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quinta-feira, 27 de junho de 2024

Guiné 61/74 - P25689: Humor de caserna (68): Passa-palavra, furriel Canhão à frente! (Alberto Branquinho)



Leiria > Monte Real > Palace Hotel > 26 de Junho de 2010 > V Encontro Nacional da Tabanca Grande > Sousa de Castro, o antigo 1º cabo radiotelegrafista (CART 3494, Xime e Mansambo, 1971/74), tentando comunicar com o Eduardo Campos, ex-1º cabo trms (CCAÇ 4540, Cumeré, Bigene, Cadique, Cufar e Nhacra, 1972/74), simulando uma situação de comunicação militar,  vulgaríssima, em operações no mato, com recurso ao velhinho Emissor / Receptor AVP1, o famoso"rádio-banana" (*).

Fotos (e legendas): © Sousa de Castro (201o). Todos os direitos [Edição e legendagem complementar : Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné] 

 

1. A comunicação humana parece fácil... mas não é. É uma das principais fontes de conflito, a nível das nações, das sociedades, das organizações, dos grupos, das famílias... E, então, nas redes sociais, é que pode ser mesmo um "bico de obra"...Podemos falar todos português, a mesma "língua", o que não quer dizer a mesma "linguagem"... Em suma, muitas vezes  a gente não se entende...

Comunicar (do latim, "communicare", que quer dizer "pôr em comum", "partilhar"...) é mais do que uma técnica: quem diz o quê a quem, por que meio, e com que efeitos...

A comunicação é uma "arte",  uma "competência", que se tem de se aprender, praticar, desenvolver... Tem muitas subtilezas e armadilhas... Não é só o "texto", é o "contexto"...

 Na tropa e na guerra, no nosso tempo, não faltaram as situações (umas trágicas, outras dramáticas, outras ainda caricatas) de incomunicação, total ou parcial. Às vezes até podia dar jeito à "tropa macaca" quando queria "acampar": por exemplo, as "transmissões não funcionavam" entre terra e ar...


Alberto Branquinho (n. 1944, Vila Foz Coa),
advogado e escritor, a viver em Lisboa desde 1970,
ex-alf mil, CART 1689 / BART 1913,
Fá, Catió, Cabedu, Gandembel e Canquelifá, 1967/69),
tem mais de 140 referências no nosso blogue:
é autor das notáveis séries "Contraponto"
e "Não venho falar de mim... nem do meu umbigo". 
Tem vários livros publicados, incluindo 
o "Cambança Final"  (2013).


2. O nosso Alberto Branquinho, no seu livro de contos "Cambança Final" (2013) tem uma dessas cenas de (in)comunicação "bem apanhadas", e que merece ser contada ... 

Mais uma vez, temos o privilégio de beneficiar do seu apurado sentido de humor e do seu talento como contador de histórias (**). 


 Passa-palavra, furriel Canhão à frente!

por Alberto Branquinho


Durante as operações militares a comunicação, entre o capitão, comandante de uma companhia e os quatro alferes responsáveis pelos pelotões, era feita através dos chamados rádios-banana: rádios pequenos, com cerca de um palmo de comprimento e cerca de cinco centímetros de espessura, previamente sintonizados e com regulador de som. As extremidades do rádio eram ligadas por uma correia de lona, extensível, que permitia pendurá-lo do pescoço, caído sobre o peito.

No entanto, quando era necessário passar uma mensagem ou uma ordem para retaguarda da coluna, era usada a transmissão homem a homem, o chamado "passa-palavra".

Tinham sido detetadas, na frente da coluna, terras recentemente movimentadas e folhagem caída, ainda fresca. O capitão entendeu dever chamar o furriel de minas e armadilhas, com o apelido Canhão.

− Passa-palavra, o furriel Canhão à frente !

A mensagem foi passando para a retaguarda:

− Furriel Canhão à frente...

− Furriel Canhão à frente...

E assim sucessivamente, homem a homem.

Passaram minutos e minutos. O capitão estava já impaciente, porque o furriel não vinha. Então surgiu a resposta, de trás para a frente:

− Canhão não veio... 

− Canhão não veio... 

− Não veio o canhão... 

− Canhão ficou no quartel!... 

Fonte:  Alberto Branquinho  - Cambança final: Guiné, guerra colonial:  contos. Vírgula, Lisboa, 2013, pp. 45/46

(Título, excerto,  revisão / fixação de texto, parênteses curvos, para efeitos de publicação deste poste, na série "Humor de caserna": LG)  (Com a devida vénia ao autor e à editora...)

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Notas do editor:


quinta-feira, 21 de abril de 2022

Guiné 61/74 - P23184: (In)citações (203): Nós, os fulas e os nossos (mal-)entendidos, a propósito da expressão "(lavadeira) para todo o serviço" (Cherno Baldé / Mário Miguéis)


Guiné-Bissau > Região de Bafatá > Saltinho > Rio Corubal > Rápidos do Saltinho > 3 de Março de 2008 > Lavadeiras do Saltinho.

Foto (e legenda): © Luís Graça (2008). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Comentários ao poste P23180 (*):

(i) Cherno Baldé (Bissau):

O Sector de Empada, na região administrativa de Quínara, é habitada maioritariamente por Biafadas, contando com uma presença negligenciável de outras etnias como Fulas, Manjacos e Papel. De referir que esta localidade deu alguns comandantes dignos de registo ao movimento da libertação.

Quanto ao caso em apreço, como é habitual no contacto entre europeus (portugueses) e africanos, na minha opinião, deve haver um "grande" mal entendido, derivado da diferença de culturas e da deficiente comunicação entre os comunicantes de parte a parte, pois que, em meados de 1964 o nivel de percepção e entendimento correcto da lingua portuguesa a nível de todo o territorio não devia ultrapassar os 2% do total da população. 

E numa localidade como Empada, no início da guerra, devia ainda ser muito inferior e o ex-alf mil  Joaquim Jorge fala de dois homens grandes que, na melhor das hipóteses, nem o Crioulo dominavam.  Qual podia ser o diálogo possível entre um alferes metropolitano que não conhecia uma única palavra dos locais e dois homens grandes que nem sequer falavam o Crioulo?... Certamente um enigma.

E,  de mais a mais, em nenhuma sociedade conhecida do mundo, seja ela "civilizada" ou "arcaica",  um(a) avô/ó  poderia atribui-se a si a prerrogativa de dar a outrem, seja em que condições fossem, a sua neta para ser usada "para todos os serviços". Isto não pode existir senão na cabeça de alguém que desconhece completamente a cultura dos fulas.

Na verdade, em Empada, existia e penso que ainda continua a existir uma pequena comunidade de fulas dispersos pela zona e que, com o início da guerra, poderiam concentrar-se em Empada por razões de segurança, mas habitando fora do seu chao de origem, não estariam organizados colectivamente de modo a ter uma chefia, de modo que o homem grande em questão deveria estar a agir por sua conta e risco e não representava ninguém em particular a não ser que a isso fosse impelido por força da guerra e pela presença intimidante da tropa.

Em África, foram registados e são bem conhecidos os casos de ofertas de serviços (inclusive sexuais) a certas personalidades estrangeiras e não só como forma de hospitalidade em contextos variados e que vinham de períodos anteriores à colonização, mas que, todavia, não era uma particularidade unicamente africana, pois antes da chegada dos europeus a África já mantinha relaçoes seculares com os povos do Mediterrâneo Sul e do Médio Oriente.

Não é a primeira vez que leio estórias semelhantes vindas de portugueses (metropolitanos) que, se bem que possa haver alguns casos verídicos, na maior parte são fruto de uma interpretação errada dos factos e/ou de pura imaginação ligada a preconceitos tipicos do período do Estado Novo.

PS - O nome indicado como sendo do homem grande (Xalá) nao existe na nomenclatura da língua e cultura fula. E eu vejo nisso mais um indício da fraqueza do facto testemunhado.


(ii) Mário Miguéis (Esposende):

Nos meus dois anos de comissão na Guiné, salvo um breve contacto de duas semanas com balantas, nos Nhabijões, só estive em regiões onde os fulas eram, sem exceção, a etnia dominante. 

E, pelo que me foi dado observar ao longo do tempo (e eu lidava muito com as populações), não havia, nem de longe nem de perto, situações como a descrita pelo nosso camarada Joaquim Jorge, ou seja, não havia, pura e simplesmente, casos de favores sexuais prestados por responsáveis nativos a quem quer que fosse. 

Aliás, acompanhei a rendição de uma por outra unidade ao longo de todo o período de sobreposição e não só ninguém veio propriamente prestar vassalagem aos vindouros como os nossos anfitriões se mantiveram sempre à distância até o comandante da nova companhia lhes ser apresentado. 

Os fulas eram muito "senhores do seu nariz" e, para além disso, sabiam "dar-se ao respeito", comportando-se com uma dignidade que eu sempre admirei. 

Por isso me inclino para a tese do nosso camarada Cherno Baldé, justificando a confusão que se gerou na cabeça do novel e imaturo comandante (que me perdoe a piada o nosso camarigo Joaquim Jorge, que muito prezo) com uma incorreta tradução dos serviços a prestar (de lavadeira, não mais que isso) por parte do inabilitado intérprete, ele próprio traído, se calhar, pela tal expressão da "criada/lavadeira para todo o serviço",  muito utilizada, com a costumeira fanfarronice, por alguns militares menos discretos.

Agora, relações sexuais deste com aquela e daquela com este, independentemente de favorecimentos, isso é óbvio que acontecia com a naturalidade que acontece ainda hoje em qualquer parte do mundo. 

E, já agora, quanto à nomeação dos atores em presença, o bom senso ditará sobre a sua inconveniência ou não, tendo em atenção os usos e costumes, ao tempo, de cada grupo étnico. (**)
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Notas do editor:

(*) Vd. poste de 19 de abril de 2022 > Guiné 61/74 - P23180: Recordações de Empada do meu tempo (Joaquim Jorge, ex-alf mil, CCAÇ 616, 1964/66) (1): Xalá Baldé, o homem grande da etnia fula, que me veio prestar vassalagem e oferecer a sua neta, jovem e bonita bajuda, "para todo o serviço"...

quinta-feira, 12 de fevereiro de 2015

Guiné 63/74 - P14242: Manuscrito(s) (Luís Graça) (45): A arte lusitana de bem comunicar em toda a parte...



Uma carraca portuguesa em Nagasaki, fins do séc. XVI/princípios séc. XVII. Pintura de biombo nanban. Kano Naizen - Kobe City Museum., Imagem do domínio público (Fonte: Cortesia de Wikipedia)


(...) "O Comércio Nanban (japonês:南蛮貿易, nanban-bōeki, "Comércio com os bárbaros do Sul") ou Período do Comércio Nanban (japonês: 南蛮貿易時代, nanban-bōeki-jidai, "Período do comércio com bárbaros do Sul") na história do Japão compreende o período que vai da chegada dos primeiros europeus, oriundos de Portugal, em 1543, até sua exclusão quase total do arquipélago entre 1637 e 1641, com a promulgação do "Sakoku" - o Édito de Exclusão." (...)  (Fonte: Wikipédia > Período Nanban)



1. A atual geração de gestores das nossas empresas, os putos que fazem gala de exibir o seu diploma de MBA tirado nas melhores universidades europeias e norte-americanas, não sabem o que é a comunicação face a face. Vivem na aldeia global mas só conhecem a comunicação virtual, à distância. São dos que se gabam de despedir trabalhadores por email… As más notícias agora vêm por email. E já não há a pancadinha nas costas, à moda antiga autoritário-paternalista… O tecnocrata não precisa nem sabe nada de comunicação humana... Lembra-me a história de um desgraçado que só soube que tinha sido despedido, quando foi ver o saldo da conta bancária no fim do mês… Era dos que nunca viam a caixa de correio electrónica...


2. Lembro-te também de ter lido que, em 1995, há 20 anos atrás, os trabalhadores portugueses eram, em toda a União Europeia (UE), aqueles que tinham menos probabilidades de ter uma discussão franca, cara a cara, com o seu chefe acerca do seu desempenho profissional… Apenas 23% admitiam que isso acontecia contra 41% no conjunto dos então 15 da UE, segundo os resultados do Segundo Inquérito Europeu sobre as Condições de Trabalho, realizado nesse ano pela Fundação Europeia para a Melhoria das Condições de Vida e de Trabalho, com sede em Dublin. O português não é(era) treinado para dar notícias, nem boas nem más.

3. E, todavia, os estrangeiros têm (ou tinham, no século passado) um arreigado estereótipo, a nosso respeito: "Les portugais sont toujours gais". Leia-se: os portugueses são… pobretes mas alegretes. Hoje há outra versão que por aí corre: os portugueses veem-se gregos para poder continuar a viver em Portugal, que é(era) a sua terra de origem.


4. Quando chegámos ao Japão no final da 1ª metade do Século XVI, os nativos acharam-nos com “falta de maneiras” porque, além de comermos com as mãos, expressávamos os nossos sentimentos em público, sem ponta de pudor!… Comer com as mãos, era inconcebível para um japonês feudal, em que as relações sociais ainda eram (e continuaram a ser até à era meiji) feudais, as do servo e do suserano… Etnocêntricos, como qualquer povo, chamaram-nos “bárbaros do sul”… Mas exprimir as emoções em público era tabu… Mesmo assim devem ter-nos achado uns "gajos porreiros", ou pelo menos tiveram a santa paciência de nos tolerar durante um século... E incorporaram, no seu vocabulário, mais de 2 centenas de palavras portugueses... A língua, o comércio e os jesuítas foram os principais veículos de intercâmbio entre os dois povos: exemplos de palavras portuguesas de origem japonesa: biombo, catana; exemplos de palavras japonesas de origem portuguesa: amanderu (amêndoa), bauchizumu (batismo), beranda (varanda), bisuketto (biscoito), botan (botão), kapitan (capitão), kappa(capa), koppu (copo), kasutera (castela, bolo tipo pão de ló), kompeitou (confeitos, doces), karuta (carta), pan (pão), shabom (sabão), shabon dama (bola de sabão), tabako (tabaco), etc.


5. Afinal, em que é que ficamos? Haverá uma arte lusitana de bem comunicar ? Comunicar, na verdade, não é fácil… mas é preciso. Muitos dos nossos conflitos em casa e no trabalho começam justamente por falhas no processo de comunicação. Não sei se há uma “arte lusitana de bem comunicar em toda a parte”… Mas somos capazes de exprimir emoções e sentimentos por formas culturais como o fado, que os atuais filhos do “sol nascente” apreciam de sobremaneira, quando vêm a Lisboa, como turistas… São os “toyotas” (outro estereótipo) que enchem (ou enchiam há uns anos atrás) as casas de fado do bairro Alto e de Alfama… Será a atração dos contrastes ? Dois povos que vivem nos antípodas, afinal tão próximos e tão afastados…

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domingo, 11 de maio de 2014

Guiné 63/74 - P13127: Homenagem póstuma, na sua terra natal, Areia Branca, Lourinhã, 11 de maio próximo, ao sold at cav José Henriques Mateus, da CCAV 1484 (Nhacra e Catió, 1965/67), desaparecido em 10/9/1966, no Rio Tompar, no decurso da op Pirilampo. Parte VIII: Como é que a funesta notícia chegou à família ?... Através do carteiro... (Jaime Bonifácio Marques ds Silva)


Últimos dados retirados dos cartazes elaborados pelo Jaime Bonifácio Marques da Silva e que vão estar hoje expostos no clube da Areia Branca, como parte da homenagem à memória do nosso camarada José Henriques da Silva (1944-1966). A iniciativa é de uma comissão local onde estão representados antigos e colegas de escola do Mateus.  (LG)


A notícia do desaparecimento do soldado n.º 711/65 José Henriques Mateus 



1.1. O DEPÓSITO GERAL DE ADIDOS CENTRALIZAVA A INFORMAÇÃO



Os Serviços da República Portuguesa, através das Forças Armadas, tinham um Serviço especializado para este efeito. A primeira comunicação da morte ou acidente de um militar ocorrida durante a sua Comissão no Ultramar era da responsabilidade do Comandante da Unidade a que pertencia o Militar em questão. Este, via rádio, comunicava as circunstâncias da ocorrência ao superior hierárquico que, por sua vez, encaminhava o “assunto” para o departamento responsável, o DEPÓSITO GERAL DE ADIDOS.

A partir desse momento todas as formalidades eram da sua competência:

 i) informar todos os departamentos governamentais e das Forças Armadas com responsabilidades na condução da GuerraM;
ii) enviar um “telegrama à família”, via CTT a dar a notícia (nunca as Forças Armadas de Portugal enfrentaram diretamente as famílias para lhes darem essa notícia, escudaram-se nos carteiros, mas isso é outra história!...);

iii) realizar o funeral na respetiva Província onde ocorreu o acidente (por vezes, sobretudo no início da Guerra, os miliares eram sepultados nos cemitérios locais);

iii) trasladar o caixão chumbado com o corpo do Militar para Portugal e realizar o funeral no cemitério da sua freguesia (até 1968 as famílias dos militares tinham que pagar ao Estado as despesas com o transporte do caixão);

iv) tratar de enviar à família a mala com o seu espólio (quase sempre, era o melhor amigo que realizava esta “operação”);

 e, v) tratar da documentação a enviar à família para que esta pudesse receber a “pensão de sangue”, quando tinha direito (nem todas as famílias, apesar da morte dos filhos no Ultramar, tiveram direito a essa “pensão).”


1.2. O CASO CONCRETO DO SOLDADO N.º 711/65, MATEUS - S.P.M. 3008:

Oficialmente a notícia do desaparecimento do soldado José Henriques Mateus seguiu a rotina habitual:

1 - O Comandante da Companhia enviou para o Comandante de Batalhão a notícia do desaparecimento do Mateus e este fez seguir a informação para o Comando Territorial Independente da Guiné (CTIG) que se limitou a enviar, via rádio, a informação para o DEPÓSITO GERAL DE ADIDOS, sediado em Lisboa.

A partir daqui os militares da Secretaria adstrita ao Comando do DEPÓSITO GERAL DE ADIDOS, na altura chefiada pelo Coronel de Infantaria Amândio Ferreira, põe em marcha um conjunto de procedimentos de rotina:

1.º Através do Ofício N.º 1893/B - P.º 183 e datado de Lisboa 14 de setembro de 1966 informa:

i) Chefe da 1.ª Seção da Rep. do Gabinete do Ministro do Exército;

ii) Chefe da Rep Geral DSP/ME;

iii) Chefe do Serv. Inf. Pública das Forças Armadas do Dep. Da Defesa Nacional;

iv) Chefe do Estado Maior do QG/GML

v) Chefe da Repartição de Sargentos e Praças DSP/ME

vi) Chefe da Agência Militar

vii) Comandante do R.C.7 (Leiria)


2.º  Depois, dá conhecimento, a partir de Lisboa, ao Chefe de Estado Maior do Quartel General do CTI da Guiné que informou aquelas entidades oficiais do teor do seguinte rádio:


ASSUNTO: DESAPARECIMENTO DE PRAÇA NO ULTRAMAR

“Para os devidos efeitos, transcrevo a V. Exa. o rádio N.º 1859/A de 12.9.66 do CTI da Guiné, que é do teor seguinte:

“DESAPARECIDO OPERAÇÕES 10.19.00SET66 JOSÉ HENRIQUES MATEUS SOLDADO 6951665 CCAV 1484/RC 7 NATURAL FREGUESIA CONCELHO LOURINHà FILHO JOAQUIM MATEUS JÚNIOR E ROSA MARIA RESIDENTE LUGAR DA AREIA BRANCA CONCELHO LOURINHÔ.

Informo V.Exa. que foi enviado telegrama à família do desaparecido comunicando a ocorrência”.

O comandante
Amândio Ferreira
Coronel de Infantaria

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AEROGRAMA DA MADRINHA DE GUERRA ESCRITO SEIS DIAS DEPOIS DO SEU DESAPARECIMENTO


No seu espólio encontrei, também, um documento comovente:  um Aerograma escrito pela sua madrinha de guerra,  em 16 de setembro de 1966, seis dias depois da sua morte. Nele, ela pede que o Mateus ou a algum colega que venha a lê-lo lhe conte o que se passou.

“ (…). Sou a madrinha de guerra do soldado José Henriques Mateus n.º 711/65. Se for ele próprio quem receba este aerograma peço-lhe o favor de me comunicar rapidamente, assim que o receber. Depois lhe explicarei a razão deste aerograma. Mas, desde já digo que o que procuro é uma prova importante, mas se isso não acontecer e que algum colega o abra,  peço também que me responda a este, contando-me o que se passou com ele” (…)

Nota: Deduzimos que o alarme ou a notícia do seu desaparecimento já seria do conhecimento da família e amigos, no entanto, deviam existir, ainda, muitas dúvidas e esperanças quanto ao trágico acidente. 



Observações finais:

i) Pesquisa, organização e texto - Jaime Bonifácio Marques da Silva [, natural de Seixal, Lourinhã, colega de escola do Mateus, vive em Fafe, onde foi professor de educação física e autarca (com o pelouro da cultura, e onde é mais conhecido como Jaime Silva), ex-alf mil paraquedista, BCP 21 (Angola, 1970/72), membro da nossa Tabanca Grande; foto atual à esquerda]

ii) Montagem e grafismo dos cartazes – Berci [Fafe]

iii) Fontes consultadas:

a) Arquivo Geral do Exército

b) Espólio do soldado José Henriques Mateus, por cortesia do irmão Abel Mateus.

iv) Contributos:

a) Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné.

b) Ex- furriel Estêvão Alexandre Henriques, Ex-Marinheiro Arménio Pereira, Ex- Soldados José Rufino e Manuel Patrício

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Nota do editor:

quarta-feira, 19 de junho de 2013

Guiné 63/74 - P11730: Memórias do Chico, menino e moço (Cherno Baldé) (44): A mulher mandinga e o soldado português

1. Memórias do Chico, menino e moço (Cherno Baldé) (44): A mulher mandinga e o soldado português

Uma mulher mandinga,  a caminho do mercado,  passa diante da porta de armas onde esta postado um soldado português em serviço de sentinela. Ela sabe que os portugueses, de uma forma geral, não têm especial empatia para com os mandingas que, com ou sem razão, suspeitam de estar do lado dos terroristas, por isso num gesto amigável de querer agradar, exibindo o seu melhor sorriso, cumprimenta a sentinela na única lingua que sabia comunicar:
Caira lata! (paz e bem, o mesmo que dizer bom-dia em mandinga).

O soldado interpreta o cumprimento da mulher como uma provocação terrorista, não responde e faz gestos com a mão a indicar-lhe para continuar a caminhar e não chatear, pois que chatices ja tinha ele o suficiente para estar ali de serviço.

Volvidos alguns dias e, no mesmo local, a mulher volta a encontrar o soldado em serviço na porta de armas e,  indiferente ao facto de que se tratava ou não da mesma pessoa, repete o ritual com a mesma cortesia de sempre.
 ─ Caira lata!

 O soldado não responde, mas faz os gestos habituais de mandar seguir com as mãos que a mulher interpreta como resposta aos seus salamaleques e, como mandam as regras da boa educação africana, acrescenta logo a seguir:
Sukonum kolo!? (Como vai a familia!?)

Exasperado, pelo que ele entende ser uma afronta, o soldado avança de forma ameaçadora para a mulher, visivelmente com intenção de a agredir com um pontapé, valendo a pronta intervenção das pessoas que passavam por perto e, perante o desconforto da situação, vê-se obrigado a explicar aos presentes as razões de toda a bagunça:
─ Foda-se, a f...da p... da velha,  não contente de me chamar 'cara de lata', todos os dias que passa por aqui, hoje ameaçou-me com um 'soco nos cornos', era o que faltava!

No meio da confusão, a mulherzinha só sabia dizer: 
Hoi mbama!!! Hoi mbama!!! (Oh minha mãe!...Oh minha mãe!).

Bissau, 10 de Junho de 2013
Flagrantes da vida “colonial”
Cherno Baldé – Chico de Fajonquito

domingo, 28 de abril de 2013

Guiné 63/74 - P11492: Blogpoesia (333): A notícia do fim da notícia (Luís Graça)


A notícia do fim da notícia

Poema dedicado ao meu amigo
Horácio Mateus (1950-2013)
que anteontem se cansou da vida.
Grande lourinhanense,
foi cofundador 
do GEAL-Grupo de Etnologia e Arqueologia da Lourinhã
 e do Museu da Lourinhã





Pedimos desculpa,
Mas hoje não há notícias…
Um dia gostaria de acordar sem notícias.
Sem televisão.
Sem jornais.
Sem Internet.
Sem o ruído das ondas hertzianas.
Sem mensagens.
Sem mensageiros.
Sem imagens
Nem palavras.
Nem sequer as duas últimas palavras
Do locutor de serviço a pedir desculpa
Por não haver notícias.

Um dia gostaria de acordar
Com a notícia do fim da notícia.
Ou nem sequer isso.
A notícia do fim do circo mediático.
Ou nem sequer isso.
Gostaria de acordar
Só com o buraco negro do ecrã
À minha frente
A milhões de anos-luz
No meu telescópio.

Ou nem sequer isso.

Um dia gostaria de acordar
No mais absoluto silêncio.
Nem ouvir o ruído sequer
Do vaivém das ondas do mar 

Ou a sinfonia dos moinhos de vento da minha infância.
Ou nem sequer isso.

Um dia não gostaria sequer
De acordar.


Luís Graça
21/8/2008.
Revisto em 26/4/2013
depois de saber da notícia
da morte de um amigo e conterrâneo.



Cartoon de Simão Mateus (Com a devida vénia...)
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Nota do editor:

Último poste da série > 11 de abril de 2013 > Guiné 63/74 - P11373: Blogpoesia (332): Guiné... Voltarei lá um dia ? (Magalhães Ribeiro)

domingo, 13 de julho de 2008

Guiné 63/74 - P3056: Simpósio Internacional de Guileje: Comunicação de Nuno Rubim (3): Slides (de 5 a 9): Comparando os armamentos

"Comparação dos armamentos português e do PAIGC (1). De salientar: 

(i) Lança-granadas foguete (LGFog=: a granada portuguêsa era anti-carro, enquanto que a do PAIGC não era só anti-carro como anti-pessoal, já que a carga explosiva continha estilhaços. 

(ii) O Morteiro de 120mm era muito mais potente do que os de 81mm e 10,7cm, dispondo ainda a sua granada uma espoleta de duplo efeito ( instantânea ou com atraso ), própria para penetrar em abrigos cobertos" (NR).


1. Continuação da apresentação dos slides referentes à comunicação do Cor Art na situação de reforma, Nuno Rubim > Guiné-Bissau > Bissau > Hotel Palace > Simpósio Internacional de Guileje (1 a 7 de Março de 2008) > Dia 5 de Março de 2008 > Painel 3 > O pós-Guiledje: efeitos, consequências e implicações político-militares do assalto ao aquartelamento. Moderador: Mamadú Djau (Director do INEP) > Comunicação de Nuno Rubim, português, Cor Art Ref > 17h30 – 18h00 > "A batalha de Guiledje: uma tentativa de reconstituição histórica em dioramas" (*)




Comparação dos armamentos português e do PAIGC-2. De salientar: 

(i) Quanto à artilharia pesada a Peça de 130mm (do Exército da República da Guiné-Conacri, cedida temporariamente ao PAIGC ) tinha um alcance muito superior aos materiais portugueses ( Obus de 14cm e Peça de 11, 4cm ). 

(ii) Por outro lado a determinação dos dados de tiro pelos artilheiros do PAIGC foi feita por triangulação, de onde resultou uma grande precisão no fogo durante o ataque a Guileje. 

(iii) A artilharia ligeira do PAIGC (canhão sem-recuo B-10 e peça de 57mm ZIS-2 ) dispunha de materiais de grande mobilidade, com rodado e alguns desmontáveis para transporte" (NR)

Comentário de L.G.: 

Comparação entrre o canhão s/r 106 mm , que era utilizado pelas NT, com o Badora, o canhão s/r 82 mm B-10, do PAIGC: 

o primeiro tinha um alcance máximo de 1350 metros (em tiro directo) e 7800 m (em tiro indirecto); peso da granada: 8 kg... 

por sua vez, o Badora tinha um alcance, directo e indirecto, de 1000 metros e de 4500 m, respectivamente. Peso da granada: 4,5 kg.


Artilharia das NT: a peça 11,4 e o obus 14...

Artilharia do PAIGC: a peça de 130 mm M-46, que disparava do outro lado da fronteira, no sul...


"Além da artilharia convencional o PAIGC dispunha ainda de foguetões de 122mm, a Arma Especial GRAD, preparada para intervir contra Guileje se necessário, o que não veio a acontecer. Mas mais tarde foi utilizada contra Gadamael" (NR).

Comentário de L.G..: O famoso Jacto do Povo, o foguetão de 122 mm, que terá sido utilizado pela primeira vez em Novembro de 1969, numa flagelação contra Bolama... Segundo Nuno Rubim, não foi em Bolama mas em Bedanda que se terá verificado a utilização, pela primeira vez, desta arma, que - felizmente para nós - era pouco precisa e fiável... (Vd. slide a seguir).


"Retracção do Dispositivo português : uma questão polémica, que referi no Simpósio, sobre o não ter ainda obtido suficientes elementos que me permitam compreender totalmente as razões objectivas para as decisões que então foram tomadas" (NR).

Comentário de L.G.: Lista dos aquartelamentos e destacamentos das NT, no scetor sul, que foram abandonados em 1968 e 1969: 

  • Beli (Junho de 1968); 
  • Sangonhá e Cacoca (Julho de 1968); 
  • Mejo (24 de Janeiro de 1969); 
  • Gandembel e Ponte Balana (28 de Janeiro de 1969); 
  • Madina do Boé e Cheche (6 de Fevereiro de 1969).




"Guileje. Alterações sofridas a patir de 1969, certamente devido ao emprego dos morteiros de 120mm em Gadembel, desde Agosto de 1968. De salientar: Construção de 7 ( algumas fontes referem 8 ) abrigos em betão armado; intalação de 3 espaldões de artilharia para o material pesado" (NR).

(Continua)
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Nota de L.G.:

(*) Vd.postes anteriores:

13 de Julho de 2008 >
Guiné 63/74 - P3054: Simpósio Internacional de Guileje: Comunicação de Nuno Rubim (1): Como dar a volta aos Strella ?

13 de Julho de 2008 >
Guiné 63/74 - P3055: Simpósio Internacional de Guileje: Comunicação de Nuno Rubim (2): Slides (1 a 4): O sector sul


Por imperativos de resolução os slides enviados pelo Nuno Rubim (total: 18), foram convertidos em imgens em formato jpg e, em geral, tiveram que ser desdobrados.

sábado, 10 de fevereiro de 2007

Guiné 63/74 - P1511: Uma lição de... marinha (Manuel Lema Santos)

Dois esclarecimentos do Manuel Lema Santos que, para nós, infantes, ignorantes dos outros ramos das Forças Armadas, são uma lição... Também aqui o saber não ocupa lugar. Obrigado, camarada!

1. Caro Luis Graça,

Será possível efectuares uma correcção simples?

No texto, quando escrevi "Chegou a estar prevista a montagem de MP na ponte mas não chegou a ser efectuada" escreveste Morteiro Pesado em vez de Metralhadora Pesada, o verdadeiro significado da nossa abreviatura.

Ainda foram efectuadas algumas experiências com morteiro 60 mm e até houve quem pedisse 82 mm mas a resistência da estrutura não era suficiente e a ideia foi abandonada.
Um abraço e um bom fim de semana.
Manuel Lema Santos


2. Meu Caro Luis Graça,

Começo por te responder à tua pequena chamada, não percebendo muito bem se o teu código de página ou o Outlook Express está com dificuldades digestivas...

Dentro de todos aqueles palavrões, usuais à época, avultavam os sonantes Ordop (Ordens de Operações), Perintrep , Sitrep (Relatórios de Situação) , Relins, Relabs (Relatórios Abreviados), etc. e mais um inumerável rol de palavras sonantes utilizados a nível de Estados-Maiores e que suponho terem como função simplificarem as comunicações. Alguns, eu próprio não os sei retroverter para qualquer coisa mais compreensível mas confesso-me despreocupado com a ignorância.

Nesses mesmos relatórios, mensagens e todo o tipo de comunicações abreviadas era usual o ML (metralhadora ligeira), o MP (metralhadora pesada), o LGF (lança-granadas foguete), a ALG (suponho que arma lança-granadas) e todo um inumerável conjunto de abreviaturas para o qual nem sei se existem algumas regras estabelecidas.

Mesmo em anexos de comunicações de operações era muito vulgar a atribuição de abreviaturas que simplificava a extensão das comunicações efectuadas. Suponho que seria idêntico em todos os ramos das FA (cá está outra abreviatura em que até já fui corrigido para FFA para não se confundir com Força Aérea) pois se assim não fosse teríamos a Torre de Babel. Não tens essa sensibilidade adquirida?

No caso da ALG, não corresponderia este nome aos dilagramas utilizados pelo exército?

Na prática e numa LFG, correspondia a uma G3 fixa num suporte próprio (reparo) ao lado da MG 42 da ponte, reparo esse dispondo de uma mola bastante forte para suportar o recuo provocado pela munição de salva. O dispositivo, com um sistema de guiamento tipo morteiro, encaixava no cano da G3 e na ponta estava fixa uma granada defensiva a que era previamente retirada a cavilha de segurança depois de presa no encaixe do dispositivo, próprio para o efeito. Ao efectuar-se o disparo - com um atilho próprio para protecção do dedo - a munição de salva projectava a granada à distância, já com a cavilha solta e com os efeitos posteriores óbvios.
Esta era sim, uma arma de tiro curvo para as margens mas com algumas precauções obrigatórias na utilização.

Quanto aos aspectos específicos que focas, respeitantes a navios, vou tentar ajudar numa perspectiva simplificada:

1 - Todos os navios de guerra ostentam no costado (casco) e nas amuras de bombordo e estibordo (os guarda-lamas da frente esquerdo e direito) uma letra (correspondente ao tipo de navio) e normalmente também no painel de popa (parte de trás ou ré) seguida de um número correspondente atribuído essa unidade fabricada.

Assim poderemos dar alguns exemplos: F de Fragata, P de Patrulha, M de Draga-minas, U de Submarino (U boat), CV de Porta-Aviões (aircraft carrier), A de Auxiliar (abastecimento, hidrográfico, etc.) LDG de lancha de desembarque grande, LDM de lancha de desembarque média e LDP de lancha de desembarque pequena.

Claro que na origem está a língua inglesa e, mais especificamente, a nomenclatura NATO.

Ainda outros menos frequentes, por exemplo os Couraçados - BB (Battle ships), os Cruzadores - CV (designando navios mais poderosos que as Fragatas) e os DD - Destroyers que nesta altura não fazem parte dos tipos de navios que integram a nossa Marinha de Guerra.

Há ainda mais tipos de navios mas referi os mais frequentes. Apenas a observação de que no caso das nossas LFG's eram todas P (as LFP's ainda com mais sentido por terem quase metade do comprimento) por pertencerem efectivamente à classe dos Patrulhas mas designadas Lanchas pela tonelagem não atingir as 250 t.

Já agora, completando o ramalhete das oito que passaram pela Guiné foram a Argos - P372, Dragão - P374, Escorpião - P375, Cassiopeia - P373, Hidra - P376, Lira - P361, Orion - P362, Sagitário - P1131.

Quanto a fotos pessoais, referes-te a Marinha ou vida civil? Tenho alguma coisa que terei todo o gosto em enviar-te.

Tenho algumas coisas em carteira para o blo9gue mas terei que as trabalhar alguma coisa primeiro.

Um abraço e um bom fim de semana para ti e família!

Manuel Lema Santos