Guiné > Ilha do Como > 1964 > Op Tridente (de 14 de Janeiro a 24 de Março de 1964) > LDM desembarcando as NT. Foi a maior ou uma das maiores operações realizadas no TO da Guiné, durante toda a guerra (1963/74). Segundo o Mário Dias, as baixas de um lado e doutro foram as seguinte: Das NT, 8 Mortos15 Feridos; Do PAIGC:76 Mortos (confirmados), 29 Feridos, 9 Prisioneiros...
Na batalha do Como, morreu um dos primeiros heróis do PAIGC, o comandante Pansau Na Isna, cuja história poucos jovens guineenses de hoje devem conhecer, apesar de ter dado o nome a uma das principais avenidas de Bissau.
oto: © Mário Dias (2005). Direitos reservados.
Guiné > PAIGC > A Libertação do Komo. In: O Nosso Primeiro Livro de Leitura, p. 31. Departamento Secretariado, Informação, Cultura e Formação de Quadros do Comité Central do PAIGC, 1966 (1).
Fotos: © A. Marques Lopes / Luís Graça & Camaradas da Guiné (2007). Direitos reservados.
1. Mensagem de Santos Oliveira, datada de 24 de Dezembro de 2007:
Assunto - Op Tridente e o tempo seguinte
Caro Mário:
Desculpa-me esta intervenção pessoal, mas está-me atravessada… Acho que já fiz esta anotação em qualquer lado; mas gostava de partilhar a minha análise a partir da Op Tridente (2).
Tudo o que tens escrito e afirmado é verdade e uma realidade (os pormenores são apenas isso). Entretanto, como elemento principal de análise começa-se pelo tipo de Operação, como foi planeada e como foi desenvolvida. Todos nós sabíamos que estávamos a fazer uma Operação de Guerra CLÁSSICA que até estava de acordo com a Instrução Militar que era ministrada (na época e mesmo muitos anos depois).
Daí vocês terem sofrido bem mais, quase até ao limite da resistência humana. Tu, como eu e outros (Rangers ou Comandos) provavelmente possuíamos conhecimentos de Guerrilha que eram quase desconhecidos para a maioria dos Militares, mesmo do QP; eu, pelo menos, recebi conhecimentos práticos, que me eram extremamente úteis, tão somente porque o (oficialmente) Conselheiro Militar Americano que me deu essas bases, era Cap dos Rangers Americanos, e havia feito 2 Comissões no Vietname. Era extremamente cuidadoso e precavido e sempre nos transmitiu essa norma.
Sabes bem que em guerrilha há umas quantas regras, mas que não são regras nenhumas; aproveita-se e improvisa-se tudo, de acordo com a situação de cada momento.
Agora, pensa:
Depois de 70 dias, com as ilhas isoladas pela Marinha, Força Aérea e parte das NT, como poderia ser feito reabastecimento de munições, ao IN? A população não estava lá e eles tinham que sobreviver para não morrer; por isso limitavam-se, como dizes e muito bem, a dar um tiro de aviso aquando da vossa aproximação.
Acredita que vocês passavam ou cruzavam a mata (conhece-la suficientemente bem), mas não a dominavam; eles não podiam nem queriam o contacto, pelas razões óbvias (munições), não do desgaste, mas da falta de meios.
E quando foi retirado o efectivo (ou dispositivo) da Op Tridente, achas que uma Companhia, por muito activa e aguerrida que fosse, conseguia impedir o remuniciamento do IN? Tu como eu, sabemos que não. Seria impossível.
Olha, não quero nem sou Juiz de causa alheia; não defendo nem acuso a actuação da(s) Companhia(s) residente(s) por não fazer(em) nada, mas apelo ao teu sentido de Tropa de Elite e Comando que, necessariamente te fará reflectir acerca do assunto. Como afirmei, desconheço as Ordens que eles receberam e por isso pedi um delator.
Eu, recebi, em Bissau, uns papéis que eram para ler na LDM que me levou para o Como, e destruí-los antes de lá pousar o pé. Historiavam pormenorizadamente a Op Tridente e as condições do que iria encontrar; infelizmente, na altura, era muito obediente e até tinha pavor do RDM, pelo que os destruí mesmo. Lamento-o, agora.
Espero tenhas um momento e ainda queiras ter a pachorra e coragem de pensar no que passaste, e desenvolver, na tua mente, o meu raciocínio. Ficar-te-ei grato se aceitares este desafio.
O maior abraço do Mundo e os votos de continuação de Boas Festas, do
Santos Oliveira
2. Resposta do Mário Dias:
Caro Santos Oliveira:
Antes que termine o ano, não quero deixar de responder ao teu desafio e tecer algumas considerações sobre o que dizes na tua mensagem (3).
Primeiro, e para que não haja mal entendidos, também eu não pretendo ser Juiz de ninguém. Não posso nem quero julgar o comportamente seja de quem for. Porém, isso não me impede de ter a minha opinião sobre o ocorrido durante a guerra em que estivemos envolvidos. Quanto a mim, o cerne da questão reside principalmente na atitude das duas forças em presença e que se resume no seguinte:
Enquanto o PAIGC fazia a guerra para ganhar, nós faziamos a guerra para não a perder.
O período de 1963 a 1966 em que fui combatente na Guiné, foi suficiente para verificar que as unidades militares que se enfiavam no arame farpado e de lá, não saíam eram precisamente as que sofriam maior número de ataques. Aquelas que andavam na mata, que procuravam o inimigo e não lhe davam descanso, raramente viam os seus quarteis atacados. Tenho experiência pessoal de alguns casos que um dia poderei relatar. Aliás, como todos sabemos, é um dos princípios básicos da guerrilha fugir ou desaparecer quando o inimigo ataca e atacar quando este recua.
No caso em análise - Op Tridente - há um outro princípio da guerra, qualquer que ela seja, que se chama exploração do sucesso que nos diz devermos aproveitar a fraqueza, ainda que momentânea, do inimigo e prosseguir o ataque. É mais ou menos o sentido da expressão popular malhar o ferro enquanto está quente. Isso não foi feito, isto é: não houve exploração do sucesso. Também eu não sei quais as ordens que a Companhia do Cachil tinha nem o que a motivou a confinar-se ao seu reduto. O que sei é que o resultado foi começar a ser atacada pois deixaram os guerrilheiros à vontade para o fazer. Depois, acaba por se criar uma "pescadinha da rabo na boca": "Não podemos ir à mata pois eles podem vir atacar-nos e o quartel estaria desfalcado" e como não fomos lá, vieram eles cá.
Não quero deixar de mostrar a minha solideriedade por todos quantos por lá passaram e rendo-lhes a minha homenagem pelo muito que sofreram. Poderiam as coisas ter sido de outra maneira? Não sei.
Agora não adianta especular, nem no plano militar e menos ainda no ideológico (isso não caberia em poucas linhas), mas apenas relembar os acontecimentos para que as gerações vindouras saibam como tudo se passou.
Caro amigo, rendo-te a minha admiração pela clareza das tuas opiniões.
Um grande abraço com votos de um feliz 2008 e seguintes. E que sejam muitos aos quais também quero assitir.
Mário Dias
3. Comentário do Santos Oliveira:
Caríssimo Mário Dias:
Acredita que me tens tirado um grande peso da minha mente.
Fiz-te o desafio porque também eu não entendo (entendia) a posição assumida pelas Heróicas Unidades que por lá passaram. Consumia o espírito e sentia revolta do que presenciava. Por isso, culpava-me porque fazia um julgamento duro e injusto (e assim foi ao longo destes anos todos) e buscava justificações para as CC; sentia-me tomado de uma atitude de ressabiado, por ter que fazer uma espécie de trabalho sujo sem ter qualquer reconhecimento e sem ver ninguém levantar um dedo para atenuar aquelas duras consequências (sofri muito e sofro ainda).
O meu juízo do diabo teve esse sentido; doutro modo não teria revelado a história do Pelotão de Morteiros, o 912, que nunca existiu… (o título não foi meu) sobretudo da HISTÓRICA noite de 16 de Novembro de 1964 de que, recordo, ter sido compensador a necessidade táctica de ter de mentir, (reservando munições para 3horas de fogo rápido) afim de termos obtido a salvação da nossa pele, como prémio.
Tens plena autoridade (era o que sentia e sinto) quando afirmas que a verdadeira guerra estava nas atitudes do PAIGC e NT; para os primeiros, ganhar; para os segundos, não me atrevo a dizer ter sido para não perder, mas, seguramente, seria para empatar…e quanto mais tempo melhor.
Quanto sofrimento, amigo… e quanto se sofre ainda!... Eternamente grato por ouvires a minha voz e me ajudares a esquecer (esquecer?) o que considerava uma cumplicidade passiva, no que, afinal, nem eram as minhas atribuições e competências, nem sequer o podiam ser para as Armas Pesadas.
Felicito-te pelos Relatos claríssimos que hás feito no Blogue, que lia (devorava), sem sequer sonhar que um dia (este ano) contactaria contigo para obter como que uma ajuda psicológica de grande valor; é que é de grande utilidade falar, mas de maior valia é encontrar eco de quem possa entender e dar respostas. Creio tê-las obtido. Mas para responder é necessária a AUTORIDADE de ter-se VIVIDO o mesmo.
Obrigado, AMIGO. Admiro-te também.
O melhor do Ano de 2008, para ti e todos os que se são caros.
Um abraço, do
Santos Oliveira
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Nota dos editores:
(1) Vd. post de 1 de Julho de 2007 > Guiné 63/74 - P1907: PAIGC: O Nosso Primeiro Livro de Leitura (2): A libertação da Ilha do Como (A. Marques Lopes / António Pimentel)
(2) Vd. o dossiê sobre a Operação Tridente, da autoria do Mário Dias, que participou nessa famosa operação:
15 de Dezembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCCLXXII: Op Tridente (Ilha do Como, 1964): Parte I (Mário Dias)
16 de Dezembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCCLXXV: Op Tridente (Ilha do Como, 1964): II Parte (Mário Dias)
17 de Dezembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCCLXXX: Op Tridente (Ilha do Como, 1964): III Parte (Mário Dias)
(3) Vd. post de 23 de Dezembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2375: RTP: A Guerra, série documental de Joaquim Furtado (8): A Batalha do Como (Mário Dias / Santos Oliveira)
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