1. Há dias li um artigo de opinião, de um luso-luxemburguês, jornalista, Ricardo J. Rodrigues, sobre a "pubela" (galicismo, que quer dizer "caixote ou balde do lixo", do francês "poubelle").
Foi publicado no semanário digital "Contacto", de 26 de fevereiro de 2022. Lamenta o jornalista que o vocábulo ainda não esteja dicionarizado ou grafado nos dicionários da Língua Portuguesa.
Talvez por que, acrescento eu, os dicionaristas são (ou foram no passado...) "muito conservadores", e às vezes "púdicos demais", para não dizer que "elitistas"... Eu acho que às vezes andam distraídos ou não frequentam os mesmos lugares do comum falante da língua portuguesa.
O título do artigo é: "Os portugueses do Luxemburgo que dizem pubela em vez de lixo". E já, em artigo anterior, ele dizia que "Portugal era arrogante com os emigrantes"... O Portugal das insituições e dos "donos" da língua...
Não posso deixar de concordar em parte (e lamentar sobretudo que ainda haja uma certa arrogância das chamadas elites cultas, nomeadamente nas questões linguísticas)...
A língua portuguesa, viva, é feita por quem a fala, seja em Lisboa, no Marco de Canaveses ou no Luxsermburgo.
Conheço o vocábulo "pubela" desde que comecei a ir ao Marco de Canaveses, vai fazaer meio século para o ano (en iria casar lá, em 1976). E já a tenho usado aqui no blogue, ao dizer por exemplo que as nossas memórias da Guiné não devem ir para à "pubela"... E, também já usava, na gíria académica o palavrão "poubellication" (termo altamente depreciativo para os académicos se referirem à literatura científica que é "lixo"...) (do francês "poubelle" + inglês "publication").
Os emigrantes (nomeadamente os "franceses") usavam (e continuam a usar) o termo "pubela" para caixote ou balde do lixo, objeto que desconheciam no campo, na sua infância. E eu achava (e continuo a achar) deliciosa a palavra.
Numa pesquisa na Net, acabo de saber que a "poubelle", além de francesa, é parisiense: Eugène René Poubelle (1831.1907 à Paris), jurista, diplomata e prefeito do departamento do Sena, Paris (entre 1883 e 1896), é o "pai" da palavra"poubelle, que acabou por ser uma homenagem popular aos seus esforços para melhorar a higiene e salubridade de Paris.
Na realidade, as nossas cidades europeias, até tarde, e na sequência da industrialização e urbanização dos nossos países, eram lixeiras a céu aberto (como, infelizmente, ainda hoje encontramos em África).
Mas voltemos ao Luxemburgo, que eu conheci no início dos anos 90, e onde a "peugada lusitana" já era por demais evidente, no quotidiano (falava-se português com sotaque nortenho ou alentejano, nos restaurantes e cafés, bebia-se Sagres e Superbock, e havia fãs, com camisolas e cachecóis e tudo, dos principais clubes de futebol, Porto, Benfica e Sporting).
(...) "Em 1970, ano em que o governo luxemburguês assinou com o Estado português um contrato que permitiu a milhares de trabalhadores estabelecerem-se no Grão-Ducado, a recolha de lixo era um conceito quase inexistente em Portugal." (...)
(...) Os luxemburgueses e os franceses e suíços ensinaram-lhes que aquilo era a poubelle, e eles converteram-na em pubela. Quero lá saber se isso é português correto ou não. Quero é saber que aprenderam a usá-la, nas palavras e nos gestos." (...)
2. A situação, hoje, em Portugal não tem a nada a ver com os nossos tempos de infância e adoslescència, no campo ou cidade... E damos exemplos a países como... o próprio Luzemburgo, diz o jornalista:
(...) "Eu, que sou lisboeta, dificilmente ando mais de 100 metros até encontrar um ecoponto, onde posso separar o vidro do plástico, o cartão dos restos de comida. E o que tenho para dizer é que o Luxemburgo nos pode ter apresentado a pubela, mas falha miseravelmente na hora de recolher o lixo.
Alguém que viva em Clausen, por exemplo, tem de caminhar dois quilómetros até encontrar um vidrão. (...)
E acaba com graça e até irreverência o nosso luso-luxemburguês Ricardo J. Rodrigues:
(...) O Luxemburgo é um dos países com maior pegada ecológica no planeta. E está certo que houve este momento na História em que eles nos ensinaram o que era o lixo. Mas agora é capaz de ser o momento em que nós temos de ensinar-lhes como se faz reciclagem. Estou a pedir ecopontos por todo o país, para podermos separar o que consumimos. Para podermos fazer a pubela que precisamos.(...)
3. Na nossa gíra de caserna temos um equivalente para "pubela", que é "cesta secção", a dos papéis do lixo...
Mas a "pubela" da primeira geração dos nossos emigrantes remete-nos para um tempo em que, de facto, não conhecíamos, a maior parte dos portugues, o WC, a água potável distribuída ao domicílio, o saneamento básico, a recolha e separação dos lixos domésticos e urbanos, desde o vidro ao papelão...
Recordo-me, nos anos 50, quando ia a casa dos meus tios maternis, no Nadrupe ou na Quinta do Bolardo, a escassos quilómetros da Lourinhã, da importância que tinha o quinteiro, estrumeiro ou esterqueira, no logradouro onde se criavam os patos e as galinhas, e onde se faziam todos os desepejos domésticos... con exceção da "lavagem do porco"... Ou como se diz, no Alto Minho e em Trás-Os-Montes, "lavagem, com a sua licença,... do porco". Felizmente, ainda não havia a praga do plástico, da esferovite, do vidro, do papelão, das pilhas, e por aí fora..., o lixo com que damos cabo do planeta.
Hoje podemos, ao menos, falar da "pubela" do nosso contentamento...
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Nota do editor: