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domingo, 4 de fevereiro de 2024

Guiné 61/74 - P25134: A 23ª hora: Memórias do consulado do Gen Inf Bettencourt Rodrigues, Governador-geral e Com-chefe do CTIG (21 de setembro de 1973-26 de abril de 1974) - Parte II: A carestia do arroz em fins de 1973, e a intervenção do Governo, regulando o mercado e fixando o preço que passa de 5$50 para 7$00/kg

Gen de três estrelas, Bethencourt Rodrigues 

(Funchal, 1918 - Lisboa, 2011) (*)




Excerto de uma relação de artigos de víveres existentes à data de 17/6/1974 na CCS/BART 6523 (Nova Lamego, 1972/74), destaque para o caso do arroz, que tem dois preços: um, seguramente importado, a 14$50/Kg, e outro de produção local, a 87$00/Kg. (**)

Fonte: cortesia de José Saúde (2016). [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]

1. Uma "batata quente" que estalou nas mãos do novo Governador-geral e Com-chefe da Guiné, o Gen Bettencourt Rodrigues, foi a carestia de vida, provocada pelo aumento da generalidade dos bens essenciais para o abastecimento tanto da tropa como da população civil, na sequência do choque petrolífero e da crise económica de finais de 1973. Teve  consequências na economia, no aumento dos preços, na inflação que disparou, no aumemto das despesas  militares e da administração civil, nas acrescidas dificuldades de  transporte de tropas e material, no fornecimento de combustíveis, enfim, na logística, na alimentação e no moral da tropa, na ação psicossocial, etc. 1974 foi o "anus horribilis" de Marcello Caetano mas também o do governador-geral e com-chefe da Guiné.


Sobre a crise petrolífera de 1973, recorde-se que foi desencadeada por um protesto dos países árabes, com destaque para a Arábia Saudita, pelo apoio prestado pelos Estados Unidos a Israel durante a Guerra do Yom Kippur (de 6 a 23 de outubro de 1973), um conflito particularmente sangrento com milhares de baixas de um lado e do outro.

Como represália, os países árabes organizados na OPEP (criada em 1960 pela Arábia Saudita, Kuwait, Irão, Iraque e Venezuela) o preço do petróleo aumemntou em mais de 400%. Em março de 1974, os preços nominais tinham subido de 3 para 12 dólares por barril (a preços atuais, de 14 para 58).

O Canadá, o Japão, a Holanda, o Reino Unido e os Estados Unidos foram os principais alvos do embargo inicial que se estendeu depois a Portugal, a Rodésia e a África do Sul.  Os efeitos económicos e financeiros, a nível internacional, fizeram-se sentir de imediato. Por exemplo, em Portugal, o litro de gasolina super passa de 7,5 escudos para 11 escudos (o equivalente, a preços atuais, a 2,32 €). Esta crise, de 1973, ficou conhecida como o "primeiro choque petrolífero". Outro se seguiu em 1979. (Fonte: Wikipédia > Crise petrolífera de 1973).

No caso de Portugal, tiveram tremendas consequências económicas, financeiras e político-militares, que já não cabe aqui analisar, mas que vão desembocar, indiretamente, no golpe de Estado do 25 de Abril de 1974 e no fim da guerra colonial, numa altura em que a situação militar, no terreno (incluindo na Guiné) estava longe de ser desfavorável para o exército português.(**)

Anos depois, em 1977, o gen Bettencourt Rodrigues reduz esta crise apenas ao aumento do preço de arroz (que o Governo teve de contingentar e tabelar, passando de 5$50 para 7$00/Kg)... Limita-se a re4conhecer que a medida foi "impopular"... Claro que o general nunca foi ao mato ver os preços que se praticavam nas lojas dos Fernando Rendeiro e dos Jamil Heneni,,, nem nunca deve ter falado  com os vagomestres das subunidades. Seis meses depois, em junho de 1974 havia arroz, na CCS do batalhão de Nova Lamego a 14$50 / Kg...

Vejamos então como Bettencourt Rodrigues via o "problema do arroz" no tempo em que era o "homem grande de Bissau":

(...) "Problema que afetava toda a população da Guiné, era o do abastecimento de arroz base, primeira da sua alimentação.

"Reduzida a produção local a cerca de 50% das necessidades, por aumento do consumo e diminuição da produção, como consequência da guerra e dum certo afastamento do trabalho na terra por parte da população, em especial da mais jovem, desde fins de 71,  princípios de 72, a importação passou a encontrar dificuldades crescentes,  por forças da escassez de cereais dos mercados mundiais e da elevação de preços  quer do produto,  quer dos transportes.

"Assim, em fins de 1973 houve  necessidade de contingentar a distribuição e de elevar o preço tabeladom  de 5$50 para 7$00 escudos,  suportando, embora o Governo um encargo não inferior a 2$50 / kg.

"Estas medidas não foram naturalmente recebidas com grande pela população, apesar do arroz ser vendido nos territórios vizinhos a preços muito superiores ao praticado na Guiné (Senegal, 14$00, e República da Guiné. 22 a 26$00) e de ter havido um aumento do preço de aquisição ao produtor local de cerca de 25%.

"Para atenuar uma situação de abastecimento com tendência para se agravar, dada a progressiva retração do mercado mundial, independentemente de custos, várias ações foram empreendidas, como a diversificação da dieta alimentar tradicional, para o que se recorreu à importação de milho e feijão, a recuperação de bolanhas e uma intensificação do esforço para aumento da produção, pelo apoio à cooperativização dos agricultores, distribuição de sementes de arroz seleccionadas e de adubso e apoio técnico dos Serviços Provinciais de Agricultura, além do aumento dos preços de aquisição ao produtor." (...)

Fonte: excertos de Gen. Bethencourt Rodrigues, "Guiné", in Joaquim da Luz Cunha et al. "África: a vitória traída" (Lisboa, Editorial Intervenção, 1977), pp. 111/112.

 

2. Comentário de Cherno Baldé ao poste P25130 (*):

(...) Ainda antes do 25A74, o tal arroz de abastecimento do mercado local chegou, mas por algum motivo ligado a sua qualidade, a população dos centros urbanos que já estavam dependentes do arroz importado, deram-lhe o nome de "arroz Bettencourt",  talvez em forma de protesto pela qualidade inferior relativamente ao que estavam habituados durante o consulado do gen Spínola.

Este deve ser o primeiro sinal das mudanças ocasionadas pela partida do gen Spínola e o fim não anunciado da sua política "por uma Guiné melhor".

De salientar que, na altura, a dieta das populações do interior, especialmente do Leste, Norte e Nordeste, era a base do milho e folhas de vegetais (milheto, milho Brasil, cavalo, sorgo, entre outros) e um pouco do arroz de sequeiro e o produzido nas bolanhas. 

Hoje em dia o milho quase que desapareceu da dieta alimentar dos guineenses devido as más influências dos centros urbanos iniciadas na época do gen Spínola, pela facilidade de aquisição do arroz importado com a expansão da produção e venda do caju, transformado no principal produto de exportação e, também, pela diminuição global da produção do milho, devido a influência das mudanças climáticas que afectam, sobremaneira, as regiões dos trópicos. (...).

 
3 de fevereiro de 2024 às 10:24

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Notas do editor:


(***) Vd. poste de 16 de março de  2022 > Guiné 61/74 - P23083: Recortes de imprensa (121): Debate sobre a Guiné-Bissau na Assembleia Geral da ONU em plena crise petrolífera (Diário de Lisboa, 23 de outubro de 1973)

quarta-feira, 12 de julho de 2023

Guiné 61/74 - P24471: História da CCAÇ 2792 (Catió e Cabedú, 1970/72) - Parte III: Período de 1 de novembro a 31 de dezembro de 1970: colocada nas ZA de Catió e Cabedu: descrição do terreno (relevo e hidrografia, solo, cobertura vegetal, clima, agricultura)

 

Guiné > Região de Tombali > Catió > CCS / BART 1913 (Catió 1967/69) > Álbum fotográfico de Victor Condeço, ex-fur mil mec armamento  (1943-2010) > Catió -Ganjola > Rio Ganjola visto da margem esquerda, junto da cambança para o Destacamento de Ganjola Porto. Distava cerca de 5 Km do centro de Catió para Norte.

Foto (e legenda): © Victor Condeço (2010).Todos os direitos reservados [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné] 

Guiné-Bisssau > Região de Tombali > Sector de Cacine > Cacine, na margem esquerda do Rio Cacine > 2 de Março de 2008 > Simpósio Internacional de Guileje (Bissau, 1-7 de Março de 2008) > Visita ao Cantanhez dos participantes do Simpósio > Rio Cacine, perto do cais de Cacine: Tarrafo...

Fotos  (e legendas): © Luís Graça (2017). Todos os direitos reservados [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Continuação da publicação de alguns  alguns excertos da história da CCAÇ 2792 (Catió e Cabedu, 1970/72). É mais uma das subunidades, que estiveram no CTIG, e que não têm até à data nenhum representante (formal) na Tabanca Grande.

Recorde-se que embarcou, no T/T Carvalho Araújo, em 19 de setembro de 1970, desfalcada de 3 dos seus oficiais subalternos. Acabou a IAO, em 31 de outubro de 1970, no CIM de Bolama, sem qualquer alferes, sendo os pelotões comandados provisoriamente por furriéis, uam situação anómala e talvez inédita no CTIG. O comandante de companhia era o cap inf op esp Augusto José  Monteiro Valente (1944-2012) (*)

Com base nos elementos de que dispomos (cópia parcial da história da unidade), vamos hoje fazer uma breve caracterização do terreno corresponde à sua Zona d4e Acção (ZA), na realidade duas zonas, e distintas: Catió e Cabedú, na região de Tombali (*)



História da CCAÇ 2792 (Catió e Cabedú, 1970/72) - Parte III:

Período de 1 de novembro a 31 de dezembro de 1970: colocada nas  ZA de Catió e Cabedu: descrição do terreno  (relevo e hidrografia,  solo,  cobertura vegetal, clima, agricultura)


(22) Caracterização das ZA de Catió e Cabedú:

(222) D
escrição do Terreno:

1. Relevo e hidrografia

As regiões  atribuídas à Companhia (Catió e Cabedú, no Sector S3) caracterizam-se pelo seguinte:

(i) são ambas zonas baixas, planas e praticamente sem relevo;

(ii) corespondem a planícies aluviais,cortadas por muitos rios onde a maré penetra profundamente;

(iii) estes divagam  através de lodos muito espessos, formando uma apertada malha e tornando em consequència extremamemte penosos e fatigantes  todos os deslocamentos apeados;

(iv) determinadas partes das ZA (Zonas de Acção) só são possíveis de atingir através do recurso a meios de navegação fluvial;

(v) merece especial referència pelo valor que representa como obstáculo o rio Ganjola.

2. Natureza do solo

O solo, normalmenmte lodoso e pouco permeável, na época das chuvas alaga com bastante facilidade, em especial nas áreas mais baixas e junto aos tios, agravando a dificuldade de movimentação das NT.

3. Cobertura vegetal

Constituindo como que colunas vertebrais dos compartimentos de terreno definidos pelos vários cursos de água, exitem manchas de floresta densa com árvores de grande porte à mistura com arbustos de 3 a 5 metros.

Todas as margens de água salobra são cobertas  por tarrafo, tipo de vegetação que penetra até onde chega a maré.

4. Clima

Esta zona sofre a influencia de um clima  de monção com;

(i)  temperaturas médias elevadas; (ii) grande pluviosidade; e (iii) excessiva humidade relativa da atmosfera que chega a atingir quase o ponto de saturação durante os meses de chuva.

Existem  diuas estçóes: (i) a das chuvas, de  junho a outubro; e (ii) a época seca, de novembro   a maio em que a chuva é muito rara.

5. Agricultura e pecuária

A  cultura do arroz é a principal riqueza da região. Outras culturas de menor valor: c0la, mancarra, fruta, etc.

O arroz é normalmente cultivado pelos balantas: transformam as lalas (planícias pantanosas) em bolanhas (extensos arrozais).

As bolanhas são delimitadas com diques (ouriques), construídos pelos agricultores com barro. Fazem  os seus viveir0s juntos às casas de onde transferem o plantio para as bolanhas.

A época das chuvas corresponde a um período de intenso labor agrícola para o antivo que nessa altura faz as suas sementeiras. Aproveitam a época seca para a preparação de novas áreas de cultura (derrube de ãrvores e queimadas)

Na sector da pecuária, tem expressõa significtiva apenas a existència de gado bovino.

(Excertos das pp.  3/II e 4/II, História da Unidade)

(Seleção / revisão e fixação de texto / substítulos / negritos: LG)

(Continua)

___________

Nota do editor:

(*) Último poste da série > 6 de julho de 023 > Guiné 61/74 - P24455: História da CCAÇ 2792 (Catió e Cabedú, 1970/72) - Parte II: Período de 1 de novembro a 31 de dezembro de 1970: colocada nas zonas de acção de Catió e Cabedu

quinta-feira, 18 de agosto de 2022

Guiné 61/74 - P23536: In Memoriam (448): Gratas recordações do confrade António Júlio Emerenciano Estácio (1947-2022) (1): Um homem bom, um estudioso que ligou a China à Guiné, sua terra natal (Mário Beja Santos)

1. Mensagem de hoje, 18 de Agosto de 2022 do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70):

Queridos amigos,
Confesso que não foi uma notícia totalmente inesperada, a partida do António Estácio. Há poucos anos, terá sofrido um AVC que o deixou bastante diminuído, nas nossas conversas espúrias num cantinho da Biblioteca da Sociedade de Geografia de Lisboa, queixava-se da perda de memória e do cansaço que sentia quando se embrenhava em novas leituras, retia cada vez menos. Depois desapareceu do convívio da biblioteca, ao telefone a filha explicou-me que o seu pensamento era cada vez mais volátil, que não contasse com o seu regresso aos papéis da biblioteca. O blogue perde alguém que amou profundamente a Guiné, a ela dedicou estudos, uns inovadores, outros de homenagens a figuras de mulheres empreendedoras, entusiasmou-se pelo estudo que fez de Bolama, sonhava em escrever as suas memórias do tempo guineense. Aqui me curvo respeitosamente em sua memória, recordando pedaços do seu legado.

Um abraço do
Mário


António Estácio, um homem bom, um estudioso que ligou a China à Guiné, sua terra natal


Gratas recordações do confrade António Estácio

Mário Beja Santos

Consternou-me muito a partida deste dedicadíssimo amigo da sua terra-berço. A nossa convivência era digna da vida de um clube, não fossem os nossos encontros realizados no ambiente em que ambos trabalhávamos, a Biblioteca da Sociedade de Geografia de Lisboa. Se havia outra gente às mesas de trabalho, refugiávamo-nos num cantinho, debaixo do quadro a óleo de Gago Coutinho e ali permutávamos informações sobre o que andávamos a fazer, ele era um leitor crónico do Boletim Oficial da Guiné, vasculhava tudo sobre Bolama e Bissau, não só do tempo em que lá andou, na juventude, mas com o firme propósito de estudar Bolama, dali saiu livro pertinente e útil, a que juntou outros estudos como as Nharas, a Carlota e a Bijagó, figuras que sempre o entusiasmaram. Tive a oportunidade de ler o seu artigo, bem original, sobre os chineses em Catió, chegados na alvorada do século XX, e depois o importante trabalho que fez com o Philip Harvik, publicado na revista Africana Studia, N.º 17, 2011. Permitam-me que volte a repertoriar a matéria deste trabalho, aqui o deixo com abraço saudoso deste homem bom. Os autores recordam a utilização de degredados para os trabalhos públicos e administrativos em territórios coloniais. No caso da Guiné, a maioria dos condenados vinha de Cabo Verde, mas a introdução de mão de obra, vinda de outras colónias, também se insere nas mudanças operadas no decurso do século XIX, e que aparecem associadas ao fim do tráfico de escravos e no início da plantação de culturas de renda (caso do algodão, o cacau, o café e o amendoim). Indo diretamente à Guiné, o sinal da transformação deu-se com a introdução do amendoim e a colheita de amêndoas de palmeira. Em simultâneo, a cultura do arroz sofreu alterações profundas através da comercialização na região da África Ocidental de variedades originárias da Ásia, novidade introduzida por comerciantes da Gâmbia inglesa.

Em suma, a criação de explorações agrícolas e comerciais, as chamadas pontas da Guiné, irão ser uma realidade a partir da terceira década do século XIX. A monocultura do amendoim fez com que a Guiné ficasse muito exposta à volatilidade dos mercados, pelo que se explica que a descida das cotações se saldo no fim das pontas, nos anos 1980 do século XIX. Passemos agora para os chineses.

O envio dos primeiros chineses insere-se numa tentativa de se trazer à força novos braços. Eles vieram provavelmente da zona de Cantão do estuário do Rio das Pérolas. Os primeiros cantonenses chegaram à Guiné em 1902, é uma presença diretamente associada à expansão de orizicultura no sul da Guiné a partir das primeiras décadas do século XX. Traziam conhecimentos do cultivo do arroz, estes chineses criaram as condições para um processo de migração em massa de comunidades africanas do interior para terras ainda não aproveitadas. Inevitavelmente, deu-se a mestiçagem, é bem provável que longe dos olhares metropolitanos e até da governação. Os autores recordam que após 1891 se intensificaram as campanhas militares, os Bijagós mostravam-se indomáveis, pouco ou nada recetivos a tratados de paz. Os Nalus afastaram-se das investidas dos Biafadas e dos Fulas, migraram para o Baixo Cacine, Cantanhez e para os Rivières du Sud (rios Componi e Nuno) na Guiné francesa. A presença destes chineses é marcante no Tombali, região onde havia um posto militar português e algumas feitorias. Os autores referem o estabelecimento de pontas, com a anuência dos chefes Nalus e recordam que o rio Tombali se tornou uma área de fixação de ponteiros de origem cabo-verdiana. Não sendo abundante a documentação sobre a presença chinesa, há indícios nos arquivos de pelo menos dois chineses que se diziam oriundos de Macau e eram à época residentes em Bolama, tinham feito um pedido de repatriação em 1909.

Os autores mostram fotografias de descendentes chineses em Catió, estes chineses abriram caminho para o desenvolvimento da orizicultura, ela será potenciada pelos Balantas, que fizeram um povoamento que correu de forma pacífica. Lembram igualmente os autores que aí pelos anos 1930, a Guiné era uma colónia em regime anárquico de concessão de terras. Em jeito de conclusão, dizem os autores que estes chineses se integraram na sociedade guineense, mas não pode ser escamoteado que tinham o estigma de degredados, e por isso eles apresentavam-se como refugiados. Quando chegou a hora da luta pela independência, estes descendentes de chineses dividiram-se entre o apoio ao PAIGC, trabalhar na administração colonial ou vieram para Portugal. E concluem enfatizando a necessidade de continuar os estudos sobre a presença das comunidades chinesas das antigas colónias portuguesas. Não quero terminar aqui a minha homenagem ao António Estácio, permitam-me oportunamente referenciar outros títulos que ele dedicou à sua tão extremosa Guiné.

Recriar a China na Guiné: os primeiros chineses, os seus descendentes e a sua herança na Guiné Colonial. Africana Studia. N.º 17 (2011) Publicado em: https://ojs.letras.up.pt/index.php/AfricanaStudia/article/view/7379/6763

Publicado em: Guiné 63/74 – P14926: Notas de leitura (740): “Recriar a China na Guiné: os primeiros chineses, os seus descendentes e a sua herança na Guiné colonial”, artigo assinado por Philip J. Harvik e António Estácio (Mário Beja Santos).


Revista Africana Studia, 2.º semestre, 2011
Uma imagem de Catió na atualidade
© Reuters - Com a devida vénia
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Nota do editor

Vd. poste de 9 DE AGOSTO DE 2022 > Guiné 61/74 - P23510: In Memoriam (445): António Júlio Emerenciano Estácio (Bissau, 1947 - Algueirão, Sintra, 2022): foi alf mil, RM de Angola (1970/72), viveu e trabalhou em Macau (1972/98) e era um apaixonado pela sua terra e as suas gentes

Último poste da série de 14 DE AGOSTO DE 2022 > Guiné 61/74 - P23523: In Memoriam (447): Gen João Almeida Bruno (1935-2022): cerimónias fúnebres na Academia Militar, capela do Palácio da Bemposta... E recordando também a sua memória da Op Ametista Real (Senegal, 1973), de que ele foi o comandante

terça-feira, 28 de abril de 2020

Guiné 61/74 - P20913: Da Suécia com saudade (69): Eu destrui um país [em sueco, "Jag har förstört ett helt land"], por Patrik Engellau... (José Belo)


Guiné-Bissau > Bissau > 2020 > Afribaba > Anúncio de venda de "Camião Volvo, de 20 toneladas, báscula para dois lados, com motor,  arroçaria e caixa em muito bom estado". Preço: 9 100 000 CFA (cerca de 13 870 euros, ao câmbio de hoje, 1 euro = 655,96 CFA).  Anunciante: Afribaba.(Reproduzido com a devida vénia...)


1. Mensagem de  José Belo,  ex-alf mil inf da CCAÇ 2381, Ingoré, Buba, Aldeia Formosa, Mampatá e Empada, 1968/70, e manteve-se no ativo, no exército português, durante uma década; está reformado como capitão inf do exército português; jurista, vive entre (i) Estocolmo, Suécia, (ii) nas imediações de Abisco, Kiruna, Lapónia, no círculo polar ártico, já próximo da fronteira com a Finlândia, e (iii) Key-West, Florida, EUA; é o único régulo da tabanca de um homem só (, mas sempre bem acompanhado das suas renas, dos seus cães e dos seus ursos)

Data: sábado, 25/04, 20:16



Assunto: : "Eu destruí completamente um País" (*)


Luís: seguem as as declaracões de Patrik Engellau, um alto quadro do funcionalismo público sueco, sobre a Guiné-Bissau.. Junto foto dele, Patrik Engellau em artigo publicado no "Alla Skribenter", 27 dezembro de 2015. Faço uma tradução adaptada do artigo. Atenção aos muitos erros ortográficos na língua de Camões, por mim pouco usada há muitas décadas, a pedir benevolências extras quando escrita sobre o joelho nesta tradução do sueco original.



Ámen, J.Belo


2. Eu destrui um país [em sueco, "Jag har förstört ett helt land"]

"Alla Skribenter", 27 de dezembro de 2015.

por Patrik Engellau


Trabalhei durante cerca de 10 anos na ajuda económica ao Terceiro Mundo, primeiro nas Nações Unidas e depois  na agência sueca para o a cooperação internacional e o desenvolvimento (SIDA - Swedish International Development Cooperation Agency), em países como o Brasil, Índia, Etiópia, e por último como chefe na embaixada sueca em Bissau.

Cheguei a Bissau em 1976, com 50 milhões de coroas suecas, no bolso, por ano,  para apoio económico (,hoje equivalente a cerca de 250 milhões). Isto foi mais ou menos na mesma altura em que o novo governo guineense tomava posse após a queda do império português.

A Guiné-Bissau era um dos países favoritos da Suécia. Tanto a União Soviética como a Suécia tinham feito grandes doações ao PAIGC, o movimento de libertação de orientação socialista, agora no poder. Mas a Suécia era, então, de longe, o maior doador.

As nossas contribuições totalizavam uma soma muito superior ao Orçamento do Estado guineense. Sentia-me, então, como um dos elementos com maior influência no país. Tanto o Presidente [, Luís Cabral,] como os Ministros procuravam-me quase diariamente para obter as mais variadas coisas.

Mas os que julgam que tudo então se perdeu por os políticos terem aberto contas particulares em bancos suíços, estão enganados. Pelo menos no início, a líderança política eram constituída por gente honesta, bem intencionada, verdadeiros socialistas idealistas.
Queriam reformar e fazer progredir o país.

Obviamente que, ao olhar-se hoje [2015] retrospeticamente, não teria sido pior se a nossa ajuda económica tivesse terminado nas tais contas bancárias particulares.

A principal produção da Guiné-Bissau, além da agricutura de autosubsistência, era o arroz e o amendoim, os dois produtos de exportação,O comércio entre os produtores e o porto de Bissau estava nas mãos dos libaneses. Estes usavam carrinhas de marca Peugeot, em estradas lamacentas e com pouca manutenção, para transportarem para o interior produtos importados (, artigos de plástico, tecidos e outros), consumidos pelas populações, e no regresso a Bissau voltavam carregados com arroz e amendoim.

O governo não estava nada satisfeito com este sistema por considerar que os libaneses ganhavam demasiado com estes negócios de verdadeira exploração dos produtores locais. Considerava também que as pequenas quantidades transportadas não eram economicamente viáveis na perspetica da exportação em grande escala.

Ambos os problemas foram resolvidos com um plano que previa a nacionalização do comércio por grosso e a retalho e o transporte das mercadorias a realizar por camiões modernos.

Claro está que foi a Suécia quem, a meu pedido, veio a fornecer umas dúzias de moderníssimos camiões Volvo, desembarcados em Bissau em poucos meses.

Estes camiões último modelo,com ar condicionado, rádio estereofónico e confortável cabine para o condutor dormir, eram naves espaciais aos olhos da populção, e depressa se tornaram num instrumento de "engate" das belezas locais nas ruas de Bissau.

Durante uns tempos era mais importante esta "mercadoria" do que os tradicionais produtos de plástico e tecidos a serem transportados para o interior.

Se o problema tivesse sido só esse, as coisas näo teriam sido tão graves. Mas...quando os camionistas mais consciencios finalmente se puseram a caminho do interior (o que não deveriam ter feito!), concluiu-se que as estradas existentes [, "picadas",] não foram feitas para estes mastodontes ma sim para as carrinhas Peugeot.

Todos os tipos imagináveis de problemas surgiram, acabando por liquidar este tipo de transporte. Em menos de seis meses todos os camiões Volvo estavam parados.

Sendo as marcas de camiões Volvo e Scania as mais vendidas mundialmente, e utilizadas nas condições mais extremas, foi enviada a Bissau uma equipa de mecâncios para estudar o problema surgido.

Chegou-se à conclusão de que, para além dos problemas quanto ao peso que as estradas não suportavam, ambém tinham surgido pequenos problemas de manutenção das viaturas, do tipo: esqueceram-se de mudar o óleo, houve componentes dos motores que desaparecera, etc.

Com a falta de intermediários tradicionais, como os comerciantes libaneses, os camponeses não conseguiam escoar a sua produção, pelo que se voltaram a concentrar-se na produção para consumo local.

O arroz passou a não chegar para alimentar a população de Bissau. Aí a coisa tornou-se grave! O Presidente [, Luís Cabral,] justificou perante mim, que as coisas tinham-se agravado por razões climatéricas que teriam acarretado doenças para as plantas. Devido a isto, perguntou-me de imediato se seria possível um aumento da ajuda económica estipulada para estas situações de emegência.

Telegrafei de imediato para os escritórios centrais da SIDA (que são as iniciais ou o acrónimo da Agência Estatal Sueca para a ajuda aos países em vias de desenvolvimento) e, em muito curto espaço de tempo, tínhamos em Bissau um barco fretado, chinês, que transportava 3 mil toneladas de arroz para que a população não morresse de fome.

Estou a simplicar mas as coisas passaram-se basicamente assim.
História semelhante poderia ser aqui contada quanto ao enorme apoio económico sueco à indústria da pesca local.

São muitos os detalhes e sobre eles escrevi um romance publicado pela editora Atlantis. [Obs : Tenho em minha posse esses "detalhes"... Referência bibliográfica: Patrik Engellau - Genom Ekluten. Stockholm, Atlantis, 1980].

Pessoalmente acabei por me cansar destes contínuos fracassos na utilização de tão vastos recursos económicos, afastando-me de vez deste negócio escuro que é a assistência económica aos países pobres.(**)

Mas antes ainda de puxar a mim prórpio as orelhas, dei-me conta de que fui cúmplice no ato de destruição de um país.

Alguns anos depois, tanto o Ministério dos Negócios Estrangeiros como a 
agência sueca para o a cooperação internacional e o desenvolvimento (SIDA) cansaran-se, decidindo terminar com estes apoios à Guiné-Bissau, com o argumento de que este país, afinal,  não tinha o perfil adequado. Mas não podemos nem devemos "lavar as mäos" quanto ao processo e aos resultados.

Fomos nós, afinal, quem forneceu ao governo do PAIGC as ferramentas e as oprotuniades, para eles efectuarem as suas estúpidas experiências sociais...

Enquanto isto sucedia, nós estávamos ao lado deles e aplaudíamos este país heróico com os seus belos princípios sociais.

Agora que Guiné-Bissau se tornou num "narco-estado", o estado ganha dinheiro com a ajuda ao tráfego de droga da América Latina para os mercados europeus.

E o que pode fazer o pobre do governo? Os camiões Volvo são agora sucata e os libaneses provavelmente foram-se embora!



Em defesa das ajudas deste tipo aos países pobre, é claro que pode-afirmar-se que geralmente o seu montante é tão pequeno em relação aos recursos próprios do país destinatário que o eventual insucesso  não é assim  tão importante.

Patrik Engellanm 27/12/2015.
Publicado no "Alla Skribenter"


[Reprodução com a devida vénia... Tradução, revisão e fixação de texto: JB. O editor LG cotejou o original em sueco, e a tradução livre do JB, com tradução automática,pelo Google Translate, em inglês e português]. 

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Notas do editor:

(*) Último poste da série > 20 de abril de 2020 > Guiné 61/74 - P20878: Da Suécia com Saudade (68): por causa da tal pandemia, as minhas renas não podem agora andar em bicha de pirilau e muito menos em manada... (José Belo)
 

(**) Vd, postes de:

3 de novembro de 2014 > Guiné 63/74 - P13842: Da Suécia com saudade (40): A ajuda sueca ao PAIGC, de 1969 a 1973, foi de 5,8 milhões de euros (Parte I)... à Guiné-Bissau, de 1974 a 1995, foi de quase 270 milhões de euros... Depois os suecos fecharam a torneira... (José Belo)

4 de movembro de 2014 > Guiné 63/74 - P13847: Da Suécia com saudade (41): A ajuda sueca ao PAIGC, de 1969 a 1973, foi de 5,8 milhões de euros (Parte II)... Um apoio estritamente civil, humanitário, não-militar, apesar das pressões a que estavam sujeitos os sociais-democratas, então no poder (José Belo)


5 de novembro de 2014 > Guiné 63/74 - P13849: Da Suécia com saudade (42): A ajuda sueca ao PAIGC, de 1969 a 1973, foi de 5,8 milhões de euros (Parte III)... Pragmatismos de Amílcar Cabral e do Governo Sueco, de Olaf Palme, que só reconheceu a Guiné-Bissau em 9 de agosto de 1974 (José Belo)

6 de novembro de 2014 > Guiné 63/74 - P13853: Da Suécia com saudade (43): A ajuda sueca ao PAIGC, de 1969 a 1973, foi de 5,8 milhões de euros (Parte IV): Rússia e Suécia, vizinhos e inimigos fidalgais, foram os dois países que mais auxiliaram o partido de Amílcar Cabral (José Belo)

7 de novembro de 2014 > Guiné 63/74 - P13859: Da Suécia com saudade (44): A ajuda sueca ao PAIGC, de 1969 a 1973, foi de 5,8 milhões de euros (Parte V): Quando se discutia, item a item, o que era ou não era ajuda humanitária: catanas, canetas, latas de sardinha de conserva... (José Belo)

quinta-feira, 31 de outubro de 2019

Guiné 61/74 - P20295: Álbum fotográfico de Virgílio Teixeira, ex-alf mil, SAM, CCS / BCAÇ 1933 (São Domingos e Nova Lamego, 1967/69) - Parte LXXII: 1984/85: um regresso, quinze anos depois (ii): as minhas andanças por Bissau e Dakar a tentar vender um projeto de desenvolvimento agrícola em Cabuca, junto ao rio Corubal


Foto nº 21 > Senegal > Dakar > 7 de janeiro de 1985 > A nossa viagem a Dakar no Senegal. Sou eu, de fato claro, ao centro, o Isidro Gomes Quaresma em mangas de camisa, e o nosso adido comercial da Embaixada Portuguesa, junto do Governo do Senegal.  Ao fundo, a ilha de Gorée, onde  se localiza  a "Casa dos Escravos".


Foto nº 22 > Senegal > Dalar > 8 de janeiro de 1985 > Foto numa estrada no cimo de um monte com vista para a baía de Dakar, e o carro do Adido Comercial da Embaixada Portuguesa, foi ele que tirou a foto. Estou eu, e o Isidro Quaresma [, técnico agrícola,retornado de Angola].


Foto nº 23 > Senegal > Danar > 8 de janeiro de 1985 > Foto minha em Dakar,  nos arredores do Centro da Capital. Os ventos secos de Dakar. Um dia de vento quente e seco, nada comparado com o martírio de Bissau.  Influência francesa em tudo, a começar pelos carros.


Foto nº 20 > Senegal > Dakar > 8 de janeiro de 1985 > ma família Senegalesa nos arredores de Dakar, mãe e 5 filhos.  Apesar de tudo dá para perceber que era outra cultura e outro poder de compra, não se via disto em Bissau, eram pessoas conhecidas do Adido Comercial.


Foto nº 19 > Vista aérea da Guiné, sobrevoando a zona de Bafatá, com os arrozais e o local do futuro projecto a levar a efeito. Céus da Guiné, 8Jan85. 



Foto nº 17 > Guiné-Bissau > Aeroporto Osvaldo Vieira > 8 de janeiro de 1985 > O avião Bi-Turbo dos TAGB a percorrer a pista do aeroporto, para levantar voo.


Foto nº 18 >  Guiné-Bissau > Aeroporto Osvaldo Vieira > 8 de janeiro de 1985 > O avião da TAGB já a levantar voo com destino ao Senegal, aeroporto de Dakar, ainda com paragem na cidade fronteiriça de Zinguinchor no Senegal.


Fotos (e legendas): © Virgílio Teixeira (2019). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]




1. Continuação do texto, sobre o regresso à Guiné-Bissau (*), em 1984/85, do nosso amigo e camarada Virgílio Teixeira, ex-alf mil SAM, chefe do conselho administrativo, CCS / BCAÇ 1933 (Nova Lamego e São Domingos, 1967/69); economista e gestor, reformado; é natural do Porto; vive em Vila do Conde; tem já perto de 140 referências no nosso blogue.


Guiné 1967/69 - Álbum de Temas:

T999 – O regresso à Guiné em 20OutT84
- 10 anos após a independência em 74Set24
- 15 anos depois da minha saída em 4Ago69
- 17  anos depois da minha primeira chegada, em 21Set67


II Parte – A viagem de negócios à Guiné-Bissau e Senegal 
(de 30/12/1984 a 14/1/1985)


Anotações  e introdução ao presente Tema 


Este tema tem tanto de louco como apaixonante

Não vou entrar em pormenores, porque teria aqui tanto para escrever que daria sono a qualquer um que tivesse a ousadia de querer ler tudo. Já escrevi, no meu livro inédito,  todos os dramas pessoais e familiares que esta saga me trouxe, nunca saberei se valeu a pena, abandonar a família, desbaratar dinheiro que viria a fazer falta, com resultados nulos.

Sobre a  primeira viagem de saudade à Guiné-Bissau, já aqui escrevi, em poste anterior (*):


 A preparação da 2ª viagem à Guiné


E entrei mesmo no esquema, foi feita uma apresentação do que precisavam, e eu nem sequer olhei para o lado, tal a minha obsessão pelas gentes da Guiné, integrei-me totalmente, mediante certas condições, negociadas em cima do joelho.

Após o levantamento das necessidades para o projecto, durante aproximadamente 2 meses trabalhou-se neste plano, e nessa altura era tudo feito à máquina de escrever, e com a ajuda de uma máquina de calcular, não havia os computadores como hoje, tudo seria muito mais fácil então.

Falamos com o Major (, o Valentim Loureiro, ) pois programamos nova viagem à Guiné para finais do ano de 1984, era preciso pagar a viagem e despesas de estadia para ambos, nesta fase apenas era necessárias duas pessoas. O Isidro convence o Major, mas não há dinheiro para me pagarem os meus honorários, conforme havia sido combinado para eu entrar dentro da organização.

Alguns dos outros sócios, lá vão adiantando algum, não muito, 50 a 100 contos no máximo [ de 1.188,72 € e 2.377,43 €, respetivamente, a preços de hoje, segundo o conversor de moeda da Pordata],  o que era muito pouco. Eu aguento, pois estou a perceber que se este negócio vai para a frente, há muito dinheiro a ganhar.

Apostei tudo neste projecto, foi a minha grande ilusão na vida, e acreditava cegamente em tudo. Mas enganei-me redondamente.

O Major mandou comprar as passagens de ida e volta para os dois, e na minha frente entregou ao Isidro 2.000 USD em notas para as outras despesas, incluindo as minhas.

Em 28 de Dezembro de 1984 tinha já o 2º visto no passaporte. A viagem foi marcada, por razões que desconheço, para sair de Lisboa na manhã do dia 31 de Dezembro, por isso teria de ir passar o ano em Bissau e não em casa, mas tinha de ser.

Vou passar o fim de ano de 1984 em Bissau

Novamente saí de casa na tarde do dia 30 de Dezembro de 1984 e lá fui carregado com o dossiê do projecto e uma máquina de escrever portátil, pois era importante para complementar qualquer coisa e não havia onde pedir ajuda naquele pobre país.

As despedidas do costume, agora com outro ambiente, havia qualquer coisa no horizonte, foi mais fácil, mas deixar a casa e família custa sempre muito. Vou para Lisboa no então chamado Foguete e pelas 18 horas já estou a escrever uma carta que vou novamente pedir a uma hospedeira para colocar no correio em Lisboa quando ela regressar.

Chegamos a Lisboa eu e o Isidro às oito horas da noite, fomos pôr as malas no Hotel, o VIP, não era mau, ficava perto das instalações da TEOR – uma empresa de consultoria, onde tinha já trabalhado como Director da Delegação Norte no Porto – era no Saldanha, e eu já lá tinha ficado uma vez.

Fomos jantar a uma Churrasqueira.  na Baixa de Lisboa, na Rua das Portas de Santo Antão, e encontro aí, a servir à mesa, um antigo soldado da CCS do meu batalhão, o José Espadana, era condutor de especialidade, mas lá arranjou alguma cunha e ficou a servir à mesa na messe de oficiais quando estávamos na Guiné. Falamos um pouco e disse-lhe que ia voltar às origens, ele ficou admirado, despedi-me e nunca mais o vi. Mais tarde venho a ver na Internet que ele estava à frente de um "site" sobre as passagens do nosso batalhão pela Guiné, e com relatos, memórias e fotografias, umas que eu tirei na altura e outras dele próprio.

Na manhã do dia 31 de Dezembro fomos para o aeroporto, a viagem estava prevista para mais cedo, mas só levantou voo às 11h25, devido a uma avaria ou problemas de carga. Não havia muita gente a bordo, não era o dia ideal para alguém se deslocar para a Guiné na véspera de ano novo, mas há sempre malucos e anormais para tudo, e outras razões, que a ‘razão’ desconhece.

Chegados a Bissau, fechei a carta, pedi agora a um comissário de bordo para me levar a carta para Lisboa e a colocar no correio. O envelope tem o carimbo dos correios do dia 4 de Janeiro de 1985, é normal por causa dos feriados do fim do ano.

Na noite de passagem de ano, ficamos no quarto e bebemos uma daquelas garrafinhas pequenas que servem a bordo, nós pedimos às hospedeiras duas de vinho branco e elas fizeram esse pequeno favor, e assim se festejou a passagem de ano, de 1984/85.

A suite 3002 só tinha um quarto com duas camas. Nós mudamos uma das camas para a sala de entrada, onde ficou o Isidro, e eu fiquei com o quarto só para mim. Ficamos melhor. A casa de banho era só uma, havia frigorífico, ar condicionado e as respectivas e sempre omnipresentes baratas. Á noite quando me ia deitar olhei para o teto e lá estava uma enorme, mesmo por cima da cama. Tivemos de andar atrás dela, atirando com as almofadas para ela cair, e após muito tempo teve mesmo de cair dali e matei-a, esborrachando-se toda, mas pelo menos já poderia dormir sem aquele nojento e pequeno monstro por cima da minha cabeça.

O dia 1 de Janeiro [de 1985] é feriado como em toda a parte e por isso o dia foi passado a passear. Nós quando arranjamos um táxi do aeroporto para o Hotel, era mesmo um Mehari, que eu já tinha visto antes, pertencia a um homem Fula, talvez chamado Mamadu. Falamos com ele, perguntando quanto é que ele ganhava em 2 semanas ele disse o preço, e então combinamos ficar com o carro e ele ficou em casa a descansar com a mulher e os filhos. Só o entregamos quando viemos embora, pagamos o combinado e ficamos amigos.

O Virgílio Teixeira, de motorizada, em Safim,
em 11/3/1968
Fomos a Safim, que fica a uns 20 km de Bissau, eu já lá conhecia um pequeno tasco que servia antigamente uns petiscos e mariscos, e outras coisas, arriscamos e fomos. Comemos 2 kg de camarão com cerveja e voltamos, não havia mais nada de comer. Tudo tinha mudado radicalmente.

No dia 3 de Janeiro falei por telefone com a minha mulher, foi muito empolgante e fiquei excitado com a voz dela, parece-me que estamos no fim do mundo. A chamada foi conseguida, porque já tinha ido ao Ministério do Comércio, que ficava na Avenida que todos nós conhecemos, pedi à menina que me deixasse fazer um telex para o BESCL em Vila do Conde, quase ao lado de minha casa. O nosso amigo Macedo levou lá a mensagem, na qual eu pedia para ela pedir uma chamada ‘via Marconi’ para o telefone do Hotel em Bissau, marcando o dia e hora. Isto parecem coisas, nesta época, da era dos Descobrimentos, mas lá chega a mensagem e o telefonema é feito. [Telex , lembram-se ?  "Serviço de dactilografia à distância, posto à disposição dos utentes por meio de teleimpressores", segundo Dicionário Priberam da Língua Portuguesa...(LG)].

Vou voltar atrás um pouco, por causa deste telex. Já na primeira viagem, o dinheiro que levei acabou muito rápido, eu precisava de mais e não sabia como arranjar. Então fui eu próprio, sem ligações nenhumas, ao tal Ministério do Comércio, falei com uma dessas Secretárias simpáticas e atenciosas, e pedi-lhe para mandar um telex, para o BESCL – Banco Espírito Santo e Comercial de Lisboa, balcão de Vila do Conde, no qual pedi ao nosso amigo e vizinho Macedo, funcionário do BESCL – depois BES, depois NB [, Novo Banco,]  – , para ir a minha casa e combinar com a minha mulher para me fazerem chegar mais uns 100 contos [, em 1985, a preços de hoje, seria o equivalente a 1.988,66 €], e ele lá chegou, só não sei como, não me lembro, mas não havia cartões!

Agora aproveito, porque estes favores das meninas do MC [Ministério do Comércio]de Bissau, não são gratuitos, ela então, sabendo já que eu voltaria novamente, está na posse do meu telefone de casa, e do telex do Cônsul da Guiné, e envia um telex, ao meu cuidado, ainda o tenho em meu poder, como aliás quase toda a documentação desta aventura, a pedir-me para lhe levar ou mandar até ao fim do ano, além de sapatos tamanho x, vestido tamanho y, roupa interior tamanho z, e ainda uns medicamentos para uma infecção intima, ‘Gyno qualquer coisa’ e o que pudesse arranjar.

Levei o medicamento quando cheguei em 31 de Dezembro e entreguei-o quando lá fui novamente pedir o mesmo favor. São coisas simples demais para aqui escrever, mas não sendo eu romancista, isto até dava um belo romance. Não de ‘amor’ pois nunca passamos a 'linha vermelha', mas de amizade pura.

Voltando ao assunto que estava a contar, depois do telefonema, ouvir a voz da minha mulher, dos filhos, fico desperto demais, e escrevo às 5 horas da manhã, já do dia 4, umas primeiras palavras de uma carta que seguiria no dia 5, não conseguia dormir, estava muito excitado, e precisava de estar fresco pois íamos ter muitos contactos. No dia 5 de Janeiro voltei a escrever dando conta da situação e mandei a carta para o correio, via normal, e tem a marca do dia dos correios de Bissau, e saída de 7 de Janeiro.

E é assim tudo muito lento, pois está muito calor, mas não está aquela humidade incrível e viscosa e pegajosa do tempo das chuvas, o tempo está quente e seco, é a época mais fresca do ano.

Naquele telefonema os meus filhos a pedirem sempre a mesma coisa, que lhes ficou na mente depois de verem as minhas fotos, algumas claro, do tempo na Guiné. A mais velha, 13 anos, só me pedia para eu trazer aquela motorizada que via nas fotos, o meu filho seguinte, de 11 anos, que lhe trouxesse a minha G3 que via na cabeceira da cama, a mais nova de 10 anos, que lhe trouxesse o macaquinho que viu nas fotos.

Coitados,  ficaram todos desiludidos, mas porquê as crianças não sabiam que isso era de todo impossível?

Por vezes e agora com a idade avançada, já passei os 75, como é possível que eu tenha feito aventuras destas, com as responsabilidades que tinha a meu cargo, uma mulher em casa e mais 3 filhos menores... Foi a loucura dos meus 40 anos, hoje vejo outras pessoas que correm o mundo e andam atrás de ganhar algum ou procurar uma vida melhor, e admiro-os, mas afinal eu fiz o mesmo em muito piores condições, sem ajuda ou apoio de ninguém, e não era preciso sair de Portugal para viver uma vida normal.


O presidente 'Nino ' Vieira, em 6/3/2008,
um ano antes de ser assassinado.
Foto: Luís Graça (2008)
Os contactos com o Presidente 'Nino' Vieira 


Nos dias seguintes, tivemos o primeiro contacto com o Presidente 'Nino' Vieira, no seu palácio. Fomos recebidos à frente de toda a gente que lá esperava, pois tínhamos a carta diplomática do Major Valentim, cônsul honorário e amigo pessoal do 'Nino' Vieira.

Falamos e expusemos a nossa ideia, mostramos o projecto, mas ele não percebia nada daquilo, deu-nos a promessa de toda a sua ajuda, e encaminhou-nos para outros diversos ministérios, e em especial o Desenvolvimento Regional, era aí que passava o primeiro crivo. Tinha lá um engenheiro local, técnico destas áreas, e a quem competia a análise do nosso projecto, mas tinha atrás de si toda uma série de pessoal do Leste Europeu e de outros países que se diziam amigos, e com a mesma filosofia que aqui não vou comentar, apesar de já a ter escrito, fica por escrever.

Estes amigos, os novos imperialistas, que eram os seus conselheiros e consultores, instalados nos grandes centros de decisão, eram por isso nossos inimigos, não nos queriam lá, e por isso encontramos todas as resistências, pois o nosso grupo era 100% capitalista e europeu em busca do lucro fácil e imediato.

Era assim mesmo, não vale a pena andar à volta de outros ideais, o objectivo era sacar o máximo possível, para isso teríamos de ajudar o país em causa, mas não era ideia de ninguém ajudar por ajudar, mas sim para retirar o máximo proveito legal. Bem ou mal era esse o alvo dos principais capitalistas, eu não pertencia a esse ‘núcleo duro’, mas os ideais eram os mesmos, nesses tempos.

Encontrávamos uma cáfila de gente de todo o mundo, ou nos aviões ou nos Hotéis com esses ideais e piores ainda, vender a alma se fosse preciso.

O nosso projecto transitou pelos serviços governamentais, sob a designação inventada por mim, de “AGRINÉ – Agricultura da Guiné, Lda.,“ e ocupava uma zona previsional de 7000 hectares de terreno [, mais do que 7 mil campos de futebol...], já inscritos a nosso favor, e com mapa registado, na zona de Cabuca, nas margens do Rio Corubal, que eu tão bem já conhecia.

Bem,  como um elevado montante de investimento nacional e internacional, eram 20 Milhões de USD que ao câmbio daquela época, já tinha baixado de 200 para 180, dava em dinheiro português cerca de 3,5 Milhões de contos.

Aquele valor a preços actuais com a inflacção de mais de 30 anos, e com as mudanças de Escudos para Euros, significava algo como 70 milhões de euros!...  [Em rigor,  3,5 milhões de contos, em 1985, dava qualquer coisa como 69.603.048,44 €, a precos de hoje, usando o conversor de moeda da Pordata. ] E fosse o que fosse era sempre muito dinheiro, e da parte do Estado da Guiné significava pouco mais do que a cedência do terreno.

Andei um ano às voltas com este projecto, e para elaborar o estudo tive de me deslocar 2 vezes àquele país, a burocracia era tanta que quase dava para desistir, formamos a empresa local, arranjamos sócios locais – o próprio 'Nino' Vieira, presidente da república, também entrava através do sogro, e mais um brigadeiro local, ajudante de campo do 'Nino'...  E cada viagem custava uma pequena fortuna, era arriscar muito.


As burocracias do projecto junto das instâncias do Estado 


Havia um investimento em dinheiro a realizar pela República Portuguesa, através dos seus sócios, com transferências – em dinheiro e em espécie - , e havia o retorno a prazo destas verbas para Portugal, logo que houvesse os lucros. Tudo isto estava legislado no CIE - Código do Investimento Estrangeiro português e guineense, que era a cópia integral do português, mais coisa menos coisa.

Elaborei o maior estudo realizado até então – técnico, económico e financeiro -, a apresentar junto do Banco de Portugal, que era a entidade que autorizava e protegia este investimento. Levei muitos meses de trabalho no conjunto, mas ao fim de 6 meses já havia um dossier para apresentar junto das imensas entidades envolvidas e que teriam de dar o seu parecer, nacionais e guineenses. Tudo era feito à mão e com uma máquina de calcular, e seguidamente passado à máquina de escrever, se fosse hoje o tempo seria infinitamente menor, e fiz tudo com a ajuda dos técnicos, o português na parte Agrícola e o alemão na área de Agroindustrial, pois isto envolvia para aquela data um investimento enorme.

O Banco de Portugal aprovou o nosso projecto, pois o retorno estava garantido com taxas de rentabilidade fora de normal, e com uma inscrição de louvor que passo a citar, não é para me regozijar, mas tenho de levantar também a minha moral e puxar dos meus galões, quando é preciso, não é só lamechices que tenho de contar:

Decisão:  “Porque jamais deu entrada no Banco de Portugal um projecto de investimento externo, tão pormenorizado e tão completo, como este”.  Conclusão:  Aprovado.

Havia apenas de dar seguimento ao mesmo, isto é, solicitar o envio das remessas para o estrangeiro, em dinheiro e em espécie. O governo da Guiné-Bissau também deu o seu ‘parecer favorável de princípio’, sempre com grandes resistências e com pareceres pouco favoráveis dos técnicos das zonas de influência já referidas. E isso atrasou tudo, o despacho final em papel timbrado não saía e então não podia andar nada. O tempo passa e nada acontece. Mas viria a acontecer.


A preparação do pacto social e quotas 


Entretanto e durante este longo período – Agosto de 84 (data em que foram iniciadas conversações entre o Major e os Técnicos) e Julho de 85 (data em que tudo acabou), vão sendo discutidas e acertadas as condições de cada sócio, as suas percentagens e tudo em função da capacidade de influência de cada um, então liderada sempre pelo Major, que achava que o seu peso político era mais importante que qualquer outro.

São feitas várias alterações de quotas e com entradas e saídas de alguns, fazem-se acusações mútuas entre uns e outros, e ameaças de denúncias e de procedimentos criminais. Mas tudo volta ao normal. E lá estou eu metido no meio de malabaristas, era a minha sina...

Eu passo a ficar instalado a partir talvez de Dezembro de 1984, no edifício do consulado, na Praça Marquês de Pombal, numa sala do 1º andar ao lado do gabinete do Major, e acabei por ter conhecimento de muitas coisas que ele tratava ao telefone, ou até em reuniões, pois como todos sabem o Major fala sempre muito alto e até aos berros, por isso é fácil ouvir tudo. [Soube muitas coisas sobre o mundo do futebol, ele era também Presidente do Boavista, pude ver como foi tratado o caso do famoso ‘Luvas Pretas’, o João Alves,  agora comentador de programas desportivos com que a TV nos enche a barriga todos os dias.]

O Gabinete – aquilo era uma mansão - era frio, mas ele gostava das janelas abertas, não queria muitas luzes acesas, não ligava o aquecimento e não gostava de água a pingar das torneiras. Manias que fui vendo e aprendendo, mesmo com muito dinheiro que ele já tinha e as suas influências, era assim um forreta como poucos. [Nas minhas atuais andanças de fotógrafo pelo Porto, fui lá fotografar este palacete do Marquês, e o edifício, antes em ruinas, é hoje um hotel de luxo!]

A viagem a Dakar

Aguardando o impasse nas negociações e estudos lentos do Estado da Guiné, e porque já estava em carteira esta ideia, partimos no dia 7 de Janeiro de 1985 rumo ao Senegal, num avião Bi-Turbo das Linhas Aéreas da Guiné-Bissau, com capacidade para uns 50 passageiros, com paragem de escala em Zinguinchor, depois de atravessar o Rio Casamansa, e correu tudo bem até aterrar no Aeroporto Internacional de Dakar.

A nossa viagem ao Senegal, tinha como objectivo principal, ‘vender’ o projecto ao Governo deste país, o Senegal, tivemos uma reunião com o Ministro do Desenvolvimento Rural, ele gostou e apreciou muito e disse que seria interessante para eles. Pediu para deixar uma cópia, ficamos com todos os contactos, mas nunca mais disse nada. Coisas de África…

Verificamos que toda a Economia do Senegal estava nas mãos dos Franceses, vimos isso em Dakar, mas era o mesmo nos outros locais do país, foi o que também nos assegurou o nosso Adido [Comercial, da Embaixada Portuguesa], pois já tinha muitos anos daquele país.

Dakar [, hoje com mais de 3 milhões de habitantes,] era uma grande cidade, moderna e desenvolvida, era uma espécie de ‘Paris em África’, mas habitada na sua maioria por cidadãos de diferentes etnias, de religião muçulmana.  Quando desembarcamos no aeroporto de Dakar – a 25 km da capital – parece que tínhamos chegado a outro mundo, o clima muito diferente para mais suave, e não faltava nada. Mas tudo muito caro, uma garrafa de águas de 0,25 custou 400$00 na nossa moeda, e tomada em pé na rua.[, 7,95 €, a preços de hoje].

Ficamos instalados num Hotel novo, no centro da capital, o Hotel ‘Al Afifa’ era tudo gerido por franceses, só os criados eram africanos. Tudo muito caro, almoçamos lá, com a fome que trazíamos de Bissau, e foi bom mas caro, uma garrafa de vinho normal francês, custou 7 contos, no total pagamos mais de 20 contos por tudo [397,73 €, hoje ]. A moeda circulante era o Franco CFA, e com os câmbios para a nossa moeda ficava tudo muito caro, para nós, portugueses. Nessa altura o câmbio de 1USD era à volta de 200$00 [3,98 €, a preços de hoje].

Ficamos lá 2 dias, pois o visto que foi dado no aeroporto, a troco de suborno, pois não tínhamos as vacinas em dia, custou 100$00 este pequeno suborno, eles não conheciam a nossa moeda, eu disse-lhes que era equivalente a Dólares Americanos, por isso 100 USD era muita massa.

Tivemos um contratempo, levamos só dinheiro em escudos, lotes de notas de 5 contos, e quando fui no aeroporto ao balcão para trocar pela moeda deles, ele devolveu as nossas notas de 5 contos, dizendo que era ‘merde’,  não tinha câmbio. Ficamos enrascados, mas não havia problemas, apanhamos um taxista, levou-nos até à Embaixada de Portugal, os gajos faziam aquilo a uma velocidade louca, mas chegamos vivos, o meu amigo ficou no carro, pois o taxista nunca desligou o motor, estava sempre a contar, entrei e pedi para falar com o Embaixador, ele ouviu a explicação e mandou logo o Adido com dinheiro para pagar ao táxi e não aumentar a conta.

Depois explicamos que tínhamos ali dinheiro de sobra, mas era preciso cambiar, ele explicou aquilo que já sabíamos uma hora antes, não tinha câmbio em Francos CFA. Ele falou com o Governador do Banco Nacional do Senegal, depois este falou para um Banco Comercial, e fomos com o Adido juntos falar com o Presidente. Trocamos aquilo que eles pensaram que era necessário para os dois dias e hotel, e extras, acho que 20 ou 30 contos. Ainda tenho a nota de câmbios e sei que ficava tudo muito caro com base na nossa moeda. O Presidente do Banco foi ele mesmo que nos pagou em Francos CFA, não fomos à caixa porque não era possível, foi assim feito tipo saco azul, não sei, mas para nós ficamos aliviados.

Este Adido depois é que nos orientou em tudo, convidou-nos para um jantar inolvidável na casa dele, a mulher era de Macau, e falava também Chinês, mas cozinhava muito bem. Um grande peixe inteiro dos mares de Dakar, comemos até dizer chega, depois ainda ficou mais de metade, pesava aí uns 5 kg, os pescadores transportavam aquilo aos ombros, um pau grande e um peixe de cada lado, era um postal da cidade. Eles tinham de ir trabalhar no dia seguinte, deixaram-nos a chave de casa, e ao almoço fomos lá comer o resto sozinhos. Depois pagamos um jantar fora, ficamos muito agradados com aquele casal.

Ainda fomos ao cinema uma noite, e andamos pelos bares, e quase deu para o torto, eu pegava no dinheiro vivo das calças, um monte de notas, às tantas estava já cercado por meia dúzia deles, senegaleses,  o Adido a ver tudo, ele já os conhecia a todos, daí que, ele mesmo sendo baixinho, investe contra eles aos pontapés, a maioria tinha uns 2 metros de altura, com insultos na língua deles, a verdade é que fugiram e nós lá ficamos. O Adido alertou-me para não exibir o dinheiro, ele disse que eles estavam a preparar-se para me sacar a nota, pois eu fiquei no meio deles sem dar por isso.

Na última noite fomos para o Hotel já tarde, havia música africana e miúdas giras, todas falavam Francês, e vi uma coisa do outro mundo, a mulher preta mais bonita que vi até hoje, e de uma beleza tipo sueca, as feições como branca, mas preta mesmo, era da Guiné Conacri. Estava ali para ganhar dinheiro, como é óbvio, fiquei com os olhos feitos em bico, mas já não tínhamos dinheiro para mais.

O Adido, sabendo das vigarices que os taxistas  faziam, combinou com um deles, a hora que deveria estar no Hotel para irmos para o aeroporto, e o ‘preço’ certo para a viagem, tudo escrito e falado.

No dia seguinte fomos com ele à hora certa, quando chegamos ele estacionou à beira de um Policia, depois teve a lata de pedir o dobro do preço combinado. Como não tínhamos muito tempo, e apesar de barafustar, o polícia foi-se chegando, eles falaram, e deu para entender que tínhamos de pagar, senão ficávamos em terra. Por isso o Adido dizia que eles eram todos uns 'filhos DP'...

Deixamos aquela terra no dia 9 de Janeiro de 1985, com muita saudade e com grande gratidão ao Adido comercial e à sua mulher. Nunca mais nos falamos nem nos vimos, e já lá vão 33 anos, agora 35 e nem o nome dele e dela me lembro.

Em Bissau, depois voltamos aos contactos, tivemos imensas reuniões sempre inconclusivas, conhecemos muita gente, Africana e de todo o mundo, andavam por lá a tentar fazer negócios de rentabilidade imediata, eram do tipo ‘mercenários comerciais’ com muita experiência por países africanos e do terceiro mundo.

Regressamos a 14 de Janeiro, sem nada na pasta. Com grande tristeza pelo tempo e dinheiro perdidos. Mas ainda com a esperança de que íamos dar a volta àquela gente.

Lembro-me das mensagens dos meus filhos, que tenho escritas nas cartas que enviavam, que me pediam para trazer ‘um macaco’, outro perguntou se já tinha encontrado as minhas motorizadas que lá tinha deixado em 1969, a minha G3 e coisas de crianças que tinham entre 10 e 13 anos.

O que trouxe, foi um caixa de 10 kg de camarão da Guiné, tudo devidamente embalado em gelo, que pedi ao comissário de bordo para as colocar nas geleiras do avião. Ficou depois no Hotel onde fiquei hospedado com a minha mulher, nas câmaras frigoríficas, e no dia seguinte veio de comboio para o Porto e Vila do Conde, à temperatura ambiente, fria naturalmente.

Foi o nosso jantar no dia 16 de Janeiro de 1985, fazia o meu filho do meio 12 anos.

O camarão foi cozido e preparado à moda da Guiné, comprei lá o piripiri natural, os limões muito diferentes dos nossos, e fiz o molho que era servido lá nas esplanadas no tempo da guerra.

Num prato pequeno, piripiri moído, sal e o indispensável sumo de limão da Guiné, não tem nada a ver com o nosso. Depois ficou um petisco e foi até acabar.


O regresso de Dakar até Bissau 

Regressamos no mesmo avião e com o mesmo piloto, ainda fizemos escala em Zinguinchor, que eu ainda não conhecia, era uma cidade do tipo de Bissau, ainda deu para dar umas voltas.

Regressados à luta ‘armada’ dos papeis e reuniões, não vou maçar mais ninguém, pois as muitas reuniões não levam a nada, e não é objectivo deste trabalho contar isto tudo, mas com a máquina de escrever fiz muitos requerimentos e adendas ao projecto, sempre tentando que fosse ultrapassado os impasses que eram colocados, muito embora as reuniões com altas patentes governamentais não davam passos significativos, nunca se tentou corromper ninguém, talvez fosse esse o mal.

Havia o problema das colheitas, a cultura do arroz seria de sequeiro e não de bolanha, previam-se 4 colheitas por ano, e os senhores do Leste, não percebendo nada, diziam que não ia além das duas, e as quantidades por hectare eram muito diferentes, estava tudo emperrado.

O problema do financiamento ficou assegurado por um Consórcio Árabe-Espanhol, mas havia que ter um ‘garantia idónea’. Então era a do próprio ‘Aval do Estado Guineense’. Ninguém aceitava, pois, a Guiné não tinha ‘crédito’ nenhum. Tentou-se então entre muitas a COSEC, que era do Estado, mas também não alinhavam. Só mesmo aquele Consórcio. Depois o nosso Banco de Portugal não dava o aval porque não aceitava também o aval do Estado Guineense, o mais pobre país do mundo nessa altura.

Foi um trabalho hercúleo, cá e lá, que não ficou resolvido na segunda viagem.

(Continua)

Legendas das fotos:

Das fotos já enviadas e para esta Parte II são válidas as seguintes:

F17 a F23 – A VIAGEM DE TRABALHO A DAKAR NO SENEGAL

Esta viagem foi realizada de Bissau para o Senegal, com paragem em Zinguinchor, feita num avião médio Bi-Turbo dos Transportes Aéreos da Guiné Bissau – TAGB, comandando por um piloto negro, guineense e hospedeiras morenas, possivelmente de Cabo Verde.

F17 – O avião Bi-Turbo dos TAGB a percorrer a pista do aeroporto Amílcar Cabral, para levantar voo. Bissau 8Jan85.

F18 – O avião da TAGB já a levantar voo com destino ao Senegal, aeroporto de Dakar, ainda com paragem na cidade fronteiriça de Zinguinchor no Senegal. Bissau, 8Jan85.

F19 – Vista aérea da Guiné, sobrevoando a zona de Bafatá, com os arrozais e o local do futuro projecto a levar a efeito. Céus da Guiné, 8Jan85.

F20 – Uma família Senegalesa nos arredores de Dakar, mãe e 5 filhos.  Apesar de tudo dá para perceber que era outra cultura e outro poder de compra, não se via disto em Bissau, eram pessoas conhecidas do Adido, não são muçulmanos. E se ficássemos mais uns dias, ainda poderíamos assistir à chegada do rali Paris-Dakar, que chegou uns dias depois. Dakar, 8Jan85.

F21 – A nossa viagem a Dakar no Senegal. Sou eu, de fato claro, o Isidro Quaresma em mangas de camisa, e o nosso Adido comercial da Embaixada Portuguesa, junto do Governo do Senegal.  Não me lembro agora do nome deste homem que foi o nosso anfitrião, guia e amigo naquele país. Ao largo pode ver-se a ilha onde se traficavam escravos, tem um nome qualquer como símbolo contra a escravatura, não me lembro do nome, e agora serve como prisão de alta segurança no Senegal. Dakar, 7JAN85.

F22 – Foto numa estrada no cimo de um monte com vista para a baia de Dakar, e o carro do Adido, foi ele que tirou a foto. Estou eu, e o Isidro Quaresma. Dakar, 8Jan85.

F23 – Foto minha em Dakar, na viagem ao Senegal, nos arredores do Centro da Capital. Os ventos secos de Dakar. Um dia de vento quente e seco, nada comparado com o martírio de Bissau.  Pode ver-se ainda uma Renault 4L, a maioria dos carros de origem Francesa. Dakar. 8 Jan85.

Em, 06-06-2018 - Virgílio Teixeira

«Propriedade, Autoria, Reserva e Direitos, de Virgílio Teixeira, Ex-alferes Miliciano do SAM – Chefe do Conselho Administrativo do BCAÇ1933  / RI15, Tomar, Guiné 67/69, Nova Lamego, Bissau e São Domingos, de 21Set67 a 04Ago69».

Corrigido, aperfeiçoado e modificado novamente,

Em, 2019-10-29

Virgilio Teixeira

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Nota do editor:

(*) Último poste da série > 23 de outubro de 2019 > Guiné 61/74 - P20271: Guiné 61/74 - P19815: Álbum fotográfico de Virgílio Teixeira, ex-alf mil, SAM, CCS / BCAÇ 1933 (São Domingos e Nova Lamego, 1967/69) - Parte LXXI: 1984/85: um regresso, quinze anos depois: (i) a primeira viagem de saudade

quinta-feira, 23 de novembro de 2017

Guiné 61/74 - P18007: Historiografia da presença portuguesa em África (103): António Estácio: O Contributo Chinês para a Orizicultura Guineense - V (e última) Parte: (viI) conclusão, agradecimentos, bibliografia e fotos









463



[Fotos, pp. 461-464]




Leiria > Monte Real > 2010 > V Encontro Nacional da Tabanca Grande, Leiria, Monte Real > António Estácio, 

1. Continuação da publicação da comunicação do António Estácio, sobre o contributo da comunidade chinesa na Guiné, para o desenvolvimento da cultura do arroz, nas primeiras décadas do séc. XX.

Temos a autorização expressa do autor, o nosso amigo e camarada António [Júlio Emerenciano ] Estácio, que tem 45 referências no nosso blogue. Eis aqui uma breve nota curriucular sobre ele:

(i) é lusoguineense, nascido em 1947, e criado no chão de Papel, em Bissau, com raízes transmontanas, tendo vivido também em Bolama;

(ii) formou-se como engenheiro técnico agrário (Coimbra, 1964-1967, Escola de Regentes Agrícolas, onde foi condiscípulo do Paulo Santiago), depois de frequentar o Liceu Honório Barreto;

(iii) fez a tropa (e a guerra) em Angola, como alferes miliciano (1970/72);

(iv) trabalhou depois em Macau (de 1972 a 1998);

(v) vive há quase duas décadas em Portugal, no concelho de Sintra;

(vi) é membro da nossa Tabanca Grande desde maio de 2010;

(viii) tem-se dedicado à escrita, dois dos seus livros mais recentes narram as histórias de vida de duas "Mulheres Grandes" da Guiné, a cabo-verdiana Nha Carlota (1889-1970) e a guineense Nha Bijagó (1871-1959);

(ix) o seu livro mais recente (2016, 491 pp.), de temática guineense, tem como título "Bolama, a saudosa", edição de autor;

(x) a comunicação que agora se reproduz foi feita no âmbito da V Semana Cultural da China, de 21 a 26 de janeiro de 2002;



Contracapa. Separata do livro Estudos sobre a China V


In: Estácio, António J.E. (2002) – O Contributo Chinês para a Orizicultura Guineense, in: Actas, V. Semana Cultural da China, Centro de Estudos Orientais, ISCSP/UTL: 431‑66


2. O Contributo Chinês para a Orizicultura Guineense - V (e última) Parte: (vii)   conclusão, agradecimentos, bibliografia, fotos [pp.  459-466]






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Nota do editor

Vd. postes anteriores da série:

15 de novembro de 2017 > Guiné 61/74 - P17974: Historiografia da presença portuguesa em África (99): António Estácio: O Contributo Chinês para a Orizicultura Guineense - Parte I: (i) preâmbulo: (ii) generalidades