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terça-feira, 28 de fevereiro de 2012

Guiné 63/74 - P9543 : As novas milícias de Spínola & Fabião (3): Comandante de Companhia de Instrução de Milícias, no CIMIL de Bambadinca, em set/out de 1973 (Luís Dias)



 Guiné > Zona leste > Setor L1 > Bambadinca > Centro de Instrução de Milícias (CMIL) > Setembro/outubro de 1973 > Formatura de inspeção. O Cmdt da Companhia de Instrução era,  na altura, o Alf Mil At Inf Luis Dias, da CCAÇ 3491/BCAÇ 3872 (Dulombi e Galomaro, 1971/74), tendo como adjunto o Fur  Mil Gonçalves, do seu pelotão dorigem, e como comandantes dos pelotões os seus 1ºs cabos atiradores.

Foto: © Luis Dias (2012). Todos os direitos reservados.



Guiné > Zona Leste > Sector de Galomaro > CCAÇ 3491 (1971/74) > "Chegada a Galomaro da CCAÇ 3491 [, pertencente ao BCAÇ 3872,] no dia 9 de Março de 1973. No jipe podemos ver o Alf Luís Dias, atrás o Fur Baptista, do 1º Gr Comb, e ao lado, a sorrir, um guerrilheiro do PAIGC que, no dia anterior, se tinha entregado a uma patrulha nossa na área do Dulombi. A arma é uma Shpagin PPSH 41, no calibre 7,62 mm Tokarev, mais conhecida por 'costureirinha' e com a particularidade de ter um carregador curvo de 35 munições, em vez do habitual tambor de 71".

Foto (e legenda): © Luis Dias (2012). Todos os direitos reservados.

1. Texto do Luís Dias, com data de 26 do corrente:Caros Camaradas,

Conforme foi referido no post P9526 pelos editores, eu fui um dos comandantes da Companhia de Instrução de Milícias, no CIMIL de Bambadinca, administrado pelo Comando do BART 3873 [, Bambadinca, 1971/74,] nos meses de Setembro e Outubro de 1973.

No meu tempo, a companhia tinha como comandante 1 alferes (Luís Dias), como 2º comandante 1 furriel (Gonçalves) e como comandantes de pelotão 1º cabos atiradores. O chefe de secretaria era um sargento do BART 3873.

A Instrução administrada era razoavelmente rigorosa e os milícias mostravam-se interessados nas informações técnicas recebidas e aplicados nos exercícios configurados para adaptar a teoria à prática.

A espingarda automática, FN, de origem bela (produzida pela Fabrique National), inicialmente na guerra colonial, em Angola, em 1961, antes da G3.


O único e grave problema que tivemos foi o de praticamente toda a instrução ter sido efectuada com a espingarda automática HK G3 e perto do fim foram estas armas substituídas por espingardas automáticas FN FAL, o que originou alguma confusão (os milícias não conheciam a arma e ficaram desconfiados que era inferior à G3). Isso obrigou a treino extra de adaptação à arma que, como sabemos, funciona de forma diferente da G3.

Também houve alguma discussão com o responsável pela distribuição das armas ligeiras (Tenente-coronel da Engenharia), porque este referia que as armas distribuídas aos milícias eram novas e nada inferiores à G3, tendo eu retorquido que as armas não eram novas, mas recicladas, para parecerem novas, como lhe mostrei, ao exibir algumas delas que não obstante terem as coronhas de madeira pintadas de novo, conseguia-se perceber: "Angola tantos de tal", ou nomes diversos, etc. (tudo escrito por canivete ou objecto semelhante na coronha das armas), além de que sofriam bastantes interrupções de tiro, devido ao regulador de gases.

As milícias eram essenciais na defesa imediata das tabancas onde se encontravam instaladas, bem como no acompanhamento em operações das unidades operacionais aquarteladas nas suas zonas. Dado o seu contacto diário com a população forneciam informações bastas vezes sobre as deslocações do IN na zona.

Na nossa área de intervenção, o armamento individual das milícias era composto por espingardas automáticas HK G3, morteiros 60mm, granadas de mão ofensivas e defensivas e dilagramas. Julgo que em uma ou duas das tabancas onde eles estavam instalados e para defesa da mesma, estava atribuído um morteiro 81mm.

Devo salientar a grande bravura de muitos destes elementos dos pelotões de milícias (elementos das etnia fula), porquanto os ataques que sofriam do IN eram, normalmente, ataques directos nocturnos, efectuados já muito perto do arame e a sua resposta era quase sempre muito eficaz e acabado o ataque perseguiam o grupo do PAIGC. Enquanto o ataque se produzia era normal outros pelotões de milícia, das tabancas mais perto, tentarem interceptar e emboscar o IN na sua retirada, ou auxiliar a tabanca atacada.

Estes ataques produziam, normalmente, baixas entre a população e às vezes também nas milícias, mas também produziam baixas significativas nas forças do PAIGC, como a do ataque à tabanca de Campata.

Em Março de 1973 o Batalhão de Caçadores 3872 [Galomaro, 1971/74], tinha o seguinte dispositivo:

CCS – Galomaro (Sede do Batalhão);
Pel Mil 256 – Deba;
Pel Mil 289 - Umaro Cossé;
Pel Mil 304 - Contabane;
Pel Mil 315 – Cansonco;
Pel Mil 316 – Pate Gibel;
Pel Mil 317 – Cansamba;
Pel Mil 318 – Campata;
Pel Mil 353 – Bangacia;
Pel Mil 354 – Sinchã Maunde Bucô;
Pel Mil 368 - Dulô Gengele

CCAÇ 3489 – Cancolim;
Pel Mil 290 – Cancolim;
Pel Mil 347 - Anambé;

CCAÇ 3490 – Saltinho;
Pel  Caç Nat 53 – Saltinho;
Pel Mil 287 - Cansamange;

CCAÇ 3491 – Dulombi/Galomaro;
Pel Mil 288 – Dulombi;
Pel Mil 373 – Dulombi.

Um abraço.
Luís Dias

 2. Comentário do editor

Para um batalhão (c. 500 homens, metropolitanos) havia 15 pelotões de milícias e 1 Pel Caç Nat,  ou seja, perto de outros 500 homens,  guineenses, em armas... Grosso modo, a proporção era de 1 para 1 no setor de Galomaro, ao tempo do  BCAÇ 3873. Isto dá uma ideia do elevado grau de "militarização" do chão fula (grosso modo, zona leste, do Xime a Buruntuma), bem como do esforço de "africanização" da guerra...

_________________

Nota do editor:

Postes anteriores  da série:

24 de fevereiro de 2012 > Guiné 63/74 - P9526: As novas milícias de Spínola & Fabião (1): excerto do depoimento, de 2002, do Cor Inf Carlos Fabião (1930-2006), no âmbito dos Estudos Gerais da Arrábida (Arquivo de História Social, ICS/UL - Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa) 

25 de fevereiro de 2012 > Guiné 63/74 - P9532: As novas milícias de Spínola & Fabião (2): O CIMIL (Centro de Instrução de Milícias) de Bambadinca, criado em 5 de Agosto de 1971, ao tempo do BART 2917

domingo, 31 de janeiro de 2010

Guiné 63/74 - P5736: Armamento (3): A célebre, irritante e temível costureirinha, a pistola-metralhadora PPSH, usada pelo PAIGC (Luís Dias)


Guiné > Zona Leste > Sector de Galomaro > CCAÇ 3491 (1971/74) > "Chegada a Galomaro da CCAÇ 3491 [, pertencente ao BCAÇ 3872,]  no dia 9 de Março de 1973. No jipe podemos ver o Alf  Luís Dias, atrás o Fur Baptista,  do 1º Gr Comb,  e ao lado, a sorrir, um guerrilheiro do PAIGC que, no dia anterior, se tinha entregado a uma patrulha nossa na área do Dulombi. A arma é uma Shpagin PPSH 41, no calibre 7,62 mm Tokarev, mais conhecida por "costureirinha" e com a particularidade de ter um carregador curvo de 35 munições, em vez do habitual tambor de 71". (Foto do Luís Dias, reproduzida com a devida vénia, do seu blogue, Histórias da Guiné, 71-74:  A CCAÇ 3491, Dulombi.

Foto e legenda: © Luís Dias (2009). Direitos reservados




Guiné > Zona Leste > Sector de Galomaro > CCAÇ 3491 (1971/74) > Elemento do PAIGC, com PPSH-41 (Costureirinha), em Dulombi, Março de 1973.

Foto e legenda: © Luís Dias (2009). Direitos reservados




Guiné > PAIGC > Novembro de 1970 > Um guerrilheiro empunhando uma PPSH (a irritante costureirinha, uma arma temível sobretudo em emboscadas)...



Fonte: © Nordic Africa Institute (NAI) / Foto: Knut Andreasson (com a devida vénia... e a autorização do NAI)


Segundo o nosso especialista de armamento, Luís Dias, "a pistola-metralhadora PPSH-41, concebida por Georgii Shpagin, conhecida pelas nossas forças como a Costureirinha, e pelo PAIGC como a Pachanga, foi uma das PM mais fabricadas no mundo (mais 6 milhões de exemplares), e largamente utilizada pelo exército soviético na IIª Guerra Mundial. No pós-guerra foi usada nos países satélites, na China, Vietname e nos movimentos de libertação africanos" (*).

Características da arma

Tipo: Pistola-metralhadora
País de origem: ex-URSS
Calibre: 7,62 mm, Tipo P
Ano inicial de fabrico: 1941
Alcance eficaz: 200 m
Alcance prático: 25 a 50 m
Peso: 5,45 Kg com tambor de 71 munições; 4,30 Kg com carregador de 35 munições
Comprimento: 843 mm
Munição: 7,62x25 mm Tokarev
Velocidade de saída do projectil: 488 m/s
Alimentação: Tambor de 71 munições ou carregador curvo de 35 munições
Segurança: Através de travamento da culatra na posição recuada ou quando fechada.
FUNCIONAMENTO: Arma de disparo selectivo de tiro (auto ou semi-auto), funcionando por inércia da culatra, através da posição aberta
Cadência de tiro: 900 tpm

_____________

Nota de L.G.:

(*) Vd. último poste da série > 23 de Janeiro de 2010 > Guiné 63/74 – P5690: Armamento (2): Pistolas, Pistolas-Metralhadoras, Espingardas, Espingardas Automáticas e Metralhadoras Ligeiras (Luís Dias)

sábado, 11 de outubro de 2008

Guiné 63/74 - P3293: O meu baptismo de fogo (7): Mansabá, 21 de Abril de 1970 (Carlos Vinhal)

Vista aérea de Mansabá, onde a CART 2732 permaneceu entre 21ABR70 e 23FEV72
Foto de Carlos Vinhal, ex-Fur Mil da CART 2732, Mansabá, 1970/72.


Caros camaradas, considero para mim ter tido dois baptismos de fogo na Guiné.

O primeiro que conto hoje, foi no dia da chegada a Mansabá e, um outro passados pouco mais de cinco meses, quando tive a primeira intervenção na neutralização de duas minas antipessoais, alguns minutos após ter morrido o meu oficial de Minas e Armadilhas.


O meu baptismo de fogo,
por Carlos Vinhal

Depois de desembarcar em Bissau em 17 de Abril de 1970, ida da Ilha da Madeira a bordo do Ana Mafalda, a CART 2732 permaneceu em Bissau até ao dia 21. Pela manhã saímos devidamente escoltados por uma força do BCAÇ 2885, sediado em Mansoa, com destino a Mansabá. Breve paragem em Mansoa e prosseguimos viagem, agora acompanhados por forças da CCAÇ 2403, Companhia que íamos render.

Muitos cuidados neste trajecto particularmente difícil, onde iriam perder a vida, mais tarde, dois camaradas nossos.

A recepção em Mansabá decorreu dentro da normalidade, com alguns cartazes que nos faziam lembrar a nossa condição miserável de periquitos e o quanto estávamos afastados de Lisboa e da família.

Como chegámos perto da hora de almoço, fomos avisados de que não precisávamos de recorrer às nossas Rações de Combate, pois tínhamos almoço de faca e garfo, oferecido pelos nossos anfitriões. Bom prato de batatas fritas com fiambre, salsichas e ovos estrelados, sopa e sobremesa, cerveja fresquinha a acompanhar e tudo isto à borla. O dia prometia.

Acabado o repasto, fomos dar um passeio de reconhecimento pela tabanca, ao longo da avenida principal, onde pudemos ver as montras, as garinas com as mamocas à mostra (ainda um pouco perturbador), etc. O conjunto era um pouco desolador e um tanto estranho para nós que há apenas 4 dias tínhamos chegado à Guiné. Crianças com barrigas enormes, sinal de má nutrição, pessoas e animais esqueléticos, produto da falta de condições básicas, mau grado o esforço da tropa e do governo de Bissau para tentar suprimir essas necessidades.

Regressámos ao conforto e segurança do arame farpado. A tarde foi passando, ouvindo as histórias dos velhinhos, mais ou menos inventadas para impressionar periquito, primeiros contactos com o whisky, a Fanta, a Coca-cola, o Gin tónico, a mesa de pingue-pongue, cartas e tudo o mais que ajudava a matar o tempo naquela desolação.

Por volta das 17 horas ouvimos uns sons, ainda estranhos para nós, mas que ficámos a saber se chamavam saídas, algures vindo de fora do aquartelamento. Passados segundos, começaram a cair morteiradas por todo o lado e ouviam-se distintamente os tiros de armas ligeiras com uma cadência muito superior às nossas G3, eram as famosas costureirinhas, disseram-nos. Os velhinhos mandaram-nos para os abrigos e que ficássemos lá quietinhos até a guerra acabar.

Quando as armas se calaram, fez-se o balanço dos estragos, tendo-se concluído que tinha sido a população a pagar a factura mais cara da chegada de nova carne para canhão a Mansabá. Tínhamos sido praxados com a dura realidade.

A esta distância, a recordação que me ficou foi de estupefacção, pois não imaginava que a guerra começasse sem nos ambientarmos primeiro. Que diabo, o IN podia ter mais compreensão, tínhamos chegado há pouco mais de 4 horas e já embrulhávamos!!!

Da HU da CART 2732 consta:

21 ABR [1970]- Chegou a Mansabá a CART 2732 destinada a render a CCAÇ 2403.

21 ABR [1970] - O IN flagelou Mansabá, durante 5 minutos, com Mort 82 e armas automáticas, causando 16 feridos na população.


Pergunta lógica: quem dormiu descansado naquela primeira noite em Mansabá? Eu não.

domingo, 5 de outubro de 2008

Guiné 63/74 - P3270: O meu baptismo de fogo (3): Catió, 6 de Junho de 1968 (Jorge Teixeira)




1. Mensagem do Jorge Teixeira, ex-Fur Mil que esteve na Guiné entre 1968/70, para o editor Carlos Esteves Vinhal, com data de 1 de Outubro de 2008

Assunto - Meu Baptismo de Fogo




O meu baptismo de fogo
Catió, 6.06.1968


Cheguei ao largo de Bissau a 6 de Maio de 1968. Fui embarcado num batelão ou LDM, já não me lembro, e desembarcaram-me em Bolama.

Cerca de 15 depois, meteram-me noutro batelão e fui parar a Catió.

Parece, segundo me lembro de contos contados, que nunca Catió havia sido flagelada no tempo da CCS do BART 1913 (1967/69). O meu pelotão de canhões sem recuo era um adido, se bem me lembro chamava-se reforço, desta companhia.

Andei por ali a fazer um treino operacional com o Alferes Ganhão, hoje presidente de uma Camara lá pelo Ribatejo - e como bom alferes com 12 meses de mato (?), nem me conhecia. E também como bom medricas que era, só aprendi a ser desenfiado. Não que ele trocasse alguma conversa comigo, mas pelo que tive de seguir os poucos homens do seu pelotão que enquadraram o meu por uns dias.

Aliás, os Alferes operacionais (?) desta CCS eram cá uns meninos lindos que nem vos conto. Mas isso são outras estórias da história.

No dia 6 de Junho [de 1968] depois do jantar, estava entretido numa converseta com o Rijo, sempre desplicente, de camisa aberta, calções e chinelos, o André e mais um ou dois furrieis velhinhos, na messe antiga de Catió, quando ouvimos uns barulhos.
- Que é esta merda ? - disseram. Acho que foi o André pois era o seu estilo.
- Foda-se, que é ataque - disse alguém.

Corremos todos para o posto onde estava um dos meus canhões e eu perguntei:
- E agora ? - Resposta:
- Sei lá, caralho.

Ninguém sabia o que fazer. Bom, ficámos por ali à espera que alguém desse alguma ordem, que nunca chegou. Lembro-me de muitos rebentamentos e de ver passar as tracejantes e o traaaataaataaa, do que eles diziam ser as costureirinhas. Presumo que deve ter sido coisa de meia hora. Lembro de ter perguntado no final:
- Isto foi um ataque?

Responderam-me, não sei quem:
- Foda-se, nunca houve nada igual.

Conclusão: houve uns feridos ligeiros, mas na população a maior gravidade foi na professora, senhora de boas carnes, que lhe entrou um estilhaço ali bem próximo do pipi. Quem melhor pode dizer e explicar os despoooiiisss, é o Amilcar, se ainda andar por cá, pois foi ele que tratou a senhora.

Este foi o meu baptismo. Se for de interesse, tem-lo aí.

Olha, o numero do batalhão e da CCS não tenho a certeza se é esse. Pedi ao Victor Condeço , a cabecinha pensadora, para confirmar (**). Mas o rapaz está entretido a mandar emails com piadinhas do Sócrates que nem dá fé. Mas acho que nem é importante.

Um abraço camarada
Jorge / Portojo

____________

Notas de CV:

(*) Vd.poste de 7 de Setembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3180: Tabanca Grande (84): Jorge Teixeira, ex-Fur Mil, Guiné, 1968/70

(**) Ex-fur mil da CCS do BART 1913, Catió, 1967/69...