Guiné-Bissau > Bissau > Março de 2019 > As alegrias e as tristezas do futebol...
Fotos (e legendas): © Luís Oliveira (2019) . Todos os direitos reservados. (Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné).
1. Sétima crónica do Luís Mourato Oliveira, nosso grã-tabanqueiro nº 730, que foi alf mil inf, de rendição individual, na açoriana CCAÇ 4740 (Cufar, 1973, até agosto) e, no resto da comissão, o último comandante do Pel Caç Nat 52 (Setor L1 , Bambadinca, Mato Cão e Missirá, 1973/74): é lisboeta,fezo Liceu Pedro Nunes, é bancário reformado, foi praticante e treinador de andebol, tem fortes ligações à minha terra natal, onde agora vivo, Lourinhã, Oeste, Estremadura...
Chegou a Bissau, a 2 de março de 2019, e aqui vai estar 3 meses como voluntário na Escola Privada Humberto Braima Sambu, no âmbito de um projeto da associação sem fins lucrativos ParaOnde, que promove o voluntariado em Portugal e no resto do Mundo.
Data - 21/03/2019, 12:57
Olá Luís
Mais uma crónica do futebol que partilhei contigo na Google Drive.
As fotos que seguiram sem qualquer legenda representam o naming do estádio Bom Fim, a mulher festejando o golo feminino e a baliza do estádio.
O Salinas também está representado tal como a programação.
Grande abraço,
Luís Oliveira
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Voluntário em Bissau, na Escola Privada Humberto Braima Sambu - Crónicas de Luís Oliveira (7): Guiné-Bissau e o Futebol...e não só
Não sendo o desporto da minha preferência, uma das coisas que iria abdicar quando decidi vir em missão de voluntariado seriam as visitas futeboleiras ao Estádio de Alvalade para ver o meu Sporting.
Como será na Guiné? Num café à semelhança de Lisboa, porque com tantos aficionados do futebol, os guineenses de certeza que acompanham as diversas ligas da Europa, mas aqui não há os tais cafés ou tascas que proliferam em Portugal e em certas alturas tanto jeito dão.
“Salon” I
Jogo morno de pouca qualidade que finalmente chegou ao intervalo empatado. Em substituição da bica ou do gelado em Alvalade, o Abubakar brindou-nos com laranjas descascadas que uma mulher grande vendia à porta do “salon”.
Final do Jogo, 2-1 para o Sporting com pontapé de penalty polémico contestado por uns justificado por outros e semelhança do que acontece no estádio todos comentámos o jogo e as suas contingências. Não faltaram as críticas ao árbitro, ao posicionamento e empenho dos jogadores, às opções do mister Kaiser… Éramos todos treinadores de “salon” .
“Salon” 2
Dia de jogo da Champions que parecia estar a entusiasmar os guineenses e eu não percebia bem porquê, jogavam a Juventus versus Atlético de Madrid.
Confesso que em Espanha a equipa que mais admiro é o Atlético de Madrid, para além de ser o clube do povo republicano e inicialmente achincalhada pela elite aristocrática madrilena pelo seu equipamento às riscas se assemelhar ao colchões da época (colchoneros), rendo-me à garra, à ausência de galácticos e à personalidade combativa inspirada por Diego Simeone. Mas sendo o adversário a Juventus, agora a reboque do nosso Ronaldo, a minha escolha está feita porque nisto de futebol é impossível não tomar partido.
Os nossos companheiros atrasam-se, ou até já teriam partido sem nos chamar, mas um telefonema da Maia fez com que rapidamente nos viessem buscar e encaminharam-nos para outro “salon”.
Dia de grandes jogos dois mega LCD (um para transmissão do Manchester City) mas o seu interior não diferia do primeiro onde estive, só que em dia de Champions e com Ronaldo a jogar, a coisa pia mais fino e a entrada aumentou para duzentos e cinquenta Francos.
O Salão estava a abarrotar já não havia lugares sentados e o “peão” era em qualquer lugar desde que houvesse uma nesga para espreitar o jogo. Ronaldo, muito mais do que acontece em Portugal, era o único responsável por toda aquela agitação que nos contagiava e elevava o nosso entusiasmo a níveis que nem todos as claques juntas de Portugal teriam capacidade.
A temperatura ultrapassava em muito os quarenta graus, transpirávamos por todos os poros e toda a gente cabeceava a bolas imaginárias tentando assim empurrar mais alto o Cristiano para que conseguisse por a “teimosa” dentro da baliza mas infelizmente o primeiro golo não valeu!
Ao intervalo toda a gente veio para a rua onde os trinta graus da altura sabiam a frescura. Todos os espectadores receberam um bilhete de prova de pagamento para voltar a entrar, sendo nós (os voluntários) dispensados deste formalidade de segurança, não pelo facto de sermos voluntários, mas facilmente identificados por sermos os únicos brancos no “sálon”.
No grupo que se abeirou de nós para a conversa havia um adepto de Ronaldo especialmente entusiasmado que lamentava a ausência de jogo interior pela Juventus, fazia falta um dez como Modric, mas mesmo sem um dez Ronaldo é o maior e se ele fosse para Angola, jurava que passaria a ser angolano.
Concluí que Ronaldo é o nosso maior embaixador e devemos-lhe respeito e gratidão e encontrei naquele “salon” a verdadeira alegria do futebol que talvez apenas aqui tenha direito ao titulo de Desporto Rei.
Só assisti ao jogo até que a equipa da mulher marcou golo. GÓL!, GÓL! GÓL! Fiquei para assistir à festa do golo e após esta pequena vitória afastei-me para guardar a alegria com que elas me contagiaram. Para mim este resultado foi o final.
O jogo vai prolongar-se muito para além dos noventa minutos, talvez anos mas o desporto, neste caso o futebol, é um dos veículos de integração e que pode contribuir na via para a igualdade de género em todas as áreas da sociedade.
P.S. - O Sociólogo guineense Miguel Barros, investigador da ONG Guineense Tiniguena venceu o Prémio Humanitário Pan Africano em pesquisa de grande impacto social, neste refere a importância da mulher guineense na economia da família e do próprio País.
-30% das mulheres menores de idade escolar não frequentam o ensino.
-São as mulheres que trabalham no campo e quase tudo o que se consome na Guiné Bissau é produzido por elas. Trabalham em terras emprestadas ou concessionadas temporariamente.
-Não têm acesso à propriedade, a própria lei do Estado não permite e mesmo no casamento quando a família oferece um dote, este ficará para sempre na posse do marido e na morte deste e na ausência de filhos a propriedade é herdada pelo irmão do falecido.(#)
Se as mulheres guineenses parassem, mais de metade da população morreria de fome.
(#) A religião muçulmana tem regras próprias que permitem à viúva a posse da propriedade, tratando-se de um dote, mas são frequentemente desrespeitadas.
Nota do editor:
(*) Último poste da série > 19 de março de 2019 > Guiné 61/74 - P19601: Voluntário em Bissau, na Escola Privada Humberto Braima Sambu - Crónicas de Luís Oliveira (6): o contentor do Abubacar
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Voluntário em Bissau, na Escola Privada Humberto Braima Sambu - Crónicas de Luís Oliveira (7): Guiné-Bissau e o Futebol...e não só
Não sendo o desporto da minha preferência, uma das coisas que iria abdicar quando decidi vir em missão de voluntariado seriam as visitas futeboleiras ao Estádio de Alvalade para ver o meu Sporting.
Mais que o jogo, vale o convívio com amigos de longa data, as imperiais sempre frescas e a expectativa de uma grande exibição o que infelizmente para nós, sportinguistas, há muito tempo vai faltando.
Como será na Guiné? Num café à semelhança de Lisboa, porque com tantos aficionados do futebol, os guineenses de certeza que acompanham as diversas ligas da Europa, mas aqui não há os tais cafés ou tascas que proliferam em Portugal e em certas alturas tanto jeito dão.
Perguntei ao Abubacar onde se podia ver futebol, pois o Sporting defrontava o Boavista e era uma boa forma de passar o serão melhor ainda se o meu clube sacasse os três pontitos que tanta falta estão a fazer.
Convidou-me imediatamente para o acompanhar ao “salon” porque também ele, sportinguista, não perdia o jogo por nada. Combinámos o encontro à porta do contentor e quinze minutos antes do jogo, à hora marcada o Abubacar apresentou-se tal como eu e sem prévia combinação com a lindíssima camisola de riscas verdes que é a cor da esperança.
” Para o ano é que é !”.
Convidou-me imediatamente para o acompanhar ao “salon” porque também ele, sportinguista, não perdia o jogo por nada. Combinámos o encontro à porta do contentor e quinze minutos antes do jogo, à hora marcada o Abubacar apresentou-se tal como eu e sem prévia combinação com a lindíssima camisola de riscas verdes que é a cor da esperança.
” Para o ano é que é !”.
“Salon” I
O “salon” é apenas um armazém com cerca de cento e cinquenta metros quadrados. Cem Francos CFA para entrar e lá dentro uns bancos corridos, um mega LCD na parede e umas engenhocas estranhas onde estava incluída uma ventoinha apontada às box não fosse o jogo aquecer e aquilo dar para o torto.
Lá começou o jogo e logo no início da transmissão uma primeira paragem. Não se deveu por excesso de velocidade dos jogadores do Sporting, porque após a acção bem direcionada da ventoinha e das manobras mágicas do técnico, acompanhadas de pancadinhas na box, quando voltamos a ter imagem o Sporting já perdia por 1-0.
Como em todas as tascas em Portugal, um dos espectadores, certamente já precavido com as interrupções que aqui não são da responsabilidade do VAR, de banana no ouvido não perdia uma! Até deu com antecedência a noticia do invisível para nós golo Boavisteiro.
Como em todas as tascas em Portugal, um dos espectadores, certamente já precavido com as interrupções que aqui não são da responsabilidade do VAR, de banana no ouvido não perdia uma! Até deu com antecedência a noticia do invisível para nós golo Boavisteiro.
Jogo morno de pouca qualidade que finalmente chegou ao intervalo empatado. Em substituição da bica ou do gelado em Alvalade, o Abubakar brindou-nos com laranjas descascadas que uma mulher grande vendia à porta do “salon”.
Final do Jogo, 2-1 para o Sporting com pontapé de penalty polémico contestado por uns justificado por outros e semelhança do que acontece no estádio todos comentámos o jogo e as suas contingências. Não faltaram as críticas ao árbitro, ao posicionamento e empenho dos jogadores, às opções do mister Kaiser… Éramos todos treinadores de “salon” .
“Salon” 2
Dia de jogo da Champions que parecia estar a entusiasmar os guineenses e eu não percebia bem porquê, jogavam a Juventus versus Atlético de Madrid.
Confesso que em Espanha a equipa que mais admiro é o Atlético de Madrid, para além de ser o clube do povo republicano e inicialmente achincalhada pela elite aristocrática madrilena pelo seu equipamento às riscas se assemelhar ao colchões da época (colchoneros), rendo-me à garra, à ausência de galácticos e à personalidade combativa inspirada por Diego Simeone. Mas sendo o adversário a Juventus, agora a reboque do nosso Ronaldo, a minha escolha está feita porque nisto de futebol é impossível não tomar partido.
A Silvia e Nôno são aficionadas do futebol, a Silvia, filha de um brilhante futebolista, Pedro Barny, que jogou no Boavista e no meu Sporting na posição de central e chegou à Selecção Nacional de Portugal, também quiseram assistir ao jogo mas desta vez fomos acompanhados pelos nossos vizinhos do lado, familiares da Maia, proprietária da casa dos voluntários.
Os nossos companheiros atrasam-se, ou até já teriam partido sem nos chamar, mas um telefonema da Maia fez com que rapidamente nos viessem buscar e encaminharam-nos para outro “salon”.
Dia de grandes jogos dois mega LCD (um para transmissão do Manchester City) mas o seu interior não diferia do primeiro onde estive, só que em dia de Champions e com Ronaldo a jogar, a coisa pia mais fino e a entrada aumentou para duzentos e cinquenta Francos.
O Salão estava a abarrotar já não havia lugares sentados e o “peão” era em qualquer lugar desde que houvesse uma nesga para espreitar o jogo. Ronaldo, muito mais do que acontece em Portugal, era o único responsável por toda aquela agitação que nos contagiava e elevava o nosso entusiasmo a níveis que nem todos as claques juntas de Portugal teriam capacidade.
A temperatura ultrapassava em muito os quarenta graus, transpirávamos por todos os poros e toda a gente cabeceava a bolas imaginárias tentando assim empurrar mais alto o Cristiano para que conseguisse por a “teimosa” dentro da baliza mas infelizmente o primeiro golo não valeu!
À segunda foi de vez ...Gól!, Gól! Gól! Duzentas gargantas a gritar talvez quatrocentas pernas aos saltos, uma festa. Um ruído ensurdecedor.
Ao intervalo toda a gente veio para a rua onde os trinta graus da altura sabiam a frescura. Todos os espectadores receberam um bilhete de prova de pagamento para voltar a entrar, sendo nós (os voluntários) dispensados deste formalidade de segurança, não pelo facto de sermos voluntários, mas facilmente identificados por sermos os únicos brancos no “sálon”.
No grupo que se abeirou de nós para a conversa havia um adepto de Ronaldo especialmente entusiasmado que lamentava a ausência de jogo interior pela Juventus, fazia falta um dez como Modric, mas mesmo sem um dez Ronaldo é o maior e se ele fosse para Angola, jurava que passaria a ser angolano.
Lá recomeçou a partida e toda a gente sem ponta de cansaço. Incentivos permanentes e graças a eles, Gól! Gól!, Gól!. Ronaldo tinha marcado o segundo e passei a ver apenas metade do ecrã porque o movimento daquela massa humana já não me permitia ver mais. Dois golos eram insuficientes e eu já pedia a todos os santinhos que o Cristiano marcasse mais um porque não ia aguentar o prolongamento e devo ter sido ouvido porque mesmo no final do encontro uma falta para pontapé de penalty a favor da Juventus.
Ronaldo avança para o local da marcação. Vai ser mais um hat trick, afiancei às voluntárias e a bola entrou mesmo! Loucura total, apesar da falta de espaço toda a gente aos saltos, cânticos de aves que nunca tinha ouvido, uma alegria enorme, contagiante e pacifica que não me recordo de alguma vez ter vivido num estádio.
Concluí que Ronaldo é o nosso maior embaixador e devemos-lhe respeito e gratidão e encontrei naquele “salon” a verdadeira alegria do futebol que talvez apenas aqui tenha direito ao titulo de Desporto Rei.
“Katem salon” (Não há salão)
No dia da mulher, também celebrado na Guiné-Bissau, no Bairro Militar zona de Santa Clara, as mulheres resolveram mostrar su valor e desafiaram os homens para um jogo de futebol. O prélio não se disputou no Estádio Bom Fim, mas junto às tabancas onde moram e num terreiro que apesar dos buracos e outras irregularidades oferece espaço para a diversão e, a partir das quatro, quando o calor perda a força avançou a força da Mulher.
Duas pedras a fazer a marcação das balizas, equipamento ká tem e o que distingue os jogadores é o género e aqui não há supremacia, elas lutam com garra de igual para igual ignorando as normas sociais e a própria regulamentação do Estado que as condiciona e humilha.
Só assisti ao jogo até que a equipa da mulher marcou golo. GÓL!, GÓL! GÓL! Fiquei para assistir à festa do golo e após esta pequena vitória afastei-me para guardar a alegria com que elas me contagiaram. Para mim este resultado foi o final.
O jogo vai prolongar-se muito para além dos noventa minutos, talvez anos mas o desporto, neste caso o futebol, é um dos veículos de integração e que pode contribuir na via para a igualdade de género em todas as áreas da sociedade.
P.S. - O Sociólogo guineense Miguel Barros, investigador da ONG Guineense Tiniguena venceu o Prémio Humanitário Pan Africano em pesquisa de grande impacto social, neste refere a importância da mulher guineense na economia da família e do próprio País.
Alguns dados:
-30% das mulheres menores de idade escolar não frequentam o ensino.
-São as mulheres que trabalham no campo e quase tudo o que se consome na Guiné Bissau é produzido por elas. Trabalham em terras emprestadas ou concessionadas temporariamente.
-Não têm acesso à propriedade, a própria lei do Estado não permite e mesmo no casamento quando a família oferece um dote, este ficará para sempre na posse do marido e na morte deste e na ausência de filhos a propriedade é herdada pelo irmão do falecido.(#)
Se as mulheres guineenses parassem, mais de metade da população morreria de fome.
(#) A religião muçulmana tem regras próprias que permitem à viúva a posse da propriedade, tratando-se de um dote, mas são frequentemente desrespeitadas.
Bissau, 21/3/2019
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Nota do editor:
(*) Último poste da série > 19 de março de 2019 > Guiné 61/74 - P19601: Voluntário em Bissau, na Escola Privada Humberto Braima Sambu - Crónicas de Luís Oliveira (6): o contentor do Abubacar