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sábado, 29 de outubro de 2022

Guiné 61/74 - P23747: Os nossos seres, saberes e lazeres (536): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (74): Da Curia para o Luso - 1 (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 8 de Setembro de 2022:

Queridos amigos,
Havia a promessa de, após a estadia em Sines, andarmos pela Lourinhã e arredores mas impunha-se a liberalidade de uma sortida, coube à neta dar agreement de uma itinerância até às matas do Bussaco, paragem na Curia e alguma estadia no Luso. É o que aqui se relata em português suave, houve a sorte de não apanhar caloraça, encontra boa comida pelo caminho, graças ao meu péssimo sentido de orientação fomos parar à Oiã, deixou-se mensagem ao Armor Pires Mota, bem gostava de o abraçar, ocorreu-me a visita a um cemitério na Anadia, é lá que está sepultado o meu maior amigo da juventude, decidi que não, há atos íntimos que carecem de recolhimento, para minha surpresa, a neta gostou da Curia, entusiasmou-se com a piscina do Luso, está na idade das muitas perguntas e nada pode entusiasmar mais um ser humano com 77 anos que fazer este reavivamento de memória sobre as estâncias termais e as férias dos avós maternos da menina.

Um abraço do
Mário



Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (74):
Da Curia para o Luso


Mário Beja Santos

Aproveitam-se as férias para pôr em dia informações do passado aos mais novos, por exemplo aonde é que os avós maternos passavam férias, estávamos na região de Sines e foi referido que durante anos esses avós vinham de Aljustrel e abancavam na vila piscatória cerca de um mês, a Pensão Carvalho até tinha sido encarada como uma segunda residência e os avós, já velhotes, mantiveram o uso e costume, na sala de estar homens de um lado senhoras do outro, estas a tricotar e a falar de gente conhecida, eles a recordar também gente e a cortar na casaca do estado da Nação, faz parte do direito do consuetudinário. E falei à neta que houve um largo período em que os avós, libertos da descendência, procuraram a Curia, a avó adorava, o avô não tanto, ele adorava meter conversa e encontrava ali banhistas a tratar das artrites e das artroses em estado lastimoso, preferia meter o nariz em jornais e livros, encontrava parceiro para o dominó e damas, não há hotel ou pensão em estância termal que não disponha de uma sala de jogos. Ela, a tricotar, claro.
Estávamos em Sines e a neta decretou que queria ir à Curia, o avô anuiu, quem vai à Curia vai ao Luso, quem vai ao Luso vai ao Bussaco, assentou-se nas datas, o ponto radial seria o Inatel do Luso, um tanto fora de moda, mas com conforto quanto baste.
Inevitável chegar à Curia e não parar à entrada daquela avenida de plátanos, é uma autêntica sala de receção. E para-se o carro para ir ao Palace, contam-se histórias, por ali andaram atores de nomeada, tu já vais ver, é um ambiente de outro tempo, olha como mantiveram a traça da receção, repara bem no elevador, depois viremos à sala de estar para tu veres as escrivaninhas, naquele tempo era imperioso escrever cartas e mandar postais, depois vamos percorrer os jardins, está tudo numa formosura, visto o Palace vamos até às termas, se quiseres até podemos andar num barquinho no lago. “Tá bem, depois quero lanchar”.

Fachada do Palace Hotel da Curia, anos 1920, classicismo e Arte Deco, obra de Norte Júnior
Pormenor da fachada, sente-se o gosto francês, aqui há classicismo e uns restos de Arte Nova
Pormenor da receção
O lendário elevador que apareceu em vários filmes de Hollywood
Recordação dos tempos em que se mandavam cartas aos entes queridos, e diariamente

Finda a viagem ao Palace, seguimos para as termas, o meu coração balanceava, há um cemitério na Anadia onde está sepultado aquele que foi o meu maior amigo da juventude, morto em combate na região de Mocímboa da Praia, Norte de Moçambique, em 2 de fevereiro de 1970, não, iria passar por emoções, talvez devastadoras, gerar perplexidades, ter que contar histórias que a memória parece não querer apagar. Fica para outra viagem, vamos mostrar a esta jovem de 11 anos uma estância termal à moda antiga, esta tem mais de 100 anos, imagine-se que foi inaugurada em 1914, logo atraiu meio mundo e outro, encheu-se de pensões, aproveitava-se este imenso parque para completar a cura de águas. E havia comboio para trazer e levar os aquistas. Vamos então ver o jardim e as termas, um pouco de barco, sim, não esqueci, o lanche.
Fachada das termas, dá gosto ver tudo arranjadinho, o passado bem recuperado
Aqui se dispensa água ao doente, há mais de um século, nada de voluntarismos, só se bebe água com dispensa médica, a água cura mas indevidamente tomada a água termal pode acarretar aborrecimentos
Disse à neta que era certo e seguro que os avós por aqui passearam, vinham habitualmente em julho ou agosto, se a memória não me atraiçoa eram quase 3 semanas, traziam muito para contar e diziam maravilhas do parque
Chegámos ao Luso ao entardecer, é sempre agradável aqueles exercícios de ambientação, quando a neta viu gente na piscina exigiu o que lhe era devido, dar umas braçadas, o avô acompanhou-a com imenso gosto. Depois de um agradável jantar, percorrendo uma vila onde há sinais de vitalidade mas com muitos edifícios ao abandono, chegámos junto do grande hotel, é assim que funciona a imaginação, pareceu-me um transatlântico a vogar na imensidão oceânica, e deu-me para caprichar com aquela imagem de meia luz da entrada ao topo da grande construção, a luz a irromper da escuridão.
Fonte de São João, imagem retirada do blogue Restos de Colecção, com a devida vénia
Edifício de Banhos, inaugurado em 1 de junho de 1856. Imagem retirada do blogue Restos de Colecção, com a devida vénia

Despeço-me do Luso com imagens do passado, há mais de 150 anos que é a mais conceituada estação termal desta região, tem o seu património algum pergaminho, no entanto há algo de melancólico nos hotéis em derrocada, bem vistas as coisas, é uma imagem muito própria de Portugal podermos coexistir entre os avanços da urbanização deixando a derruir um passado que já foi lustroso, e parece que fazemos isto sem nenhum rebate de consciência. Amanhã partimos para um lugar onde parece que se pode encontra a magia, uma ímpar riqueza arbórea e sinais de uma batalha vitoriosa em que Wellington, à frente de um exército anglo-luso derrotou Massena, em 1810, a estrela napoleónica empalidecia.

(Continua)

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Nota do editor

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