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quinta-feira, 2 de dezembro de 2010

Guiné 63/74 - P7371: A última missão, de José Moura Calheiros, antigo comandante pára-quedista: apresentação do livro (2): Excerto de Discurso do autor



Amadora > Aquartelamento da Academia Militar > Grande Auditório > 29 de Novembro de 2010 > Intervenção, em último lugar, do autor do livro, A Última Missão, José Moura Calheiros, Cor Pára Ref, depois da apresentação a cargo do realizador de cinema António-Pedro de Vasconcelos (*). Editora: Caminhos Romanos, Porto.


 O título do livro é inspirado na missão, que o coronel chefiou, em Março de 2008, de recuperação dos restos mortais de três soldados pára-quedistas mortos em combate e inumados, em Guidaje, em 23 de Maio de 1973, no perímetro do aquartelamento... Recorde-se aqui os seus nomes: o Manuel da Silva Peixoto, de 22 anos, natural de Vila do Conde; o José de Jesus Lourenço, de 19 anos, natural de Cantanhede; e o António das Neves Vitoriano, de 21 anos, natural de Castro Verde. Um quarto militar da CCP 121, gravemente ferido, acabou por morrer em Bissau.  Os restos mortais de outros camaradas nossos, do exército, em nº de sete, também foram exumados nessa ocasião, em Março de 2008. A missão foi igualmente apoiada pela Liga dos Combatentes, e contou com uma equipa técnico-científica de 3 antropólogos forenses, 1 geofísico e 1 arqueóloga (Conceição Maia, irmão do sold pára Vitoriano)

Essa missão acabou por levar o antigo oficial pára-quedista, José Moura Calheiros, oriundo da Academia Militar, a rever os seus anos de guerra em África, em três teatros diferentes (Angola, Moçambique e Guiné), por ele duramente vividos , com o todo o seu cortejo de boas e más memórias.

Video (13'  32''): © Luís Graça (2010). Alojado em You Tube Nabijoes. Todos os direitos reservados.



«(…) Não se arrisca nada se se disser que A ÚLTIMA MISSÃO, com a sua boa escrita, amplo desenho, factos fortes e consistência, é a melhor peça memorialística sobre a nossa última guerra. Assim, com este seu livro inaugural sobre a guerra que levou ao Fechamento, José de Moura Calheiros, rematando um arco de séculos, ajuda a fechar bem o trabalho iniciado pelos cronistas da Expansão. Mas o valor desta obra não se esgota no reforço da nossa debilitada tradição memorialística, reside também no facto de ser uma resposta da realidade real à altura da melhor realidade imaginada – Nó Cego, de Vale Ferraz, A Costa dos Murmúrios, de Lídia, e Jornada de África, de Alegre – sobre a Guerra Colonial, como a Esquerda lhe chama, ou Guerra do Ultramar, como a Direita prefere.» (...)  (Rui de Azevedo Teixeira, prefaciador da obra)




1. Sinopse da obra (da responsabilidade da Editora Caminhos Romanos-Unipessoal, Lda., com sede no Porto; contacto do editor,  António Carlos Azeredo, na ausência de sítio na Internet:ac.azeredo@hotmail.com)


(i) Em 1973 o autor prestava serviço no Batalhão de Caçadores Pára-quedistas 12 (abreviadamente, BCP 12), com sede na BA 12,  Bissalanca (Guiné)


(ii) Em 23 de Maio desse ano, numa operação por si comandada e tendo como missão atingir e reforçar a guarnição de Guidaje, cercada pelo PAIGC, a Companhia de Pára-quedistas 121 (abreviadamente, CCP 121) sofreu quatro mortos, dos quais três tiveram que ser inumados num cemitério localizado na cerca do aquartelamento daquela localidade;


(iii) Trinta e cinco anos depois, em Março de 2008, o autor regressa à Guiné integrado numa Missão da Liga dos Combatentes destinada a exumar, em Guidaje, os cadáveres daqueles três militares pára-quedistas e de outros sete do Exército;


(iv) O autor conta-nos toda a problemática relacionada com a expedição: os antecedentes, a preparação e o seu desenrolar;


(v) Simultaneamente descreve o ambiente da Guiné de hoje comparando-o com o do tempo da guerra; os usos, costumes e religiões da região de Farim e Guidaje; o sentimento da população em relação ao antigo colonizador; as mágoas dos guineenses antigos militares portugueses por Portugal os ter enganado e abandonado; conversas com velhos guerrilheiros do PAIGC, etc.;


(vi) Ao longo da missão ocorrem situações que lhe fazem recordar o passado, o tempo da guerra; nestes momentos de rebuscar das memórias “assistimos” à evolução da guerra, bem como à do pensamento do autor e do sentimento da população portuguesa em relação a ela;


(vii) Pela ordem temporal das sucessivas comissões, descreve e caracteriza os três Teatros de Operações, sempre como pára-quedista:


(viii) Angola, primeiro, para onde vai cheio de entusiasmo, ideais e utopias, certo de que a guerra seria ganha depressa; os cuidados com a família, o choque com o clima, a grandiosidade de África; a ambientação ao capim e à mata; o encontro com a guerra, ainda mais horrível do que imaginara; a surpresa com as condições de vida das populações refugiadas nas matas; a progressiva perda das ilusões e do entusiasmo com que partira da Metrópole;


(ix) A segunda comissão,   Moçambique; o título do capítulo é sugestivo: “Moçambique, o sacrifício maior”;  drandes distâncias, operações muito prolongadas, falta de meios de apoio; a sede, uma tortura, o maior flagelo; as minas, outro flagelo; a tragédia que foram os Postos Avançados de Combate, instalados como se de uma guerra clássica se tratasse; a operação Zeta, um sucesso que esteve prestes a ser uma grande tragédia;


(x) Por fim, a Guiné, a terceira comissão; a aparente abundância de meios, para quem viera de Moçambique; as primeiras impressões, muito favoráveis, do ambiente social e militar; a degradação progressiva da situação militar a partir da morte de Amílcar Cabral;


(xi) Mais: a “caça” à delegação que a ONU enviara à Guiné; a operação "louca" de protecção ao Comandante-Chefe nas conversações de Cap Skirring; a reocupação do Cantanhez, no sul (Operação Grande Empresa, uma grande, delicada e muito bem sucedida operação); 


(xii) E ainda: os mísseis terra-ar Strela, a procura de aviões abatidos e de restos de mísseis para identificar o utilizado pelo PAIGC; a crise nas fronteiras da Guiné (Maio - Junho de 1973), os dias mais críticos de toda a guerra; a Norte, o prolongado cerco de Guidaje e as sangrentas batalhas travadas em seu redor; a Sul, o terrível assédio a Gadamael, um inferno, ocorrido após a retirada de Guileje (em 22 de Maio de 1973);


(xiii) Os sentimentos dos combatentes nas diversas fases dos com bates e nas pausas da guerra...


 A ÚLTIMA MISSÃO é um livro de sentimentos, os dos soldados e os dos Comandantes, estes nas suas angústias, dúvidas e responsabilidades, enquanto chefes e homens.


Toda esta história real é contada a par da descrição da juventude e da preparação militar dos três Páras inumados em Guidaje e da sua actividade na CCP 121,  a que pertenciam.O livro dá-nos uma noção muito real da forma como os Pára-quedistas actuavam em operações, dos seus sentimentos em cada circunstância e de como era a vida numa Unidade de Intervenção de excelência – o BCP 12. E, também, da idiossincrasia dos Páras portugueses, dos seus valores, ideais e princípios.


____________


Nota de L.G.:


(*) Vd. poste de 29 de Novembro de 2010  > Guiné 63/74 - P7359: A última missão, de José Moura Calheiros, antigo comandante pára-quedista: apresentação do livro (1): Intervenção do cineasta António-Pedro Vasconcelos


terça-feira, 22 de abril de 2008

Guiné 63/74 - P2785: Ninguém Fica Para Trás: Grande Reportagem SIC/Visão (3): Sabemos ao menos quem foram e onde estão ? (Luís Graça)

Guiné-Bissau > Bissau > Cemitério Municipal de Bissau > Talhão Central dos Ex-Militares Portugueses > Março de 2008 > Um dos três talhões atribuídos aos militares portugueses, mortos durante a guerra colonial > No Talhão Esquerdo, estão as campas não identificadas: Estes serão porventura os restos mais dolorosos do que restou do nosso Império... Na Guiné haveria mais de uma centena de cemitérios improvisados (locais de enterramento), onde repousam restos mortais dos nossos camaradas... A dúvida é: esse trabalho de levantamento, sério e exaustivo, está feito ? Se sim, por quem ? E ainda se sim, como e quando foi divulgado ? Se não, porquê ? (LG).

Foto : ©
Nuno Rubim (2008) . Direitos reservados.

1. Texto do editor do blogue, L.G.:



“Ninguém fica para trás” ? Algumas dúvidas legítimas...


A reportagem SIC/Visão (1) teve, pelo menos, o mérito de lembrar-nos que também há em Portugal antropólogos forenses, capazes de identificar (ou ajudar à identificação de) restos humanos em forma de esqueletos, para além de geofísicos, arqueólogos, etc.

Ficámos também a saber que, durante a guerra colonial (ou do ultramar), cerca de 2/3 (ouvi bem ?) dos nossos mortos, militares (num total de cerca de 9500), ficaram sepultados, longe da Pátria. Só na Guiné haveria mais de 100 locais diferentes, segundo percebi, da entrevista com o general Lopes Camilo, vice-presidente da Liga dos Combatentes, e mais de 700 militares sepultados, sendo na maior parte dos casos tecnicamente difícil a sua identificação.

Não sei se o general está a incluir, neste número, os mais de 350 antigos combatentes portugueses que estão, segundo o Nuno Rubim, sepultados nos 3 talhões militares do Cemitério Municipal de Bissau, atribuídos a Portugal (2). Penso que não, o que fará disparar os números dos que ficaram em solo guineense para os mil e poucos… Se assim for, não se verifica a esperada proporção de 2/3.


O que é o programa Conservação da Memória da Liga dos Combatentes ?


Estes números carecem de confirmação: desgraçadamente não encontro dados oficiais ou oficiosos sobre esta questão controversa, nos sítios onde era esperado encontrá-los: Liga dos Combatentes, Ministério da Defesa, Exército Português… No mínimo, é estranho. Eu direi: é inadmissível…

Este dossiê (doloroso) tem que ser tratado com rigor e frontalidade. Estamos a falar de um passado ainda recente. Há famílias inteiras que ainda não fizeram o luto (ou fizeram um luto patológico, na ausência, física ou simbólica, de um cadáver). Há pais e mães, irmãos e irmães, filhos e filhas... que ainda choram os seus queridos filhos, irmãos ou pais, mortos em combate ao serviço da Pátria, como anunciava o seco, burocrático e tenebroso telegrama do cangalheiro do exército... Não podemos continuar a especular, a fantasiar números, a tirar a água do capote, a explorar emoções, a cantar sempre o fado da desgraça, etc.

Tal como não encontro, no sítio da Liga dos Combatentes, o seu proclamado programa da Conservação da Memória.... Gostaria de conhecer (e de poder divulgar, no nosso blogue) os seus objectivos, metas, prazos, horizonte temporal, meios humanos, técnicos e financeiros, metodologia, orçamento, cronograma, resultados esperados, etc.

Sabia-se que até 1968 o Estado português não procedia, a suas expensas, ao transporte dos restos mortais dos soldados mortos no ultramar… Na altura, esse preço era elevado: cerca de 11 mil escudos, cerca do dobro do soldo, na Guiné, de um furriel miliciano (em 1969/71) (3)... Os mortos das famílias pobres - ou seja, da maioria - eram os que tinham mais probabilidade de ficar enterrados na terra vermelha da Guiné. Nalguns casos, foram os próprios camaradas de unidade que se quotizaram para pagar as despesas de trasladação (!). Isso aconteceu, por exemplo, com um primo meu, em 3º grau, o José António Nogueira Canoa (4), natural da Lourinhã, morto em Ganjola, em 1965 (9).


7o mil euros: o custo da operação Guidaje, Março de 2008


Enfim, soube-se, através desta reportagem SIC/Visão, que numa operação inédita em Portugal - que decorreu na Guiné-Bissau, em Guidaje, no norte, junto à fronteira com o Senegal, de 7 a 21 de Março último, e que custou 70 mil euros à Liga dos Combatentes, tendo envolvido a colaboração do Ministério da Defesa, da Universidade de Coimbra e do Instituto de Medicina Legal -, foi possível proceder-se à localização, identificação e exumação dos esqueletos dos militares portugueses que em Maio de 1973 ficaram enterrados naquele terrível campo de batalha.

Foram localizados, no perímetro do antigo aquartelamento de Guidaje, 11 sepulturas de combatentes portugueses. No final, os restos mortais foram trasladados para o talhão militar do cemitério de Bissau.

E três foram identificados, sem necessidade de recorrer, de imediato, a provas laboratoriais: os três pára-quedistas da CCP 121 / BCP 12 que morreram na sequência da emboscada do PAIGC em 23 de Maio de 1973, na tristemente famosa bolanha do Cufeu. Eram eles, o Manuel da Silva Peixoto, de 22 anos, natural de Vila do Conde; o José de Jesus Lourenço, de 19 anos, natural de Cantanhede; e o António das Neves Vitoriano, de 21 anos, natural de Castro Verde.

O relato da sua morte já aqui tinha disso dado, em primeira mão, pelo notável testemunho presencial de um dos seus camaradas, o ex-1º Cabo Pára-quedista Victor Tavares (vd. foto, à esquerda), da mesma companhia e do mesmo grupo de combate, sob o comando respectivamente do Capitão Pára-quedista Armando Almeida Martins e do tenente Hugo Borges (4).

Eram, ao que parece, os únicos pára-quedistas portugueses, mortos em combate e, até hoje, sepultados fora do solo pátrio. Depois de identificados e exumados os restos mortais destes três nossos camaradas, a respectiva trasladação (incluindo o transporte) para Portugal será custeada pela União Portuguesa de Pára-Quedistas, com sede em Vila Nova da Barquinha. Faz-se assim juz à famosa palavra de ordem dos páras: “Ninguém fica para trás”…

Enfim, 35 anos depois, o corpo pára-quedista português honra a sua palavra. Mas, naturalmente, que para se chegar até aqui, até ao sucesso desta operação, houve muitas outras diligências que não foram sequer mencionadas na peça da SIC, a começar pelas encetadas pelo nosso camarada Manuel Rebocho - sargento pára-quedista da CCP 123 / BCP 12 (Guiné, Maio de 1972/Julho de 1974), hoje sargento-mor pára-quedista, e doutorado em sociologia pela Universidade de Évora (vd. foto à esquerda) -, e que de resto já deixou expresso, no nosso blogue, o seu ponto de vista (polémico) sobre este caso e estas mortes, que ele atribui a um grave erro no planeamento e execução da Op Mamute Doido, senão mesmo a um maquiavélico plano de pressão spinolista (ou dos spinolistas...) contra Marcelo Caetano (5).

Fiquei a saber, além disso, que dos restantes 8 mortos, sepultados no perímetro do aquartelamento de Guidaje, junto ao arame farpado, três eram da CCAÇ 3518, e pelo menos um da CCAÇ 19 e um outro de uma outra unidade. Três eram guineenses. Um dos mortos portugueses era o madeirense Gabriel Telo, de 23 anos, talentoso jogador de futebol da União da Madeira.


Os camaradas do exército, mortos em 25 e 26 de Maio de 1973


Há tempos a página Moçambique - Guerra Colonial (que tem dado muito destaque ao caso dos mortos de Guidaje, em Maio de 1973) já tinha divulgado os seus nomes, citando um jornal da região centro, o quinzenário Aurinegra:

Manuel Maria Rodrigues Geraldes., Sold, 2ª Companhia do BCAÇ 4512, natural de Vimioso (morto em 25 de Maio de 1973);

José Carlos Moreira Machado, Fur Mil, CCAÇ 3518 (Natural de Valpaços);

João Nunes Ferreira, Sold, CCAÇ 3518 (natural de Câmara de Lobos);

Gabriel Ferreira Telo, 1º Cabo, CCAÇ 3518 (natural da Calheta, Madeira):

António Santos Jerónimo Fernandes, Fur Mil, CCAÇ 19 (natural de Vimioso);

(Todos mortos em 25 de Maio de 1973, excepto o último, morto no dia seguinte. Não tenho qualquer elemento de identificação dos três camaradas guineenses).


A localização das sepulturas foi facilitada pela existência de um croquis, feito em finais de Maio de 1973 pelo Alf Mil, madeirense, Luciano Dinis, que pertencia à CCAÇ 19 (?) e que viu morrer a seu lado quatro camaradas, em 25 de Maio de 1973, quando uma granada de morteiro perfurante atingiu o abrigo onde estavam. Ele ficou ferido nas pernas. É hoje Coronel DFA, reformado, segundo percebi. Contou à equipa de reportagem que numa só semana o quartel foi atacado 26 vezes. No total, Guidaje, durante o período do cerco do PAIGC, teria sofrido quatro dezenas de ataques e flagelações.

Na reportagem SIC/Visão aparecem três antigos militares portugueses: o general Hugo Borges, de 60 anos (que na altura era tenente, comandante do pelotão a que pertencia o nosso camarada, o ex-1º Cabo Pára-quedista Victor Tavares, e os três, ou melhor quatro, infortunados camaradas do seu grupo que morreram); e ainda o sargento-mor, açoriano, Manuel Oliveira, que pertencia à CCAÇ 19 e que escapou, por milagre, de ser morto, quando a secretaria do aquartelamento foi atingida em cheio por uma roquetada.

Outro dos militares presentes foi o Cor Pára-quedista Moura Calheiros, na situação de reforma, e hoje empresário, que em 23 de Maio de 1973 acompanhava, do ar, na DO – Dornier 27, Op Mamute Doido e a própria emboscada do PAIGC. Era então major de operações do BCP 12. “Vi muitas desgraças durante a guerra, mas aquela emboscada chocou-me particularmente, tal era o poder de fogo do inimigo”, disse o coronel, de 71 anos, à equipa de reportagem da SIC/Visão.

Na reportagem, o Cor Pára Moura Calheiros (6) aparece como o cérebro da operação de resgate, tendo coordenado mais de meia centena de pessoas.

Foi com apoio aéreo que os pára-quedistas da CCP 121 chegaram finalmente a Guidaje, rompendo o cerco do PAIGC (6), mas com dois mortos às costas e dois feridos graves, um dos quais virá a falecer, já dentro perímetro do aquartelamento, o Peixoto (O outro ferido grave, o Melo, ainda será evacuado para Bissau e depois para a Metrópole, onde não conseguirá sobreviver aos ferimentos recebidos, segundo nos contou o Victor Tavares) (4).

Moura Calheiros e os outros militares portugueses conheceram então, in loco, o comandante da força do PAIGC – pertencente ao 3º Corpo do Exército – que liderou o cerco da Guidaje: Gabriel Guindoco, hoje coronel. Não se percebe como é que apareceu ali, e em representação de quem (provavelmente convidado pelo Cor Pára Moura Calheiros). Segundo o antigo guerrilheiro, ou melhor, segundo o jornalista português que assina a reportagem (Ricardo Fonseca), o PAIGC dispunha de cerca de mil homens na região fronteiriça, prontos a entrar em acção contra Guidaje. É capaz de ser um número fantasioso... Ou talvez não: o PAIGC concentrou o máximo de forças em Guidaje, no norte, e em Guileje, no sul, esperando obter um grande efeito político, militar e diplomático com repercussões internas e externas, em resposta ao assassínio de Amílcar Cabral e na expectativa da proclamação unilateral da independência, na região libertada do Boé...

O PAIGC contava, além disso, com novas armas, como o míssil terra-ar Strella, fornecido pelos soviéticos e já anteriormente prometido a Cabral... Infelizmente, a reportagem SIC/Visão não deu, ao leitor ou espectador, o contexto da ofensiva do PAIGC sobre Guidaje (e sobre Guileje).


Uma equipa de luxo: 3 antropólogos forenses, uma arqueóloga e um geofísico


A equipa de técnicos, mobilizada para esta investigação no terreno, era constituída pelos antropólogos forenses Eugénia Cunha, de 45 anos, Teresa Ferreira, de 31, Sónia Codinha, também de 31, a arqueólogo Conceição Maia, de 45, anos (irmã do Vitoriano) e ainda o geofísico Hélder Hermosilha, de 33 anos.

A nível técnico-científico, a missão foi coordenada pela antropóloga forense Eugénia Cunha, da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra (FCT/UC). Sobre o processo de exumação de restos mortais, a antropóloga da da FCT/UC já tinha explicado, em 22 de Março de 2008, ao Diário de Coimbra, que a operações se processavam em três fases distintas: (i) detecção dos restos humanos, feita pelo geofísico, operando um radar com computorizado; (ii) a seguir, vem o trabalho do arqueólogo que consegue encontrar os limites das sepulturas no local sinalizado pelo radar; e, por fim, (iii) depois de delimitadas e definidas as áreas das sepulturas, entra em cena o antropólogo que faz a escavação, em condições de maior ou menor dificuldade, dependentes de uma série de factores (tipo de solo, humidade, temperatura, estado de conservação do corpo, etc.) (7).

Sobre a relativa rapidez do processo e do sucesso da operação, Eugénia Cunha - também conhecida por, em 2006, ter pretendido fazer o levantamento do túmulo do Rei D. Afonso Henriques e do estudo do esqueleto para fins científicos - , comentou ao Diário de Coimbra que “cada caso é um caso”… e que a operação não foi rápida quanto ela desejaria. “Conseguimos conjugar na mesma equipa competências diversas da geofísica, da antropologia e da arqueologia e tivemos uma equipa da missão que foi para o terreno uma semana antes e que preparou tudo, ou seja, em termos logísticos nós não nos preocupámos com nada” (7).


Os restos mortais exumados foram trasladados para o talhão militar do cemitério de Bissau


Os restos mortais dos antigos militares portugueses serão (ou já foram) trasladados para o cemitério de Bissau. O vice-presidente da Liga dos Combatentes anunciou entretanto que a exumação de restos mortais de ex-combatentes portugueses na Guiné-Bissau vai continuar e que a próxima missão será na localidade de Farim, onde estão sepultados vinte e um militares (7).

Questionado sobre a eventual trasladação de corpos para Portugal, o general Lopes Camilo explicou que o que está definido politicamente (leia-se: definido pela tutela, o Ministério da Defesa), e que é seguido pela Liga, é que "devemos recuperar e manter com dignidade os locais onde se encontram sepultados os combatentes que tombaram no estrangeiro” (7).

Durante esta operação de resgate só foram identificados os três pára-quedistas acima mencionados. Amostras dos restos mostrais dos restantes corpos exumados foram enviados para laboratório para se efectuar o competente teste do ADN, testes que são mais morosos que o trabalho dos antropólogos forenses e cujo custo não é revelado.

Também não se sabe quem irá pagar o eventual transporte das ossadas dos restantes oito militares – cinco da Metrópole, e três da Guiné. Ou se elas vão ficar, num ossário a construir no cemitério de Bissau. A Liga dos Combatentes já veio dizer que essa responsabilidade caberá às famílias que o queiram fazer. A Liga limita-se a "dar apoio logístico"...

Recorde-se que a Liga dos Combatentes é “uma pessoa colectiva de utilidade pública administrativa, sem fins lucrativos, de ideal patriótico e de carácter social, dotada de plena capacidade jurídica para a prossecução dos seus objectivos”, e que, além disso, “exerce a sua actividade sob a tutela do Ministério da Defesa Nacional. A sua missão é “honrar os mortos e dignificar os vivos”.


Identificar e exumar os nossos mortos poderá custar 8 milhões de contos ? A eventual trasladação será por conta das famílias interessadas...


Considerando que esta operação de investigação forense custou 72 mil euros à Liga de Combatentes, e que através dela foi possível a localização e a exumação dos restos mortais de 11 antigos combatentes portugueses, o custo médio, terá rondado os 6500 euros por sepultura. Estamos só a considerar custos directos (pessoal, equipamento e logística), não incluindo portanto os custos de exames laboratoriais e de transporte dos restos mortais para Portugal.

Se multiplicarmos este custo médio por seis mil sepulturas, teremos uma verba total de 39 milhões de euros, ou arredondando e convertendo em escudos, teríamos no mínimo que gastar 8 milhões de contos para localizar, identificar e exumar todos os nossos camarados, mortos na guerra do ultramar / guerra colonial. É uma estimativa muito por baixo, até por que os custos logísticos em Angola e Moçambique serão superiores aos da Guiné-Bissau.

Naturalmente que a Liga dos Combatentes não terá esta verba, nos anos mais próximos, nem muito possivelmente teríamos equipas profissionais, suficientes, com a experiência e a competência da que foi possível reunir em Guidaje… Ou terá ? E, se sim, quem financiará estas operações ?

Mas há também aqui um desafio ao país, ao Estado português, à sociedade civil, à nossa geração que combateu em África… Os nossos mortos merecem muito mais do que algumas lágrimas de crocodilo, alguns discursos falsamente patrióticos, alguma inusitada e serôdia atenção dos meios de comunicação social (que, tal como os jagudis da Guiné, sabem que a exploração da morte e da morbidez, é também negócio…).

Aprendamos, antes de mais, com os outros povos e Estados envolvidos em guerras no Séc XX. Infelizmente abundam por esse mundo fora, os túmulos ao Soldado Desconhecido. Mas, em muitos casos, sabe-se quem foi quem e onde está sepultado, fora do solo pátrio, no campo de batalha, de uma parte dos que morreram em combate. Entre nós, esse trabalho, exaustivo, de inventariação não sei se está feito, ou se foi feito. É por aqui que temos que começar.

Por eles, os nossos mortos, e pelas suas famílias (muitas das quais ainda não fizeram o luto!), mas também por nós, devemos lutar para que este país tenha uma política, coerente e integrada, de reabilitação da memória dos seus mortos em combate e dignificação dos seus locais de sepultura. Directa e indirectamente, também podemos ajudar os povos e os Estados da Guiné-Bissau, de Angola e de Moçambique (as três principais frentes da guerra do ultramar / guerra colonial) a preservar a memória dos seus combatentes e a dignificar os locais (que devem ser muitos milhares) onde repousam os seus restos mortais.

Que Guidaje, ao menos neste capítulo, seja um bom exemplo. E que de facto ninguém fique para trás, mesmo se nos for materialmente impossível identificar todos os nossos camaradas que morreram em África, na guerra do ultramar / guerra colonial. Parafreando o slogan da Liga dos Combatentes, saibamos honrar os nossos mortos, não os esquecendo, não os abandonando. No mínimo, dignificando os locais onde a foice da morte os arrancou à vida.... (7).

_________

Notas de L.G.:

(1) Vd. poste de 20 de Abril de 2008 > Guiné 63/74 - P2781: Televisão: Hoje, na SIC, às 21h: Grande Reportagem: Ninguém Fica para Trás: O regresso a Guidaje, Maio de 1973


(2) Vd. poste de 26 de Março de 2008 > Guiné 63/74 - P2687: Cemitério militar de Bissau: homenageando os nossos 350 soldados, uma parte dos quais desconhecidos (Nuno Rubim)

(3) 2 de Fevereiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1488: Vídeos (1): Reportagem da RTP sobre os talhões e cemitérios militares no Ultramar (Jorge Santos)


Vd. Portal RTP > Informação > Programa Em Reportagem > 20 de Serembro de 2006 > Dor Adormecida >

(...) Sinopse: Trinta anos depois do fim da guerra colonial, existem famílias que estão interessadas em transladar os restos mortais dos seus parentes e pretendem pedir ajuda ao Governo português. A última trasladação dos restos mortais de um militar falecido nas ex-colónias ocorreu em 2003.(...)

(4) Vd. poste de 25 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1212: Guidaje, de má memória para os paraquedistas (Victor Tavares, CCP 121) (1): A morte do Lourenço, do Victoriano e do Peixoto

(5) Vd. postes de:


14 de Junho de 2006 > Guiné 63/74 - P877: Nós, os que não fazemos parte da história oficial desta guerra (Manuel Rebocho)


28 de Junho de 2006 > Guiné 63/74 - P919: Vamos trasladar os restos mortais dos nossos camaradas, enterrados em Guidage, em Maio de 1973 (Manuel Rebocho)

(6) Vd. poste de 23 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1624: Bibliografia de uma guerra (17): A geração do fim ou a palavra a 21 oficiais de infantaria, de 1954/57 (Miguel Ritto)


(...) "Nessas páginas está o subcapítulo 'Guidaje - Rompendo o cerco', escrito pelo Coronel Pára Moura Calheiros. Disseram-me que recentemente o Coronel Moura Calheiros (já reformado) apareceu na televisão a falar no empenho dos paraquedistas em trazerem os corpos dos 3 soldados (...).

(7) Vd. poste de 22 de Março de 2008 > Guiné 63/74 - P2672: De Guidaje para Bissau, trinta e cinco anos depois (Diário de Coimbra / Carlos Marques dos Santos))


(8) Vd. também:

28 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1468: Mortos que o Império teceu e não contabilizou (A. Marques Lopes)

30 de Maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCCXIX: Do Porto a Bissau (23): Os restos mais dolorosos do resto do Império (A. Marques Lopes)

(9) Vd. postes de:

24 de Julho de 2005 > Guiné 63/74 - CXXV: Homenagem aos mortos da minha terra (Lourinhã, 2005)

8 de Setembro 2005 > Guiné 63/74 - CLXXXI: Antologia (18): Um domingo no mato, em Ganjolá (Luís Graça / José António Canoa Nogueira)

22 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1455: Crónica de um Palmeirim de Catió (Mendes Gomes, CCAÇ 728) (7): O Sr. Brandão, de Ganjolá, aliás, de Arouca, e a Sra. Sexta-Feira

8 de Março de 2007 > Guiné 63/74 -P1574: Uma estória dos Gringos de Guileje (CCAÇ 3477): Estás f..., pá! (Amaro Samúdio)

sábado, 22 de março de 2008

Guiné 63/74 - P2672: De Guidaje para Bissau, trinta e cinco anos depois (Diário de Coimbra / Carlos Marques dos Santos)

Os restos mortais dos nossos Camaradas enterrados em Guidage

Enviado pelo Carlos Marques dos Santos


Diário de Coimbra, edição de 22 de Março de 2008.
Antropóloga de Coimbra chefiou exumação de restos mortais de militares portugueses

A antropóloga forense Eugénia Cunha, da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra, coordenou a missão técnica que terça-feira exumou os restos mortais de dez militares portugueses enterrados há trinta e cinco anos em Guidaje, na Guiné-Bissau, na sequência de violentos confrontos.

Na quarta-feira e depois de duas semanas de trabalho, chegaram a Bissau os restos mortais de dez antigos militares numa operação financiada pela Liga de Combatentes de Portugal no âmbito do programa Conservação de Memórias, que prevê sepultar com dignidade antigos combatentes portugueses sepultados fora do país.
Na Guiné-Bissau, mais de setecentos ex-militares portugueses estão sepultados pelo território, tendo a operação em Guidage a primeira fase desta operação de recolha e identificação de restos mortais de antigos combatentes no país.
A iniciativa que colocou no terreno quatro antropólogos, um geofísico e uma arqueóloga (irmã de um dos soldados exumados) conta com o apoio do Ministério da Defesa, da Universidade de Coimbra e do Instituto Nacional de Medicina Legal. Os resultados dos exames efectuados para ajudar a identificar os antigos combatentes serão conhecidos dentro de um mês.
A antropóloga Eugénia Cunha, conhecida também por ter pedido em 2006 para levantar o túmulo do Rei D. Afonso Henriques para fins científicos, explicou que o próximo passo, depois de exumados os restos mortais dos antigos militares, passa por uma “análise antropológica laboratorial e a realização dos relatórios e possível identificação das ossadas”. “Da parte antropológica dentro de um mês podemos ter resultados, da parte da genética é mais demorado”, sublinhou.
Questionada sobre a relativa rapidez com que decorreu o processo, em duas semanas, Eugénia Cunha comentou que “cada caso é um caso”, observando no entanto que a operação não foi rápida. “Conseguimos conjugar na mesma equipa competências diversas da geofísica, da antropologia e da arqueologia e tivemos uma equipa da missão que foi para o terreno uma semana antes e que preparou tudo, ou seja, em termos logísticos nós não nos preocupámos com nada”, explicou.
Sobre o processo de exumação de restos mortais, a antropóloga da Universidade de Coimbra referiu que decorre em três fases, sendo que a primeira é a detecção dos restos humanos, feita pelo geofísico com um radar, que aponta um local. “Depois entra a parte da arqueologia que consegue encontrar os limites das sepulturas e depois de delimitadas e definidas as áreas onde as pessoas estão enterradas, o antropólogo faz a escavação, que pode ser mais ou menos difícil, dependendo do tipo de solo, do terreno, humidade, temperatura, estado de conservação do corpo”, disse.
Sobre as dificuldades encontradas no terreno, Eugénia Cunha afirmou que foram “muitas, a começar pelo clima da Guiné-Bissau”. “Facilidades não houve nenhumas. Encontrámos foi uma equipa de missão que nos conseguiu proporcionar o melhor que conseguiram mas, obviamente, foi bastante complicado”, concluiu.
Os dez antigos militares portugueses serão sepultados no cemitério de Bissau. O vice-presidente da Liga dos Combatentes anunciou entretanto que a exumação de restos mortais de ex-combatentes portugueses na Guiné-Bissau vai continuar e que a próxima missão será na localidade de Farim, onde estão sepultados vinte e um militares.
Questionado sobre a eventual trasladação de corpos para Portugal, o general Lopes Camilo explicou que o que está “definido politicamente, e com que a Liga concorda, é que devemos recuperar e manter com dignidade os locais onde se encontram sepultados os combatentes que tombaram no estrangeiro”.
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Notas: A nossa homenagem a quem teve a ideia e a quem a está a pôr em prática.

Sublinhados da responsabilidade de vb. Sobre este assunto ver artigos de
1 de Março de 2008 > Guiné 63/74 - P2600: Os Mortos de Guidaje nas Notícias Lusófonas. Rui Fernandes.

28 de Junho de 2006 > Guiné 63/74 - P919: Vamos trasladar os restos mortais dos nossos camaradas, enterrados em Guidage, em Maio de 1973 (Manuel Rebocho)

25 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1212: Guidaje, de má memória para os paraquedistas (Victor Tavares, CCP 121) (1): A morte do Lourenço, do Victoriano e do Peixoto
9 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1260: Guidaje, de má memória para os paraquedistas (Victor Tavares, CCP 121) (2): o dia mais triste da minha vida

2 de Fevereiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1488: Vídeos (1): Reportagem da RTP sobre os talhões e cemitérios militares no Ultramar (Jorge Santos)

28 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1468: Mortos que o Império teceu e não contabilizou (A. Marques Lopes)