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quarta-feira, 10 de fevereiro de 2016

Guiné 63/74 - P15731: Documentos (29): Ata da reunião do CEMGFA, Costa Gomes, com os comandos do CTIG, Bissau, 8/6/1973 (José Matos, historiador independente)





Cópia de documento de 4 páginas, do Chefe do Estado Maior General das Forças Armadas (CEMGFA), de 15/6/1973, com o relato de uma reunião com os comandos militares do CTIG em 8 de junho de 1973.   Francisco da Costa Gomes (1914-2001) foi CEMGFA de 5/9/1972 a 13/3/1974.   Visitou o CTIG,  de 6 a 9 de junho de 1973.



1. Mensagem, com data de ontem, do José Matos, 

[ O nosso grã-tabanqueiro José [Augusto] Matos, formado em astronomia em 2006 na Inglaterra ( University of Central Lancashire, Preston, UK ), é especialista em aviação e exploração espacial desde 1992, e faz parte da Fisua - Associação de Física da Universidade de Aveiro.

Tem-se dedicado, como investigador independente, à história militar, e em particular à história da guerra na Guiné (1961/74).]

Olá, Luís

Mando-te um documento [, de 4 pp.]  interessante sobre a reunião que Costa Gomes teve na Guiné, quando foi lá em Junho de 1973, de 6 a 9.

Ab, Zé

2. Comentário do editor:

Obrigado,  Zé. Os antigos combatentes da Guiné, e não apenas os investigadores, têm direito a conhecer estes "documentos para a história"...

 O documento que reproduzimos, com data de 15/6/1973, ontem "muito secreto, hoje "desclassificado", à guarda do Arquivo de Defea Nacional, para consulta dos estudiosos e historiadores,  fala por si, mas tu tens aqui no blogue vários postes teus  que ajudam o nosso leitor  a compreendê-lo melhor, a partir da sua  contextualização histórica, geoestratégica, política e militar.

Julgo que pode este documento pode (e deve) ser visto como complemento à série Análise da situação do inimigo - Acta da reunião de Comandos, realizada em 15 de Maio de 1973 no Quartel-general do Comando-Chefe das Forças Armadas da Guiné, aqui publicada há menos de 4 anos (*), da autoria do Luís Gonçalves Vaz [, membro da Tabanca Grande e filho do Cor Cav CEM Henrique Gonçalves Vaz, último Chefe do Estado-Maior do CTIG, 1973/74, e que tinha 13 anos e vivia em Bissau quando se deu o 25 de abril de 1974, que derrubou o regime do Estado Novo]. (*)

Na realidade, em 8/6/1973, o que o CEMGFA fez, foi um "briefing" com os todos os comandos militares do CTIG. Recorde-se,  citando o poste P9639, do Luís Gonçalves Vaz (*), que três semanas antes,  “em 15 de Maio de 1973, pelas 10h30, no Quartel General do Comando-Chefe das Forças Armadas da Guiné, teve lugar, sob a presidência e mediante convocação do General Comandante-Chefe, General António de Spínola, uma reunião de Comandos na qual participaram os comandantes-adjuntos",  respectivamente:

(i) Comodoro António Horta Galvão de Almeida Brandão, Comandante da Defesa Marítima da Guiné;

(ii) Brigadeiro Alberto da Silva Banazol, Comandante Territorial Independente da Guiné;

(iii) Brigadeiro Manuel Leitão Pereira Marques, Comandante-Adjunto Operacional;

(iv) e Coronel Gualdino Moura Pinto, Comandante da Zona Aérea de Cabo Verde e Guiné.

____________

Nota do editor: 

quarta-feira, 25 de junho de 2008

Guiné 63/74 - P2984: Op Mabecos Bravios: a retirada de Madina do Boé e o desastre de Cheche (Maj Gen Hélio Felgas † )

Major General Hélio Esteves Felgas (1920-2008): duas comissões na Guiné, um dos militares portugueses da sua geração mais condecorados, autor de dezenas de livros e artigos sobre a "luta contra o terrorismo", a guerra ultramarina... Comparou a Guiné ao Vietname. Também considerava que a solução para a Guiné não era militar mas política... Foi, todavia, um crítico de Spínola que lhe terá roubado, entretanto, a ideia dos reordenamentos (aldeias estratégicas) (1). Um oficial intelectualmente brilhante mas controverso, dizem alguns dos seus pares, mais novos.

Foto gentilmente cedida pela filha, Dra. Helena Felgas, advogada.



Reprodução da assinatura do então brigadeiro Hélio Felgas, em documento, de 1995, de que o Paulo Raposo me facultou fotocópia.

Fotos: © Luís Graça & Camaradas da Guiné (2008). Todos os direitos reservados.





Guiné > Região do Oio > Mansoa > CCAÇ 2405 / BCAÇ 2852 > 1968 > Antes de partir para a zona leste (Galomaro e Dulombi)... O Alf Mil Paulo Enes Raposo, que anda agora mais arredio do nosso blogue... Na I Série (Abril de 2005/Maio de 2006) teve um papel muito activo na animação bloguística. Dele publicámos um longo e interessantíssima depoimento sobre a sua comissão na Guiné (O meu testemunho e visão da guerra de África. Montemor-o-Novo, Herdade da Ameira Documento policopiado. Dezembro de 1997). 

.Foto: © Paulo Raposo (2006). Todos os direitos reservados


1. Entretanto recebemos hoje do seu (e nosso) camarada e amigo Rui Felício, a seguinte mensagem, respeitante à morte do Maj Gen Hélio Felgas: 

" Luís Graça, chocado com a notícia, reafirmo a admiração que sempre tive por esse Homem, um verdadeiro militar à moda antiga e, mais do que isso, uma pessoa com um sentido de justiça e um humanismo que só em muito poucos consegui encontrar na minha vida militar. Um abraço, Rui Felício"...

O Rui perdeu 11 dos seus homens na Op Mabecos Bravios. No total, a sua companhia, a CCAÇ 2405, perdeu 17 (num total de 46 vítimas, militares metropolitanos), nessa trágica manhã do dia 6 de Fevereiro de 1969.


2. O Paulo Raposo, ex-Alf Mil da CCAÇ 2405, organizador do nosso I Encontro Nacional, na Ameira, Montemor-o-Novo, em 2006, mandou-me,  em devido tempo, uma fotocópia de um depoimento do então Brigadeiro Hélio Felgas, sobre a trágica retirada de Madina do Boé.

Se bem me lembro (uma vez que não tenho aqui à mão o documento em suporte de papel), esse depoimento terá sido escrito em 1995, a pedido dos baixinhos de Dulombi, os ex-Alf Mil Felício, Raposo, Rijo, David e , e demais pessoal da CCAÇ 2405, que perderam 17 homens na travessia do Rio Corubal, em Cheche, 6 de Fevereiro de 1969. Só o Rui Felício perdeu 11 homens do seu Grupo de Combate (2).

Estive no velório do Major General na Situação de Reforma, Hélio Felgas, onde conheci a sua filha, Helena Felgas, advogada, mãe do jovem Miguel Felgas Menezes, o neto que nos deu a notícia da morte do avô, e que não o pode acompanhar até à última morada por se encontrar em Toronto, Canadá, em viagem profissional. 

A família decidiu não adiar o funeral, que teve honras militares, repousando os seus restos mortais no Talhão dos Antigos Combatentes do Cemitério do Alto de São João. Pormenor revelador de uma personalidade: foi o próprio quem redigiu a notícia necrológica, saída hoje no Diário de Notícias.

Também conversei com Jorge Casal, actual marido da Dra. Helena Felgas, e antigo combatente em Angola, donde regressou nas vésperas da independência. Era alferes miliciano da Manutenção Militar. Tive com ele uma amável conversa sobre o sogro, a sua carreira militar,as relações com a Guiné, etc. Conheci igualmente a viúva do major general, a quem repeti a história da conversa telefónica, de há uns meses atrás, pedindo autorização para publicar este depoimento que, em princípio, é inédito. A família também não se opôs, embora reconheça que a recordação deste episódio continuou, pela vida fora, a ser triste e doloroso para o antigo comandante da Op Mabecos Bravios.

Agradeço ao Paulo Raposo e à família do ilustre militar Hélio Felgas, em especial à viúva e à filha (que viveram em Bula, na 1ª comissão 1963/64), a possibilidade de enriquecer, com este depoimento (inédito), o dossiê sobre Madina do Boé, um topónimo que, por razões diversas, faz parte do nosso imaginário e das nossas dolorosas memórias da guerra da Guiné. 

Reproduzimos aqui esse texto, com o respeito que é devido por este antigo combatente, que agora nos deixou, depois de vários anos de sofrimento devido a doença.

Entretanto, recebemos também do José Colaço o seguinte comentário:

 "Paz à sua alma, a guerra não resolve nada, veja-se os casos de todos os Países ou negociaram livremente ou aconteceu-lhe o mesmo que a Portugal, ter que negociar sem condições para o fazer. José Colaço.".

Registe-se, finalmente, a mensagem que o Torcato Mendonça mandou para o neto, Miguel Felgas Rezende:

"Recebi, há momentos, a triste notícia. É, com Profundo Pesar que lhe apresento as minhas sentidas Condolências. Torno-as extensíveis á Senhora sua Avó e Família. Fui oficial subalterno de seu Avô, quando do Seu Comando no Sector Leste – Bafatá. Mereceu-me, sempre, o mais profundo respeito como Homem e Militar. Manterei, na minha memória, viva a sua recordação. Cumprimenta, Torcato Mendonça. Apartado 43, 6230-909 Fundão. torcatomendonca@gmail.com "

3. A retirada de Madina do Boé 

pelo Brigadeiro Hélio Felgas (2)

Digitalização, fixação e revisão do texto e subtítulos: L.G.

Todo o sudeste da Guiné, ao sul do rio Corubal, era uma região praticamente despovoada onde só havia dois postos administrativos: Beli e Madina do Boé.


(i) Um ponto sem valor estratégico

Já antes de, em 1968, eu ter assumido o comando do sector Leste [, Agrupamento nº 2975, com sede em Bafatá], Beli fora abandonado. O pelotão que aí se encontrava fora transferido para Madina, completando a companhia aí instalada.

Madina fica a cerca de 5 quilómetros da República da Guiné-Conacri. Não tinha qualquer população civil e só dispunha de um ou dois pequenos edifícios. Nem ruas tinha. Havia sido apenas uma minúscula tabanca (aldeia nativa), sem importância de qualquer espécie.

À medida que o PAIGC aumentava o seu poder de fogo com morteiros pesados e artilharia, os bombardeamentos e flagelações a Madina, executados em geral a partir do lado de lá da fronteira, passaram a ser quase diários.

Por isso a guarnição dormia em abrigos, escavados 4 ou 5 metros abaixo do nível do solo. Muitas vezes os bombardeamentos nada destruíam, caindo os obuses e granadas fora do perímetro do aquartelamento. Mas outras vezes causavam estragos e baixas que, em caso de necessidade, eram evacuadas de helicóptero para o hospital militar de Bissau.


(ii) A rotina dos bombardeamentos e flagelações

Apesar desta situação certamente pouco agradável, o moral da guarnição era levado. Lembro-me da primeira vez em que fui pernoitar a Madina. Pouco antes do anoitecer comecei a ouvir os soldados à porta dos seus abrigos gritando “Está na hora! Está na hora!”. O comandante da Companhia elucidou-me que era a altura de o PAIGC começar o usual bombardeamento e os homens já tomavam aquilo como uma brincadeira, habituados como estavam ao estrondo do rebentamento das granadas. Por acaso nesse dia as granadas só de madrugada caíram e não causaram baixas nem prejuízos.

Claro que a nossa guarnição respondia com morteiros e com canhão sem recuo e toda a gente estava sempre preparada para disparar a curta distância do arame farpado. Que eu saiba, porém, nunca o adversário tentou assaltar o aquartelamento.

Na manhã seguinte um destacamento saía do recinto e percorria os arredores procurando descobrir o local de onde teria sido feita a flagelação. Umas vezes tinha êxito e o local era cuidadosamente assinalado nas nossas cartas de tiro. Mas outras vezes nada se descobria pela simples razão de o bombardeamento ter sido feito a partir do território da Guiné-Conacri e os nossos militares cumprirem escrupulosamente a ordem que tinham de não atravessar a fronteira.

As viaturas da Companhia encontravam-se dispersas pela área do aquartelamento, em especial junto às árvores para melhor protecção. E até ao princípio de 1969 havia algum gado para consumo do pessoal. O último boi foi porém abatido por uma granada do PAIGC e a isso se referia com certo humor o relatório-rádio do comando local, confirmando assim o bom moral da unidade.


(iii) Missão: defender-se a si próprio!

De qualquer forma, tornou-se pouco a pouco evidente a inutilidade da presença de uma Companhia em Madina.

A tropa estava na Guiné para defender a população civil que nos era afecta, tentando suster o seu compulsivo aliciamento pelos guerrilheiros do PAIGC vindos do Senegal, a norte, ou da Guiné-Conacri, a sul e a leste. Procurava também evitar ou dificultar a penetração desses guerrilheiros em território então considerado nacional. E pretendia ainda impedir a destruição das estruturas económicas e administrativas: pontes, estradas, edifícios, etc.

Ora em Madina e em todo o sudeste guineense a sul do rio Corubal, não havia população alguma. Não havia estruturas de qualquer importância. E a fronteira era totalmente permeável em dezenas de quilómetros.

Então, se a tropa não estava a proteger qualquer ponte nem qualquer tabanca e não tinha a menor possibilidade de impedir penetrações territoriais, o que é que estava a fazer em Madina ?

A resposta era simples: a Companhia de Madina estava lá “para se defender a si própria”! Quando, afinal, fazia tanta falta em outros pontos da Guiné!

Por outro lado, ponderou-se também a possibilidade de o PAIGC aproveitar uma possível evacuação de Madina pelas nossas tropas, para declarar a região como “libertada”.

Mas isso podia o PAIGC fazer em qualquer outro ponto, do imenso sudeste guineense. Na zona de Beli, por exemplo, que nós abandonámos havia muito tempo e onde nunca íamos por falta de objectivo.

Aliás, mesmo com a Companhia em Madina, o PAIGC podia declarar o sudeste guineense uma “zona libertada” e até lá levar jornalistas estrangeiros, como parece que fez.


(iv) Evacuação: riscos calculados

Todas estas considerações foram devidamente estudadas, bem como os principais riscos que a evacuação podia acarretar.

Entre esses riscos contavam-se várias possibilidades de actuação dos guerrilheiros do PAIGC. Como por exemplo:
- Aumentarem as flagelações e bombardeamentos sobre Madina nas noites anteriores à manhã da “descolagem” quando as viaturas da Companhia, já meio carregadas, se encontrassem mais expostas;
- Lançarem sobre Madina um bombardeamento maciço na madrugadas da partida, quando parte da coluna de viaturas já estivesse fora do aquartelamento (cuja exiguidade não comportava toda a coluna); tanto nesta possibilidade como na anterior, contava-se que o PAIGC certamente detectaria o movimento desusual no interior de Madina;
- Montarem emboscadas à coluna em diversos pontos da estrada Madina-Cheche; esta estrada corria quase a direito no sentido norte-sul e, aqui e ali, era flanqueada por pequenas colinas de onde, em deslocamentos anteriores, os guerrilheiros haviam lançado emboscados; estava além disso minada com poderosas minas anticarro soviéticas;
- Tentarem dificultar a travessia do rio Corubal no Cheche.

Claro que, ao reconhecerem-se estes riscos, admitiam-se baixas da nossa parte pois a operação não era simples.


(v) Operação Mabecos Bravios

Mas tudo se fez para que tais baixas fossem mínimas. Em Bafatá, no comando do Sector, começou a ser elaborada a Ordem de Operações [O. Op.].

No Gabu (então Nova Lamego) construiu-se uma nova jangada que depois foi levada para o Cheche onde a que lá estava foi devidamente reforçadas. Estas jangadas eram constituídas por um forte estrado dotado de vedações laterais e assente em bidões vazios e em três “barcos” formados por grandes troncos de árvores escavados. Estrutura esta que, com a jangada descarregada, colocava o estrado a cerca de um metro da água.

As jangadas eram consideradas muito seguras e incapazes de se voltarem ou afundarem, desde que não fossem excessivamente carregadas. Calculava-se que aguentariam um peso de dez toneladas. Mas para maior segurança a O.Op. proibia que fossem transportados mais de 50 homens de cada vez.

Por seu lado, em Madina, os motores e as suspensões das viaturas da Companhia foram cuidadosamente revistos, não tendo o comando local tido pouco trabalho no carregamento de todo o material, incluindo a parte delicada das munições, até então guardadas em paióis subterrâneos.

No princípio do ano [ de 1969], a O. Op. foi levada ao Comando-Chefe, em Bissau, e apreciada e aprovada em reunião de comandos. O dia da evacuação foi marcado para 9 de Fevereiro de 1969, sendo a operação designado por Mabecos Bravios.

Aos comandos das unidades que forneciam contingentes de reforço foram dadas as respectivas ordens, com indicação dos locais onde as suas tropas deviam ser colocadas (de helicóptero). Alguns destes locais ficavam nas colinas de onde anteriormente haviam sido lançadas, sobre a estrada, emboscadas contra as nossas tropas. Outros ficavam na margem sul do Corubal, próximo do Cheche.


(vi) Uma manobra de diversão

Fui para Madina na manhã da véspera do dia D. Comigo foram 5 helicópteros pois eu queria executar com eles uma operação de diversão que consistia e, por duas ou três vezes, enviar os helis (vazios) para os locais de onde o PAIGC costumava bombardear o aquartelamento. Dava assim a ilusão de que estava colocando forças nesses locais, em emboscada.

A medida deve ter resultado pois nessa noite não houve bombardeamento a Madina.

Foi em completa calma que a complexa coluna auto se formou, com a parte dianteira já na estrada do Cheche.

Ao amanhecer iniciou-se o movimento com as viaturas e respectivos reboques completamente carregados e a grande maioria dos homens a pé. Como era costume eu seguia à frente com o meu guarda-costas e o homem do posto-rádio. Só os picadores nos precediam, picando cuidadosamente a estrada com compridos ferros pontiagudos. E excelente trabalho fizeram pois nenhuma mina rebentou embora tenham sido levantadas 12 ou 14.



(vii) A visita do Bispo [com-chefe, gen Spínola]

A progressão poderia ser lenta mas parecia segura. De tempos a tempos passávamos por camiões e autometralhadoras destruídas em emboscadas anteriores. Também vi os restos de um avião mas não sei se teria caído por acidente ou sido abatido. E conseguiu-se recuperar uma autometralhadora que se encontrava abandonada na berma da estrada.

A dada altura um helicóptero sobrevoou-nos. Contactei pela rádio e verifiquei que era o Bispo, ou seja, o General Spínola. Quase todas as manhãs o Comandante-Chefe saída de Bissau num helicóptero e ia observar as principais operações que se realizavam na Guiné. Mandei parar a coluna e montei segurança ao lado da estrada. O heli pousou e o General Spínola acompanhou-me a pé durante alguns quilómetros, demonstrando assim o apreço que a execução da operação lhe estava merecendo. Depois foi-se embora, satisfeito.

Chegámos ao Corubal ao princípio da noite sem termos sofrido qualquer emboscada. A travessia do rio começou imediatamente com as jangadas trabalhando alternadamente. Havia um cabo de aço estendido de uma margem à outra, a ele ficando ligada a jangada em serviço, a qual era empurrada por um pequeno barco com motor for de bordo.

O rio tinha uma corrente muito forte e uns 100 a 150 metros de largura. O motor do barquito levantava uma pequena ondulação que formava um V.

Atravessei para o Cheche cujas instalações eram semelhantes às de Madina, isto é, quase tudo abrigos enterrados.

Durante toda a noite assisti ao vai-vem das jangadadas. Parte dos destacamentos de reforço foram os primeiros a atravessar o rio, formando logo uma coluna auto na estrada que partia de Cheche para Nova Lamego. A Companhia de Madina [, a CCAÇ 1705,] seria a última a fazer a travessia, juntamente com dois Gr Comb da [CCAÇ] 2405.


(viii) O desastre da jangada

Cerca das 9 ou 10 horas da manhã apareceu um helicanhão que sobrevoou demoradamente toda a zona. Depois pousou e eu fui ter com ele procurando informar-me do que a tripulação tinha visto. Mas tinha chegado, apareceu um soldado correndo para mim a gritar que a jangada se estava afundando, logo após ter partido da margem sul. Pedi imediatamente ao piloto para... [ linha inteira cortada na fotocópia] depois para a margem do Cheche onde eu estava. Parecia vir normalmente carregada com homens e material.


(ix) Um comandante também chora

Quando chegou é que eu soube que diversos homens tinham caído ao rio, não aparecendo mais. Verifiquei tratar-se do pessoal que realizava a última travessia.

Quando se fez a chamada, viu-se que faltavam quarenta e tal homens, seis dos quais nativos.

Não consegui controlar-me e desatei a chorar, tal como aliás vi muitos valorosos militares a fazerem. Foi assim que me encontrou o General Spínola que nesse dia também quisera ir ter comigo.

Aguardámos horas, com o helicóptero sobrevoando o local na esperança de localizar alguns dos desaparecidos. Dois ou três bons nadadores também mergulharam na zona onde acorrera o acidente. Nada foi encontrado.

Interroguei diversos militares mas alguns nem podiam falar. Outros disseram-me que a jangada, logo após ter partido da margem sul, tinha-se afundado um bocado, ficando o estrado rés-vés com a água. Este afundamento era aliás natural desde que não fosse excessivo. O estrado, como dissemos atrás, ficava a cerca de um metro da água quando a jangada estava vazia. Esta distância diminuía conforme o peso do carregamento mas o estrado normalmente nunca chegava a ser coberto pela água.

Segundo parece, alguns dos homens que seguiam junto às vedações laterais assustaram-se quando alguma água começou a cobrir o estrado. Teriam então descido para o rio procurando segurar-se às travessas laterais do estrado e continuar assim a travessia. Desta forma o peso da carga diminuiria e a jangada subiria. Só que não se lembraram de que com o equipamento e as munições cada um pesava mais de cem quilos.

Foi desta forma que uma operação que decorrera sem qualquer baixa (ao contrário do que inicialmente se esperava), viu o seu final tragicamente enlutado. Durante toda a noite, desde as seis da tarde da véspera até às 10 ou 11 da manhã seguinte, as jangadas tinham trabalhado sem qualquer anomalia. Fizeram dezenas de travessias. E o azar logo havia de aparecer na última e de forma tão dolorosa.

Nem o facto de na altura terem ocorrido acidentes semelhantes (ou talvez ainda mais graves), com jangadas em Moçambique, podia servir de lenitivo para o que nos sucedera na Guiné. Dezenas de homens que tinham vivido longos meses sob bombardeamentos quase diários, acabaram por morrer afogados.

Hélio Felgas, Brigadeiro

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Notas de L.G.

(1) Hélio Felgas, nascido em 1920, fez duas comissões na Guiné, durante a guerra colonial (Bula, 1963/64; Mansoa, Tite, Bafatá, 1968/69). 

Na última, ele começou por “chefiar o Estado-Maior do Sector de Mansoa”, depois passou ao “Comando do Batalhão de Artilharia de Tite, no sul” [BART 1914] e, por fim, ficou à frente do “Sector Leste, que abrangia cerca de metade do território e incluía batalhões das três armas combatentes, os quais, naquele tipo de guerra, actuavam concertadamente”.

Entre esses batalhões, contava-se o já nosso conhecido BCAÇ 2852 (Bambadinca, 1968/70). Quando ele, como o posto de coronel, comandou a Op Lança Afiada (8 a 19 de Março de 1969), era então comandante do Agrupamento 2957 (sediado em Bafatá). Repare-se que o brigadeiro, como disciplinado e disciplinador militar de carreira que era, nunca identifica as unidades a que se refere…

Esta nota biográfica é respigada de Os últimos guerreiros do império (Amadora: Erasmo, 1995), livro donde constam entrevistas com o Comandante Rebordão de Brito, o Coronel Caçorino Dias, e o Alferes Marcelino da Mata, entre outros. Nele, o então Brig Hélio Felgas faz um depoimento (polémico) sobre a guerra da Guiné.

Já aqui publicámos a última parte do depoimento ("algumas considerações acerca da Guiné Portuguesa"), onde ele é intencionalmente polémico, comparando a Guiné com o Vietname... Nessa parte do livro (pp. 135 e ss.) , ele revela - 27 anos depois ! - algumas ideias do relatório que terá enviado, no final do ano de 1968, ao General Spínola, "onde defendia que a concessão da independência à Guiné Portuguesa não iria agravar, antes pelo contrário, a situação em qualquer das outras Províncias Ultramarinas" (p. 135).

Outra peça de antologia é o seu relatório da Op Lança Afiada, onde não se coibe de fazer críticas à falta de apoio aéreo e de outros meios (não-participação das forças pára-quedistas e dos fuzileiros).

O Brig Hélio Felgas, condecorado com a Ordem Militar da Torre e Espada, do Valor, Lealdade e Mérito (1970), passou compulsivamente à Reserva, a seguir ao 25 de Abril, data em que estava em comissão de serviço em Angola.

(2) Vd. poste de 12 de Fevereiro de 2006 > Guiné 63/74 - DXXVI: O desastre do Cheche: a verdade a que os mortos e os vivos têm direito (Rui Felício, CCAÇ 2405)

(...) Acabei de ler um texto escrito pelo camarada José Martins onde relata a sua experiência na zona de Madina do Boé. Embora tenha reconhecido que não assistiu directamente ao que se passou no célebre e lamentável desastre do Cheche, ocorrido no fatídico dia 6 de Fevereiro de 1969, o José Martins conheceu bem o local e a região e desenvolveu a sua descrição socorrendo-se de relatos e documentos alusivos ao sucedido.Deduz-se daquele relato, publicado no blogue, que o desastre teria acontecido essencialmente devido a três factores:

(i) Os militares descomprimiram e tentaram encher os cantis com água do rio, o que terá provocado, depreende-se, o desiquilíbrio da estabilidade da jangada;

(ii) Teria sido ouvido um som abafado, semelhante a uma morteirada, que teria provocado agitação entre os militares e, em consequência, desiquilibrado a jangada;

(iii) Que, após o acidente, a água do Rio Corubal terá tomado um tom avermelhado, querendo com isso dizer-se que os crocodilos que habitavam as águas do rio, teriam consumado a morte dos militares que cairam à água.

(...) 2. O filme da SIC sobre o desastre do Rio Corubal

O mais curioso é que no filme, da autoria de José Saraiva, realizado por Manuel Tomás, que foi visto há uns anos atrás, por muitos milhares de portugueses através da sua transmissão pela SIC e pela distribuição de um vídeo feita na mesma altura pelo Diário de Notícias, são apresentadas aquelas mesmas razões como causas imediatas do desastre.

Já nessa altura contestei as conclusões do filme, e fi-lo por escrito e em reunião pessoal com o Director de Informação da SIC, Dr. Alcides Vieira, estando presente o realizador Manuel Tomás, que dirigiu a realização do filme.

Refiro que a carta entregue na SIC foi subscrita não só por mim mas por dezenas de ex-militares da CCAÇ 2405, que, por coincidência nessa mesma altura, no almoço de confraternização anual, a leram e assinaram.

A contestação dos factos descritos no filme foi feita nessa reunião na SIC, com a prévia concordância do Comandante da Operação, Brigadeiro Hélio Felgas, e estando presentes, além de mim próprio, o Capitão Miliciano José Miguel Novais Jerónimo e o Alferes Miliciano Paulo Enes Lage Raposo.

E ela foi por nós solicitada à SIC em virtude do impacto que a exibição do filme teve nos ex-militares que a ele assistiram e que tinham estado presentes na jangada naquele dia do desastre.Com efeito, no próprio dia da exibição do filme comecei a receber telefonemas de antigos camaradas, um tanto decepcionados e alguns até revoltados, pela inexactidão dos pormenores que ali eram descritos.

Todos nós três, presentes na dita reunião, participámos na operação de evacuação de Madina do Boé, e todos estavamos presentes no local do acidente no Cheche naquele dia 6 de Fevereiro de 1969.O Capitão Jerónimo, comandante da CCAÇ 2405, e eu próprio, estávamos na jangada no momento do acidente, onde se encontrava também o Alferes Miliciano Jorge Rijo, oficial da CCAÇ 2405, com o seu pelotão.O Alferes Miliciano Paulo Raposo, também oficial da CCAÇ 2405, já tinha feito a travessia do rio na viagem anterior, e encontrava-se na margem norte do Corubal com o seu pelotão, observando a tragédia.

Na referida reunião da SIC, o realizador Manuel Tomás argumentou que o filme fora realizado com fundamento em entrevistas e em documentos oficiais militares a que tinha tido acesso, pelo que considerava o filme suficientemente documentado.E disse que esses documentos atestavam as razões acima referidas, isto é, que a jangada se virou porque, no essencial, teria havido disparos de morteiro que, supostamente vindos do IN, teriam criado o pânico nos militares, os quais, ao agitarem-se, teriam provocado o desiquilíbrio da jangada.

Perante a irredutível posição da SIC em manter a versão veiculada pelo filme, nada mais nos restou do que desistirmos do pedido que lhe fizémos para que fosse proporcionado esclarecimento público sobre as conclusões desse filme.

Foi dito, nessa reunião, ao Dr. Alcides Vieira e ao Sr. Manuel Tomás que, por muito credíveis que pudessem parecer os documentos militares em que fundamentaram a versão filmada, nenhum deles jamais desmentiria ou apagaria da minha memória e dos meus camaradas o que realmente se passou.

Mais importante que os documentos preparados no silêncio dos gabinetes militares, sabe-se lá com que inconfessados motivos, era a indesmentível memória daqueles que tinham sido protagonistas e vítimas do desastre.

É com o mesmo espírito de esclarecimento da verdade dos factos que volto hoje ao assunto, desta vez no ambiente mais acolhedor de um blogue criado e gerido por alguém como o Luis Graça que, tendo estado na Guiné, sabe melhor que ninguém que não queremos honrarias, distinções ou protagonismo público. Queremos tão só que a história seja o mais verdadeira e exacta possivel...

Esse é o legado que queremos deixar aos vindouros, para que jamais seja ignorado o sacrificio de uma geração inteira, retirada à sua despreocupada juventude para fazer uma guerra em longínquas terras, em nome dos seus deveres e obrigações para com a sua Pátria. (...).

terça-feira, 18 de março de 2008

Guiné 63/74 - P2662: Fórum Guileje (8): O nosso património histórico comum (Leopoldo Amado)



Guiné-Bissau > Bissau > Palace Hotel > Simpósio Internacional de Guiledje (1 a 7 de Março de 2008) > 4 de Março de 2008 > Painel 1 (Guiledje e a Guerra Colonial / Guerra de Libertação) > Comunicação do Leopoldo Amado (Génese e evolução do sentido estratégico-militar do corredor de Guiledje no contexto da guerra de libertação nacional). Ladeado à esquerda pelo moderador do painel, João José Monteiro, Reitor da Universidade Colinas do Boé; e, à direita, por Maneul Santos (Manecas), guineense, ex-comandante militar do PAIGC.

Fotos: ©
Luís Graça (2008). Direitos reservados.


1. Mensagem do nosso amigo Leopoldo Amado, lusoguineense, doutorado em História Contemporânea pela Universidade de Lisboa (2007), especialista da história da guerra colonial / luta de libertação na Guiné-Bissau:

Caro Luís Graça,

Para efeitos de publicação, junto envio um texto para a nossa Tabanca Grande. Logo verás se tem ou não interesse ou se é ou não pertinente para o momento vertente, pelo que deixo à tua consideração a possibilidade de o publicar ou não,

Mantenhas di ermondadi,

Leopoldo Amado (****)


2. Fórum Guileje (*) > A ENCRUZILHADA DE GUILEDJE OU O CLIC PARA UMA NOVA DIMENSÃO DE HUMANISMO...
por Leopoldo Amado

Revisão de texto e subtítulos: L.G.

O papel da Tabanca Grande é simplesmente extraordinário. Tão extraordinário é a ponto de, muito provavelmente, apenas disso virmos colectivamente a dar conta, pelo menos na sua verdadeira dimensão e impacto, após muitos anos passados.

Acresce a essa importância o facto de nela não haver, nem processos de intenção e muito menos processos inquisitórios, o que permite que a tertúlia continue a registar opiniões concordantes, mas igualmente dissonantes e até contraditórias (exercício esse louvável, e, por isso, verdadeiramente magnânime e democrático), e que, certamente, adensando-se cumulativamente, à medida que o tempo passa, proporcionará num futuro próximo uma impar visão de conjunto, aliás, tendência essa que já se esboça na Tabanca Grande relativamente à História da guerra colonial e a da guerra de libertação – sintomaticamente, o maior desafio às duas historiografias que, não obstante possuírem de comum o mesmo palco de guerra (o mesmo TO, se se quiser) e, grosso modo, o mesmo objecto de estudo – não privilegiam por vezes as mesmas temáticas e nem as mesmas conclusões (e isso não tem que acontecer forçosamente), pese embora a aliciante perspectiva comparativa que oferece a confrontação da factologia das duas abordagens da mesma guerra.

(i) As limitações da(s) nossa(s) historiografia(s)

Infelizmente, quer dum lado como doutro, a historiografia ainda não está imune às tentações de interpretações exageradas ou às influências dos lugares-comuns cuja permissividade é de alguma maneira facilitada pela inexistência ou a ausência de uma visão de conjunto, situação essa que, quer queiramos, quer não, irá por muito tempo ainda continuar a potenciar situações do género.

Ainda há dias, em pleno Simpósio Internacional de Guiledje, Fernando Delfim da Silva, meu compatriota e amigo e, incontornavelmente, um ilustre intelectual guineense, garantia que tinham sido os mísseis Strella que fizeram desequilibrar definitivamente a correlação de forças em favor do PAIGC, quando, na verdade, desde o começo da guerra foi sempre visível, até para os comandos-chefes portugueses, que o desequilíbrio de forças foi sempre favorável ao PAIGC, mercê da sua permanente melhoria estratégico-táctica e, também, da perfeita combinação de acções de guerrilha com as da guerra convencional, para além de uma manifesta superioridade do PAIGC em termos de arsenal bélico, sem ainda contar com o conhecimento do meio e uma elevada moral combativa que os seus efectivos demonstravam.

(ii) Não foram os Strella, mas o génio político-militar de Amílcar Cabral que levou ao desequilíbrio de forças, a favor do PAIGC

Efectivamente, não foram os mísseis Strella, nem os temíveis morteiros [de 82 ou 120 mm] e nem os foguetões de 122 mm [, o Graad ou jacto do Povo,] ou ainda peça de artilharia 130 mm [, M-46, de origem soviética] (arma de longo alcance capaz de atingir 30 quilómetros e que, com base de fogo a partir da Guiné-Conakry, foi posto à disposição do PAIGC pelas autoridades militares daquele país e utilizada aquando do assalto ao aquartelamento Guiledje, em Maio de 1973) (1), foram decisivos no sentido de configurarem uma alteração marcadamente significativa em termos estratégico-tácticos.

Esse desequilíbrio a favor do PAIGC era já uma realidade e ela evoluiu no tempo de forma quase inalterável porque Amílcar foi capaz, desde o início da luta armada, de adequar a estratégia militar e a consequente táctica às estruturas logísticas e ao próprio dispositivo, colmatando, aqui acolá as situaçõesque se impunham e fazendo face aos desafios próprios de crescimento que requeriam o confronto das estratégias dos exércitos em presença, aliás, processo esse que foi impondo as FARP uma gradativa subida de patamar em termos organizacionais e uma constante adequação dos desígnios militares aos estritamente políticos, donde a necessidade de, no caso concreto do PAIGC, de se proceder sempre a uma interpretação tripartida e, sempre que possível, fundada a mesma nas vertentes conjugadas dos aspectos militar, diplomático e político, sob pena de não se compreender, no essencial, os objectivos que perseguiam Amílcar Cabral e o PAIGC.

Em todo este xadrez político-militar, a aviação portuguesa era de facto muito importante para o Exército português, mas em nenhum momento a sua superioridade aérea ou a naval foram de molde a aniquilar ou a impedir que a correlação de forças continuasse a desequilibrar favoravelmente ao PAIGC. Da mesma forma, os mísseis Strella não provocaram propriamente uma derrota militar ao Exército português na Guiné e nem sequer o colocaram em situação de cheque mate, tanto é que, apesar da FAP (Força Aérea Portuguesa) ter sido apanhada de surpresa com o surgimento dos Strella, quase imediatamente o Governo português, não obstante o embargo de vendas de armas que lhe era imposto internacionalmente, mesmo junto dos seus tradicionais aliados, tentou, ainda assim, utilizar os privilegiados canais diplomáticos com Espanha para procurar garantir a compra de novas armas que pudesses anular ou minimizar os efeitos dos Strella, os quais, na realidade, restringiam consideravelmente a acção da aviação portuguesa, seja em missões ofensivas, de reconhecimento ou de evacuação dos feridos.

Todavia, durante todo o período que se estende até 1971, a correlação de forças no teatro das operações que pendia favoravelmente às FARP, permitiu ao PAIGC estender o seu controlo por quase toda a região Sul, o que por sua vez criou as condições ideais para o alastramento do conflito para a região Centro-Oeste, apesar das contra-ofensivas de Cantanhez e Quitafine desencadeadas quase em simultâneo pelo Exército português, mas que não conseguiram debelar o ascendente militar do PAIGC que, ainda assim, consegue abrir novos corredores de infiltração e abastecimentos a partir da fronteira Norte, dos quis se destacam os de Sitató, Jumbenbem, Sambuiá e Canja, obrigando por isso o Exército português a uma nova e profunda remodelação do seu dispositivo táctico.


(iii) A aposta (ganha por Amílcar Cabral e pelo PAIGC) da internacionalização do conflito

Entretanto, chega-se a 1971 com a política da Guiné Melhor de Spínola a lograr atingir, pela primeira vez, uma situação de equilíbrio e impasse militares, mercê sobretudo da introdução de um novo conceito operacional, baseado na crescente africanização do conflito, com a formação de unidades de recrutamento local, de espírito marcadamente ofensivo, de pendor atacante e de procura de supremacia, mesmo que transitória, em todas as zonas em disputa, denotando tal alteração estratégica uma profunda percepção por parte de Spínola dos aspectos doutrinários da guerra anti-subversiva, a qual, doravante, era direccionada no sentido da conquista das populações por meio de acções socioeconómicas, a ponto de lograr espalhar, momentaneamente embora, o desanimo nas hostes combatentes do PAIGC.

Apercebendo-se ambos de que havia que tirar partido da situação de equilíbrio e impasse militares, quer Amílcar Cabral, quer António de Spínola, quiseram potenciar positivamente para o seu lado as oportunidades que para tal surgiam, optando claramente o primeiro por uma estratégia global assente na internacionalização do conflito, para cujo fortalecimento era sumamente importante a componente militar, enquanto que o segundo apostava seriamente num trabalho de sapa que visava minar a credibilidade da direcção do PAIGC, visando igualmente forjar uma solução politicamente negociada para o conflito, uma vez que era um dado adquirido que o conflito só podia resolvido pela via política e não pela militar, pelo que através da acção concertada da PIDE-DGS e da APSIC, as autoridades coloniais começaram paralelamente a desenvolver, com um notável sucesso, todo um meticuloso e paciente trabalho de sapa e de infiltração às estruturas intermédias e, em certa medida, a própria cúpula do PAIGC.

Guiné-Bissau > Bissau > Palace Hotel > Seminário Internacional de Guiledje (1 a 7 de Março de 2008) > Painel nº 11 da muito visitada e apreciada exposição sobre a Memória da Luta de Libertação Nacional. Concepção e execução: Fundação Mário Soares / Arquivo Amílcar Cabral.

Aproveito para dar aqui os meus parabéns pelo entusiasmo, paixão, rigor e profissionalismo que mostrou a equipa do Arquivo e Biblioteca da FSM e que partilhou, com os restantes portugueses e demais participantes do Simpósio, uma semana memorável: são eles o Alfredo Caldeira (na foto, à esquerda), a Catarina Santos (na foto, de costas) e o Vitor Ramos (na foto, à direita; ao centro, em segundo plano, vê-se a nossa amiga Diana Andringa, membro da nossa Tabanca Grande, e co-autora, com Flora Gomes, do filme documentário As Duas Faces da Guerra, que será exibido no penúltimo dia do Simpósio, na presença do Chefe de Estado da República da Guiné-Bissau, e demais participantes do Simpósio).

Reproduzimos aqui, com a devida vénia, o painel nº 11. O resto dos painéis (bem como um desdobrável) podem ser vistos em: Fundação Mário Soares > Guiledje, Simpósio Internacional, Bissau, Guiné-Bissau, 1 a 7 de Março de 2008 > Exposição (LG).


Perante tal estado de coisas, Amílcar Cabral responde com uma nova modificação nos aspectos gerais da manobra global do PAIGC, que passa doravante a preocupar-se em manter no teatro das operações, com grande economia de meios e de materiais, um estado de guerra que servisse a sua propaganda interior e exterior, visando especialmente sucessos sobre as tropas portuguesas e a conquista da adesão das populações, tanto é que, em 1971, como já referimos, a acção psicossocial de Spínola e não a situação militar em si, tinha logrado conferir um equilíbrio militar no teatro de operações, portanto, diferentemente do período anterior em que, na verdade, a situação era genericamente favorável ao PAIGC, pelo menos desde de 1965.

Do confronto de duas convicções estratégicas muito claras, resulta, do lado português, a introdução de forte componente política na sua actuação, tanto junto das populações como na procura de uma solução negociada, ao que Amílcar Cabral responde com a uma inusitada acção psicossocial do PAIGC, amplamente realizada pelo PAIGC com o apoio da Suécia e, articulada a mesma, no plano das operações militares, com acções coordenadas, quer atacando as guarnições com possibilidades de apoio simultâneo de artilharia e tirarando o máximo rendimento da sua actividade, quer ameaçando zonas urbanas e os chamados reordenamentos populacionais, organizados pelo Exército português em autodefesa, quer provocando intervenções junto da tropa portuguesa e montando de seguida emboscadas nos itinerários de acesso directo das forças de socorro.


(iv) Op Maimuna: A queda de Guiledje e o seu esperado efeito de dominó...


O Exército português caiu assim numa fase desconcertante e o PAIGC, que já havia adquirido novas e potentes armas, aproveita e coloca os aquartelamentos situados ao longo da fronteira sob permanente fogo de artilharia. Assim, a 22 de Maio de 1973, conseguiu apoderar-se de Guiledje, onde as forças portuguesas deixaram armas, entre as quais três peças de artilharia e outros importantes materiais. Gadamael foi seguidamente atacada, contando a guarnição, entre os dias 13 a 27 de Maio, 38 mortos e 55 feridos.





Guiné-Bissau > Bissau > Hotel Palace > Simpósio Internacional de Guiledje (1 a 7 de Março de 2008) > Pormenor do excelente folheto da exposição, organizada pela Fundação Mário Soares / Arquivo Amílcar Cabral, Memória da Luta de Libertação Nacional.


Na imagem, reproduz-se dois documentos originais, que constam do folheto, um mapa desenhado da Frente Sul, com as posições das NT, nomeadamente de Ponte Balana, Guileje e Gadamael, bem como a primeira página do manuscrito de Amílcar Cabral com o minucioso planeamento da Op Maimuna. O Simpósio e a Exposição contribuiram, em muito, para aumentar a sensibilidade dos antigos combatentes do PAIGC e das autoridades guineenses e as instituições, públicas e privadas, responsáveis pela educação, a ciência e a cultura, para a importância que têm os arquivos documentais bem como a memória dos actores que participaram na guerra colonial / luta de libertação.


O folheto distribuído pode ser visto, na íntegra, em: Fundação Mário Soares > Guiledje, Simpósio Internacional, Bissau, Guiné-Bissau, 1 a 7 de Março de 2008 > Exposição (LG).


Na contra-ofensiva Nô Pintcha, no Norte, o quartel de Guidadje, Bigene e Binta foram violentamente atacados e cercados durante dias, e ali morreram mais de 20 soldados portugueses. Os elementos do Exército português apeados que tentaram acudir aos elementos sitiados, caíram em emboscadas ou foram apanhados pelas minas que os guerrilheiros utilizaram para vedar o acesso nas estradas que ligavam estas localidades às povoações vizinhas. Obedecendo ao ciclo normal da guerra da Guiné, a contra-ofensiva do PAIGC só parou com a chegada da época das chuvas, o que teria poupado o Exército português de mais estragos materiais e humanos.

Todavia, já o dissemos, o PAIGC perseguia objectivos políticos e nunca agendou a possibilidade de derrotar militarmente o Exército português, obedecendo sempre as diferentes estratégias militares e as correspondentes tácticas aos objectivos políticos. Compreende-se assim que, não obstante importantes, os Strella apenas representaram para o PAIGC uma subida de patamar na defesa contra a FAP, ou seja, a única e talvez a mais eficaz das armas contra a qual, até então, o PAIGC se via impossibilitado de ripostar convenientemente.

Nesse sentido, o surgimento dos Strella traduziu-se, isso sim, no reforço da tendência de isolar ainda mais as unidades de quadrícula do Exército português e assim retirar-lhes a mobilidade e a iniciativa combativas, não tanto com a pretensão de apenas lhe subtrair a superioridade aérea que de facto detinha, mas com o objectivo claro de forçar nas instâncias políticas e internacionais uma solução para o conflito, de resto, possibilidade essa que Amílcar Cabral vinha ponderando desde pelo menos 1965, mas que não conseguia pôr em marcha nos anos imediatamente subsequentes, justamente porque, no teatro de operações, era crucial elevar o nível organizacional das FARP e dota-lo gradativamente de um nível de eficiência e eficácia susceptíveis de chamar à atenção da opinião pública mundial e assim colocar o PAIGC na agenda internacional.

No entanto, apesar da introdução dos Strella terem contribuído significativamente para novamente desequilibrar a correlação de forças a favor do PAIGC, os factores decisivos, isto é, aqueles que na realidade geraram uma decisiva viragem no evoluir da guerra foram, por um lado, a substancial melhoria das FARP em termos de organização militar, mormente os aspectos estratégicos e tácticos (sem as quais, os mísseis Strella, por si sós, pouco significariam) e, por outro, a ampla e bem sucedida acção psicossocial que Amílcar Cabral e o PAIGC lograram realizar, com apoio sobretudo da Suécia, e que foi capaz de contrabalançar a inteligente acção psicossocial de Spínola.

(v) A propaganda [do PAIGC] da possível e até iminente derrota militar do Exército Português

A associar a estes dois aspectos, Amílcar Cabral introduz um terceiro, a todos os títulos demolidor, que é a de alimentar permanentemente nos areópagos internacionais a ideia de uma possível e até iminente derrota militar do Exército português, não apenas com o objectivo de assegurar que as questões relativas à justeza da luta do PAIGC se mantivessem em permanência na agenda internacional, mas sobretudo com a finalidade de criar um ambiente internacional favorável à sua intenção de proclamar o Estado da Guiné-Bissau e assim assestar um golpe diplomático fatal ao colonialismo português, pois para ele era ponto assente que o Estado da Guiné-Bissau existia de facto, através de toda uma organização social, política e económica criada nas zonas libertadas, apenas precisando, por isso, de ser formalizada de jure, com a proclamação da independência e a adopção de uma Constituição que criasse os seus órgãos de governo, transformando assim a presença do Exército português na Guiné, à luz do Direito Internacional, como se uma a força invasora se tratasse.

Dentro desta nova concepção militar do PAIGC, Guiledje, ou melhor, o Corredor de Guiledje, voltou novamente a ganhar significativa importância estratégica, aliás, importância essa inequivocamente expressa na Operação Maimuna, uma ordem de batalha não datada, que presumimos ter sido elaborada em 1971, pois enquadra-se perfeitamente no novo conceito global da guerra quo PAIGC adopta a partir dessa altura, tanto é que previa, entre outras acções, um assalto generalizado ao aquartelamento de Guiledje como o mais fortificado aquartelamento do Exército português no Sul, justamente porque Amílcar Cabral estava convencido de que com a queda de Guiledje, cairiam igualmente uma série de outros aquartelamentos portugueses situados ao longo da linha da fronteira Sul.

Assim, reconhecemos a importância de Guiledje não apenas porque para muitos dos soldados portugueses foi um palco de dramáticos e violentos combates, roçando, nalguns casos, é certo, situações de extrema desumanidade a que muitos soldados portugueses souberam heroicamente sobrepor-se (vide à propósito os pungentes relatos de Idálio Reis na Tabanca Grande sobre Gandembel-Balana) (**).

Reconhecemos ainda a sua importância não porque quisemos com uma espécie de triunfalismo pacóvio evocar o seu infortúnio (o mesmo, aliás, aconteceu aos combatentes do PAIGC em muitas ocasiões, nomeadamente aquando das operações de reocupação de Cantanhez em Cadique e Cafine). Reconhecemos Guiledje, isso sim, porque praticamente, desde o início da guerra, o Corredor de Guiledje representou, intermitentemente embora, uma área fulcral de intervenção na estratégia global e evolutiva do PAIGC, apesar de reconhecermos que isso só podia tornar-se sustentável se se tiver em consideração a historicidade própria de outros Guiledjes que, à sua semelhança, aliás, não se explicam por si sós, pelo menos autonomamente, senão adentro da concepção global das estratégias dos contendores que se confrontaram numa perspectiva dinâmica e evolutiva e que, como tal, elas próprias se apresentam com processos internos entrecortados de roturas e continuidades, condicionados estes, nas suas diversas fases de evolução, por uma série de factores que de alguma forma o Simpósio Internacional de Guiledje quis trazer à luz do dia, em prol de uma maior e mais profícua interpretação dos meandros da guerra colonial e/ou guerra de libertação, e não apenas de Guiledje como à priori parece.


(vi) Simpósio Internacional de Guiledje: para além do sucesso extraordinário da iniciativa, há um património histórico comum...

Neste sentido, caro Lema Santos, corroboro com a indignação com que se insurge contra as abordagens históricas que tendem a subvalorizar o importante papel desempenhado pela marinha portuguesa na guerra colonial da Guiné, mas há-de igualmente convir que não é menos lamentável a forma como a emergente historiografia da guerra colonial da Guiné e, paradoxalmente, a da luta de libertação (incipiente, por isso compreensível), vêm remetendo para um plano secundário o imprescindível estudo evolutivo da organização militar do PAIGC (como se de um apêndice se tratasse), bem como das estratégias e tácticas que evolutivamente as condicionaram, no qual sobressai, sem margem para dúvidas, a gigantesca e complexa rede logística (sem dúvida, a maior do PAIGC) que, estendendo-se desde Conakry e perpassando por outras cidades da República da Guiné como Boké, Kandiafara, Simbel e Tarsaia, prolongava-se depois pela então Guiné Portuguesa adentro pelo Corredor de Guiledje, a partir do qual, sintomaticamente, se despachavam o maior volume (dir-se-ia mesmo a esmagadora maioria) do armamento e munições e ainda os víveres imprescindíveis ao esforço de guerra do PAIGC.

Para concluir este já longo texto, concorde-se com Lema Santos de que, para a elaboração histórica da guerra colonial da Guiné urge ter em consideração “uma perspectiva global integrada dos três ramos das Forças Armadas portuguesas”, mas eu acrescentaria que essa mesma perspectiva integrada pode e deve ser alargada à produção historiográfica contemporânea que, na Guiné-Bissau, vem sendo esboçada, embora ainda de forma embrionária, pois, ainda assim, ela é igualmente enriquecedora para a nossa História comum, assim como para a História da Guerra colonial de Portugal na Guiné, para além, obviamente, de se afigurar igualmente importante para o incremento do estado actual de conhecimento da História Contemporânea universal e o processo em curso de apropriação pelos guineense da sua própria História.

Não creio não estar longe da verdade se afirmar que o Simpósio Internacional de Guiledje foi um extraordinário sucesso e que simbolizou e simboliza a amizade, o reencontro, para além da redescoberta, por todos, de uma nova dimensão do humanismo, até mesmo por parte dos que, desavindos outrora, tiveram com armas nas mãos em lados opostos da barricada e que, obviamente, eivados de um profundo sentido de partilha da História de uma guerra que todos experimentaram (a de toda a Guiné e não apenas de Guiledje), a qual, afinal, é (foi e certamente será), por maioria de razão, um património da nossa História comum.

Leopoldo Amado

__________

Notas de L.G.:

(*) Vd. postes desta série:

12 de Março de 2008 >
Guiné 63/74 - P2626: Fórum Guileje (1): E Cameconde ? Cabedu ? E a nossa Marinha ? (Manuel Lema Santos / Jorge Teixeira / Virgínio Briote)

12 de Março de 2008 >
Guiné 63/74 - P2628: Fórum Guileje (2): Nunca uma guerra foi feita de uma só batalha (Mário Fitas)

13 de Março de 2008 >
Guiné 63/74 - P2629: Fórum Guileje (3): A Marinha esteve como peixe dentro de água no CTIG, e teve um papel logístico fundamental (Pedro Lauret)

14 de Março de 2008 >
Guiné 63/74 - P2638: Fórum Guileje (4): Minas aquáticas em Bedanda (Ayala Botto)

15 de Março de 2008 >
Guiné 63/74 - P2642: Fórum Guileje (5): Que sentido dar a esta vaga de fundo ? Da guinefobia à guinefilia (Hélder de Sousa / Luís Graça)

15 de Março de 2008 >
Guiné 63/74 - P2645: Fórum Guileje (6): Antes que se esgote... Gandembel (Jorge Félix, ex-Alf Mil Pil Av Al III, BA12, Bissalanca, 1968/70)

16 de Março de 2008 >
Guiné 63/74 - P2649: Fórum Guileje (7): A importância do Caminho do Povo (Paulo Santiago)

(**) Vd. poste de 18 de Abril de 2007 >
Guiné 63/74 - P1672: Guileje: a artilharia do PAIGC (Nuno Rubim) Guiné 63/74 - P2640: Uma semana inolvidável na pátria de Cabral: 29/2 a 7/3/2008 (Luís Graça) (5): Um momento de grande emoção em Gandembel

(****) Historiador, orador no
Simpósio Internacional de Guiledje



(i) Nota curricular:

Nasceu no Sul da Guiné-Bissau e licenciou-se desde 1985 em História pela Universidade de Lisboa. Doutorou-se recentemente pela mesma Universidade em História Contemporânea, com uma tese sobre a guerra de libertação da Guiné-Bissau. É autor de inúmeras publicações de natureza científica e literária.

Desempenhou no país várias funções directivas em instituições de ensino e em projectos de investigação histórica e, igualmente, como funcionário e consultor junto de inúmeras instituições da sociedade civil, designadamente, nos de desenvolvimento, dos Direitos Humanos e dos Direitos das Crianças, para além de experiências como consultor de várias organizações e organismos internacionais na Guiné-Bissau, a saber: Plan International, Radda-Barnen, Unicef, Fnuap e Pnud.

No exterior (Cabo Verde, Portugal e França), trabalhou em diversos projectos de investigação e foi consultor da Unesco, Amnistia Internacional, Editora Nathan e CPLP, desempenhando actualmente as funções de Secretário da Guineáspora (Portugal), investigador associado do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisa (Guiné-Bissau), investigador auxiliar do Centro de Estudos Africanos da Universidade do Porto (Portugal) e Professor convidado da Faculdade de Jornalismo da Universidade do Porto (Portugal).

(ii) Título da comunicação: Génese e evolução do sentido estratégico-militar do corredor de Guiledje no contexto da guerra de libertação nacional

(iii) Sinopse da comunicação:

Do ponto de vista militar e por razões diversas e até diferenciadas – entre as quais sobressaem as de ordem política, estratégica e táctica – o Sul da Guiné-Bissau afigurou-se para os contendores, tanto o Exército português como o Exército Popular, como área fulcral de intervenção.

A esta ambivalência dicotómica, que decorre da substantiva diferenciação do sentido táctico-estratégica de cada um dos contendores, sobrepuseram-se também, no decorrer da guerra, diferenciadas percepções e opções estratégicas, em cujo confronto e justaposição, procurar-se-á dissecar os contornos que alavancaram a sua perspectiva evolutiva e, tanto quanto possível, estabelecer parâmetros teóricos e conceituais susceptíveis de melhorar o estado actual do conhecimento com relação às circunstâncias e condicionamentos vários que, ao longo do conflito, determinaram as opções estratégicas por que se pautou a intervenção militar do PAIGC e, na qual, indubitavelmente, o chamado corredor de Guiledje assume particular significação histórica.

sábado, 2 de fevereiro de 2008

Guiné 63/74 - P2499: Guiledje: Simpósio Internacional (1 a 7 de Março de 2008) (13): Enquadramento histórico (I): a importância estratégica de Guileje








Guiné-Bissau > PAIGC > Novembro de 1970 > Belíssimas imagens obtidas algures, no sul, em região libertada, pelo fotógrafo norueguês Knut Andreasson.

Recorde-se que o fotógrafo norueguês acompanhou uma delegação sueca (tendo à frente a antiga líder do parlamento sueco, Birgitta Dahl) na visita às regiões libertadas da Guiné-Bissau, em Novembro de 1970.

Segundo o sítio da Nordic Africa Institute (uma agência dos países nórdicos, com sede na Suécia, em Upsala ), esta visita deu-lhe oportunidade de falar com Amílcar Cabral, em pleno palco da luta pela independência, e ficar a conhecer melhor o PAIGC, a guerrilha e a sua implantação no terreno.

Andreasson e Dahl publicaram mais tarde um livro em sueco sobre essa viagem. Andreasson, por sua vez, realizou uma exposição fotográfica e publicou um álbum fotográfica sobre esta visita.

A maior parte das fotos deste período foram doadas ao Nordic Africa Institute pela viúva de Andreasson. A exposição foi , por sua vez, doada à Fundação Amílcar Cabral pelo Nordic Africa Institute, sendo apresentada por Birgitta Dahl, a antiga líder do Parlamento Sueco, por ocasião das celebrações do 80º aniversário de Amílcar Cabral, em Setembro de 2004.

Fonte: Nordic Africa Institute (NAI) / Fotos: Knut Andreasson (com a devida vénia... e a autorização do NAI) (As fotografias tem numeração, mas não trazem legenda) (*)


I Parte da brochura, publicada em pdf, pela organização do Simpósio Internacional sobre Guiledje, e que tem como título Guiledje: Na Rota da Independência da Guiné-Bissau. É um notável documento, objectivo, sintético, suportado na investigação historiográfica, e que nos ajuda a perceber melhor a importância estratégica que teve Guileje (e o corredor de Guileje) na estratégia do PAIGC e do seu líder histórico, Amílcar Cabral, nomeadamente a partir de 1965.

É um documento, feito pelos guineenses que hoje podem, com orgulho, apropriar-se da sua própria história, construi-la e escrevê-la. O documento original, em pdf, de 20 páginas é ilustrada com fotografias cedidas por ex-militares portugueses que fizeram parte de unidades de quadrícula estacionadas em Guiledje, desde 1964 a 1973, incluindo vários camaradas da nossa tertúlia. (Fotografias essas que não vamos aqui reproduzir, uma boa parte delas já sendo conhecidas do nosso blogue. Vd. o documento original).

É também um momento bonito, que só vem confirmar a sabedoria de Amílcar Cabral que nunca hostilizou o povo português e os portugueses, nunca os confundindo com o regime político de António Salazar / Marcelo Caetano... Amílcar Cabral gostaria certamente de ver, se fosse vivo, os inimigos de ontem transformados em amigos de hoje...

Como, de resto, temos escrito no nosso blogue, o Simpósio Internacional de Guiledje não celebra a derrota de ninguém mas sim a vitória de dois povos que continuam ligados por laços históricos, afectivos, culturais e linguísticos... Guiledje (mantendo a grafia que é cara aos nossos amigos guineenses, mesmo contra os puristas da língua portuguesa para quem não existe o conjunto consonântico dj...) representa o triunfo da vida sobre a morte, a vitória da paz sobre a guerra, a primazia da memória (viva) sobre o esquecimento e o branqueamento da história, a afirmação da esperança no futuro, o reforço da amizade e da solidariedade entre os nossos dois povos...

Guiledje - Simpósio Internacional - Guiledje: Na Rota da Independência da Guiné-Bissau. Documento em pdf. 2007. 20 pp. (Com a devida vénia...)

Revisão e fixação de texto, para edição neste blogue: L.G.


Parte I >


(i) A estruturação das forças militares do PAIGC e as suas primeiras repercussões

A luta armada de libertação nacional foi iniciada no Sul em Janeiro de 1963. No final do primeiro semestre de 1964, a situação militar era já de grande optimismo para o PAIGC, cuja guerrilha não parava de alastrar para extensas partes do território.

Em cumprimento das resoluções do seu I Congresso, o PAIGC, criou em Fevereiro de 1964 o Exército Popular e a Milícia Popular. A guerrilha foi fortemente reestruturada e transformou-se mais tarde nas Forças Armadas Revolucionárias do Povo, as FARP. Foi constituído um órgão de cúpula – o Conselho de Guerra – que funcionaria como estado-maior e era dirigido pelo Secretário-Geral, Amílcar Cabral.

A criação da Milícia Popular, à qual foram confiadas tarefas de autodefesa bem como a gestão de questões de natureza político-administrativa nas regiões libertadas, permitiu a libertação de parte dos efectivos guerrilheiros. Conferiu-se assim maior poder de iniciativa e mobilidade às unidades de combate do PAIGC. Tal facto criou desde cedo imensos problemas ao Exército português.

Logo no primeiro ano de conflito, a chefia militar máxima do Exército português na então Província da Guiné foi substituída quatro vezes, apenas se registando uma estabilização em Maio da 1964, altura em que chega à Guiné o general Arnaldo Shultz, antigo Ministro do Interior português de 1959 a 1961. Após ter tomado o pulso da situação e visando dar maior operacionalidade e eficácia às tropas portuguesas perante a combatividade dos guerrilheiros do PAIGC, decidiu unificar o comando político com o comando militar da Guiné.


(ii) Guiledje e a logística de guerra do PAIGC

Antes da existência do corredor de Guiledje, a infiltração e o transporte de armamento e víveres do PAIGC eram feitos pelo trajecto Canafá-Quitafine-Cassumba-Canamina e Cubucaré. Este trajecto foi posteriormente abandonado em virtude da apertada vigilância que o Exército português passou a praticar, sobretudo após a batalha de Como (1), ao longo dos numerosos cursos de água. O PAIGC optou doravante por utilizar uma via paralela que se estendia entre Balana, Gandembel e Medjo.

Também o Exército português construiu, em Guiledje, um dos aquartelamentos mais bem fortificados nos finais da guerra. Os objectivos eram não só a de se opor ao trânsito de armamento e víveres vitais para o esforço de guerra do PAIGC, como também o da criação de uma reserva de socorro permanente e geograficamente bem colocada entre os quartéis e destacamentos do Exército português. Estes, estabelecidos ao longo da fronteira Sul, estavam expostos às investidas e ataques constantes da guerrilha.

Com o abandono do eixo Canafá-Quitafine-Cassumba-Canamina e Cubucaré, a única alternativa que surgiu para o PAIGC foi a da via terrestre até a fronteira, operando de Gandembel, Botche Cul, Botche Bunhe, Botche Djaté, Untchulbá,Tchim-Tchim Dari, Ndaba, Balana Balanta, Salancaur e Porto de Santa Clara. Os populares armazenavam armamento e munições que eram posteriormente encaminhados pelos serviços de logística do PAIGC para os diferentes destinos.

Em 1965, o PAIGC abre as hostilidades na sua Frente Leste. Mantém, contudo, o controlo sobre os seus mais importantes santuários interiores: as bases-barraca das matas do Cantanhez a Sul, e do Oio-Morés, a Norte. A partir daqui, e em ligação com bases nos países vizinhos, o PAIGC consolida posições em faixas cada vez mais vastas. Grande parte da região Sul, sobretudo em Cantanhez, passa para as suas mãos, constituindo as chamadas regiões libertadas do PAIGC. Todas as tentativas levadas a cabo pelas forças portuguesas para as recuperar saldaram-se por derrotas, que chegam mesmo, por vezes, a constituir verdadeiros desastres militares. Assim sucede por duas vezes em Cantanhez (2).

O Exército português pôs em marcha vários planos para se assenhorear do corredor de Guiledje com objectivos evidentes de interditar por um lado o trânsito de armamento e víveres e, por outro, de destruir um importante centro de recrutamento da guerrilha. O PAIGC possuía na vasta e muito rica área do Sul uma importante fonte de abastecimento essencialmente em gado, arroz e mandioca (3).

A introdução de armamento na Frente Norte era difícil senão impossível, em virtude da proibição pelo Governo senegalês do trânsito de armamento do PAIGC através do seu território. Esta situação só começou a alterar-se timidamente após 1966, altura em que foi rubricado o primeiro acordo de cooperação entre o PAIGC e o Governo do Senegal.

(iii) O Corredor de Guiledje e a evolução da guerra

O Corredor de Guiledje (também chamado Caminho do Povo e Caminho da Liberdade) (4) estende-se de Kandjafra, Simbel e Tarsaiá (Guiné-Conakry) a Gandembel, Balana, Salancaur e Unal (Guiné-Bissau). Não obstante os altos custos em vidas humanas e perdas materiais que acarretou, o Corredor acabou por funcionar para o PAIGC como o maior e mais importante corredor de infiltração e de abastecimento ao longo da guerra.

A sua função estratégica potenciou-se consideravelmente após o assalto ao quartel de Guiledje em Maio de 1973 até sensivelmente depois do 25 de Abril, quando se instituíram as tréguas entre os contendores. Camiões de fabrico russo do PAIGC (“Gaz” e “Gil”) passaram a transpor a fronteira desde Kandjafra, passando por Gandembel e parte importante do Carreiro de Guiledje no sentido Gandembel-Salancaur e Porto de Santa Clara.

António da Graça Abreu testemunha: “ (…) Com o abandono do aquartelamentode Guiledje em meados do ano passado, foi-lhes possível abrir uma estrada desde a Guiné-Conakry até às florestas situadas entre Bedanda e Iemberém. Vêm com as viaturas até bem dentro do território carregados com toneladas de material de guerra (…) (5)”.

A partir de 1965, a situação favorável ocasionada pelo corredor de Guiledje ao PAIGC passou a ser evidente. Para além de ter permitido às FARP controlar praticamente todo o Sul da Guiné, o corredor permitiu ainda estender esse controlo para a zona Centro-Oeste do território. Em reacção, o Exército português desencadeou uma série de operações militares como as de Cantanhez, Como e Quintafine. Não obstante a sua grande envergadura, essas operações não deram resultados palpáveis. O Governador Schultz optou então por colocar nessas áreas algumas forças que as pudessem (re)ocupar e outras para reagir às investidas dos guerrilheiros do PAIGC.

O PAIGC, profundamente consciente da importância estratégica do Corredor de Guiledje ali colocou uma força considerável capaz de dissuadir o Exército português:

– o 2º Corpo de Exército que irradiava normalmente a partir da região de Salancaur-Unal, com a missão de garantir a liberdade de utilização do importante nó de comunicações e o complexo logístico do Unal;

– o 3º Corpo de Exército do PAIGC que, operando a partir da região de Kandjafra, na Guiné-Conakry, tinha a missão de atacar e isolar o Exército português no extremo sul fronteiriço e assim garantir a utilização do corredor de Guiledje.

Destaca-se, nesse particular o grupo de artilharia comandado pelo lendário Tué Nangamna (6) que, sob as ordens de Amílcar Cabral, logrou destruir e isolar o destacamento de Gandembel e Balanacinho, cujo objectivo era retirar ao PAIGC a função vital que o Caminho do Povo assumia no seu esforço de guerra (7).

O Exército português tinha na altura numerosos destacamentos militares junto à fronteira com a Guiné-Conakry o que o obrigava a desmedidos esforços de reabastecimentos de munições e alimentos por meio de colunas militares. Estas envolviam normalmente grande número de viaturas, algumas delas em estado avançado de degradação, para além de numerosas forças terrestres e aéreas para a sua protecção.

No geral, as colunas militares portuguesas possuíam um arsenal bélico de qualidade inferior ao dos guerrilheiros. A guerra começou então a desequilibrar-se claramente a favor do PAIGC.

O general Schulz reconheceu: “ (…) quando cheguei à Guiné a situação era complicada, o PAIGC atacava em todas as frentes a partir do Senegal e da Guiné-Conakry e de bases onde se refugiavam no interior da Província – as matas do Sul (Cassacá, Como....) e as de Oio, Gã-turé, Cantanhez... –, chegando ao ponto de flagelar o quartel de Brá, situado entre Bissau e o aeroporto de Bissalanca, ou seja, nas barbas do poder mmilitar português, e de noite ouviam-se ataques a outros destacamentos, por vezes com alguma violência e durante largos períodos de tempo (… )” (8).

É consensual que a situação nunca mais parou de se agravar desfavoravelmente para o Exército português, exceptuando uma ou outra fase conjuntural, em que este último logrou estabelecer um tangencial e frágil equilíbrio militar. A tentativa de reocupar extensas áreas sob o controlo do PAIGC, não produziu os efeitos desejados.

O Exército português na Guiné teve que recorrer a um crescente aumento do contingente, que passou de 2000 homens em armas nos finais dos anos 50 para cerca de 10.000 em 1960 e cerca de 25.000 em 1968. Foi continuando ao longo dos anos da guerra a crescer até atingir um máximo de 42.000 efectivos, sobretudo graças ao recrutamento africano (9).

(Continua)
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Notas dos autores da brochura:

(1) A batalha de Como durou mais de dois meses em 1964. A operação Tridente do Exército português, cujo objectivo era o de expulsar os guerrilheiros do PAIGC da Ilha, falhou completamente e Como permaneceu como área libertada controlada pelo
PAIGC. A operação é comummente considerada a de maior envergadura no contexto das guerras coloniais portuguesas em África.

(2) Em Dezembro de 1973, sob o nome de código Estrela Telúrica já depois da tomada de Guiledje, ao todo cerca de 500 homens, ou seja, três companhias de comandos africanos, mais a conhecida 38ª de Comandos e fuzileiros, tentaram em Cantanhez enfraquecer os guerrilheiros e bases do PAIGC com uma grande operação que se prolongou por mais de uma semana, todavia, não bem sucedida.

Segundo António da Graça de Abreu, um testemunho presencial dos acontecimentos, confessa num seu livro/diário da guerra que “acho que nunca ouvi tanta porrada, tantos rebentamentos, nunca vi tantos mortos e feridos num tão curto espaço de tempo. E a tragédia vai continuar. A Estrela Telúrica prolongar-se-á por mais uma semana. Tudo começou em grande, com três companhias de Comandos Africanos, mais os meus amigos da 38ª, fuzileiros e a tropa de Cadique a avançarem sobre Cantanhez. O pessoal de Cadique começou logo a levar porrada, um morto, cinco feridos, um deles alferes, com uma certa gravidade. Ontem de manhã, dia de Natal, foi a 38ª de Comandos a embrulhar, seis feridos graves, entre eles os meus amigos alferes Domingos e Almeida, hoje foram os Comandos africanos comandados pelo meu conhecido alferes Marcelino da Mata, com dois mortos e quinze feridos O IN, confirmados pelas NT, só contou seis mortos, mas é possível que tenha morrido muito mais gente, os FIATs a bombardear e os helicanhões a metralhar não têm tido descanso" (...). Vide, Abreu, António Graça de, Diário da Guiné, Lama, Sangu e Água Pura. Lisboa: Guerra e Paz. 2007, p.175.

(3) O Sul da Guiné representa o maior espaço de produção agrícola de arroz, sendo as terras situadas na bacia do rio Cumbidjã as mais dotadas para a produção de arroz no território.

(4) Entre os soldados portugueses, vulgarizou-se a expressão Corredor da morte, referindo-se obviamente à intensidade dos combates pelo controlo do Corredor de Guiledje.

(5) Abreu, António Graça de, Diário da Guiné, Lama, Sangue e Água Pura. Lisboa: Guerra e Paz Editores S.A., 2007.

(6) Tué Nangamna, recentemente falecido, possuía como última residência o Bairro de Impantcha, nos arredores de Bissau. Tido consensualmente como dos melhores artilheiros do PAIGC, comandou cerca de 60 morteiradas em algumas operações de alto risco e responsabilidade, como a de destruição do destacamento português de Balana e de Balanacinho.

(7) Leia-se, à propósito, os diversos artigos publicados no site Luís Graça e Camaradas da Guiné, de autoria de Idálio Reis.

(8) Entrevista com o general Arnaldo Shultz, realizada a 18 de Julho de 1985, e conduzida por Josep Sanches Cervelló, In A Revolução Portuguesa. Sua Influência na Transição Espanhola, (1961-1976). Lisboa, Assírio e Alvim , 1993, p. 93.

(9) O contingente militar português foi-se africanizando na medida em que Portugal continental estava a atingir os limites máximos da sua capacidade de recrutamento, pelo que o recrutamento local que começou em 1966 e foi aumentando até 1971, se bem que na própria Guiné a população era muito limitada comparada com a das outras colónias, dado que nunca ultrapassou os 21 por cento do total dos habitantes.

O peso das milícias foi aumentando com o decurso da guerra, e nas últimas etapas, eram responsáveis por 50 por cento do contacto com os guerrilheiros do PAIGC.

Vide Cann, John P., A Contra-insurreição em África (1961-1974), O Modo Português de Fazer a Guerra. Lisboa, Atena, 1988, p. 122.

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Nota de L.G.

(*) Mensagem da Webmaster:

Dear Luís Graça,

I am glad to hear that you like the photos and that you use them.

Best regards,
Agneta Rodling
Information/Webb
Nordiska Afrikainstitutet
The Nordic Africa Institute
Box 1703,
SE-751 47 UPPSALA
+46-18 56 22 21

Mensagem anterior de L.G.:

Dear webmaster:

Please note that, as the founder and main editor of Portuguese blog 'Luis Graca e Camaradas da Guine' (in English, Luis Graca and Guinea-Bissau camerades), I have postd some photos from the great photographer Knut Andreasson I have found out on your Nordic Africa Insitute site as public domain material... I am very grateful for this. Best wishes. Luis Graca.

sexta-feira, 4 de janeiro de 2008

Guin é 63/74 - P2406: Op Tridente, Ilha do Como, 1964: Guerrilha e contraguerrilha (Santos Oliveira / Mário Dias)


Guiné > Ilha do Como > 1964 > Op Tridente (de 14 de Janeiro a 24 de Março de 1964) > LDM desembarcando as NT. Foi a maior ou uma das maiores operações realizadas no TO da Guiné, durante toda a guerra (1963/74). Segundo o Mário Dias, as baixas de um lado e doutro foram as seguinte: Das NT, 8 Mortos15 Feridos; Do PAIGC:76 Mortos (confirmados), 29 Feridos, 9 Prisioneiros... 

Na batalha do Como, morreu um dos primeiros heróis do PAIGC, o comandante Pansau Na Isna, cuja história poucos jovens guineenses de hoje devem conhecer, apesar de ter dado o nome a uma das principais avenidas de Bissau. 

oto: © Mário Dias (2005). Direitos reservados.



 
 Guiné > PAIGC > A Libertação do Komo. In: O Nosso Primeiro Livro de Leitura, p. 31. Departamento Secretariado, Informação, Cultura e Formação de Quadros do Comité Central do PAIGC, 1966 (1). Fotos: © A. Marques Lopes / Luís Graça & Camaradas da Guiné (2007). Direitos reservados. 1. Mensagem de Santos Oliveira, datada de 24 de Dezembro de 2007: Assunto - Op Tridente e o tempo seguinte Caro Mário: Desculpa-me esta intervenção pessoal, mas está-me atravessada… Acho que já fiz esta anotação em qualquer lado; mas gostava de partilhar a minha análise a partir da Op Tridente (2). Tudo o que tens escrito e afirmado é verdade e uma realidade (os pormenores são apenas isso). Entretanto, como elemento principal de análise começa-se pelo tipo de Operação, como foi planeada e como foi desenvolvida. Todos nós sabíamos que estávamos a fazer uma Operação de Guerra CLÁSSICA que até estava de acordo com a Instrução Militar que era ministrada (na época e mesmo muitos anos depois). Daí vocês terem sofrido bem mais, quase até ao limite da resistência humana. Tu, como eu e outros (Rangers ou Comandos) provavelmente possuíamos conhecimentos de Guerrilha que eram quase desconhecidos para a maioria dos Militares, mesmo do QP; eu, pelo menos, recebi conhecimentos práticos, que me eram extremamente úteis, tão somente porque o (oficialmente) Conselheiro Militar Americano que me deu essas bases, era Cap dos Rangers Americanos, e havia feito 2 Comissões no Vietname. Era extremamente cuidadoso e precavido e sempre nos transmitiu essa norma. Sabes bem que em guerrilha há umas quantas regras, mas que não são regras nenhumas; aproveita-se e improvisa-se tudo, de acordo com a situação de cada momento. Agora, pensa: Depois de 70 dias, com as ilhas isoladas pela Marinha, Força Aérea e parte das NT, como poderia ser feito reabastecimento de munições, ao IN? A população não estava lá e eles tinham que sobreviver para não morrer; por isso limitavam-se, como dizes e muito bem, a dar um tiro de aviso aquando da vossa aproximação. Acredita que vocês passavam ou cruzavam a mata (conhece-la suficientemente bem), mas não a dominavam; eles não podiam nem queriam o contacto, pelas razões óbvias (munições), não do desgaste, mas da falta de meios. E quando foi retirado o efectivo (ou dispositivo) da Op Tridente, achas que uma Companhia, por muito activa e aguerrida que fosse, conseguia impedir o remuniciamento do IN? Tu como eu, sabemos que não. Seria impossível. Olha, não quero nem sou Juiz de causa alheia; não defendo nem acuso a actuação da(s) Companhia(s) residente(s) por não fazer(em) nada, mas apelo ao teu sentido de Tropa de Elite e Comando que, necessariamente te fará reflectir acerca do assunto. Como afirmei, desconheço as Ordens que eles receberam e por isso pedi um delator. Eu, recebi, em Bissau, uns papéis que eram para ler na LDM que me levou para o Como, e destruí-los antes de lá pousar o pé. Historiavam pormenorizadamente a Op Tridente e as condições do que iria encontrar; infelizmente, na altura, era muito obediente e até tinha pavor do RDM, pelo que os destruí mesmo. Lamento-o, agora. Espero tenhas um momento e ainda queiras ter a pachorra e coragem de pensar no que passaste, e desenvolver, na tua mente, o meu raciocínio. Ficar-te-ei grato se aceitares este desafio. O maior abraço do Mundo e os votos de continuação de Boas Festas, do Santos Oliveira 2. Resposta do Mário Dias: Caro Santos Oliveira: Antes que termine o ano, não quero deixar de responder ao teu desafio e tecer algumas considerações sobre o que dizes na tua mensagem (3). Primeiro, e para que não haja mal entendidos, também eu não pretendo ser Juiz de ninguém. Não posso nem quero julgar o comportamente seja de quem for. Porém, isso não me impede de ter a minha opinião sobre o ocorrido durante a guerra em que estivemos envolvidos. Quanto a mim, o cerne da questão reside principalmente na atitude das duas forças em presença e que se resume no seguinte: Enquanto o PAIGC fazia a guerra para ganhar, nós faziamos a guerra para não a perder. O período de 1963 a 1966 em que fui combatente na Guiné, foi suficiente para verificar que as unidades militares que se enfiavam no arame farpado e de lá, não saíam eram precisamente as que sofriam maior número de ataques. Aquelas que andavam na mata, que procuravam o inimigo e não lhe davam descanso, raramente viam os seus quarteis atacados. Tenho experiência pessoal de alguns casos que um dia poderei relatar. Aliás, como todos sabemos, é um dos princípios básicos da guerrilha fugir ou desaparecer quando o inimigo ataca e atacar quando este recua. No caso em análise - Op Tridente - há um outro princípio da guerra, qualquer que ela seja, que se chama exploração do sucesso que nos diz devermos aproveitar a fraqueza, ainda que momentânea, do inimigo e prosseguir o ataque. É mais ou menos o sentido da expressão popular malhar o ferro enquanto está quente. Isso não foi feito, isto é: não houve exploração do sucesso. Também eu não sei quais as ordens que a Companhia do Cachil tinha nem o que a motivou a confinar-se ao seu reduto. O que sei é que o resultado foi começar a ser atacada pois deixaram os guerrilheiros à vontade para o fazer. Depois, acaba por se criar uma "pescadinha da rabo na boca": "Não podemos ir à mata pois eles podem vir atacar-nos e o quartel estaria desfalcado" e como não fomos lá, vieram eles cá. Não quero deixar de mostrar a minha solideriedade por todos quantos por lá passaram e rendo-lhes a minha homenagem pelo muito que sofreram. Poderiam as coisas ter sido de outra maneira? Não sei. Agora não adianta especular, nem no plano militar e menos ainda no ideológico (isso não caberia em poucas linhas), mas apenas relembar os acontecimentos para que as gerações vindouras saibam como tudo se passou. Caro amigo, rendo-te a minha admiração pela clareza das tuas opiniões. Um grande abraço com votos de um feliz 2008 e seguintes. E que sejam muitos aos quais também quero assitir. Mário Dias 3. Comentário do Santos Oliveira: Caríssimo Mário Dias: Acredita que me tens tirado um grande peso da minha mente. Fiz-te o desafio porque também eu não entendo (entendia) a posição assumida pelas Heróicas Unidades que por lá passaram. Consumia o espírito e sentia revolta do que presenciava. Por isso, culpava-me porque fazia um julgamento duro e injusto (e assim foi ao longo destes anos todos) e buscava justificações para as CC; sentia-me tomado de uma atitude de ressabiado, por ter que fazer uma espécie de trabalho sujo sem ter qualquer reconhecimento e sem ver ninguém levantar um dedo para atenuar aquelas duras consequências (sofri muito e sofro ainda). O meu juízo do diabo teve esse sentido; doutro modo não teria revelado a história do Pelotão de Morteiros, o 912, que nunca existiu… (o título não foi meu) sobretudo da HISTÓRICA noite de 16 de Novembro de 1964 de que, recordo, ter sido compensador a necessidade táctica de ter de mentir, (reservando munições para 3horas de fogo rápido) afim de termos obtido a salvação da nossa pele, como prémio. Tens plena autoridade (era o que sentia e sinto) quando afirmas que a verdadeira guerra estava nas atitudes do PAIGC e NT; para os primeiros, ganhar; para os segundos, não me atrevo a dizer ter sido para não perder, mas, seguramente, seria para empatar…e quanto mais tempo melhor. Quanto sofrimento, amigo… e quanto se sofre ainda!... Eternamente grato por ouvires a minha voz e me ajudares a esquecer (esquecer?) o que considerava uma cumplicidade passiva, no que, afinal, nem eram as minhas atribuições e competências, nem sequer o podiam ser para as Armas Pesadas. Felicito-te pelos Relatos claríssimos que hás feito no Blogue, que lia (devorava), sem sequer sonhar que um dia (este ano) contactaria contigo para obter como que uma ajuda psicológica de grande valor; é que é de grande utilidade falar, mas de maior valia é encontrar eco de quem possa entender e dar respostas. Creio tê-las obtido. Mas para responder é necessária a AUTORIDADE de ter-se VIVIDO o mesmo. Obrigado, AMIGO. Admiro-te também. O melhor do Ano de 2008, para ti e todos os que se são caros. Um abraço, do Santos Oliveira ____________ Nota dos editores: (1) Vd. post de 1 de Julho de 2007 > Guiné 63/74 - P1907: PAIGC: O Nosso Primeiro Livro de Leitura (2): A libertação da Ilha do Como (A. Marques Lopes / António Pimentel) (2) Vd. o dossiê sobre a Operação Tridente, da autoria do Mário Dias, que participou nessa famosa operação: 15 de Dezembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCCLXXII: Op Tridente (Ilha do Como, 1964): Parte I (Mário Dias) 16 de Dezembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCCLXXV: Op Tridente (Ilha do Como, 1964): II Parte (Mário Dias) 17 de Dezembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCCLXXX: Op Tridente (Ilha do Como, 1964): III Parte (Mário Dias) (3) Vd. post de 23 de Dezembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2375: RTP: A Guerra, série documental de Joaquim Furtado (8): A Batalha do Como (Mário Dias / Santos Oliveira)