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terça-feira, 26 de setembro de 2023

Guiné 61/74 - P24701: Os nossos seres, saberes e lazeres (592): António Carmo, artista plástico de renome, nosso camarada da Guiné (Mário Beja Santos)

António Carmo numa exposição nas Caldas da Rainha, evocativa dos seus 50 anos de carreira


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 28 de Junho de 2023:

Queridos amigos,
Quem porfia sempre alcança. Demore a saber que este prestigiado artista plástico fizera comissão na Guiné, finalmente houve encontro, falei-lhe do nosso blogue, procurei fazê-lo sentir a importância do acervo que ele comporta, e António Carmo, caso eu não esteja a laborar em erro, é o único artista plástico que durante a sua comissão deixou obra, e a trabalhou depois, posso estar a ser precipitado no meu juízo mas o artista durante décadas subscreveu trabalhos de grande tensão, encontro alguma afinidade com a arte de Francisco Relógio, um lirismo e uma poética nestas figuras ultradimensionadas que nas últimas décadas se transmutaram para uma arte mais repousada, asseguram uma contemplação que nos lava a alma naquele eixo central em que se exalta a figura da mulher. Agora fico à espera que ele tenha uma nesga de tempo para conversar comigo e voltarmos à Guiné, onde ele deixou muitos trabalhos, resta saber por onde andam.

Um abraço do
Mário



António Carmo, artista plástico de renome, nosso camarada da Guiné

Mário Beja Santos

Conheci a arte de António Carmo por duas vias. Há uns bons anos, fiz parte de um júri referente a um concurso europeu do jovem consumidor, a reunião decorreu num sindicato de professores, e concluídos os trabalhos o anfitrião quis obsequiar os membros do júri oferecendo serigrafias. Chamou-me a atenção uma que me parecia falar de África, figuras femininas de rosto muito sereno que pareciam encaixadas umas nas outras como as bonecas russas, não hesitei na escolha; emoldurada, veio para o meu escritório, ficou entre um desenho do meu amigo Sá Nogueira e uma gravura de David Almeida. Bem a contemplava à procura da motivação do artista, nada feito. Numa digressão a Bruxelas, à saída da Gare Central encaminhei-me para a Rue de la Madeleine, uma artéria onde há várias galerias de arte e ao tempo uma livraria apaixonante, a Posada, hoje desaparecida, e é nisto que em frente à Galeria Alberto I vejo anunciada uma exposição de António Carmo, nela já pontificavam estas mulheres desmesuradas numa coloração vibrante, mas simultaneamente com efeitos oníricos e a inerente exigência de reflexão. No dia seguinte, fui visitar a exposição e pude ler numa brochura a impressionante carreira internacional do artista.

Só muito mais tarde se me assomou a referência de que fizera uma comissão na Guiné, guardei no meu caderninho de propósitos de futuro trabalho saber como podia encontrar com o artista, saber se ele estava disponível para contar a sua experiência na Guiné. E quis o acaso que na manhã de 20 de setembro ter uma reunião na Âncora Editora, fui ao site e deparou-se-me com o convite para esta exposição. Com o diretor discuti a publicação do livro de memórias do sonhador Vasco, que será publicado em Março próximo, conversas tidas, vai para dez anos, ao longo de meses, na sua casa em Fontanelas. Perguntei por António Carmo, ele sugeriu que aparecesse na apresentação do seu livro mais recente, "Encontros e Memórias", que se iria realizar nessa tarde na Casa dos Livros da Amadora. É nisto que toca o telefone para o editor, este amavelmente pôs-me em contacto com o António Carmo, sim, teria todo o gosto em falar do seu trabalho na Guiné, à tarde aprazaríamos uma reunião, finda a organização de uma nova exposição.

Antes de ele chegar já eu percorria o novo livro e chamou-me a atenção do prefácio de outro artista plástico, Rocha de Sousa: “Cada pintura é paisagem com gente em quadro falsamente imobilizado. Porque António Carmo não cessa de agitar o denso contacto dos corpos, entre flores e vagas névoas além ou ali. A densidade das cores irrealiza a representação de um povo comum: esse povo é alma das festas de aldeia. Mãos entrelaçadas, os rostos subindo a voz ou o cântico, os corpos vestidos de azul, vermelho, amarelos pontuados por verdes, o que de súbito se mistura em muita gente como flores de adorno, abertas à luz, soltando obliquidades da dança e do vento.” Uma observação que me parece corresponder ao trabalho de Carmo.

Iniciada a sessão, Álvaro Lobato Faria comentou os trabalhos e vivências dos últimos 20 anos, as referências dos textos ligados às exposições, observou em que constitui o processo criativo de Carmo, a pesquisa incessante destes corpos com falsa desmesura, tudo ganha numa poética dos sentidos à custa de uma vigorosa materialização da cor. Carmo comentou o que tem feito nos últimos 20 anos, abriu espaço para o debate, senti-me no direito de falar da Guiné, curiosamente a assistência revelou-se interessada com a narrativa do artista plástico. Esteve nas transmissões do quartel-general, começou a fazer uns desenhos, defendia-se com a ambiguidade das mensagens, os seus superiores revelaram entusiasmo, vieram as encomendas, deixou trabalhos em vários locais, escreveu na "Voz da Guiné", publicação do tempo, de tudo prometeu falar quando nos encontrássemos. E a propósito da nossa conversa telefónica no escritório do editor, mostrou o livro publicado na Editorial Caminho, deixou-me fotografar imagens dos seus desenhos feitos na Guiné, para mim estava ali a chave explicativa da serigrafia para a qual eu não tinha, para além de emoção, qualquer código de referência. Dá para perceber que é um desenho de uma África em estado de tensão, ele referiu explicitamente a forte atração que sentiu pela arte Nalu, julga ter plasmado alguns dos códigos desse género artístico nestes seus trabalhos em que a África está sempre presente.

Agora só me resta ficar a aguardar o dia em que nos iremos encontrar e falar dos trabalhos dos seus dois anos na Guiné. Voltou em 1972, no ano seguinte fez uma exposição na Galeria Opinião, ali se mostrava a guerra, ainda hoje Carmo não sabe como é que não teve problemas com a censura.

Fico agora a aguardar que o artista me receba e dê a conhecer as suas memórias com mais de meio século. Talvez valha a pena referir que é o único artista plástico que falou da Guiné daqueles tempos da luta de libertação. O que traz redobrado interesse para conhecermos a inspiração subjacente a todos estes trabalhos e a outros que ele vai mostrar.


Amílcar Cabral, 1973
Memória africana, 1973
Choque Africano-Guiné, 1973
Memória Africana, 1973
Memória Africana, 1973
Imagem da exposição de António Carmo na Galeria Opinião, 1973, retirada dos Arquivos da RTP, com a devida vénia
A arte de António Carmo depois da sua comissão da Guiné
António Carmo, Editorial Caminho, 2003, esgotado
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Nota do editor

Último poste da série de 23 DE SETEMBRO DE 2023 > Guiné 61/74 - P24691: Os nossos seres, saberes e lazeres (591): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (121): Oh Bruxelles, tu ne me quittes pas! (12) (Mário Beja Santos)

sexta-feira, 1 de fevereiro de 2019

Guiné 61/74 - P19458: (In)citações (124): A Angola e os angolanos que eu conheci e que ficaram no meu coração: os nossos camaradas angolanos eram filhos do povo, do admirável e sofrido povo de Angola; (...) para a esmagadora maioria deles, foi só quando passaram a fazer parte da nossa companhia que eles puderam, pela primeira vez nas suas vidas, relacionar-se com brancos de igual para igual, olhos nos olhos, ombro com ombro, de homem para homem ... (Fernando de Sousa Ribeiro, ex-alf mil, CCAÇ 3535, 1972/74)

Fernando de Sousa Ribeiro. Vive no Porto.
Mss também gosta de Lisboa  onde viveu e trabalhou
Term página no Facebook
1. Mensagem de Fernando de Sousa Ribeiro, ex-alf mil, CCAÇ 3535 (Angola, 1972/74), membro da Tabanca Grande desde 11 de novembro de 2018_

Obrihgado, Luís, pelos votos e pelo vídeo.

Alguma coisa tem vindo a mudar em Angola desde que João Lourenço assumiu a presidência. Este vídeo [, em que o comandantenacional da política denuncia, publicamente, a corrupção na instituição e expulsa das suas suas fileiras alguns dos seus mais elementos] é uma demonstração real disso.

Mas as dificuldades que o João Lourenço está a enfrentar são provavelmente maiores do que as que ele esperava encontrar, sobretudo no que ao repatriamento de capitais desviados para os paraísos fiscais diz respeito.

Até agora, ele só tem ouvido palavras aparentemente muito simpáticas de vários governos e entidades internacionais, mas sem consequências práticas. O Reino Unido, então, já recusou repatriar os 500 Milhões  de dólares desviados do Fundo Soberano de Angola pelo filho mais novo do José Eduardo dos Santos, José Filomeno dos Santos, e sua quadrilha. É a pérfida Albion no seu "melhor".

De qualquer modo, o tempo parece estar a jogar a favor de João Lourenço, que vai consolidando o seu poder, mas também joga contra ele, porque a economia angolana não parece estar a "levantar voo", nem pouco mais ou menos. Espera-se que este ano a economia do país entre em recessão, o que é muito mau.

Esperemos para ver, desejando que as coisas melhorem, para bem de um povo que eu aprendi a amar, graças aos maravilhosos subordinados angolanos que tive o supremo privilégio de comandar e pelos quais choro copiosas lágrimas de saudade.

A este respeito, permito-me reproduzir as seguintes palavras que lhes dediquei no meu livro inédito de memórias da guerra, a que dei o título de "Dignidade e Ignomínia":


Sinto um orgulho enorme nos subordinados [portugueses e angolanos] que me coube comandar.

(...) Posso (...) afirmar categoricamente que fui um privilegiado por ter tido a meu lado companheiros dotados de uma tal fibra.

Fui ainda mais privilegiado porque entre eles havia angolanos, que foram das pessoas mais extraordinárias que conheci. Não há dinheiro no mundo que pague toda a sua sabedoria, toda a sua generosidade e toda a sua sensibilidade. Depois de os ter conhecido, nunca mais fui o mesmo.


Tenho os seus nomes escritos em letras de ouro no meu coração: Domingos Amado Neto, Silva Alfredo dos Santos, Domingos Cangúia, Diogo Manuel, Ramiro Elias da Silva, Domingos Jonas, Mateus Tchingúri, Jonas Vitorino, Lucas Quinta, Henrique Luneva, Raimundo Nunulo, Domingos Dala, Fortunato Francisco João Diogo e Simão João Leitão Cavaleiro. Nunca os esquecerei.

Os nossos camaradas angolanos eram filhos do povo. Do admirável e sofrido povo de Angola. Quer isto dizer que, para a esmagadora maioria deles, foi só quando passaram a fazer parte da nossa companhia que eles puderam, pela primeira vez nas suas vidas, relacionar-se com brancos de igual para igual. Olhos nos olhos, ombro com ombro, de homem para homem. E eles foram insuperáveis no companheirismo e na dignidade com que se relacionaram connosco, os europeus da companhia.


Encontrando-se na mesma situação que nós, os nossos camaradas angolanos não se limitaram a partilhar as suas vidas connosco no seio da companhia; eles fizeram parte integrante de nós mesmos, tanto quanto isto foi possível.


Eles travaram os mesmos combates que nós.


Eles caíram nas mesmas emboscadas que nós.


Eles enfrentaram as mesmas minas que nós.


Eles contornaram as mesmas "bocas‑de‑lobo" que nós.


Eles suaram os mesmos cansaços que nós.


Eles enjoaram as mesmas rações de combate que nós.


Eles dormiram debaixo da mesma chuva que nós.


Eles tremeram os mesmos medos que nós.


Eles riram as mesmas alegrias que nós.


Eles choraram as mesmas saudades que nós.


Eles acalentaram as mesmas esperanças que nós.


Eles foram nós. Todos fomos nós." (...)(**)
Um abraço

Fernando de Sousa Ribeiro
Porto, 12 de janeiro de 2019

quarta-feira, 13 de dezembro de 2017

Guiné 61/74 - P18083: Em busca de... (285): Camaradas dos Pel Mort 4579; 4580 e 4581/BCAÇ 3884 (Bafatá, 1973/74) (Carlos Vieira, ex-Fur Mil do Pel Mort 4580)

 

1. Mensagem do nosso camarada Carlos Vieira, ex-Fur Mil do Pel Mort 4580 (Bafatá, 1973/74), enviada ao Blogue em 25 de Novembro de 2017:

Onde param os camaradas dos pelotões de morteiros 4579, 4580 e 4581, que no dia 31 de Agosto de 1974 viajamos todos no Boeing 707 da TAP, Vasco da Gama, de regresso a Lisboa e passagem à peluda na quartel do Campo Grande, hoje Universidade Lusófona?

 
Saudações do tabanqueiro periquito 761 
Carlos Vieira[1]
Pel. Mort. 4580 



Bafatá - Comando do BCAÇ 3884 - Pausa merecida. À esquerda furriel Vieira e à direita furriel Teixeira, ambos do Pel Mort 4580; à retaguarda, à esquerda, furriel Martins, à direita furriel Boga, ambos de transmissões; ao centro o furriel Barcelos do parque auto. Todos da CCS da BCAÇ 3884. 
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Notas do editor

[1] - Vd. poste de 20 de novembro de 2017 > Guiné 61/74 - P17993: Tabanca Grande (452): Carlos Vieira, ex-Fur Mil do Pel Mort 4580 (Bafatá, 1973/74), 761.º Tabanqueiro

Último poste da série de 13 de dezembro de 2017 > Guiné 61/74 - P18080: Em busca de... (284): Veteranos da CCAÇ 797, "Os Camelos" (Tite e Nhacra, 1965/67), comandada pelo cap inf Carlos Fabião, e em especial os 8 elementos da secção do fur mil Júlio Lemos Pereira Martins, do 1º Gr Comb, comandado pelo alf mil inf Américo de Melo Pinto Lopes (Mário Leitão, autor do livro em elaboração "Heróis limianos da guerra do ultramar")

quarta-feira, 21 de junho de 2017

Guiné 61/74 - P17500: Álbum fotográfico de Luís Mourato Oliveira, ex-alf mil, CCAÇ 4740 (Cufar, dez 72 / jul 73) e Pel Caç Nat 52 (Mato Cão e Missirá, jul 73 /ago 74) (18): Amigos e camaradas de Cufar - Parte I


Guiné > Região de Tombali > Cufar > CCAÇ 4740 > 1973 > 18º Pel Art > Eu, junto ao obus 14 mais o  sargento Barros



Guiné > Região de Tombali > Cufar > CCAÇ 4740 > 1973 > O edifício da Intendência [o martirizado PINT 9288, de que era cmdt o nosso camarada João Lourenço].




Guiné > Região de Tombali > Cufar > CCAÇ 4740 > 1973 > Eu e António António [Octávio da Silva] Neto [, alf mil inf] junto ao "Solar do Gringo"


Guiné > Região de Tombali > Cufar > CCAÇ 4740 > 1973 > Com o Rebelo,  do Liceu Pedro Nunes



Guiné > Região de Tombali > Cufar > CCAÇ 4740 > 1973 >  António e Eiriz (cujo nome completo  não identificámos): o primeiro será o alf mil, cmdt do 2º Gr Comb  António Adolfo Moreira da Silva Zêzere ? Vd. aqui a história da unidade e a sua composição orgânica. [No caso do Eiriz, trata.se do alf mil trms  do CAOP1, António Eiriz]


Fotos (e legendas): © Luís Mourato Oliveira (2017). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné].


1. Continuação da publicação do álbum fotográfico do Luís Mourato Oliveira, nosso grã-tabanqueiro, que foi alf mil inf da CCAÇ 4740 (Cufar, 1973) e do Pel Caç Nat 52 (Mato Cão e Missirá, 1973/74). (*)

De rendição individual, foi o último comandante do Pel Caç Nat 52. Irá terminar a sua comissão no setor L1 (Bambadinca), em Missirá, depois de Mato Cão, e extinguir o pelotão em agosto de 1974.

Até meados de 1973 esteve em Cufar, a comandar o 3º pelotão da CCAÇ 4740, no 1º semestre de 1973. Tem bastantes fotos de Cufar, que começámos a publicar no poste P17388 (*).

Hoje mostram-se mostram-se algumas fotos de camaradas de Cufar. Além da CCAÇ 4740, unidade de quadrícula, de origem açoriana, Cufar era uma verdadeira base militar,  com pista de aviação e porto fluvial, contando com forças da marinha, da força aérea, do CAOP1, e ainda as seguintes:

Pel Caç Nat 51

Pel Caç Nat 67

Pel Canhões s/r

 Pel Art 18

Pel Rec Fox 8870

PINT 9288

Milícias.

Vários camaradas da Tabanca Grande passaram por lá nesta altura (1973/74), além do Luís Mourato Oliveira: António Graça de Abreu, Fernando Franco, António Baia, António Salvador, Armando Faria, João Lourenço, António P. Almeida... Citamos  de memória!

O Luís Mourato Oliveira já não estava em Cufar quando se deu a tragédia do dia 2 de março de 1974: duas minas, mais de duas dezenas de mortos, em grande maioria estivadores ao serviço da Intendência(**)...  Nem antes,  em 14 de novembro de 1973, quando  Cufar começou a "embrulhar", com os foguetões 122 mm ("os jactos do Povo", como lhes chamava a malta do PAIGC) (***)...
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2 de março de  2014 > Guiné 63/74 - P12787: Efemérides (150): Cufar, 2 de março de 1974: Horror, impotência, luto... (Armando Faria, ex-fur mil, MA, CCAÇ 4740, Cufar, 1972/74)

2 de março de 2015 >  Guiné 63/74 - P14314: Efemérides (181): Recordando o dia 2 de Março de 1974, dia de horror, impotência e luto em Cufar (Armando Faria)

(***) Vd. poste de 17 de outubro de 2008 > Guiné 63/74 - P3328: Memórias literárias da guerra colonial (7): O baptismo de fogo de A. Graça de Abreu, em Cufar, aos 17 meses (Luís Graça)

domingo, 19 de abril de 2015

Guiné 63/74 - P14489: Libertando-me (Tony Borié) (13): Era mesmo ele, o Vítor Carvalho

Décimo terceiro episódio da série "Libertando-me" do nosso camarada Tony Borié, ex-1.º Cabo Operador Cripto do CMD AGR 16, Mansoa, 1964/66.




Já passava da meia-noite, como a nossa mente é jovem, pois agora pouco dormimos, sentamo-nos em frente ao computador, abrimos a página das mensagens e, um tal Vítor Carvalho, procura companheiros criptos do ano de 1964\66, e mais, quem tivesse passado pelo aquartelamento da Trafaria.

Era demais, será que... será ele... aquele companheiro inteligente, magro, muito bom em tudo o que fazia, mas sobretudo na disciplina de ginástica, parecia que tinha sido treinado para fazer parte dos atletas que naquele tempo iam aos “Jogos Olimpicos”, tal era a desenvoltura com que nos deliciava naquelas acrobacias, pois o instrutor dizia, dez exercícios deste modo, todos acabavam cansados, o Vítor continuava naquelas corridas desgastantes para a Costa da Caparica, por vezes levava a minha espingarda e, mesmo assim, chegava na frente. Era mesmo ele, e responde-me em seguida, dizendo: “...quanto eu adorava apanhar mais alguns como te apanhei a ti, deu-me uma alegria enorme, tenho esperanças de apanhar ainda mais algum”.

“...lembras-te quando íamos fazer os crosses até à Costa da Caparica, e o nosso amigo alferes Coutinho nos levava para a praia e para um café no centro da vila, onde bebíamos o nosso cafezinho e o grande Coutinho pagava a despesa?”.

“...também tinha o melhor pelotão, éramos famosos, éramos o 2.º pelotão. Tivemos coisas giras, tais como duas que me recordo bem, uma foi na parada, estávamos a marchar mas numa agradável cavaqueira e o oficial de dia, o Capitão Oliveirinha mandou parar o pelotão, cujo "comandante” era o instruendo Brandoa, que dava umas vozes em idioma “marroquino”, muito à maneira dele, e o dito capitão fez-nos marchar em ala, não sei se te recordas, era marchar em frente com as duas filas, e fizemos isso impecavelmente e o Oliveirinha disse-nos que realmente estava rendido ao 2.º pelotão”.

“...outra vez foi alguém que foi dizer que o 2.º pelotão ia para a mata contar anedotas e o comandante ordenou ao Coutinho que ficássemos no quartel a fazer ginástica com arma, pois nem isso nos tirou a nossa disciplina, e mesmo com o comandante na janela estivemos impecáveis”.

Pois, do companheiro “Brandoa”, cujo apelido era Lourenço, era da Brandoa, agora até nos lembramos muito bem, falava “marroquino”, “apache”, “cheyenne”, “Cherokee”, “Sioux”, “Navajo” e, talvez um pouquinho de “Balanta”, oxalá esteja vivo, leia esta mensagem e também apareça por aí.

O nosso companheiro Vítor, defendendo a bandeira do seu País, sem culpa absolutamente nenhuma, que uma tal personagem, que dava pelo nome de Luís Mendes de Vasconcelos, por volta do ano de 1617, após aquelas incursões portuguesas na África Austral, invadisse a aldeia de N’Dongo, em Luanda, território de Angola, e tivesse carregado 60 cativos a bordo do navio negreiro “São João Baptista”, enviando-os para o porto de Vera Cruz, no México. Ninguém ao certo sabe se o negócio era rendoso, houve alguns séculos de história, talvez maior que a “espada de D. Afonso Henriques”, mas o companheiro Vítor, tal como nós, num daqueles anos de guerra no Ultramar, não no navio negreiro “São João Baptista”, não indo para o porto de Vera Cruz, mas sim no navio português “Vera Cruz”, indo talvez para a aldeia de N’Dongo, em Luanda, território de Angola.


Este trocadilho faz alguma confusão, mas bate quase certo, qualquer dia vamos contar a continuação da viajem do navio negreiro “São João Baptista”, mas agora falemos do companheiro Vítor, que ia fardado, equipado, mentalizado e treinado para combate, tal como nós, para defender o seu País, a sua bandeira, a tal mãe Pátria, que muitos jovens, hoje, não sabem o que isso é, passou lá dois anos, sobreviveu e regressou, seguiu a sua vida, completou os seus estudos, que a guerra interrompeu, criou a sua família e, está aí a dar notícias, passado mais de cinquenta anos.

Isto não é absolutamente maravilhoso!
É mais um dos nossos, anda por aí, procura mais companheiros do curso da Trafaria, dos Criptos do ano de 1964.

Tony Borie, Abril de 2015
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Nota do editor

Último poste da série de 12 de abril de 2015 > Guiné 63/74 - P14460: Libertando-me (Tony Borié) (12): Quatro da madrugada. Estou acordado

sábado, 23 de fevereiro de 2013

Guiné 63/74 - P11140: O que é feito de ti, camarada? (1): Jorge Canhão, Oeiras (ex-fur mil at inf da 3ª CCAÇ/BCAÇ 4612/72, Mansoa e Gadamael, 1972/74)

1. Comentário ao poste 11055, de 4 do corrente, assinado pelo editor L.G., e dirigido ao nosso camarada Jorge Canhão [, foto à direita, em junho de 19690, na LDG, a caminho de Gadamael] , e de quem não tínhamos notícias há uns largos meses.

Recorde-se que ele foi fur mil at inf da 3ª CCAÇ/BCAÇ 4612/72 (Mansoa e Gadamael, 1972/74). Vamos, entretanto, dar início a uma nova série  [, O que é feito de ti, camaradas ?], em que se procura saber de novas de camaradas que, por uma razão ou outra, têm andado arredios da nossa Tabanca Grande...

O que é feito de ti,  camarada ?...Estás em boa forma ? Tenho estado a publicar estas fotos tuas que me chegaram através do Agostinho Gaspar... São uma preciosidade. Preciso que as comentes. E já agora, que comentes também o apontamento do AGA, no seu "Diário da Guiné" (Mansoa, 19/5/1973)...

Diz-me se vocês (3ª companhia) sofreram algum ataque ou flagelação em Gadamael, entre 18 de junho e 13 de julho de 1973... Tens ideia de quando é que foi o último ataque ? A tua companhia só levava um alferes, o Rocha ? Tu comandavas o 2º pelotão ? E o Gonçalves, furriel, outro ? Em que consistiu o vosso reforço ? Saíram para o mato ?... De que altura são os principais estragos ? Qual foi a extensão dos estragos, na tabanca e no quartel ?... O que é "o pelotão do ronco" ? ...

Um alfa bravo. Tens os meus contactos (casa, gabinete e telemóvel)

2. Resposta, por mail,  do Jorge Canhão, com data de 19 do corrente:

 Camarada Luís Graça:

(i) Desculpa-me de só agora ter paciência para te responder ao mail que enviaste, mas a situação principal é uma certa calanzice.

Mas também tem a ver com a saúde, pois nos fins de Outubro, tive de ser operado, embora tudo tenha corrido bem... Estou a fazer tratamentos, ainda a meio... A recuperação está a ir de vento em popa, ou não fosse eu um canhão, que dispara...dispara....mas devagarinho.

Espero estar no almoço de 22 de junho, [da Tabanca Grande, em Monte Real,] mas só mais lá para a frente é que terei a certeza.

(ii) Sobre as outras questões,  penso que o maior ataque que sofremos foi num dia da santos populares, embora não saiba a data certa,  estou a tentar saber: foi de 4 a 5 horas, aliás já o documentei no blogue e o camarada Agostinho Gaspar também o fez.

Sobre o comando da companhia: éramos comandados pelo capitão Salgado, militar do quadro; havia vários alferes e furriéis; não sei se nessa altura era eu o comandante de 3º pelotão, porque embora tivesse alferes (o Maia), quando ele se ausentava de férias, ou tinha que  ir a Bissau, ou até substituir o comandante de companhia (pois era o mais "antigo" da companhia), era eu que o substituía (, também pro antiguidade). Esteve em Gadamael quase toda a companhia.S erá uma das coisas que no próximo encontro da companhia (em Outubro) tentarei clarificar.

Sobre o comentário do camarada Arménio Estorninho,  respeitante à  foto em que estou na LDG e em que eu digo que foi tirada  Buba, bom, limiteu-me a referir o  que me disseram. Quando a companhia saiu de Bissau a caminho de Cacine/Gadamael, a LDG fez um desvio para levar mantimentos. Mais que isto não sei

Abraços

3. Resposta  de L.G.: 

Jorge: Força para ti!... Precisas de muita coragem... E isso é meia cura. Foi o Agostinho que me alertou para a tua situação, dizendo-me que estavas a convalescer. Infelizmente vamos ter que saber viver, cada vez mais, com a(s) doença(s), e nomeadamente a(s) crónica(s)... É o preço por vivermos cada mais... Felizmente também que cada vez mais estas merdas  são curáveis... Quero-te dar um grande abraço no dia 22 de junho, se não for antes. Um beijinho para a tua Maria de Lurdes.  Já sei se inscreveram. Fico feliz por isso. É um grande sinal  de esperança, de força, de coragem e de companheirismo. Luís.

segunda-feira, 8 de outubro de 2012

Guiné 63/74 - P10499: Em bom português nos entendemos (10): Camarada, companheiro, colega, irmão, amigo, camarigo...


Guiné > Zona Leste > Setor L1 > Mansambo > CART 2339 > Abril de 1968 > Fase de construção do aquartelamento (que o PAIGC, através da rádio Conacri, chamava campo fortificado de Mansambo)...Os Alferes Milicianos Cardoso e Rodrigues apanham banhos de luar... Dois camaradas, etimologicamente falando... instalados num hotel de muitas estrelas.

Foto: © Henrique Cardoso / Carlos Marques Santos (2005). Todos os direitos reservados

1. Escreveu L.G. há tempos atrás:

(...) camaradas
(que colegas é só nas putas):
se eu morrer, que me enterrem,
numa anta do meu país megalítico.
(*)

2. Boa questão semântica e concetual: camarada, companheiro, colega, amigo, irmão, camarigo...Qual a diferença ? Há outras palavras usadas aqui, que soam mal aos ouvidos com pruridos de alguns dos nossos leitores como estórias ou camarigos...Sobre os camarigos estamos à espera de ver consagrado o neologismo pelos nossos lexicólogos: até agora o Ciberdúvidas não nos respondeu à questão da sua legitimidade... Nem sei se vai pegar o uso do camarigo... De qualquer modo, para este peditório da nossa bela e querida língua, já temos dado alguns cêntimos... Sempre com amor e humor... 

Sobre o camarada (, salvo seja!, dirão alguns), fomos consultar o Ciberdúvidas da língua portuguesa: aqui vão a pergunta e a resposta, com a devida vénia (**):

A diferença entre camarada, companheiro e colega
[Pergunta] Qual a diferença entre camarada, companheiro e colega?
Pedro Teixeira,  Empresário, Portugal
[Resposta] As palavras têm, de fa(c)to, sentidos muito próximos uns dos outros. A principal diferença está na situação em que são usadas e na carga histórica que lhes anda associada. 

Assim, «camarada», que significou «pessoa que vive no mesmo quarto (i.e. câmara) que outra», acabou por se aplicar a um «soldado da mesma companhia, regimento, divisão» (e há trinta anos usava-se muito em Portugal, como sinal de militância política). 

«Companheiro» é praticamente sinónimo de «camarada», mas tem uma história um pouco diferente: deriva de uma tradução em baixo latim (‘cum’ + ‘panis’), corrente na antiga Gália (hoje, a França), de uma expressão germânica, "gahlaiba", composta de “ga” («com») + “hlaiba” («pão») – cf. Dicionário Houaiss. Por outras palavras, «companheiro», que se referia àquele com quem se comia o pão, passou a significar simplesmente «o que faz companhia». 

Finalmente, «colega» (com o qual se relaciona «colégio») é um termo derivado do latim ‘collega’, por via culta, e designa «indivíduo que, em relação a outro, faz parte da mesma comunidade, corporação, profissão» (ver José Pedro Machado, Grande Dicionário da Língua Portuguesa), ou seja, em termos a(c)tuais, é a pessoa que trabalha na mesma a(c)tividade ou no mesmo lugar que nós.

Carlos Rocha, 19/09/2005

3. Submeti, em 26 de abril último, ao Ciberdúvidas da Língua Portuguesa,  a questão (existencial) de saber se o neologismo "camarigo" já é (ou poderá vir a ser) português de lei... É verdade é que continuo a aguardar resposta. Mas, pela demora (lá vão mais de cinco meses), já não tenho ilusões: a questão foi mesmo parar à "cesta secção"...(LG)

_______________

Notas do editor:


(**) Último poste da série > 18 de julho de 2012 > Guiné 63/74 - P10165: Em bom português nos entendemos (9): Uma declaração de amor, bem humorada, à língua portuguesa (Teolinda Gersão + netos)

quarta-feira, 21 de março de 2012

Guiné 63/74 - P9632: Blogpoesia (184): O tuteio ou o tratamento por tu, entre os camaradas da Guiné... (No Dia Mundial da Poesia... e da Água) (Luís Graça)



Para os/as amigos/as, camaradas e camarigos/as da Guiné…

Com humor,
amor,
amizade,
camaradagem,
cumplicidade...
em mais um 
Dia Mundial da Poesia,
criado pela XXX Conferência Geral da UNESCO
em 16 de Novembro de 1999,
com o propósito de promover
a leitura, escrita, a publicação e ensino da poesia através do mundo.
Também Dia Mundial da Água.

Escrevam poesia,
leiam poesia,
soltem o vosso poeta envergonhado,ou até encarcerado!
Ah!, não é preciso dizer-vos para poupar a água! (... Nós, camaradas da Guiné, sabemos dar valor a ela!)

LG



Tuteio ou tratamento por tu


por Luís Graça


Fiquei com pena da fräulein Tina Kramer
antropóloga, 
hoje nossa tabanqueira,
a quem, chegada da austera e luterana Germânia,
lhe impuseram o tratamento por tu,
como se fora uma praxe de gangue:
depois desta receção da Tabanca Grande,
ela deve ter ficado confusa,
quiçá perturbada
e até intimidada,
ao pensar que os camaradas da Guiné
são todos uma cambada de velhos malucos
a quem saltou a caixa dos pirolitos...
"Portugueses, pocos, pero locos"
(diria ela se fosse uma altiva castelhana,
daquelas que vinham casar com príncípes portugueses,
na mira de acertar em cheio no jocker)...

Eu próprio detestava a palavra fräulein,
nunca tratei nenhuma colega ou amiga alemã por fräulein...
Posso a estar a ser injusto,
mas tem, para mim, uma conotação pejorativa,
prussiana,
militarista...
Como teria se eu tratasse por menina Tina Kramer,
como nos bons velhos tempos do Portugal dos nossos pais e avós
Ao menos, tratemo-la, não por miss,
(cheira-me a babydoll)
mas por bajuda,
que é mais doce, mais crioulo, mais tropical…


Zé Belo, lusolapão,
tuga da diáspora
na terra onde o cidadão trata o cidadão por tu,
não foi preciso fazermos uma revolução
à moda dos sovietes de Petrogrado,
nem do Grande Irmão Urso sueco,
nem dos Camaradas (salvo seja!) do PAIGC,
do MPLA
ou da FRELIMO...
(Lembram-se das milhares de anedotas
que se contavam do camarada, salvo seja!, Machel
e da sua mania de reeducar e recuperar o diabo branco colonialista
com o trabalho manual na machamba?!)...

Com o 25 de Abril,
a distância social e afetiva,
a começar na família, entre pais e filhos,
foi encurtada,
e o tratamento por tu impôs-se sem ser por decreto...
Com tanta naturalidade (ou só aparente ?)
que a gente nem sequer se questiona hoje
sobre o como e o porquê...
(Alguns questionam-se, e têm toda a liberdade para o fazer).
Em contrapartida, foi retomado
(ou nem sequer foi interrompido)
o tratamento, tradicional,
aparentemente mais distante e formal,
de você,
de pais para filhos,
de esposa para esposo,
em certas famílias,
em certos meios sociais
(que eu não vou adjectivar,
porque não gosto de adjetivar os outros,
e faço um esforço por respeitar todas as diferenças).
O tecido social é isso mesmo,
é um pano, de linho, de algodão, de serapilheira ou de seda,
que se puxa conforme o frio, as pernas e as mãos,
as chagas, as misérias e as grandezas…


Os nossos filhos, pelo menos os meus, tratam-nos por tu,
mas eu trato os meus pais à moda antiga...
Há algum mal nisso ?
São apenas mudanças de paradigma
na convivialidade sociofamiliar,
diria o sociólogo de serviço, que já não há,
descartado pela mãe de todas as crises... 
Eu, o Hélder, o Nelson,
fomos capazes de tratar os nossos velhos,
o Luís Henriques,
o Ângelo Ferreira de Sousa,
o Armando Lopes,
veteranos da II Guerra Mundial,
expedicionários em Cabo Verde,
com a ternura da expressão
“Meu pai, meu velho, meu camarada”

Liberdades ou libertinagens bloguísticas,
dirão os críticos…
Daqui a uns anos
(espero bem que não, cruzes canhoto!...)
voltaremos a tratar-nos
com distância e reverência,
quiçá por Vossa Senhoria.
meu fidalgo, meu amo,
como no tempo da(s) outra(s) senhora(s)…
Eu sei que o tratamento por tu,
republicano,
económico,
frugal, com duas letrinhas apenas,
o tratamento à romana na Tabanca Grande,
nem sempre é fácil nem natural,
para mais num país,
ainda muito estratificado,
em que se continua a usar e a abusar dos títulos,
nomeadamente no Estado, nas empresas e demais organizações
onde o trabalho é pouco e a distância grande,
tão grande como a rede clientelar:
senhor presidente, senhor doutor, senhor engenheiro...

Nunca foi nem o é ainda hoje:
tive a prova disso, há uns anos,
numa das memoráveis quartas feiras
do almoço semanal da Tabanca Pequena,
quando cumprimentei um a um a meia centena de convivas
da Tabanca de Matosinhos...
Boa parte, já meus velhos amigos...
mas ainda havia gente que se retraía,
invocando a educação que tiveram,
o desconhecimento do outro,
«a falta de intimidade e de convívio,
a distância física
(sempre são 300 km entre Lisboa,
a capital do reino,
onde o Paço tem Terreiro,
e o Porto, a capital do trabalho,
onde o povo tem o São João e o alho porro)...


Quando impus (passe o termo...)
o tratamento por tu no blogue,
entre camaradas da Guiné,
quis deliberadamente fazer o curto circuito
entre as distâncias militares, hierárquicas, do passado
e as eventuais distâncias sociais e profissionais, do presente...
Hoje considero uma honra poder ser tratado por tu
por um camarada da Guiné,
independentemente do antigo posto,
da idade,
da naturalidade,
da nacionalidade
e da atual posição na sociedade portuguesa...
E vice versa:
considero um privilégio poder tratar por tu
um homem ou uma mulher
que aceitam os valores e as regras do jogo do nosso blogue...

Há sobretudo uma cumplicidade (saudável) entre nós,
que não seria possível se
aqui, no blogue
e nos convívios da Tabanca Grande,
e das demais tabancas que entretanto foram crescendo
como cogumelos em floresta de carvalhos e de castanheiros,
se a gente continuasse a tratar-se como na tropa,
na escola,
no parlamento:
Dá-me licença, vossa senhoria, meu capitão ?
Como vai, senhor Doutor ?
Vossa Excelência, senhor engenheiro,
permite-me que eu discorde da sua douta opinião ?
O meu furriel é que sabe,
mas o vague-mestre é que dormia com a mulher… do Baldé
quando o Baldé ia para a Ponte do Rio Udunduma...
E, você, nosso instruendo, sua besta quadrada,
não sabe que a Pátria é hermafrodita,
é pai e mãe ?
Mais do que isso, é Pátria, é Mátria, é Frátia|

Para que o tu continue a escrever-se com duas letrinhas apenas,
o tu de tuga,
portuga,
camarada,
amigo,
irmão,
cidadão…
O tu do abraço, do alfa bravo, do quebra-costelas,
o tu de Tango Uniform,
e não se torne o tu
de intumescência,
da tumefacção,
da turbulência…
nestes dias de Charlie Romeo India Sierra Echo,
da CRISE que continua dentro de momentos...

Luís Graça

___________

Nota do editor:

Último poste da série > 19 de março de 2012 > Guiné 63/74 - P9627: Blogpoesia (183): Homenagem ao Homem, no Dia do Pai (Felismina Costa)

quarta-feira, 7 de dezembro de 2011

Guiné 63/74 - P9148: O meu Natal no mato (33): Um conto natalício (Juvenal Amado)

1. Mensagem do nosso camarada Juvenal Amado*, ex-1.º Cabo Condutor da CCS/BCAÇ 3872, Galomaro, 1971/74), com data de 4 de Dezembro de 2011:

Carlos, Luís e restante camaradas da Tabanca Grande
No Natal é difícil deixar de pensar nos que passámos lá e nos amigos que fizemos para o resto das nossas vidas durante o tempo de tropa.
Nesses dias a troca de telefonemas e emails substituíram os cartões de Boas Festas, que se tinha o cuidado de enviar com antecedência pois os correios atrasavam por estas alturas com o excesso de correspondência.
É assim o progresso.


NATAL DIFERENTE OU UM CONTO DE NATAL

Na Lareira o lume crepita.
As labaredas dançam, transmitem calor, na pequena sala a minha filha brinca. Faz arremetidas contra a árvore de Natal onde as bolas, fios brilhante que ela já conseguiu enredar nos caracóis louros, são uma atracção para os seus olhos azuis e para as suas mãozitas.
Ela tinha sido o nosso menino Jesus no ano passado ao nascer em Dezembro. Agora com um ano e uns dias, é o nosso principal motivo de atenção. Também o foi nas compras e nas prendas, que ela já por diversas vezes tentou desfazer os respectivos embrulhos. Só de manhã irá ao sapatinho como é tradição na minha família.

Na cozinha a minha mulher ultima os acepipes próprios da data. A calma que se vive dentro de casa vive-se no exterior, pois toda a gente está recolhida e à pequena povoação ainda não tinham chegado os barulhos do progresso.
As noites são silenciosas, não há carros nem motorizadas, ouve-se por vezes um cão latir para saber se não está sozinho e logo outros lhe respondem. Depois volta o silêncio debaixo de um céu estrelado e frio ampliado pela escuridão que nos cerca.

A casa dos meus pais na vila de Alcobaça às Porta de Fora (1) era junto a uma das entradas da povoação, por onde havia um trânsito permanente de camionetas de carga, que após a recta reduziam de velocidade pela aproximação da curva, que havia após a habitação. Era pois um lugar bastante ruidoso.
Tive pois alguma dificuldade em me adaptar a este silêncio, mas ainda recordo os amanheceres quando se ouvia o lento chiar das rodas dos carros puxados por mansas vacas, que começam a suas fainas nos campos.

Anda Moreeena anda Mouriiisca - os nomes ditos de forma arrastada, era mais uma conversa do homem com os animais do que uma ordem. A luz do amanhecer começava a clarear e recortava no horizonte a serra dos Candeeiros, os pássaros matinais emprestam uma alegria ao nascer do dia e tudo isto era revigorante para quem se levantava para ir trabalhar.

Amanheceres gloriosos.

Mas voltando à noite de Natal, finalmente sentados à mesa comemos o bacalhau com couves. Os olhos já cobiçam as filhoses, as fatias douradas, o bolo-rei e também uma garrafa de um vinho especial que foi guardado para a ocasião.

O telefone toca e é o Caramba e a Rosa, o Ivo mais a Ângela, o Passos mais a Lena, o Silva e Glória, enfim alguns dos meus ex-camaradas de Galomaro e esposas. Trocamos votos de Boas Festas e muita Paz. Que bom seria tê-los ali, mas mesmo assim noite ficou mais rica.

Secretamente lembro os que perdi de vista e os que não regressaram.

Sete anos depois o passado volta, lembro os três Natais que passei na Guiné e dos camaradas que seria difícil enumerar, com os quais reparti uma garrafa de vinho do Porto depois também termos comido à vez o tradicional bacalhau, batatas e couves. Nunca esqueceremos esses Natais.

Ponho mais um cepo de oliveira no lume, a lareira ganha vida, pego na minha menino Jesus que está a cair de sono, depois de muito se ter revoltado contra ele e levou-a para o quarto.

Fico mais a minha mulher a saborear aquele momento mais um pouco, a seguir pomos os sapatos com as prendas simples junto à árvore, com que contamos surpreender um ao outro e já antevendo a alegria da nossa filha quando de manhã ali chegar, vamo-nos deitar finalmente.

Bom Natal a todos os camaradas e suas famílias.
Juvenal Amado

(1) - A Av. Bernardino Lopes de Oliveira era popularmente conhecida pelas Portas de Fora. Quem vinha das Caldas da Rainha entrava forçosamente em Alcobaça por essa rua.

TCoronel Castro e Lemos, Lopes, Estufa, Sacristão e Alf Mil Veigas

Médico, Narciso, Alf Mil Farinha, Sardeira, Catroga, Correia e André


2. Comentário de CV:

Uma das protagonistas deste Poste, a filha do nosso camarada Juvenal Amado, a Vanessa, faz hoje anos. Para a Vanessa e seus pais, os editores e a tertúlia desejam o melhor da vida.
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Notas de CV:

(*) Vd. poste de 5 de Outubro de 2011 > Guiné 63/74 - P8857: Estórias do Juvenal Amado (39): O meu Avô Juvenal, o Benjamim e Eu

Vd. último poste da série de 6 de Dezembro de 2011 > Guiné 63/74 - P9146: O meu Natal no mato (32): Uma Consoada diferente (José Carlos Gabriel)

terça-feira, 6 de dezembro de 2011

Guiné 63/74 - P9141: (De)Caras (10): Os camaradas do PAIGC não são nossos camaradas... mas podemos ou não falar aqui deles ? (Parte I) (Amilcar Mendes / Virgínio Briote)


Serra da Carregueira > Centro de Tropas Comandos > 29 Junho de 2011 > Eu e alguns camaradas Comandos Africanos que, passados 40 anos, continuam a amar a bandeira sob a qual combateram e e que mostram um orgulho desmedido em serem Portugueses, e com milhares de histórias de vida para figurar no nosso blogue. Dos nomes, não me lembro de dois, quando souber de todos mando a sua identificação. Amilcar Mendes. Saudações, amigo Luís,  e muito contente fiquei com o teu contacto. Abraço do Amilcar".

Foto: © Amílcar Mendes (2011). Todos os direitos reservados.

1.  Mensagem do nosso camarada Amílcar Mendes (ex-1.º Cabo Comando da 38.ª Companhia de Comandos, Brá, 1972/74; e hoje taxista na praça de Lsiboa):

Data: 31 de Outubro de 2011 18:17
Assunto: Comandante BOBO KEITA

Amigo Luis Graça , estimados co-editores do blog e todos os camaradas ex-combatentes da Guiné:

Com pedido de publicação gostaria de tecer algumas considerações sobre um assunto que já me começa a incomodar e, sinceramente, sem querer puxar ninguém para esta conversa permito-me [dizer] o seguinte:

Durante quase 10 anos todos os dia ouvia o Código Comando  e uma das partes que retenho era o seguinte: Mas respeita os estóicos e abnegados que servem sem preocupação de paga ou satisfação de interesses de qualquer natureza.

 Neste contexto respeito todos os que lutam ou lutaram na defesa de algo em que acreditaram ou julgaram ser o mais certo e aqui englobo todos os que passaram pelos campos de batalha e,  claro,  os antigos combatentes do PAIGC. 

Presto-lhes a minha homenagem enquanto combatentes e respeito-os como seres humanos mas daí a ter que enaltecer o seu papel na Guerra Colonial da ex-Guiné Portuguesa ?!... Escalpelizar o seu desempenho, modo de atuação e armamento que usavam para nos combater, etc.,  acho eu,  evidentemente, que é protagonismo a mais nas páginas deste blogue! 

Acho mesmo, amigo Luís ! Enquanto me lembrar das atrocidades cometidas - e sei do que falo, amigo Luís -,sobre camaradas meus e de todos nós, em particular os que combateram ao meu lado, os Comandos Africanos mas Portugueses, torturados, mutilados, assassinados a sangue frio em [carreiras]  de tiro porque, segundo o PAIGC,  os Comandos Africanos  eram, e cito, "cachorros de duas pernas"! 

Amigo Luís, o comandante Bobo Keita até será uma excelente pessoa mas para ser enaltecido nos blogues do PAIGC! Este é o blogue dos combatentes portugueses da ex-Guiné Portuguesa e é nessa qualidade que aqui estou. E é sobre nós e sermos nós a preenchê-lo é que me agradaria.  

De outro modo peço humildemende,  a partir de agora,  a minha exclusão deste blogue. As notícias somos nós e o que lá fizemos,  bem ou mal,  mas é o nosso bocadinho. Se se quer escrever sobre os Africanos que lutaram à sombra da bandeira portuguesa na Guiné, vamos até ao largo do Rossio em Lisboa e aí,  sim,  temos material para preencher páginas e páginas de blogue .(À consideração do Dr. Beja Santos). 

Para mim,  Bobo Keita aqui no blogue chega!  

Abraços para todos os bloguista e em especial ao meus camaradas comandos, naturais da Guiné, que tão mal estão a passar.  

Amílcar Mendes,  1º cabo comando da 38ª Companhia de Comandos na ex-Guiné Portuguesa em 72-74 com oito baixas mortais e cerca de 40 feridos em combate com as forças do PAIGC.






Lisboa > Belém > Forte do Bom Sucesso > 10 de Junho de 2009 > "Dois homens dos comandos que ainda hoje vivem, à sua maneira, a mística dos comandos: o Virgínio Briote, nosso co-editor, dos velhos comandos de Brá (1965/67) e o Amílcar Mendes, da 38ª CCmds (1972/74)... Tive o grato prazer de lhe dar, a este útimo, o Alfa Bravo (abraço) que nos faltava... Conhecíamo-nos apenas do blogue, dos mails, do telefone" (LG)...


Foto: © Luís Graça (2009). Todos os direitos reservados


2. Comentário,  com data de 2 de Novembro, do nosso co-editor Virgínio Briote (que, por razões de saúde, já não pode estar tão ativo como ele e nós gostaríamos, nas nossas lides bloguísticas, mas que continua a ser uma voz respeitada na nossa Tabanca Grande):

O blogue está aberto à participação de todos o ex-combatentes. Mais que uma vez, alguns camaradas, nestas páginas, lamentaram a não participação dos ex-IN. E que eu saiba, o blogue não se destina a fazer a história dos acontecimentos vistos apenas por um dos lados, pelo menos tal não aparece como premissa. Assim, vejo com muito interesse que o blogue esteja aberto a todos os ex-combatentes, qualquer que tenha sido o lado de onde dispararam. Só assim pode vir a ter algum interesse histórico e, contribuir, inclusivamente, para um bom entendimentos dos [nossos dois] povos irmãos.



A guerra acabou em Abril de 1974, passaram já 37 anos. Houve acontecimentos muito dolorosos, excessivos, mas inevitáveis numa guerra que atingiu, em muitas alturas, violência extrema. Esses casos ocorreram, a grande maioria dos camaradas ouviu falar deles e alguns de nós até testemunhámos alguns. Protagonistas? De ambos os lados, naturalmente.



Sempre julguei que para a grande maioria dos combatentes, de um lado e do outro, a causa por que lutam é justa e todos têm o direito de a contarem com os olhos como a viram.



Tudo isto, caro Luís, para te dizer que não só dou as boas-vindas ao livro que acaba de ser publicado (que ainda não o tenho) como não vejo qualquer inconveniente que alguns dos textos sejam publicados no blogue do Luís Graça e Camaradas da Guiné.



Não vou dar seguimento escrito a qualquer opinião contrária à minha. Aceito-a simplesmente. Por isso fica ao teu critério: publicitar esta opinião ou guarda-la para ti.  Espero que já andes, sem dores, pelo teu pé. E que brevemente participes numa meia-maratona...



Um abraço do Briote
___________________

Nota do editor:


quarta-feira, 1 de setembro de 2010

Guiné 63/74 - P6917: (Ex)citações (96): Camarada...não é bem irmão, não é bem amigo, não é bem companheiro, não é bem cúmplice, é uma mistura disto tudo com raiva e esperança e desespero e medo e alegria e revolta e coragem e indignação e espanto, é uma mistura disto tudo com lágrimas escondidas (António Lobo Antunes, escritor, 68 anos)

1. Já foi pensamento do dia... há três anos atrás. Foi extraído da crónica do António Lobo Antunes na revista Visão (4 de Outubro de 2007)... Na altura, a frase mereceu apenas um comentário dos nossos leitores... O nosso camarada Henrique Matos escreveu: "A definição [de camarada] merece mesmo honras de primeira página"... 

O escritor faz hoje 68 anos e já deu por encerrada a polémica, com ex-combatentes da guerra colonial, em que o seu nome esteve envolvido. O teor carta que enviou ao presidente da Liga dos Combatentes está disponível no seu blogue oficioso (mantido por um fiel leitor, José Alexandre Ramos): Vd. poste de 27 de Agosto de 2010 >  Não se desce vivo de uma cruz.

Quanto à frase do escritor que voltamos a destacar hoje (e que contrasta com as infelizes declarações do ex-combatente em Angola, alferes miliciano médico, que causaram perplexidade e indignação em muitos de nós, leitores ou não da sua obra), é a seguinte:

6 de Outubro de 2007 > Guiné 63/74 - P2161: Pensamento do dia (12): Camarada, uma palavra que só quem esteve na guerra entende por inteiro (António Lobo Antunes)

(...) "Não morreste na cama mas morreste entre lençóis de metal horrivelmente amachucados na auto-estrada de Cascais para Lisboa e a gente ali, diante do teu caixão, tão tristes. Eras meu camarada, que é uma palavra da qual só quem esteve na guerra compreende inteiramente o sentido: não é bem irmão, não é bem amigo, não é bem companheiro, não é bem cúmplice, é uma mistura disto tudo com raiva e esperança e desespero e medo e alegria e revolta e coragem e indignação e espanto, é uma mistura disto tudo com lágrimas escondidas" (...).

Foto: Arlindo T. Roda (2010). Todos os direitos reservados