1974

Foto (e legenda): © Fernando Vaz Antunes (2014). Todos os direitos reservados. 
[Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



No tempo do gen Bethencourt Rodrigues, e segundo informação do próprio,  as NT estavam espalhadas por 225 guarnições (localidades), sendo:

  • 72 ocupadas exclusivamente por unidades e subunidades do Exército  e da Armada;
  • 82  por pessoal do Exército e Armadas e das milícias; 
  • e 71 só por subunidades de milícias. 

A preocupação então dominnte (mas que já vinha de trás, do tempo do Spínola) era reduzir o dispositivo para pouco mais de um terço. 

Nos Estudos Gerais da Arrábida (A descolonização portuguesa: Painel dedicado à Guiné, 29 de Julho de 1997), o general Bethencourt Rodrigues declarou taxataivamente, em resposta a uma pergunta sobre a sua intenção de concentrar o dispositibo militar: "Sim, planeava converter as 225 guarnições em 80 e tal. A dispersão é inimiga da eficácia. Mas já não tive tempo. " (***)

Pelo se que depreende da leitura destas duas decisões do Com-Chefe (de 2 e 8 de fevereiro de 1974), a manta já era curta demais para tapar todos os buracos: escasseavam recursos em homens e armas...

Em 1997, o general (no seu depoimento no livro "Africa: a vitória traída"...), não esconde "a gravidade da situação militar que se vivia na Guiné no 1º trimestre de 1974" (pág. 140), sem no entanto concluir que fosse desesperada... Em boa verdade,  a conclusão é "inconclusiva", remetendo para o leitor o ónus da resposta à falsa questão da guerra ganha/guerra perdida (do ponto de vista militar...
 
Decisões do Com-Chefe:

• Decisão de 2Fev74;

"1. As flagelações que o lN tem executado sobre Bajocunda, Canquelifá e especialmente sobre Copá, demonstram a sua intenção de exercer o esforço no NE do TO, possivelmente com o objectivo de, por abandono ou redução de uma guarnição, conseguir um êxito facilmente explorável pela sua propaganda e com consequências políticas.

2. As flagelações levadas a efeito em 2Fev74 conduzem à necessidade de aliviar a pressão do inimigo, permitindo a remodelação do dispositivo de Artilharia da zona afectada, o reabastecimento da guarnição de Copá e a manutenção das ligações terrestres com esta guarnição.

Nestas condições decido, em conformidade com o planeamento resultante da minha directiva n° 6:

a. Deslocar 2 CCaç Paraquedistas/BCP 12 para, sob o controlo operacional do CAOP 2, executarem esforço de patrulhamento ofensivo na faixa fronteiriça entre Bajocunda e Copá. Estas CCaç Paras marcham:

(1) A primeira, via aérea para Nova Lamego, no dia 3Fev.

(2) A segunda via marítima pelo Xime na noite de 3/4Fev.

b. Deslocar em meios aéreos em 4Fev via Nova Lamego, 2 GComb/ COE para, em coordenação com as Forças Paraquedistas actuarem como forças especiais.

c. Manter em Nova Lamego 2 helicópteros, 2 helicanhões e 2 "DO" para apoio das operações além dos resultantes meios disponíveis em alerta em Bissau.

d. Reforçar o dispositivo de Artilharia para colocação de 1 Pel Art (14 cm) em Bajocunda, permitindo por coordenação com os fogos do Pel Art (14 cm) de Canquelifá, um apoio eficiente à guarnição de Copá. [... ]"



• Decisão de 8Fev - Situação militar na região NE do TO

"1. Notícias que se vêm processando desde a época das chuvas p.p., levaram à conclusão que o lN poderia vir a exercer esforço nas zonas N e E do TO, sobre as guarnições de fronteira.

No início da presente época seca tais indícios foram-se avolumando, envolvendo, praticamente toda a zona fronteiriça com a Rep Senegal e a parte NE com Rep Guiné.

2. No princípio de Janeiro, o lN começou a concretizar no canto NE do TO (região Copá-Canquelifá) as intenções que lhe eram atribuídas, através de:

a. Fortíssimas e prolongadas flagelações sobre Copá e Canquelifá;

b. Acções eficazes de isolamento de Copá, negando às NT a utilização dos itinerários normais de reabastecimento (Bajocunda-Mansacunda-Maundé-Copá e Bajocunda-Amedalai-Dingas-
Copá) por implantação de minas conjugada com fortes emboscadas. [... ]

5. Assim, considerando que:

a. Copá só poderia manter-se:

- se fosse guarnecida com uma Companhia e um Pel Art;

- se o Batalhão de Pirada 
[BCAV 8323/73] fosse reforçado com uma Companhia de Intervenção, em especial destinada a manter abertos os itinerários de reabastecimento;

- se fosse possível garantir um adequado apoio aéreo permanente na zona.

b. A população abandonou Copá e as populações das povoações vizinhas foram raptadas pelo lN;

c. O Destacamento de Copá não tinha possibilidade de realizar acções de contrapenetração, mesmo de pequena amplitude, sendo sua missão principal conservar as populações na área;

d. Copá não tem aquartelamento (duas pequenas casas praticamente destruídas) nem obras de fortificação e organização de terreno que lhe permitam resistir a prolongadas flagelações;

e. É indispensável reduzir as vulnerabilidades criadas pela existência, sobre a fronteira, de guarnições com efectivo inferior a Companhia:

f. As guarmçoes deste tipo devem, progressivamente, serem substituídas por autodefesas e Pelotões de Milícias, alguns dos quais já estão em instrução;

g. Não se dispõe dos meios necessários aos reforços referidos em a., especialmente depois da zona já ter sido reforçada com uma Companhia da Reserva e Artilharia de 14 cm, para Canquelifá e Bajocunda, nem de meios aéreos e reservas que permitam fazer face ao adensamento da ameaça que se processa
sobre todas as guarnições ao longo da fronteira N;

Decido:

- Fazer recolher à sede da sua Companhia, em Bajocunda, o Destacamento de Copá.

-  Caso a área venha posteriormente a ser ocupada pelas populações, prever a instalação de unidades de milícias numa das povoações.

Para tanto:

- Deve o CAOP 2, reforçado com BCP12 (-1 Comp), montar uma operação para abrir o itinerário Bajocunda-Copá, recolher o Destacamento de Copá e recuperar os materiais nele existentes.

O CTIG e CZACVG darão o apoio necessário a esta operação mediante coordenação com o CAOP 2. [... ]"

Fonte: Excertos de: Portugal. Estado-Maior do Exército. Comissão para o Estudo das Campanhas de África, 1961-1974 [CECA] - Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África (1961-1974). 6º volume: aspectos da actividade operaciona. Tomo II: Guiné, Livro III, Lisboa: 2015, pp.pp. 462/464.

[Revisão / fixação de texto, negritos e itálicos: LG]
____________

Notas do editor:


(***) Vd, poste de 4 de maio de 2014 > Guiné 63/74 - P13097: (Ex)citações (230): Estudos Gerais da Arrábida > A descolonização portuguesa > Painel dedicado à Guiné (29 de Julho de 1997) > Depoimento do general Bethencourt Rodrigues (Excertos, com a devida vénia...)

quarta-feira, 1 de novembro de 2023

Guiné 61/74 - P24811: Facebook...ando (44): Bafatá no dia 22 de agosto de 1974: a fonte pública de 1918 e a mesquita, de 1968, duas obras da arquitetura colonial (Amilcar Ventura, ex-fur mil mec auto, 1ª CCAV / BCAV 8323, Pirada, Bajocunda, Copá, 1973/74)

Foto Foto nº 1


Foto nº 2

Guiné > Região de  Bafatá > Bafatá > 22 de agosto de 1974 > Fonte pública de 1918, e mesquita.

Fotos (e legendas): © Amílcar Ventura (2023). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné


1. Duas belas recordações de Bafatá, relativas à  presença histórica portugesa: 

(i) de um lado a fonte pública construída em 1918, ao tempo da I República,  no sítio da "Mãe de Água" ou "Sintra de Bafatá" (mais conhecido por "Boma", pelos guineenses da geração do Cherno Baldé, que estudou no liceu de Bafatá, a seguir à independência); 

(ii) do outro, a mesquita, inaugurada em abril de 1968, aquando da isita, à "princesa do Geba", do governador geral da Guiné, gen Arnaldo Schulz.

As duas fotos forma tiradas pelo Amílcar Ventura (ou pertencem ao seu álbum).

Comentários e legendas:

Foto nº 1:  "22 Agosto de 74, no  regresso a Bissau da minha Companhia que estava em Bajocunda, com passagem por Bafatá. Foto tirada no Fontanário de Bafatá. São os Furriéis da Companhia."

Foto nº 2: "No mesmo dia, mesquita de Bafatá" (percebe-se pelas poças de água, que estamos na época das chuvas)

O Amílcar Ventura foi fur mil mec auto, 1ª CCAV / BCAV 8323 (Pirada, Bajocunda, Copá, 1973/74); é natural de (e residente em) Silves; membro da nossa Tabanca Grande desde 9 de maio de 2009; publicou as fotos acima na nossa  na página do Facebook da Tabanca Grande Luís Graça, no passado dia 30 de 0utubro de 2023.


2. Sobre a mesquita de Bafatá, sugerimos o visionamento da reportagem da RTP sobre a visita do Governador Geral, gen Arnaldo Schulz, a Bafatá, num dos seus últimos atos públicos (abril de 1968). Apesar do vídeo não ter som, as suas imagens falam por si. Leia-se primeiro o resumo analítico disponível aqui, em RTP Arquivos. O vídeo tem a duração de 05' 34''. E passou no noticiário nacional da RTP de abril de 1968.

  • Aeródromo: esposa do Governador Geral cumprimenta individualidade militar, multidão nativa caminha na pista, guarda de honra da Mocidade Portuguesa, Arnaldo Schultz caminha no recinto;
  • caravana automóvel na estrada e a entrar em Bafatá
  • esposa do Governador Geral descerra lápide do Bairro Social Arnaldo Schultz, a construir; placa; Arnaldo Schultz, individualidades e populares assistem;
  • missa na igreja paroquial: Arnaldo Schultz dirige-se para o edifício e assiste à celebração, fiéis, crianças nativas e esposa do Governador assistem, celebração;
  • inauguração de instalação industrial: bênção, Arnaldo Schultz acciona manivela; comitiva na estrada.
(Resumo analítico: Revisão / fixação de texto / negritos: LG)
 
___________

Nota do editor:

domingo, 22 de janeiro de 2023

Guiné 61/74 - P24005: Facebook...ando (71): Brincando, em Bajocunda, já no final da guerra, com uma pista elétrica de carros de corrida, um brinquedo então na moda na metrópole (Amílcar Ventura, ex-fur mil mec auto, 1ª CCAV / BCAV 8323, Pirada, Bajocunda, Copá, 1973/74)

Guiné > Região de Gabu > Bajocunda > 1.ª CCAV/BCAV 8323, 1973/74 >  "Em Bajocunda não era só guerra também nos divertíamos de vez em quando em 73/74"... Foto do álbum do Amílcar Ventura.

Foto (e legenda): © Amilcar Ventura (2023). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1.  O Amílcar Ventura, ex-fur mil mec auto, 1ª CCAV / BCAV 8323 (Pirada, Bajocunda, Copá, 1973/74), natural de (e residente em) Silves, membro da nossa Tabanca Grande desde 9 de maio de 2009 (*), publicou a foto acima na nossa página do Facebook (Tabanca Grande Luís Graça), no passado dia 20. (**)

A foto chamou-me a atenção, não tanto pela legenda ("Em Bajocunda, na Guiné Bissau, não era só guerra também nos divertíamo-nos de vez em quando em 73/74"), quando sobretudo pela "cena retratada": dois militares (um deles, pode ser o próprio Amílcar Ventura)  "brincam" numa pista elétrica de corridas, daquelas que estavam então na moda, na metrópole, e que hoje pertencem à pré-história dos nossos brinquedos, sendo vendidas a preço de saldo no OLX ou na Feira da Ladra... Outros dois militares acompanham as "peripécias" da corrida... A pista não podia ser grande (talvez 10 metros, com duas faixas e dois carros) e só se podia usar quando havia luz elétrica, à noite... O local só pode ser um dos quartos dos furrieis...

Não era vulgar encontrar-se este "brinquedo", no meu tempo (1969/71), nos nossos quartéis... Nessa época, a maior diversão, à noite, eram os jogos de cartas (e nomeadamente a "lerpa" ou o "king"). Ou a "botelada", em campo pelado, ao fim da tarde... 

Fica aqui o "achado"... Obrigado ao Amílcar por desencantar esta imagem do seu álbum, que também fala muito do nosso quotidiano...
__________

Notas do editor:

terça-feira, 15 de fevereiro de 2022

Guiné 61/74 - P23001: Memórias cruzadas da região de Gabu: as origens do desassossego em Copá e as sequelas da metralha entre o Natal de 73 e 7Jan74 (Jorge Araújo)




Capas de alguns dos títulos consultados


Imagem de satélite da região leste onde ocorreram os factos narrados neste texto.




O nosso coeditor Jorge [Alves] Araújo, ex-Fur Mil Op Esp/Ranger, CART 3494
(Xime e Mansambo, 1972/1974), professor do ensino superior, ainda no ativo. Acaba de encerrar, temporariamemte a Tabanca dos Emiratos, até junho próximo. Tem cerca de 311 referências no nosso blogue.
 


MEMÓRIAS CRUZADAS DA REGIÃO DE GABÚ:

AS ORIGENS DO DESASSOSSEGO EM COPÁ E AS SEQUELAS DA METRALHA ENTRE O NATAL’73 E 07JAN74



1. – INTRODUÇÃO

A estrutura deste projecto de investigação bibliográfica, a incluir na série “Memórias Cruzadas”, foi organizada a partir de vários depoimentos existentes no vasto espólio do Blogue da Tabanca Grande, alguns editados há mais de uma década, mas todos eles relacionados com a temática apresentada no título do trabalho, tendo como contexto geográfico a Região de Gabú.

Ainda que em poste anterior tenha feito referência aos acontecimentos de Janeiro de 1974, em Canquelifá, e da morte, no dia 7, do nosso camarada (e amigo) Luís Filipe Pinto Soares (fur mil operações especiais) da CCAÇ 3545 – P16127, de 23Mai2016 – a sua releitura, enquanto efeméride com quarenta e oito anos, e outros factos sublinhados em novas consultas bibliográficas e da sua respectiva análise historiográfica, nasceu o interesse pelo seu aprofundamento, uma vez que estávamos na posse de elementos novos, por nós classificados de evidências irrefutáveis.

Com estas “evidências”, procura-se dissipar eventuais equívocos ou imprecisões identificadas na literatura, produzida e influenciada por cada um dos lados do conflito, cujas capas, títulos e autores se reproduzem abaixo por ordem de apresentação, sobre alguns dos factos aí narrados (que os há!).

Por outro lado, com este desígnio pretende-se, também, ajudar a reconstruir o puzzle das “memórias” do conflito armado naquela Região do Leste da Guiné, em particular no triângulo: «Bajocunda / Copá / Canquelifá», com maior detalhe para os dois últimos locais, onde a “problemática” e a estratégia operacional, entre vizinhos, era semelhante.

O principal período de tempo desta análise é de quinze dias, com início no Natal de 1973, onde ficou ferido, por ter accionado uma mina em Bajocunda, o Cap Cav Ângelo César Pires Moreira da Cruz, Cmdt da 1.ª CCAV/BCAV 8323, até ao dia 7 de Janeiro de 1974, dia da “Acção Minotauro”, realizada em Canquelifá, durante a qual foram capturados, já cadáveres, dois elementos da guerrilha, sendo um cubano e um cabo-verdiano.

De acordo com o acima exposto, nos pontos seguintes daremos conta do que entendemos ser o mais relevante retirado das fontes consultadas, adicionando-lhes outras informações complementares, com recurso à sua triangulação, de modo a melhorar a percepção de todos esses factos, mesmo sabendo-se que todos eles estão a uma distância temporal de quase meio século.


2. – CONTEXTO GEOGRÁFICO, HISTÓRICO E CRONOLÓGICO
IDENTIFICADO NA BIBLIOGRAFIA CONSULTADA


Conforme se dá conta na introdução, este segundo ponto segue a linha de investigação projectada, fazendo interagir, sempre que possível, o tempo dos factos (ocorrências) com o contexto espacial (local) e a identificação dos respectivos actores, individuais ou colectivos.





Deste modo, a contextualização da narrativa tem o seu início no mês de Dezembro de 1973, a poucos dias da comemoração da data natalícia, e como espaço geográfico o triângulo «Bajocunda / Copá / Canquelifá» onde estavam instaladas, nas duas primeiras localidades, forças do BCAV 8323, do TCor Cav Jorge Eduardo Rodrigues y Tenório Correia Martins (29Set73-10Set74) e, na terceira, a CCAÇ 3545, do Cap Mil Inf Fernando Peixinho de Cristo, unidade de quadrícula do BCAÇ 3883, do TCor Inf Manuel António Dantas (19Mar72-19Jun74).

Na distribuição das Unidades Operacionais do BCAV 8323, sediado em Pirada, a quem competia a responsabilidade do Sector L6, do qual faziam parte os subsectores de Bajocunda, Paúnca e Pirada, coube à 1.ª CCAV, do Cap Cav Ângelo César Pires Moreira da Cruz, o primeiro daqueles subsectores. 

Deste modo, o contexto histórico tem início nos “casos” observados e registados na literatura, com destaque, em primeiro lugar, para a narrativa divulgada no livro «O Princípio do Fim» ( Porto: Campo das Letras),  de Benigno Rodrigo, cujo nome está ligado a forte controvérsia relativamente à origem dos conteúdos por si publicados que, segundo se defende em comentários editados neste Blogue (p.e. os do P3871, de 11Fev2009), são da autoria do soldado condutor auto-rodas, António Rodrigues, pertencente à 1.ª CCAV do BCAV 8323/73.

Outras abordagens sobre a mesma problemática podem ser consultadas no P3995, de 07Mar2009, da autoria de Graça de Abreu, e no P4406, de 24Mai2009, de António Rodrigues.

2.1 – “O PRINCÍPIO DO FIM”, de Benigno Fernando

▬ Algumas notas

Convém acrescentar que para a presente análise o que nos interessa são as informações (substância) produzidas, e estas foram extraídas do P1410, editado em 8Jan2007, fez quinze anos recentemente.




► Neste âmbito é importante reter que os primeiros factos ocorreram “próximo do Natal de 1973": 

(...) Num desses dias o PAIGC atacou a povoação de Amedalai (ver mapa acima), que ficava a 5 km de Bajocunda e a 17 de Copá. A povoação era formada por população civil e pela milícia armada e o ataque aconteceu ao fim da tarde. (…) 

De Bajocunda foram em socorro da povoação três pelotões [GrComb] que provocaram algumas baixas ao PAIGC, sendo forçado a retirar” (p.29). 

Sobre esta última referência, o fur mil serv mat da 1.ª CCAV, Amílcar Ventura, que se encontrava em Bajocunda, afirma, em comentário, ser falso o relato, pois não seria possível saírem três pelotões, ao fim do dia, em socorro de Amedalai, quando, na mesma altura, Bajocunda também estava a ser atacada. “O que fizeram foi lá ir logo de manhã” e verificar os estragos (P1410).

Em 25 de Dezembro, dia de Natal de 1973, pelas 11:00 horas em Copá, o Alferes Mil Manuel Brás, solicita ao sold cond António Rodrigues que o leve até Bajocunda, pois havia recebido uma mensagem que dava conta que o Cmdt da 1.ª CCAV, Cap Cav Ângelo César Pires Moreira da Cruz ficara ferido, desconhecendo as causas do sucedido (Vd. foto 1).

Chegado a Bajocunda, soube-se que nesse dia 25 de Dezembro (3.ª feira), o capitão Ângelo Moreira da Cruz saiu de Bajocunda, com os efectivos necessários para desminar Amedalai (ver mapa). Quando deu por concluído o levantamento das minas localizadas, e no momento em que se preparavam para abandonar o local, um dos militares presentes afirmou: “meu capitão tenho a impressão de que ao pé do senhor está mais uma mina”, E de facto era verdade. O capitão virou o pé ao lado e sem saber accionou a mina que lhe amputou uma das pernas. Terminava nesse momento a sua comissão, que durou apenas três meses no CTIG. Algum tempo depois, viria a ser substituído pelo Cap Mil Cav Fernando Júlio Campos Loureiro.

Os últimos dias de 1973 e os três primeiros de 1974, em Copá, passaram-se relativamente calmos.



Foto 1 – Quartel de Bajocunda, 25Dez1973. Evacuação do Cap Cav Ângelo César da Cruz, Cmdt da 1.ª CCAV/BCAV 8323 (1973/1974), na sequência de ter accionado uma mina antipessoal, ficando sem uma perna (foto do álbum do fur mil Amílcar Ventura – P5002, de 24Set2009, com a devida vénia).






► Colando com o texto anterior, recuperamos agora o depoimento editado no poste acima, da autoria de António Rodrigues, onde começa por afirmar que “chegados ao dia 3 de Janeiro de 1974 (5.ª feira), o dia foi mais ou menos calmo, embora durante a tarde, enquanto jogávamos futebol na pista de aviação em Copá, se ouvissem fortes rebentamentos na direcção de Canquelifá que, soubemos depois, estrava a ser violentamente flagelada com armas pesadas. (…) 

Porém, eram 23:30 horas em ponto desse mesmo dia aconteceu “o nosso baptismo de fogo”. Refere que o Manuel Vicente Antunes, que àquela hora fazia reforço no seu abrigo, gritou, ao mesmo tempo que se ouviu um rebentamento. (…)

Continua: “as primeiras granadas passavam por cima de Copá e iam rebentar aí a uns dois kms de distância, entre Copá e Bajocunda. Elas vinham bastante alternadas, atiravam três morteiradas, deixavam passar dez minutos e voltavam a atirar outras três, e assim sucessivamente”. 

(…) Entretanto as bombas continuavam a cair. É curioso que a dada altura duas em cada três granadas caíam ali próximas, mas não rebentavam. (…) A dada altura, ainda deste primeiro ataque, as granadas começaram a cair com maior intensidade sobre o abrigo ou posto onde eu me encontrava. 

A nossa falta de experiência disse-nos naquele momento que devíamos abandonar o posto e irmos para outro menos apoquentado, porque na verdade o abrigo 7 era, naquela noite, o que estava a ser mais atingido e por isso não hesitámos em nos mudar todos para o abrigo 1, que ficava ali mesmo ao lado. (…)

Com efeito, “o PAIGC continuava a disparar de dez em dez minutos sobre Copá, pelo que só se resolveram a parar eram duas horas da madrugada do dia seguinte (4Jan), precisamente no momento em que o luar desapareceu. Foi aí que o primeiro ataque a Copá, desde que lá chegámos (em 25Nov73), terminou… Os guerrilheiros dispararam nessa noite, sobre Copá, cinquenta granadas, mais de metade das quais caíram fora do aquartelamento”. (…)

Acrescenta que “felizmente naquela noite não houve problemas de maior, nem sequer o mais leve ferimento. (…) Mas o ataque desse dia foi apenas um pequeno aviso (como se veio a provar). 

Passaram-se os dias 4, 5 e 6Jan74, com relativa calma. No dia 7 marcou-se novamente a coluna que dias antes tinha sido interrompida. Mas nesse dia veio mesmo a realizar-se só que, chegada a meio do percurso (Massacunda Maunde) foi atacada por uma forte emboscada feita nesse local pelo PAIGC”.

Conta o António Rodrigues que “eram cerca das 09:30 horas da manhã, estava ele e os homens que nesse dia estavam de serviço à água junto ao poço onde tirávamos a água em Copá, e, a dado momento, ouvimos um forte rebentamento na direcção de Massacunda, logo seguido de um enorme tiroteio. Lembramo-nos logo que seria a nossa coluna que estava a ser emboscada. Ficámos um pouco suspensos e logo um furriel nos chamou e disse que largássemos a água porque tínhamos que ir em socorro dos nossos camaradas. Nós assim o fizemos. Eu (como condutor) peguei no carro imediatamente e regressámos para dentro do arame farpado. Formou-se o pelotão que arrancou imediatamente para o local, ficando em Copá apenas cinco ou seis homens, um por cada abrigo, pois ainda tínhamos connosco mais alguns soldados africanos”. (…)

Entretanto, do local da emboscada (à coluna que regressava a Copá?) chegava via rádio a notícia mais concreta do que tinha acontecido. Havia a registar alguns feridos e dois mortos, sendo estes últimos, o soldado Rui Silveira Patrício, natural de Santa Margarida-Conceição, Concelho da Covilhã e o 1.º Cabo António Aguiar Ribeiro, natural de Orca, Concelho do Fundão, ambos solteiros, e fazendo parte do 3.º GrComb da 1.ªCCAV/BCAV 8323.

Para além das duas perdas humanas, verificou-se também a destruição de duas viaturas Berliet e, ainda, do dinheiro que seguia nessa coluna para pagamento do anterior mês de Dezembro’73 destinado a todos os militares europeus e africanos que se encontravam em Copá (Vd. foto 2).

Foi ainda destruído todo o correio destinado a Copá, onde se incluía os postais de Boas Festas e lembranças enviadas pelos familiares e que, em função da ocorrência, as não puderam receber.



Foto 2 – Estrada Bajocunda/Copá, 07Jan1974. Viatura (Berliet) da 1.ª CCAV/BCAV 8323, destruída na emboscada de 7 de Janeiro de 1974 (foto do álbum do fur mil Amílcar Ventura – P5002, de 24Set2009, com a devida vénia).







Porém, as más notícias desse dia ainda não tinham terminado. Pelas cinco da tarde e com apenas os elementos que haviam ficado no aquartelamento, em cada posto, este voltaria a ser atacado pela artilharia do PAIGC até às 22:20 horas, ou seja, durante mais de cinco horas. 

Sobre este episódio, o António Rodrigues relata que os poucos homens que ali se encontravam “meteram-se nas valas de G3 na mão à espera do que desse e viesse, pois mais uma vez não tínhamos armas com capacidade de lhes darmos resposta, e com dois homens em cada posto lá fomos aguentando o fogo de morteiro 120 e 82, que carregavam sobre nós persistentemente”.

Só cerca das 20:00 horas é que entrou o restante pelotão em Copá, debaixo de fogo, quando a maioria da população, aos gritos, se punha em fuga das suas tabancas, que ardiam, em direcção à República do Senegal, cuja fronteira ficava dali a três quilómetros.

“Juntamente com a população fugiram (ou desertaram) praticamente todos os militares africanos que ali se encontravam em reforço da guarnição, ficando apenas em Copá, naquela noite, um Alferes e um Furriel europeus, que comandavam esse Pelotão de Africanos, juntamente connosco o 4.º GrComb da 1.ª CCAV/BCAV 8323, num total de 29 homens”.

Como a artilharia do PAIGC não parava o seu ataque, e as nossas munições eram muito poucas, talvez umas 18 a 20 granadas de morteiro 81, algumas de morteiro 60, e pouco mais de uma dúzia de granadas de mão, vimo-nos forçados a pedir auxílio aéreo a Bissau, que nos mandou um avião Dakota que começou a sobrevoar Copá eram 22:20 horas, altura em que a artilharia do PAIGC parou o fogo. Esta paragem fez supor que, por via do bombardeamento aéreo, o inimigo tinha retirado para o Senegal, que ficava ali muito próximo. Mas o que aconteceu foi exactamente o contrário.

Durante o ataque aéreo, as forças do inimigo no terreno deslocaram-se para junto do aquartelamento, como estratégia, pois ficavam mais seguros e em condições de puderem continuar a perseguir os seus intentos que era a “conquista” de Copá.

António Rodrigues conta que “mal o avião se foi embora, eram cerca das 23:00 horas, começámos a ouvir fortes ruídos de motores a trabalhar, dando-nos a ideia de serem viaturas que se dirigiam a Copá e a sê-lo àquela hora, eram com certeza do inimigo”. (…) “Mas eu, ao ouvir todo aquele estranho ruído, tinha um pressentimento de que as coisas ainda não tinham terminado nesse dia, e decidi ficar a pé e fazer companhia ao sentinela, até ver o que ia acontecer”.

E aconteceu… algumas viaturas encaminhavam-se a toda a força na direcção de Copá, quando, por volta das 23:50 horas, o ruído se deixou de ouvir, mas por pouco tempo. Bastaram mais vinte minutos para se dar início a “mais um momento terrível naquela noite. Era exactamente meia-noite e dez minutos quando se ouviu o já típico rebentamento que dava início aos ataques do inimigo”.

Segundo a narrativa, “o inimigo estava a dez metros à nossa frente e trazia uma táctica que estava muito bem montada. Tinha junto ao arame farpado três secções, separadas alguns metros, o que lhe permitiu fazer fogo de armas ligeiras ininterruptamente durante uma hora e cinco minutos, porque o fazia por secções e quando uma estivesse sem munições a outra estava preparada para disparar (ou a entrar em acção), e assim sucessivamente.

"Para além destas secções de infantaria, tinham um auto-blindado (tipo ZIG russo) junto a uma das secções a apoiá-la com os disparos do seu canhão e, na rectaguarda destas secções tinham toda a artilharia com que nos tinham atacado anteriormente (de tarde), encontrando-se esta a cerca de um km, também apoiada por outro auto-blindado do mesmo tipo”.

A nossa resposta não tardou, com a utilização da “metralha” disponível, como sejam: dilagramas, granadas de bazuca, de morteiro 81 e 60, além das metralhadoras Breda, HK-21 e G3, disparos dirigidos nas direcções onde se encontravam instaladas as “bocas de fogo In”.

António Rodrigues (foto atual à esquerda) dá o exemplo da “secção que estava do lado norte, apoiada pelo blindado que estava já a abrir uma entrada para penetrar no nosso aquartelamento, onde progrediu cerca de dez metros para dentro do arame farpado". 

É, nesta situação que “o meu camarada Manuel Antunes, acompanhado do 1.º Cabo João Ribeiro, se enchem de coragem, pegam em meia-dúzia de granadas de morteiro 60, saltam para fora da vala debaixo de fogo e atiram-nas todas sobre o blindado, que tentava entrar, e que o terá feito recuar, não sei se por acção dessas granadas, que não teriam grande efeito sobre tal viatura, mas o certo é que quem a comandava resolveu iniciar a retirada naquele momento”.

Era uma hora e quinze minutos, do dia 8 de Janeiro de 1974, quando o tiroteio acabou, ainda com muita coisa a arder, mas com a certeza de que todos os “bravos de Copá” (vd. foto 3)  e a sua população local tinham sobrevivido durante aquelas horas “amargas e terríveis vividas nesse dia e noite de 7 de Janeiro de 1974”, não permitindo que o PAIGC conseguisse cumprir com os objectivos a que se tinha proposto.



Foto 3 – Copá, Jan1974. Alguns dos 29 “Bravos de Copá”, do 4.º GrComb da 1.ª CCAV/BCAV 8323, que defenderam estoicamente a instalação militar onde se encontravam aquartelados, durante o forte ataque levado a cabo pelo PAIGC, no dia e noite de 7Jan1974 (foto do álbum do sold cond António Rodrigues – P14214, de 03Fev2015, com a devida vénia).

● Finalmente; o reconhecimento e os resultados da refrega.

O autor do texto, cujo conteúdo acompanhámos com muita atenção e a quem devemos um obrigado e um elogio por este seu valioso contributo historiográfico, que serviu de questão de partida para a elaboração do presente trabalho, conclui a última parte da narrativa (o depois) acrescentando:

“No dia seguinte de manhã, fomos passar reconhecimento fora do arame farpado e verificámos melhor o que na realidade tínhamos provocado ao inimigo. Vimos a entrada que realmente o blindado abriu no arame farpado e numa das secções, junto ao poço de água da pista de aviação, teriam tombado pelo menos dois homens, visto que aí haviam duas postas de sangue separadas por um metro de distância e tinham colados alguns dos muitos invólucros das muitas munições que já tinham disparado”.

“A meio da distância entre os dois e cerca de um metro atrás, rebentou uma granada do nosso morteiro 81, o que com certeza terá ferido os homens daquela secção e eles tombaram sobre os invólucros que tinham à sua volta. Encontrámos ainda um carregador e caixas de munições de Kalashnikov, maços de tabaco e bonés. 

"Havia sinais de que o blindado que apoiava a artilharia lá mais atrás, tinha vindo socorrer os feridos já referidos anteriormente. Mas, como nós insistimos a fazer fogo com as nossas armas, mesmo sabendo que eles estavam em retirada, esse blindado não conseguiu chegar pertos dos feridos, pelo que estes foram levados de rastos até ao carro. Vendo-se atrapalhados, não conseguiram meter os feridos logo no carro, pelo que este começou a retirar de marcha atrás sobre o mesmo rodado, enquanto o carreiro que os corpos de rastos marcavam, continuava a par do rodado, até que conseguiram carregá-los”.

António Rodrigues termina com um sentimento de orgulho, salientando que “durante todo esse fogo, nenhum dos nossos homens ficou ferido”.


2.2 – D(O) OUTRO LADO DO COMBATE – CONTROVÉRSIAS:

▬ “DE CAMPO A CAMPO: CONVERSAS COM O CMDT DO PAIGC
BOBO KEITA (1939-2009)”


Neste ponto, e para efeitos de comparação de narrativas, no que pode ser entendido por “convergente versus divergente”, ou erróneo em relação à descrição dos principais factos em análise, não podíamos deixar de consultar as fontes produzidas por elementos de cada um dos lados do conflito.

Na perspectiva “do outro lado do combate” (designação dada a outra série), recorremos à obra de Norberto Tavares de Carvalho, “De campo a campo: conversas com o comandante Bobo Keita” (Edição de autor. Porto, 2011), citando algumas das passagens editadas no P16317, de 19Jul2016, conforme se indica abaixo.



◙ Depoimento de Bobo Keita (1939-2009) sobre a morte de Mamadu Cassamá, em Copá, em 7Jan1974

► Partindo dos relatos de António Rodrigues citados no ponto anterior, em particular as dúvidas suscitadas quanto aos motivos (ou factos) que levaram os responsáveis do PAIGC a darem por concluído o ataque ao aquartelamento de Copá, abandonando as suas posições no terreno no início da segunda hora do dia 8 de Janeiro de 1974 (3.ª feira), o depoimento do Cmdt Bobo Keita não é muito esclarecedor nos seus detalhes. Mas confirma que, pelo menos, tiveram uma baixa, a do Cmdt Mamadu Cassamá, o elemento que tentou entrar no interior do quartel.  Diz ele:

(...) “Mamadu Cassamá morreu no ataque a Copá. Tomei parte nesse ataque, juntamente com o camarada Paulo Correia. O Mamadu era dos que ainda acreditavam na “força” dos amuletos… Avançou muito e foi até aos arames que circundavam o quartel. Pegou nos arames e fez força para os arrancar. Foi localizado e um tiro certeiro [de que arma?] silenciou-o de vez. O Mamadu Cassamá era o comandante daquela zona”. (...)


Nas conversas com Norberto Tavares de Carvalho, autor do livro, Bobo Keita volta a referir-se ao episódio do ataque a Copá nos seguintes termos:

 (...) “Para o assalto a Copá, que fica a uns trinta quilómetros da cidade senegalesa de Wassadou [ver mapa acima], peguei em dois dos meus tanques, constitui um comando e fomos à emboscada [a da coluna Copá/Bajocunda/Copá ou estava-se a referir ao ataque a Copá? Não está claro]. 

"A operação em Copá contou com Quemo Mané, comandante de infantaria. Copá também não foi fácil para os tugas. Alinhámos um número razoável de combatentes, menor que Guileje e Guidaje, e o objectivo era o de isolar os colonialistas. A tomada do quartel não nos interessava, queríamos somente convencê-los de que não tinham mais nenhuma escapatória e que deviam partir da nossa terra”. (...) 


2.3 – D(O) OUTRO LADO DO COMBATE – CONTROVÉRSIAS:

▬ “LA HISTORIA CUBANA EN ÁFRICA: 1963-1991: PILARES  DEL SOCIOALISMO EN CUBA”, de Ramón Pérez Cabrera


▬ Alguns excertos

► Em conformidade com os objectivos deste trabalho, a consulta do livro do escritor cubano Ramón Pérez Cabrera não podia deixar de ser efectuada, uma vez que nele constam diversas referências sobre o contexto onde ocorreram alguns dos episódios já identificados nos pontos anteriores.

Por outro lado, os fragmentos que abaixo se reproduzem em bilíngue – espanhol e português – com a tradução da nossa responsabilidade – são considerados, a par dos restantes, como fontes documentais importantes na aproximação aos factos reais.

As actividades da guerrilha na zona leste a partir de Dezembro de 1973

Caracterização do ambiente operacional



● Tradução

(…) “Os comandantes do PAIGC, a partir de finais de Novembro e ao longo de Dezembro de 1973, aproveitando a alteração das condições climatéricas [final da época das chuvas], deslocaram tropas, munições e mantimentos para as zonas próximas das instalações militares fortificadas, onde os soldados portugueses permaneceram aquartelados, mas mantendo estes as acções de patrulhamento nas áreas externas dos mesmos para evitar serem surpreendidos pelos guerrilheiros. Na segunda etapa da operação «Abel Djassi» [nome de guerra de Amílcar Cabral (1924-1973)], realizada nas três frentes de combate no primeiro semestre de 1973 [os três G’s], participaram catorze internacionalistas cubanos” (op.cit., p.179).

► As acções combativas na Frente Leste iniciam-se em Janeiro de 1974

▬ O ataque ao aquartelamento de Copá e suas consequências



● Tradução

“As acções combativas da operação «Abel Djassi» começaram na Frente Leste, em 3 de Janeiro de 1974 (5.ª feira), com o ataque ao aquartelamento de Copá. A movimentação dos destacamentos guerrilheiros começou nas primeiras horas da manhã e naquela tarde já haviam ocupado as posições de fogo de artilharia e os lugares nas emboscadas de contenção. Às 22:00 horas começou o tiro de ajuste e uma hora depois os disparos com os morteiros de 120 mm, mas, devido à ineficiência dos obuses, já que cerca de quarenta por cento não explodiram, no dia 5Jan (sábado) de madrugada, as FARP suspenderam o assédio da artilharia ao quartel” (op.cit., p.179).




● Tradução

“Após a morte de Mamadu Cassamá, o Comandante Paulo Correia, chefe da Frente Leste, decidiu não realizar novos assaltos de infantaria à instalação [Copá] e manter o cerco e atormentar com artilharia o quartel, que se prolongou durante todo o mês de janeiro” (op.cit., p.179).

2.4 – A FOTO QUE PODE AJUDAR A REVOGAR ALGUNS EQUÍVOCOS…

► É intenção da foto que se encontra 
abaixo  (Fotos 4 e 4A) é servir de prova sobre alguns equívocos identificados nas narrativas analisadas, em particular nos “casos” em que é descrito, com aprofundado detalhe, o modo como ocorreram as mortes de elementos da guerrilha, a sua captura e posterior inumação.

Importa sublinhar que, neste “caso”, os dois corpos da foto, desnudos, mereceram o maior respeito e consideração humana, por parte do colectivo da CCAÇ 3545, tendo os mesmos sido lavados antes de serem inumados na região (de acordo com fonte oral).




Fotos 4 e 4A – Quartel de Canquelifá, 7Jan1974. Dois corpos, já cadáveres, de elementos da guerrilha capturados durante a “Acção Minotauro”, levada a cabo por um bigrupo da CCAÇ 21. 

Por ausência de identificação, supõe-se que o primeiro elemento seja o Tenente Ramón Maestre Infante (cubano) e, o outro, Jaime Mota (cabo-verdiano). Foto do álbum do camarada Pereira, fur mil da CCAÇ 3545, com a devida vénia. A foto, tipo passe, colocada no canto superior direito (Foto 4), é de Jaime Mota, retirada do P14150, de 23Mai2016, aqui apensada para efeitos de comparação.


2.5 – “NO OCASO DA GUERRA DO ULTRAMAR”, uma derrota
pressentida”, de Fernando de Sousa Henriques (1949-2011)


▬ Algumas notas de leitura, por Beja Santos

► Por imperativo de investigação, onde se colocava a necessidade de alargar as fontes documentais, por razões espaciais (ou de vizinhança) existentes entre Copá e Canquelifá, separadas apenas por doze kms (ver mapa acima), e onde muitas das acções eram levadas à prática em parceria, pois os interesses eram comuns, recorremos às memórias do malogrado camarada Fernando de Sousa Henriques (1949-2011), ex-alf mil operações especiais da CCAÇ 3545, aproveitando algumas notas de leitura do seu livro, editado em 2007, e escritas pelo camarada Beja Santos no P12074, de 23Set2013.



► Contexto em Canquelifá (vd. foto 5):

(…) “A partir de Novembro’73, não houve descanso em Canquelifá, repetiram-se as flagelações, os misseis deram entrada nas flagelações frequentes, era nítido que os guerrilheiros queriam comprometer os reabastecimentos e acantonar as tropas aos seus quartéis. As emboscadas às obras da estrada Piche-Nova Lamego também se acentuaram. Em Dezembro’73 houve um relativo descanso mas os assaltos às tabancas deram frutos, as populações, ainda lentamente, começaram a fugir para os grandes centros.

No início de Janeiro’74, os ataques com foguetões a Canquelifá marcaram presença. O autor explica a natureza das destruições que as imagens, pela sua eloquência, desfazem todas as dúvidas. Mas não só Canquelifá, Piche e Buruntuma também foram contempladas. Nessa altura os efectivos do Batalhão levam quase vinte e quatro meses de Guiné. Foi necessário pedir apoio à CCAÇ 21, uma companhia só de guineenses, comandada pelo tenente Jamanca.

Em 7 de Janeiro’74 a CCAÇ 21 surpreende uma força inimiga e traz dois corpos [foto 4], um cubano e um cabo-verdiano. As flagelações recrudesceram. Ia começar o martírio de Copá, um destacamento que irá ser abandono por impossibilidade de defesa” [em 14 de Fevereiro de 1974].



Foto 5 – Canquelifá, Jan1974. Explosão de uma bomba durante um ataque do PAIGC ao aquartelamento de Canquelifá (foto do álbum do camarada Pereira, fur mil da CCAÇ 3545, com a devida vénia).

2.6 – “GUINEENSE, COMANDO, PORTUGÊS”, de Amadú Bailo Djaló

Alguns excertos

► Em complemento do ponto anterior, e tendo por base o livro de memórias de Amadú Djaló, ex-alferes comando graduado (Bafatá, 1940-Lisboa, 2015), citamos alguns “desassossegos” por ele vividos, em conjunto com os restantes elementos da CCAÇ 21, entre Copá e Canquelifá no período em análise.

(…) No final de 1973 e início de 1974 “Canquelifá estava muito diferente. As tabancas que havia à volta, junto às fronteiras com o Senegal e com a Guiné-Conacri estavam todas arrasadas, a população tinha desaparecido. A zona estava nas mãos do PAIGC e Canquelifá agora era um local muito perigoso, sempre à espera de ataques, do lado do Senegal ou da Guiné-Conacri. As estradas estavam semeadas de minas, se Canquelifá precisasse de apoio à noite, não podia ser socorrida por estrada, de noite não se podia picar estradas. Foi nesta situação que encontrámos Canquelifá.

Estavam ali duas companhias, uma de europeus (CCAÇ 3545) e a nossa (CCAÇ 21), oito pelotões ao todo. Fizemos um programa de saídas, todos os dias de manhã saía um bigrupo nosso até a uma distância de cinco a sete kms e regressava por volta das duas da madrugada. Julgávamos que, a partir dessa hora, era mais difícil haver ataques do PAIGC. Num dia saía um bigrupo de africanos, no dia seguinte um de europeus. Desta forma, cada bigrupo descansava três dias.

Em algumas dessas saídas, deixávamos o quartel, de manhã muito cedo, na direcção de Nhunanca. Depois de andarmos um bom bocado, entrávamos numa lala (clareira), quase sem árvores, com o capim muito alto, que as populações geralmente queimavam na primavera.

Depois de atravessarmos para o outro lado da lala, permanecíamos aí algum tempo, até cerca das 15:00 horas, quando decidíamos abandonar o local. Caminhávamos mais dois ou três kms e emboscávamo-nos. Ocupávamos dois caminhos, o que ia para Nhunanca e o que levava a Chauara. Ficávamos durante cerca de uma hora e regressávamos, contornando o quartel e entrando pela entrada contrária à saída para Copá.

Numa dessas saídas, em 7 de Janeiro de 1974 (2.ª feira), na “Acção Minotauro”, um dos nossos bigrupos, comandado pelos alferes Ali Sada Candé e Braima Baldé, quando estava emboscado, a cerca de dois kms do aquartelamento, avistou, por volta das 16:00 horas, um grupo do PAIGC a atravessar a lala. Estavam a deslocar-se na direcção do quartel [de Canquelifá].

O nosso bigrupo foi no encalço deles, a observarem o que iam fazer. Cerca de um quilómetro andado o pessoal do PAIGC parou, debaixo de uma grande árvore. Um deles estava a preparar-se para subir a árvore, quando o nosso bigrupo os atacou, de surpresa. O pessoal do PAIGC fugiu como pôde, deixando no local três guerrilheiros mortos, as armas e um rádio Racal que, viemos a descobrir mais tarde, tinha sido perdido por nós em Morés, em 23 de Dezembro de 1971.

[Nesse dia] era a vez do meu grupo ficar no aquartelamento, mas quando começámos a ouvir o tiroteio saímos imediatamente. Quando os encontrámos o caso já estava arrumado. Ajudámo-los a trazer os corpos dos guerrilheiros que depositámos junto à parada.

Nesse mesmo dia 7 de Janeiro, por volta das 17:30 horas, o PAIGC desencadeou um ataque a Canquelifá. Ou de represália, ou porque também tinha ouvido os tiros. Um dos primeiros mísseis acertou na central eléctrica e uma grande bola de fumo negro começou a subir. De vez em quando paravam os bombardeamentos, depois recomeçavam. Durou quase a noite toda este ataque.

A tabanca ardeu e ficou completamente destruída. Morreram durante o ataque quatro pessoas, um furriel europeu [Luís Filipe Pinto Soares, da CCAÇ 3545 - P16127], um soldado negro (Donsa Boaró, da CCAÇ 21), o soldado Mica Djaló Baldé (do 6ºPelArt/GAC7) e um rapaz de cerca de 13 ou 14 anos que trabalhava para o furriel europeu que tinha morrido” (op.cit., pp.268-270).





Sobre a “Acção Minotauro”, citada anteriormente, é de relevar o facto de termos localizado, no decurso da presente investigação, uma referência a ela no Arquivo da Defesa Nacional, onde existem “8 positivos fotográficos da acção Minotauro, em Canquelifá”, conforme sublinhado abaixo.



Ou, consultando o link;

https://www.portugal.gov.pt/upload/ficheiros/i007076.pdf



2.7 – RAMÓN MAESTRE INFANTE - tenente cubano falecido na Guiné

Breve biografia militar



► Como foi referido nos pontos 2.5 e 2.6, quer por Fernandes de Sousa Henriques, da CCAÇ
3545, quer por Amadú Bailo Djaló, da CCAÇ 21, ambos os depoimentos são unanimes ao afirmarem a morte de dois elementos da guerrilha, em combate ocorrido em 7 de Janeiro de 1974, e o transporte dos seus corpos para o quartel de Canquelifá. Um seria cubano e o outro cabo-verdiano, provavelmente os dois cadáveres que se encontram na foto 4.

A ser verdade que o elemento cubano capturado seja o tenente Ramón Maestre Infante, como é indicado pelo escritor Ramón Pérez Cabrera, no livro de que é autor, e que abaixo se reproduz, independentemente de haver a discrepância em relação ao seu local, ao escrever que foi em Copá (onde não se verificou a captura de qualquer elemento da guerrilha) mas, ao que tudo leva a crer, foi em Canquelifá.

O que é um facto é que este militar cubano morreu… vinte e cinco dias depois da sua partida de Havana.

◙ Eis uma brevíssima biografia, enquanto cidadão militar, retirada da literatura consultada:





● Tradução

“Enquanto as actividades iam acontecendo nas matas guineenses, em Havana um novo contingente de instrutores cubanos preparava-se para prestar a sua ajuda internacionalista aos combatentes do PAIGC na Guiné-Bissau. Um deles, Ramón Maestre Infante, deixou Cuba por via aérea em 13 de dezembro [1973] para a África. Chegou a Conacri e, sem perder tempo, seguiu viagem para Kandiafara e em poucos dias foi incorporado num destacamento de guerrilha no teatro de operações” (op.cit., p.180).



● Tradução

“Em 7 de Janeiro (2.ª feira), Ramón Maestre cumpriu, junto com um jovem guerrilheiro cabo-verdiano, a importante missão de assediar o quartel de Copá com morteiro, mas a acção foi suspensa para o dia seguinte. Na manhã do dia 8Jan (3.ª feira), Ramón Maestre e o jovem guerrilheiro partiram novamente e quando estavam a colocar o morteiro foram surpreendidos por uma patrulha portuguesa. 

No intenso tiroteio, Ramón Maestre foi ferido, morto ou feito prisioneiro [?], enquanto o cabo-verdiano conseguiu escapar sob o intenso tiroteio. A princípio, os portugueses acreditaram que o combatente era guineense, mas após identificá-lo como cubano, decidiram levá-lo ao quartel de Buruntuma [? - talvez Canquelifá, o quartel mais próximo] com a intenção de transportá-lo posteriormente para a capital de Bissau, mas não puderam levá-lo porque o quartel fora cercado pelas FARP e o fogo antiaéreo impediu que os helicópteros pousassem na área. Finalmente, o corpo do oficial cubano foi sepultado fora do quartel depois de lhe cortarem o corpo em duas metades e amputar as orelhas e as mãos como prova da nacionalidade” (op.cit., p.180).

► Encontrámos mais uma referência ao seu nome no ponto 13 (Anexos) do livro “El Grito del Baobab” (O grito do Baobá), de que é autor o escritor cubano Coronel (reformado) Humberto Trujillo Hernández, editado pela Editorial de Ciências Sociais em 2008. Porque não conseguimos ter acesso ao seu conteúdo, aqui se dá conta, somente, desse facto, o que lamentamos. Caso haja algum tertuliano que o tenha, faça o favor de nos informar.

2.8 – JAIME MOTA – cabo-verdiano, natural da Ilha de Santo Antão

Algumas notas

► Das fontes consultadas, a investigação realizada pelo jornalista cabo-verdiano José Vicente Lopes, parece não deixar quaisquer dúvidas, não só em relação à data, como ao local da ocorrência, conforme se retira da leitura aos P14150 e P14151, de 15Jan2015, em particular de algumas passagens retiradas do artigo do mesmo autor, designado por “O martírio de Jaime Mota”.






Eis alguns fragmentos:

(i) – De acordo com as informações dadas pelo, também cabo-verdiano, Amâncio Lopes, Cmdt do 2.º Grupo GRAD a actuar na região de Gabú, refere que no dia 3 de Janeiro de 1974, vai com Jaime Mota, e outros elementos, para a operação de Canquelifá, que corre bem. “No dia 7Jan voltámos ao mesmo quartel e cometemos um erro que foi fatal para Jaime Mora e outras pessoas”.

(ii) – Nesse dia, a determinada altura, “detectada a presença de um grupo do PAIGC, um pelotão de comandos africanos [um bigrupo da CCAÇ 21] acaba por surpreendê-los pela rectaguarda, precisamente no momento em que Amâncio Lopes, Jaime Mota e os restantes guerrilheiros procediam à recolha de dados para mais um bombardeamento ao quartel de Canquelifá”.

(iii) – Essa emboscada fatídica, segundo Amândio Lopes, “aconteceu já ao fim da tarde, quando ele e os seus homens aguardavam que escurecesse um pouco mais para procederem ao bombardeamento do quartel de Canquelifá e, como era hábito, desaparecerem rapidamente do terreno”.

(iv) – “Estávamos a comunicar, o cubano [?] sentou-se num bagabaga, o Jaime Mota sentou-se também um pouco atrás de mim, o radialista guineense também, e havia mais três elementos do meu staff para definir a direcção do fogo (só na artilharia, éramos uns sete ou oito elementos)”.

(v) – Nesse momento, sentimos tiros. “Na fuga, eu (Amâncio Lopes) ensaio ir numa direcção, no que um dos guineenses me grita, aflito, ‘por aí não, camarada Amâncio, porque o tiro está a vir dessa direcção’”.

(vi) – Invertemos a fuga. No recuo, verificámos que nem o Jaime Mora nem o cubano [?] estavam connosco. Mandei toda a gente parar e eu disse: ‘falta-nos o Jaime e o cubano’. O artilheiro guineense me diz: ‘camarada Amâncio, na direcção em que o Jaime e o cubano ficaram, não há chance… se você quiser ficar também… Pense bem. Não podemos voltar, porque se o fizermos será a nossa morte também”.

(vii) – Por outro lado, Honório Chantre (1941.10.25-2020.07.20), que, depois da independência da Guiné-Bissau, foi Ministro da Defesa Nacional de Cabo Verde, entre 1981-1986, recorda o seu conterrâneo como um homem muito ponderado e seguro, afirmando: “o Jaime não foi tropa portuguesa, mas tinha uma formação militar muito sólida. Esteve em Cuba, na União Soviética e tinha experiência de combate adquirida no terreno da Guiné. Juntamente com Amâncio e o Bibino, ele tinha a quarta classe daquele tempo, feita nos anos quarenta ou cinquenta, ao contrário de alguns colegas de Santo Antão que foram alfabetizados por nós em Cuba”.

(viii) – Depois… Depois, a confirmação da morte de Jaime Mota. Esta aconteceu na sequência da “operação de recolha e transladação dos três cabo-verdianos inumados em território da Guiné-Bissau”, em que participaram António Leite, Amâncio Lopes e Eduardo dos Santos. É referido: “fomos ao Leste e conseguimos localizar os restos do Jaime Mota, que pouco restava. Mesmo assim, foi fácil, porque sabíamos que ele tinha um dente de ouro e encontrámos uma caveira com dente de ouro”. (…)


Termino esta narrativa, com a mesma dúvida como comecei… Será que este documento, onde se procurou separar o caminho do “real” do da “ficção”, tem alguma utilidade?

Pelo menos, para mim, ajudou-me a compreender melhor alguns dos episódios mais marcantes e mais sofridos dos “encontros” tidos, de ambos os lados, nas matas de Copá e Canquelifá, situadas na Região do Gabú, Leste da Guiné-Bissau, entre o Natal de 1973 e 7 de Janeiro de 1974.

Obrigado pela atenção.

Com um forte abraço de amizade e votos de muita saúde.

Jorge Araújo.

08Fev2022

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Notas do editor:


Último poste da série > 15 de outubro de  2021 > Guiné 61/74 - P22631: Memórias cruzadas nas 'matas' da Região do Óio-Morés: o caso da queda do "T-6 FAP 1694", em 14out1963, incluido no documentário "Labanta Negro!", realizado pelo italiano Piero Nelli, 28 meses depois (fev 1966) (Jorge Araújo)