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segunda-feira, 16 de setembro de 2024

Guiné 61/74 - P25949: O nosso livro de estilo (16): O blogue não foi feito para a gente se chatear.. Por isso, às vezes é preciso reintroduzir a moderação ou triagem de comentários





Lisboa > Mosteiro de São Vicente de Fora > Fábulas de La Fontaine > 24 de maio de 2024 > Este antigo mosteiro é um dos sítios mais deslumbrantes de Lisboa, com uma coleção única no mundo inteiro, de 38 painéis de azulejos, ilustrando outras tantas fábulas de La Fonatine (das 200 que o autor escreveu para educação do príncipe). Uma delas é sobre os médicos. 


Fotos (e legenda): © Lu7ís Graça (2024).Todos os direitos reservados [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


A. Comentar no nosso blogue é fácil ... Comentar (concordar, discordar, criticar, elogiar, complementar, acrescentar,  etc.), em amena cavaqueira, sob o sagrado poilão da nossa Tabanca Grande... é fácil. Ou deveria sê-lo...  

Há vinte anos que constatamos aqui que o Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande, todos ou quase todos (os antigos combatentes da Guiné) cá cabendo com tudo o que nos une e até com aquilo que nos pode separar... A única coisa que nos pode separar não são as diferenças mas o conflito manifesto na exposição dessas diferenças sob a forma de opiniões, perceções, experiências, sentimentos, ideias, etc., levando à violência verbal e até ao ódio patológico... 

Razão por que, de tempos a tempos, temos de relembrar alguns pontos do Nosso Livro de Estilo (há gente que nunca o leu) (*)



1. As opiniões aqui expressas, sob a forma de postes ou de comentários, são da única e exclusiva responsabilidade dos seus autores, não podendo vincular o fundador, proprietário e editor do blogue, Luís Graça, bem como a sua equipa de coeditores e demais colaboradores permanentes.

2. Camarada, amigo, simples leitor: Podes escrever no final de cada poste um comentário, uma informação adicional, um reparo, uma crítica, uma pergunta, uma observação, uma sugestão... (De preferência sem erros nem abreviaturas; evitar também as frases em maiúsculas ou caixa alta).

Basta, para isso, apontares o ponteiro do rato para o link Comentários, que aparece no fim de cada texto (ou poste), a seguir à indicação de Postado por Fulano Tal [Editor] at [hora], e clicares...

3. Tens uma "caixa" para escrever o teu comentário que será publicado, após apreciação de um dos editores.  Infelizmente, e ao fim de 20 anos, tivemos que reintroduzir, temporariamente, a moderação ou triagem..

Se tiveres uma conta no Google deves usar essa identificação. Mas também podes entrar como "anónimo": é obrigatório no final da mensagem pôr o teu nome, e facultativamente a localidade onde vives; sendo ex-combatente do ultramar, podes indicar o Teatro de Operações onde estiveste, local ou locais, posto e unidade a que pertenceste. 

Não são permitidas abreviaturas de nomes, siglas, acrónimos, pseudónimos; e muito menos "falsos perfis" (os camaradas da Guiné têm a ombridade de "dar a cara", não se escondendo atrás do bagabaga do anonimato e da cobardia...). 

Se voltares ao blogue, poderás não encontrar logo a mensagem que lá deixaste, a qual precisa do OK do editor de serviço (que deve zelar pelas regras do jogo). Repete as operações acima descritas para visualizar o teu comentário.

4. Escreve com total liberdade e inteira responsabilidade, o que significa respeitar as boas regras de convívio que estão em vigor entre nós: por exemplo,


(i) não nos insultamos uns aos outros;

(ii) não usamos, em público, a 'linguagem de caserna';

(iii) somos capazes de conviver, civilizadamente, com as nossas diferenças (políticas, ideológicas, filosóficas, culturais, étnicas, estéticas, etc.);

(iv) somos capazes de lidar e de resolver conflitos 'sem puxar da G3';

(v) todos os camaradas têm direito ao bom nome, à privacidade, à proteção dos seus dados pessoais (incluindo o nome completo, a morada, o nº de telemóvel, o email, etc.);

(vi) não trazemos a "actualidade política" para o blogue, etc.

Os editores reservam-se, naturalmente, o direito de eliminar, "a posteriori", rápida e decididamente, todo e qualquer comentário que violar as normas legais (incluindo as do nosso servidor, Blogger/Google), bem como as nossas regras de bom senso e bom gosto que devem vigorar entre pessoas adultas e responsáveis, a começar pelos comentários ANÓNIMOS (por favor, põe sempre o teu nome e apelido por baixo), incluindo mensagens com:


(i) conteúdo racista, xenófobo, sexista, homofóbico, pornográfico, etc.;

(ii) carácter difamatório;

(iii) tom intimidatório ou provocatório;

(iv) acusações de natureza criminal;

(v) apelo à violência, física e/ou verbal;

(vi) linguagem inapropriada;

(vii) SPAM, publicidade comercial ou propaganda claramente político-ideológica, ou de cariz partidário;

(viii) comunicações do foro privado, sem autorização de uma das partes.

Excecionalmente, alguns comentários poderão transformar-se em postes se houver interesse mútuo (do autor e dos editores).

Os editores, 13 de setembro de 2024,

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domingo, 2 de junho de 2024

Guiné 61/74 - P25592: Manuscrito(s) (Luís Graça) (250): A "macacaria", o azulejo polícromo, burlesco e satírico, do séc. XVII










Lisboa > Museu Nacional do Azulejo "Macacaria. Casamento da Galinha" > Olaria. Manuel Francisco (?) . c. 1660/67. Faiança polícroma. Proveniência: Quinta da Cadriceira, Turcifal, Torres Vedras. Doação: Celeste e Vitor Cinatti Batalha Reis. MNAz Inv 400 az

Fotos: Luís Graça (2024).


1. Sou fã do azulejo. Do nosso azulejo. Ainda há dias percorri, extasiado, o Mosteiro de São Vicente de Fora, e nomeadamente os claustros revestidos de azulejos barrocos. Andava há anos para conhecer as 38 fábulas de La Fontaine, contadas em azulejo. Revestiam os claustros, os painéis foram retirados, restaurados e colocados em exposição. 

O azulejo português tem uma história, fascinante,  de cinco séculos. (A palavra vem do árabe.) E nada como visitar o Museu Nacional do Azulejo, instalado no antigo convento da Madre de Deus (séc. XVI). Os antigos combatentes tem acesso gratuito ao Museu. (O seu sítio está em remodelação neste momento; para saber mais sobre o Museu ver a entrada na Wikipedia.)

Ver ou rever, entretanto, na RTP Play, a Visita Guiada - Convento da Madre Deus, Lisboa.

De tempos a tempos passo por lá. Hoje destaco um peça, muito curiosa e rara, de que reproduzo alguns detalalhes acima. É uma painel do séc. XVII (c. 1660/67), que veio de uma quinta da região do Oeste Estremenho, a Quinta da Cadriceira, em Turcifal, Torres Vedras.

Lê-se, com a devida vénia, no sítio da Time Out, em artigo de Helena Galvão Soares (12 de maio de 2019):


(...) "O painel chama-se 'O Casamento da Galinha' e é uma 'singerie' (macacaria), um estilo em que os protagonistas são macacos (sim, daí o nome) em trajos e actividades humanas, com intenção geralmente satírica.

"Embora estas figuras já apareçam como apontamentos nas iluminuras medievais, o estilo surge em força na pintura flamenga do século XVI e XVII e espalha-se pela Europa nos séculos seguintes em frescos, mobiliário, cerâmica, serviços de louça... Em Portugal, como não podia deixar de ser, surge em azulejo.

"A nobreza que acabara de sair vitoriosa da Guerra da Restauração (1640-1668) investiu na construção de novas quintas de recreio e encomendava painéis de azulejo para o revestimento de casas e jardins. Foi em duas dessas quintas que surgiram os painéis de macacarias que chegaram até hoje." (...)


Esta nova nobreza (que apostou no cavalo certo, a causa da Casa de Bragança) tem o gosto do exótico~, do excêntrico e do burlesco: veja-se, além dos macacos, a representação de outros animais como o elefante  mas também o leão (ou o o leopardo, noutro painel ao lado).

Por outro lado, sabe-se que o macaco está sempre associado à crítica satírica mas é também um símbolo de liberdade: uma leitura possível deste painel é a sátira à antiga nobreza que se aliou ao poder filipino (vivendo inclusive em Madrid, de costas voltadas para a sua Pátria) e que  representava, portanto, o partido dos vencidos, com a restauração do reino... (As campanhas da Guerra da Restauração foram bem mais longas que a guerra colonial: 1640-1668).

A outra quinta, com painéis de "macacarias" (mas estas "in su situ" ) é a do Palácio de Fronteira, em São Domingos de Benfica, que merece uma visita demorada (estive também lá há dias nos jardins). 
Vd.  em RTP Play a Visita Guiada aos Jardins do Palácio Fronteira, em Lisboa| Ep. 222 set. 2014 |

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sábado, 23 de março de 2024

Guiné 61/74 - P25300: Os nossos seres, saberes e lazeres (620): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (147): Com que satisfação regressei à Princesa do Alentejo, uma incompreensível ausência de décadas (7) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 21 de Novembro de 2023:

Queridos amigos,
Com a continuação da visita ao Paço dos Condes de Basto, a que se seguiu assistir a um recital de violoncelo e guitarra num espaço esplendoroso do Museu Nacional de Évora, e depois de ter vistoriado, com muito gosto, a esplêndida obra azulejar de Jorge Colaço, um artista que em Paris chegou a trabalhar para Le Figaro e que durante muitos anos compôs os seus magníficos trabalhos na Fábrica de Cerâmica Lusitânia (que ainda conheci, estava prantada onde é hoje a sede da Caixa Geral de Depósitos, restam alguns vestígios como uma chaminé), regressei a Lisboa, de coração afogueado, um belo fim de semana, procurei meter o Rossio na Betesga, impossível, não deu para registar os valores da arquitetura popular tradicional, desta arquitetura civil manuelina não passei do Páteo de São Miguel e do Paço dos Condes de Basto, embora tenha visto por fora o Palácio dos Condes de Cadaval, confesso que foi uma revelação visitar o que já se designou por casas de Vasco da Gama e Palácio da Inquisição e que hoje é o Centro de Arte e Cultura da Fundação Eugénio de Almeida, bem gostei das casas pintadas e das belas exposições ali patentes. Basta de me lamuriar, há palácios, conventos e igrejas, a universidade e até o Teatro Garcia de Resende a pedir nova visita, assim me dê Deus vida e saúde, até lá dar-vos-ei notícias de umas andanças por Arraiolos e Torre de Moncorvo.

Um abraço do
Mário



Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (147): Com que satisfação regressei à Princesa do Alentejo, uma incompreensível ausência de décadas (7)

Mário Beja Santos

A arquitetura civil manuelina em Évora tem belíssimos espécimes. O que se costuma designar por estilo manuelino é uma combinação do tardo-gótico, do mourisco e dos primeiros sinais do Renascimento. Atestam esta riqueza a Galeria das Damas do Palácio Real de S. Francisco ou de D. Manuel, o Páteo de São Miguel da Freiria ou dos Condes de Basto (onde viveram os reis D. Sebastião, Filipe II e D. João IV) assente nos muros romano-árabes do castelo, com janelas de arcos de ferradura e tendo no interior as célebres pinturas mitológicas e históricas; mas há também o Paço do Almirante, o Palácio dos Duques de Cadaval, o mirante da Casa Cordovil e outras reminiscências, como o varandim da Casa Soure, a janela da casa do cronista Garcia de Resende, o Solar dos Condes de Portalegre, os restos arquitetónicos do Paço dos Condes de Vimioso.
Continuo a visita neste Paço dos Condes de Basto, Túlio Espanca descreve-o no seu livro Évora, encontro com a cidade, uma edição de 1997, faz saber que é um edifício de grande caráter e diversidade arquitetónica, refere as majestosas salas, as tais pinturas murais do estilo renascentista e outras maneiristas, dá conta da linhagem dos Castros que aqui viveram, referindo que o Palácio no período de 1678-89 recebeu grandes melhorias para nele se alojar o arcebispo de Évora, primo de D. Pedro II, e aqui esteve temporariamente instalada, em 1699, D. Catarina de Bragança, a viúva de Carlos II de Inglaterra. Em 1958, após longa agonia de ruína e degradação, o palácio foi adquirido por Vasco Eugénio de Almeida que o restaurou cuidadosamente com a assistência da Direção-Geral dos Monumentos Nacionais e nele instituiu a Fundação que tem o seu nome. Mais impressionado se fica quando se deambula por estas instalações ricamente intervencionadas e se pode ver um vídeo que mostra o estado de degradação em que se encontrava este monumento e as instalações anexas antes destas obras magnificentes. São estas as derradeiras imagens que se mostram do interior do palácio, há divisões que estão fechadas, o que está patente é exibido com muito bom gosto e mostra as cuidadas intervenções.

Uma bela tapeçaria flamenga alegórica a um triunfo do imperador Marco Aurélio
Um pormenor do jardim mostrando ao fundo um vestígio da muralha
Saindo do Palácio dos Condes de Basto, havia a indicação de que se podia visitar a biblioteca, estão aqui os arquivos das propriedades da família Eugénio de Almeida
Aquando da visita ao Museu Nacional de Évora (estávamos a 1 de outubro) noticiava-se que a pretexto de ser o Dia Mundial da Música se ia realizar neste belo espaço um concerto com a violoncelista Sofia Azevedo e o guitarrista Marco Banca, pareceu-me um duo bem ousado, foi um belo recital com música brasileira para violoncelo e violão, música adaptada do rock onde não faltou Mozart e composições a partir de José Mário Branco. Uma bela despedida do centro histórico, agora ponho-me rumo à estação e não posso deixar de exaltar a classe da azulejaria da responsabilidade de Jorge Colaço, painéis que envolvem a estação rodoviária com motivos eborenses, desde a Sé Catedral, quadros históricos como a Revolta do Manuelinho de Évora (1637), um auto vicentino que aqui se estreou em ambiente régio, cenas de trabalhos agrícolas, impressiona não só o estado de conservação, mas também a combinação cromática que Jorge Colaço urdiu, emoldurando o azul e branco de belas molduras que fazem ressaltar as cenas que nos remetem para Évora, isto passa-se numa estação ferroviária que vem de meados do século XIX e que já teve ligações a ramais, hoje extintos. Regresso a Lisboa, mas já estou saudoso de voltar. Entretanto, vou viajar até Arraiolos e Torre de Moncorvo, não deixarei de dar notícias.
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Nota do editor

Último post da série de 16 DE MARÇO DE 2024 > Guiné 61/74 - P25278: Os nossos seres, saberes e lazeres (619): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (146): Com que satisfação regressei à Princesa do Alentejo, uma incompreensível ausência de décadas (6) (Mário Beja Santos)

sábado, 2 de dezembro de 2023

Guiné 61/74 - P24909: Os nossos seres, saberes e lazeres (603): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (131): Querubim Lapa, mago da cerâmica azulejar, mas irrefutável pintor e desenhador neorrealista (2) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 29 de Agosto de 2023:

Queridos amigos,
Aqui acaba a visita a uma exposição surpreendente, alvo de um catálogo de referência, num espaço arquitetónico único, concebido por Alcino Soutinho e onde se revela que Querubim Lapa é muito mais do que um grande ceramista azulejar, foi o nome maior da pintura neorrealista, a sua obra é a demonstração eloquente de que os neorrealistas não bebiam todos da mesma cartilha e como escreve o curador da exposição, David Santos, "Ao desenvolver um sentido poético da análise social do nosso país nas décadas de 1940 e 1950, Querubim Lapa realizou uma pintura singular, como poucas, soube conciliar o testemunho social com uma observação lírica da comunicação artística". No texto anterior, encetámos a viagem por esse Pós-Guerra em que uma nova geração, manifestamente congregada em oposição ao Estado Novo, assumia um compromisso entre a arte e a sociedade. Diga-se o que se disser, "os objetivos reclamados pelo neorrealismo constituíram-se como uma verdadeira alternativa cultural para a maioria dos artistas portugueses da terceira geração modernista - onde se inclui Querubim Lapa, nascido em 1925 - aqueles que na segunda metade dos anos 1940 frequentavam ativamente as escolas de belas artes, pressentindo no fim do conflito mundial a oportunidade de uma mudança política no nosso país". Iremos neste apontamento acompanhar a evolução do artista até se chegar a uma nítida fase de afastamento das formulações e inspirações usadas no período inicial, é quando chegamos ao distanciamento que se pode constatar como este artista plástico, atraído pela explosão da cor, e porventura pelas necessidades impostas pela vida, optou pela cerâmica azulejar, onde foi grão-mestre entre mestres.

Um abraço do
Mário



Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (131):
Querubim Lapa, mago da cerâmica azulejar, mas irrefutável pintor e desenhador neorrealista (2)


Mário Beja Santos

É uma exposição surpreendente, o nome Querubim Lapa (1925-2016) associa-se instantaneamente a notabilíssimos trabalhos de cerâmica azulejar, de que ele foi um artista de referência, está agora patente no Museu do Neo-Realismo, em Vila Franca de Xira, até 29 de outubro de 2023, uma exposição que tem o propósito de dar a conhecer a sua atividade quando ele aderiu a um cânone que marcou uma geração. São cerca de duas centenas de trabalhos entre as décadas de 1940 e 1960. Querubim começou por desenhos de pequeno formado que realizou entre 1945 e 1948, profundamente inspirados no realismo de observação social, vamos ver mendigos, feirantes, vendedeiras, cenas de circo, tudo marcado pelo realismo. Esta observação social prolongar-se-á até à década de 1960, findo o arco temporal que justifica o título da exposição Querubim Lapa, uma poética neorrealista.

Observa David Santos, diretor científico do Museu do Neo-Realismo, “Se hoje Querubim Lapa é pela história de arte identificado como um dos nomes mais decisivos da arte moderna em Portugal ao nível da cerâmica azulejar, ele deve ser igualmente reconhecido como um dos maiores pintores neorrealistas que o nosso país reconheceu”. Não nesta sua arte nada que se aparente com o cânone do realismo socialista, mas também não há folclore, o cômputo é uma poética de liberdade singular, não pelos temas, esses sim, recorrentes na obra destes jovens que partilhavam de uma oposição ao Estado Novo, cenas de trabalho, um mostruário da vida dos pobres, dos sacrificados, não faltando mesmo cenas circenses, uma das poucas ilusões de magia que era permitida aos marginalizados, os do fundo da pirâmide social; mas o que o distingue é o sopro lírico, os revérberos da luz, das cores, a filiação cultural ampla, ao longo da sua trajetória neste domínio das artes plásticas encontra-se a sua forte atração por temáticas do mundo antigo, na sua busca diferenciadora encontramos algo da iconografia russa, da influência bizantina, do gótico italiano, o que se exprime na postura dos corpos, na evidência das formas.

Também no estudo que David Santos preparou para este catálogo de referência se observa a atração de Querubim pelo espelho, o outro eu que atua como um reflexo, e o historiador tece considerações sobre o uso do espelho, já patente no seu autorretrato de 1949, no uso de elementos distrativos para confundir os códigos dos elementos que ele coloca na obra, que tanto pode ser a cor vermelha como o símbolo da alcachofra. Um crítico observou que Querubim era um guloso da cor, um trapezista da linha. Muito exigente na experiência, com o seu caminho próprio no realismo social, esgotados os filões perfilhados pelo uso da arte em que a forma devia estar ao serviço do conteúdo, Querubim, chegada a década de 1960, enveredará por outros rumos, tal como outros artistas da sua geração (caso de Jorge Vieira, Nikias Skapinakis, Rolando Sá Nogueira). Poder-se-á dizer, contudo, e volto a citar David Santos: “Querubim Lapa meter-se-á fiel, no essencial, a um compromisso pessoal que, não abdicando da esperança coletiva de uma sociedade, insistirá na realização de uma arte que exige de si própria um equilíbrio entre o humanismo das suas referências reais e iconográficas e a surpresa das descobertas determinadas pelo fazer artístico.” Há uma linha sequencial que vamos encontrar em cenas como a hora do almoço, o regresso do trabalho agrícola, as figuras das vendedeiras até à fase terminal desta poética neorrealista em que se representa o descanso, porventura em fainas agrícolas. É uma síntese dessas imagens que eu pretendo aqui mostrar para acicatar o desejo do leitor em vir visitar este esplêndido edifício concebido por Alcino Soutinho e percorrer dois andares para conhecer o pulsar do artista plástico, o seu compromisso, a sua estética humanista.

Vamos, pois, continuar a visita.

O tema do espelho, obsidiante na sua obra
As carquejeiras, o trabalho duro reservado aos mais humildes
As carquejeiras num contexto de atividades laborais que tanto podem ser a costura como a faina agrícola
O regresso do trabalho, a censura não terá gostado do motivo, a foice não engana, mas o contraste lírico não é menos pesado, aquele pai com o seu menino às cavalitas, com um furacão de luz ao fundo
A mulher omnipresente, no óleo, na tinta-da-china, na aguarela, lápis, o rosto inteiro, o perfil, em atividades laborais com outras, com o menino ao colo, com o espelho partido, em desespero, caçando borboletas, vendeira de peixe, com uma pomba em ambas as mãos… É a expressão mais evidente constante do compromisso do artista com observação social. Como, aliás, se escreve no catálogo: “De modo singular, Querubim Lapa concilia no seu exercício de consciente situação histórica, uma mais subtil relação com o ambiente reivindicativo do realismo social, voluntariamente adotado desde os desenhos iniciais. Essa era uma opção que o situava, sob o ponto de vista discursivo, na esfera desse encontro entre o passado clássico e o presente moderno.”
Ousadia, irrequietude, a febre da experiência. Tendo como fundo uma volumetria que nos parece convocar para um castelo tipo São Jorge e a descida do casario numa geometria organizada, há depois um tropicalismo que parece saído do Brasil… É um choque, mas Querubim queria mesmo experimentar. Este quadro que não tem título, data de 1955, tenho para mim que o artista, já trabalhava em cerâmica azulejar, pesquisava novas formulações, aliás o final da exposição termina com o tópico “Memória e distanciamento”, atingira-se uma nova dimensão cromática e volumétrica, vamos por ali à volta desta atmosfera experimental e procuramos analogias que nos mostram os prelúdios do afastamento, o encontro com novos processos, no íntimo o visitante vê também a evolução de outros artistas, caso de Maria Keil, Rogério Ribeiro, Nikias Skapinakis. Mas a identidade de Querubim é inatacável, é como estar a ver Almada Negreiros e saber que é impossível não ser Almada Negreiros, ou Cruzeiro Seixas ou Raúl Perez
Exemplos dessa inventividade, temos agora uma paleta mais alegre, um novo tratamento das figuras, nota-se outros chamamentos de artistas figurativos seus contemporâneos, um deles, indubitavelmente, Marc Chagall.
O processo da cor está em alteração, esta vendedeira distancia-se das figuras criadas no Pós-Guerra
Este óleo dá pelo nome “O fardo”, é de 1963, a cromática é de Marc Chagall, a distância do processo neorrealista é insofismável.
“O descanso”, tema que apaixonou os naturalistas, os tardo-naturalistas, modernistas como Almada Negreiros, o que é marcante é a expressão lírica da obra, o apaziguamento, a manipulação magistral dos tons neutros e dos verdes e o poder da luz, como se houvesse um candeeiro a iluminar o repouso destes trabalhadores.
Obra icónica de Querubim Lapa na Pastelaria Mexicana, entre a Praça de Londres e a Avenida Guerra Junqueiro
Querubim Lapa na Avenida da Índia, Lisboa
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Notas do editor:

Vd. poste de 25 DE NOVEMBRO DE 2023 > Guiné 61/74 - P24886: Os nossos seres, saberes e lazeres (601): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (130): Querubim Lapa, mago da cerâmica azulejar, mas irrefutável pintor e desenhador neorrealista (1) (Mário Beja Santos)

Último poste da série de 30 DE NOVEMBRO DE 2023 > Guiné 61/74 - P24900: Os nossos seres, saberes e lazeres (602): Abandono do Património Histórico (Victor Costa, ex-Fur Mil At Inf)

sábado, 25 de novembro de 2023

Guiné 61/74 - P24886: Os nossos seres, saberes e lazeres (601): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (130): Querubim Lapa, mago da cerâmica azulejar, mas irrefutável pintor e desenhador neorrealista (1) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 25 de Agosto de 2023:

Queridos amigos,
Ignorava completamente a pintura e o desenho do jovem Querubim Lapa (1925-2016), rendi-me sempre à sua cerâmica azulejar e ainda hoje entro na pastelaria mexicana para me prantar em devoção perante o seu trabalho, aliás um dos seus ícones. A exposição patente no Museu do Neo-Realismo em Vila Franca de Xira deixou-se de boca aberta. Primeiro pelo trabalho museográfico e museológico, de primeira água. O catálogo é de referência e até a brochura de distribuição gratuita é uma bela síntese de toda a atividade deste escultor, ceramista, pintor e desenhador. É uma viagem por uma poética neorrealista, Querubim foi um exímio observador e praticamente do realismo social, encontramos as suas filiações no realismo oitocentista, como mais adiante ele se sentirá atraído pela temática da arte antiga e até do expressionismo alemão.
Nesta primeira viagem vamos sentir o pulsar desse jovem observador e as suas preocupações transpostas numa fineza lírica bem singular. Como escreve David Santos, "Querubim Lapa concilia no seu exercício de consciente situação histórica uma mais subtil relação com o ambiente reivindicativo do realismo social, voluntariamente adotado desde os desenhos iniciais. Essa era uma opção que o situava, sob o ponto de vista discursivo, na esfera desse encontro entre o passado clássico e o presente moderno, desapossando em parte o discurso neorrealista da sua normativa mais comum nos anos 1940 e 1950, ligada à exposição e urgência de uma mensagem de denúncia social, para instaurar um compromisso com formas e espectros cromáticos de promessa lírica intemporal". Estou absolutamente convicto que ninguém se sentirá defraudado diante de tão ambiciosa exposição que revelará a muita gente o outro Querubim.

Um abraço do
Mário



Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (130):
Querubim Lapa, mago da cerâmica azulejar, mas irrefutável pintor e desenhador neorrealista (1)

Mário Beja Santos

É uma exposição surpreendente, o nome Querubim Lapa (1925-2016) associa-se instantaneamente a notabilíssimos trabalhos de cerâmica azulejar, de que ele foi um artista de referência, está agora patente no Museu do Neo-Realismo, em Vila Franca de Xira, uma exposição que tem o propósito de dar a conhecer a sua atividade quando ele aderiu a um cânone que marcou uma geração. São cerca de duas centenas de trabalhos entre as décadas de 1940 e 1960. Querubim começou por desenhos de pequeno formado que realizou entre 1945 e 1948, profundamente inspirados no realismo de observação social, vamos ver mendigos, feirantes, vendedeiras, cenas de circo, tudo marcado pelo realismo. Ele tinha uma grande vontade de participar na transformação social do país. O visitante tem à sua disposição uma bem fundamentada brochura gratuita e um catálogo de referência, pela sua elevada qualidade.

Respigo da brochura a leitura que o historiador de arte David Santos faz:
“No imediato Pós-Guerra, os objetivos reclamados pelo neorrealismo constituíam uma alternativa para a maioria dos artistas portugueses da terceira geração modernista, aqueles (como Querubim Lapa, nascido em 1925) que em 1945 frequentavam ativamente as escolas de belas-artes, pressentindo no fim do conflito mundial a esperança e a oportunidade de uma mudança política no nosso país.
Apesar do status quo desfavorável assente nos condicionalismos políticos impostos pelo Estado Novo, Querubim Lapa integra com empenho e consciência o movimento neorrealista português, ao desenvolver um trabalho que atinge a sua plenitude entre 1948 e 1951, firmando um processo estético muito particular, marcado pela conciliação entre valores sociais e a sua extraordinária expressão lírica. Sobre a importância do período neorrealista no seu percurso artístico, Querubim Lapa dirá muitos anos mais tarde: ‘Logo a seguir à guerra vivi intensamente o período neorrealista; participei em imensas exposições e os meus quadros eram, nessa fase, a expressão de uma experiência coletiva, muito rica sobre certos aspetos. Nessa época, a literatura, o teatro, o romance, a pintura, tentavam fazer o retrato de uma sociedade que urgia modificar. Não fomos ouvidos, calaram-nos a voz, mas o movimento neorrealista ficou como um dos períodos mais fecundos da arte portuguesa’.

Fundado no genuíno envolvimento de uma geração que teve de sobreviver ao Estado Novo, a um exercício quotidiano privado de liberdade política e de muitos outros aspetos da modernidade, o neorrealismo representou para quem o viveu um momento inesquecível de comunhão de valores em torno da transformação artística e social de um país. Por isso, num contexto criativo de vozes multidimensionais, o contributo de Querubim Lapa representa um dos mais singulares projetos de criatividade pictórica no Pós-Guerra.”


O visitante encontrará esta exposição em dois andares deste belo edifício concebido por Alcino Soutinho uma exposição onde estão representados os seus primeiros trabalhos, dar-se-á relevo à sua singularidade na poética social, a articulação entre o neorrealismo e outras experiências e, como é timbre de todos os movimentos artísticos, o que fica de memória e da sua transmissão nas correntes das artes plásticas que se seguem.

Tive a ventura de ir assistir a uma visita guiada pelo curador David Santos, um comunicador de primeira água e procuro hoje e nas semanas seguintes dar-vos conta de como esta exposição surpreendente é também uma janela sobre um tempo, uma homenagem a alguém que foi muito mais do que um grande ceramista escultor, isto na correnteza de movimentos artísticos do passado que Querubim conhecia e que pôde reelaborar na sua singularíssima pintura e desenho. A visita à exposição vai começar, oiço e interpreto à minha maneira.

Imagem da inauguração da exposição Querubim Lapa, uma poética neorrealista
Querubim Lapa no trabalho que lhe deu notoriedade: a cerâmica azulejar, começou na Fábrica Viúva Lamego
Querubim Lapa na maturidade, junto de um dos seus trabalhos icónicos
Registo de gente humilde
As mulheres, as fainas, as crianças, um olhar desnudado e poético sobre a gente pobre
O circo será um tema atrativo dos artistas neorrealistas, é a magia e o sonho que fazem esquecer as durezas da vida
Os autorretratos, um certo olhar de viés como se estivesse a advertir que não lhe escapamos ao registo, um dia haverá essa oportunidade, era este um dos cânones do autorretrato do realismo social europeu
É um tema clássico, a espera do barco, mas num registo indeclinável de rutura com o tardo-naturalismo, nada de arrebiques na perspetiva entre a mulher, a criança e o barco, e temos em ênfase de desmesura de mãos e pés, a criança esquálida, as ameaças vêm do céu plúmbeo.
Para mim, um devoto incondicional da sua cerâmica azulejar, os motivos de tarefa destas mulheres já me parecem ir na aproximação do que será o seu trabalho de síntese, baseado na sua formação de escultor, de desenhador/pintor e ceramista, cores profundamente chamativas, este quadro de duas mulheres em conversa onde pode haver, ou não, a transmissão de segredos, tem uma organização notável, torna-se imponente com rodilha e canastra a obrigar-nos a especular sobre os motivos da conversa.
O historiador de arte David Santos analisa num dos textos do catálogo de referência dedicado à exposição as reminiscências de uma arte clássica, de posturas que lembram a ordenação pictórico e escultórica de períodos do mundo antigo, iremos encontrar outros artistas noutras partes do mundo que buscarão figurações e poses que aqui encontramos nestas três mulheres, ocorre-me, na disposição espacial desta mulher à direita a escultura de Henry Moore.
O artista evolui, mas não descura a essência do realismo social, à esquerda temos algo como o desespero e alguém que procura dar consolo, mantém-se o exagero em mãos e pés disformes, à direita é uma atmosfera de intimidade, alguém lê uma carta, alguém segue atentamente a leitura, confrontados os dois quadros veja-se a mestria no tratamento dos verdes, na habilidosa organização espacial e na luminosidade de ambos os quadros.

(continua)

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Nota do editor

Último poste da série de 18 DE NOVEMBRO DE 2023 > Guiné 61/74 - P24862: Os nossos seres, saberes e lazeres (601): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (129): O Convento dos Capuchos (ou da Cortiça) que começou por ser o Convento de Santa Cruz da Serra de Sintra (2) (Mário Beja Santos)