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sexta-feira, 21 de março de 2025

Guiné 61/74 - P26604: Humor de caserna (107): "Teixeira Pinto colonizou a Guiné sem arcas frigoríficas", disse o Intendente em Bissau... Ao que o capitão, no mato, retorquiu: "Solicito envio urgente do Teixeira Pinto" (Aníbal José da Silva, ex-fur mil SAM, Vagomestre, CCAV 2383, Nova Sintra e Tite, 1969/70)



Guiné > Região de Quínara > Nova Sintra > CCAV 2483 (1969/70) > O magarefe Feio a desmanchar um javali, apanhado numa armadilha...Foto (e legenda): © Aníbal José da Silva (2025). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]




Guiné > Região de Quínara > Nova Sintra > CART 2711 (1970/72) > s/d > Largada de frescos e correio, de paraquedas... Foto do álbum de Herlânder Simões, ex-fur mil d"Os Duros de Nova Sintra", de rendição individual, tendo estado no TO da Guiné, em Nova Sintra e depois Guileje, entre maio de 1972 e janeiro e 1974.

Foto (e legenda): © Herlânder Simões (2007). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



Guiné > Região de Quínara > Carta São João (1955) > Escala de 1/50 mil > Posição relativa de Bolama, São João, Nova Sintra, Serra Leoa, Lala, Rio de Lala (afluemte do Rio Grande de Buba)

Infografia: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2020)





Aníbal José (Soares) da Silva, ex-fur mil SAM, vagomestre,
CCAV 2483 / BCAV 2867, "Cavaleiros e Nova Sintra", Nova Sintra e Tite, fev 1969/ dez 1970); técnico de seguros reformado; mora em Vila Nova de Gaia; é nosso grão-tabanqueiro nº 898; é autor da série "Vivências em Nova Sintra"; coautor do livro "A Guiné que conhecemos: na sequência do livro Histórias dos 'Boinas Negras' ",  ed. lit. Jorge Martins Barbosa. Porto: Fronteira do Caos, 2022, il, 402 pp.)


1. No último poste da série "Vivências em Nova Sintra" (*), o Aníbal José da Silva publicou um texto sobre a nossa alimentação, que eu comentei nestes termos:

(...) Fabuloso este texto do nosso vagomestre!... Dou-lhe os parabéns... Já o li e reli e vou comentar com mais calma. 

Os nossos filhos e netos, criados felizmente com mais fartura, deviam lê-lo e comentá-lo. Esta era realidade (brutal, em matéria de alimentação) de quem vivia no mato... 

Sei o que era receber, só para mim e o cabo das transmissões, uma lata de 5 kg de fiambre (dinamarquês...) numa Sinchã Qualquer Coisa onde estive destacado com a minha  seção de soldados fulas, muçulmanos, "desarranchados" (e que não comiam carne de porco)... 

Eu mais o cabo empanturrámo-nos de fiambre, num só dia... o resto foi para os cães e os "djubis" da tabanca, que lhe chamaram um figo...Um ou outro soldado lá terá quebrado o tabu alimentar religioso... Já não posso garantir, com total certeza, se algum deles provou o fiambre dinamarquês que me mandou o vagomestre da CCAÇ 12, o Jaime Soares Santos,  no reabastecimento semanal ou quinzenal... (Devo lá ter estado uma semana ou duas em reforço do sistema de autodefesa, logo no princípio da comissão (...).


Também o "(António) Carvalho de Mampatá" (que era fur mil enf,  CART 6250/2, 1972/74) comentou o poste valorizando a abordagem da questão da alimentação das NT no TO da Guiné e dos tratos de polé que tinham de dar-se os pobres dos vagomestres para nos encher o prato (e a barriga):

(...) O retrato que nos faz o Aníbal Silva do exercício da sua comissão enquanto vagomestre , é precioso ou até preciosíssimo. 

É a primeira vez que leio um depoimento com esta qualidade de pormenor. Fez-me bem lê-lo porque, desde logo, me fez imaginar no lugar dele ou de qualquer outro furriel vagomestre, numa aflição permanente, a tentar dar o melhor aos seus camaradas, sem ter onde comprar fosse o que fosse. 

A partir de hoje verei com outros olhos esses camaradas, os quais muitas vezes levavam com a revolta de toda a companhia quando, a maior parte das vezes não podiam fazer melhor. (...)  (*)


2. Um excerto deste poste merece figurar na nossa série "Humor de caserna" (**)...

O Aníbal, para além de ter sido um esforçado,  imaginativo e honestíssimo vagomestre que foi parar, ingenuamente, a Nova Sintra, por troca com outro camarada que ficou em Jabadá, na margem esquerda do rio Geba,  é um bom contador de histórias e tem sentido de humor. 

A gente aprendeu, na Guiné, a rir-se da porca miséria do nosso quotidiano  e das "mordomias" que a tropa nos dava... desde os "hotéis de cinco estrelas" em noites de raios e coriscos, às intragáveis rações de combate e aos vegetais "liofilizados" pelo Natal... 

Com tantas agruras por que passámos,  não valia a pena chorar... Bem, ao menos hoje a gente ri-se...ou sorri.

Com esta partilha de memórias sobre as agruras da vida de um vagomestre (que eram por tabela também as nossas agruras...), o Aníbal vai ajudar a abrir a "porta"  do nosso blogue a outros vagomestres, camaradas que devem ser credores da nossa gratidão por, na generalidade dos casos, terem feito o melhor que podiam e sabiam para nos garantir "o pão nosso de cada dia".. 

Como o António Carvalho diz, eram, pelo contrário, e  muitas vezes, o "bode expiatória" da nossa raiva, no rancho e na messe... Quantas pragas não rogámos aos "filhos da p*ta do nosso primeiro e do nosso furriel vagomestre"!...

É uma história "kafkiana", a do quotidiano dos nossos vagomestres... Dá para rir, com um sorriso amarelo e meia-cara... 

De qualquer modo, e ao fim de 20 anos a blogar,  não chegam a 4 dezenas as referências a esta figura da tropa, que era/é, o vagomestre (do francês, vaguemestre, do alemão, Wagenmeister: originalmente, o oficial, no Antigo regime, responsável pela gestão das colunas logísticas e, portanto, das provisões; depois, o sargento, responsável pelo correio militar, no exército francês; ou o responsável da alimentação de uma subunidade, no exército, português).

Já o Napoleão dizia que “um exército marcha sobre seu estômago” (""une armée marche avec son estomac"). Ou, por outras palavras, não se faz (e muito menos se ganha) a guerra de barriga vazia... (***)


As agruras da vida de um vagomestre

por Aníbal José da Silva


A alimentação para 160 homens, pela qual eu era responsável, era má. Lá diz o ditado que sem ovos não se pode fazer omeletes, nem transformar pedras em pão. Não podia transformar o chouriço enlatado num bom bife. 

Todos os géneros alimentares vinham da Manutenção Militar de Bissau. Não havia em Nova Sintra população civil a quem, eventualmente, pudesse comprar o que quer que fosse. As populações mais próximas estavam em Tite a 20 km, mas a estrada estava inoperacional tendo sido abandonada. Havia ainda, também a 20 km, o destacamento de S. João que ficava defronte a Bolama, mas separado pelo largo rio. 

No inicio da comissão ainda cheguei a comprar galináceos e porcos, quando lá fomos buscar o primeiro reabastecimento, mas foi sol de pouca dura, porque o CIM  (Centro de Instrdução Militar) em Bolama comprava tudo. 

Para além disso a estrada Nova Sintra a S. João estava normalmente minada e era por ela que as colunas de reabastecimento eram feitas. Lembro que por duas vezes nesta estrada foram acionadas minas que provocaram a morte a quatro camaradas e vários feridos, pelo que fazer uma coluna para ir às compras estava fora de questão.

Durante um mês, em vinte e sete dias eram fornecidas refeições à base de enlatados: chouriço, sardinha e atum de conserva, dobrada liofilizada, que era intragável, e eventualmente fiambre. 

As refeições de bacalhau eram sempre bem vindas, pena é que a Manutenção, em Bissau, só fornecesse metade do que era pedido.

Uma vez por mês eram recebidos géneros frescos (sardinha ou carapau, frango, ovos e alguns legumes), que tinham de ser consumidos em três dias, dada a precariedade das arcas congeladoras que funcionavam a petróleo e entupiam com facilidade. 

Luz elétrica só havia à noite. Durante esses três dias e à noite, dois homens faziam vigilância ao bom funcionamento das arcas. 

Um frango (por homem) podia dar para duas refeições, mas tinha de ser consumido quase de imediato, porque senão estragava-se. O grão-de-bico, o feijão frade e branco, o arroz e o esparguete, eram a base diária das refeições. Depois era só juntar o chouriço. Pela Intendência nunca nos foi fornecida carne de bovino ou de porco.

(...) Foi decidido que eu fosse a Bissau comprar carne congelada, na Manutenção Militar ou em talho civil. Assim foi feito. Aproveitando a passagem semanal da avioneta de sector, que trazia e levava o correio, desloquei-me a Bissau. Consegui comprar alguma carne de vaca. Transportei-a na bagageira e no  banco traseiro de um táxi até à base de Bissalanca, onde aluguei uma avioneta civil. Depois carreguei as peças de carne, às costas, desde o táxi até à avioneta. 

Enviei uma mensagem para Nova Sintra para que as arcas ficassem vazias, diga-se, de Coca-Cola, Fanta e principalmente cerveja, o que constituía outro sacrifício. 

Chegado ao quartel,  e dada a temperatura e humidade, já não se podia dizer que a carne estivesse totalmente congelada. Dada a precariedade das arcas, alguma carne estragou-se e a restante teve de ser consumida à pressa. Chamava-lhe eu a tortura da carne. 

Meses depois repeti a façanha, só que desta vez estragou-se mais carne. Dada a dificuldade de conservação e os custos,  inviabilizaram-se novas façanhas.

A caça tornou-se um filão a explorar. Liderada pelo António Soares (já falecido),  foi criada uma equipa de caça. Conseguimos abater algumas gazelas, pois não havia animais de maior porte. Mas durou pouco tempo porque as gazelas desapareceram da região.

Em determinado dia uma equipa de caça constituída por furriéis, foi tentar apanhar javalis. Mas nem vê-los ou sinal deles. Os javalis que conseguimos apanhar foram através de armadilhas. 

Numa zona de mangais, onde à noite eles iam comer o fruto caído, era colocado um arame de tropeçar preso a duas árvores. Ao arame prendiam-se granadas de mão sem cavilha. 

Na procura de alimento os javalis tocavam no arame e as granadas explodiam provocando-lhes a morte. No quartel que distava mais ou menos dois quilómetros, ouviamos os rebentamentos e dizíamos: “amanhã temos carne fresca”.

 O Feio, magarefe na vida civil, tratava de os abrir, limpar e esquartejar.

Todas as gazelas e javalis foram para outras paragens. Em toda a comissão foram pouco mais de uma dúzia destes animais que conseguimos caçar.

Restava a pesca. Não havia barcos nem canas mas havia granadas de mão. Aproveitando a maré baixa do rio e as represas que se formavam, eram lançadas granadas e o rebentamento elevava no ar uma espécie de repuxo de água, juntamente com umas dezenas de peixes, que depois ficavam a boiar na água. Depois era só apanhar, meter em sacos de linhagem, amanhar e cozinhar. Esta atividade foi a mais duradoira.

Para além do infortúnio da falta de géneros frescos, havia um outro problema que agravava a situação: a deterioração de alimentos. Um bacalhau com batatas caía sempre bem, tal como batatas fritas e fatias de fiambre. Mas muitas vezes ao abrir um caixote de madeira com 25 quilos de bacalhau ou uma lata grande de fiambre,  estes produtos estavam totalmente estragados e lá se iam os petiscos.

No que diz respeito à batata, produto também muito fácil de apodrecer, dados os trambolhões que levava no transporte e a humidade, para evitar grandes perdas, dia sim dia não, dois soldados retiravam as podres das prateleiras.

Os ovos que recebíamos mensalmente, em doses razoáveis, também se estragavam muito. Numa das vezes, porque havia algumas dúzias com a probabilidade de deitar ao lixo e coincidindo com o Dia da Cavalaria, o 21 de Julho, também data do meu aniversário, resolvi antecipar o Natal, mandando confecionar rabanadas. E mais um azar aconteceu. 

Alguns soldados estavam a assistir à fritura das ditas, muito próximos das grandes fritadeiras, lambendo os lábios à guloseima, quando se iniciou uma flagelação ao aquartelamento. 

O pessoal na ânsia de procurar uma vala onde se proteger ou o seu abrigo, bateu com as pernas nas pegas das fritadeiras,  virando-as. Após o ataque e refeitos do susto, ainda se aproveitaram algumas que não tiveram contacto com a terra e restou o cheiro para consolar.

O pão. Tivemos dois padeiros. O primeiro foi o Pedroso de Almeida, que habitava no meu abrigo e dormia no primeiro andar do meu beliche. Teve dois azares. Num dia ao acender o forno com gasolina virou-se de costas e a chama queimou-o. Foi evacuado para o Hospital Militar em Bissau. O segundo foi-lhe fatal. Morreu no acidente do rebentamento da mina de 24 de julho de 1969.

O segundo padeiro foi o José Manuel Bicho que exercia a profissão na vida civil. A farinha, dadas as temperaturas e humidade elevadas,  criava muitos pequenos bichos e na peneira não era fácil tirá-los todos e alguns apareciam no pão. Dizia ele que todo o pão levava a sua assinatura.

Para amenizar o desagrado das ementas, resolvi mandar fazer tabuleiros grandes para ir ao forno do pão, com a chapa dos bidões de azeite. Conseguimos assar bacalhau com batatas, carne de caça e peixe da bolanha.

 (...) Ainda relativamente à questão das arcas, conta-se como verdadeira a seguinte história. Determinada companhia, tal como nós, isolada no mato, tinha ficado sem arcas e frigoríficos e feito vários pedidos para que fossem substituídas. 

Em resposta a uma mensagem mais agressiva, por parte do capitão que estava no mato, a Intendência em Bissau, respondeu que "Teixeira Pinto colonizara a Guiné sem frigoríficos", ao que o capitão retorquiu: "Solicito envio urgente de Teixeira Pinto"...

Um mês antes de deixarmos o inferno de Nova Sintra, num reabastecimento de géneros, para além das rações de combate que havia requisitado, para a atividade operacional expectável e manter o stock, recebi a mais umas boas centenas de rações, com a agravante de algumas já terem excedido o prazo de validade e outras estarem quase. 

Era impossível consumi-las até à transferência do depósito de géneros à companhia que nos iria render,  a CCAV 2765, “Os Pica na Burra”. 

Servi-las em substituição da refeição quente, embora precária, seria estar a assinar a minha sentença de morte, pois o pessoal enforcava-me no embondeiro mais alto. 

Colocada a questão ao capitão e ao 1.º sargento, foi decidido colocar as caixas com as rações de combate, viradas para a parede escondendo o prazo de validade.

Fiz a transferência do depósito ao vagomestre “periquito”, que as “comeu de cebolada”,  mas tudo o resto estava em conformidade. Só que o 1.º sargento deles não era burro e,  como já tinha feito outras comissões, resolveu confirmar a passagem do testemunho e deu com a marosca.

Durante duas noites não dormi a pensar num eventual castigo e porque tinha colaborado numa situação que era contra os meus princípios, embora tivesse as costas quentes, pelo aval dado pelo nosso capitão. 

Os capitães e os 1.ºs sargentos das duas companhias lá chegaram a um entendimento e eu lá continuei a dormir descansado. 

Se revoltado estava com tudo por que passara até então, mais fiquei com os filhos da p*ta  da Manutenção de Bissau, que no descanso do ar condicionado, em vez de comerem as rações de combate,  as enviavam para os escravos que estavam no mato, mas condicionado ao ar. (...)

(Seleção / revisão e fixação de texto / título: LG)

_______________

Notas do editor LG:

(*) Vd. poste de 18 de março de 2025 > Guiné 61/74 - P26595: Vivências em Nova Sintra (Aníbal José da Silva, Fur Mil Vagomestre da CCAV 2483/BCAV 2867) (3): A Alimentação

segunda-feira, 11 de dezembro de 2023

Guiné 61/74 - P24941: Boletim da Sociedade Luso-Africana do Rio de Janeiro (1931-1939) - Parte VII: "Caçadas coloniais", por Armando Zuzarte Cortesão (Boletim n.º 3, dezembro de 1932 - p. 27/28)



"Caçadas coloniais", pelo "engenheiro-agrónomo, dr. Armando Zuzarte Cortesão, primeiro agente rural nas colónias" (sic). 



1. Curioso artigo assinado pelo irmão de Jaime Cortesão (1884-1960) (médico e historiador, ligado ao grupo da "Seara Nova"), e pai do psiquiatra, psicanalista e professor universitário Eduardo Cortesão (1919-1991)... 

Quem era este homem, Armando Cortesão, que faz aqui o elogio das emoções fortes da caça grossa nas colónias? Foi uma completa surpresa para mim, conhecia-o apenas como historiador e oposicionista ao Estado Novo, ignorava o seu passado como administrador colonial bem como o seu exilio em Londres onde durante  a segunda guerra mundial foi operador de antiaéreas.... 

O pequeno artigo, que a seguir reproduzimos, sobre a caça em África, tem que ser lido à luz da mentalidade e costumes (coloniais) da época: "Só quem nunca matou caça grossa desconhece as maravilhosas sensações que esse desporto nos desperta"...

Desporto? Os nossos camaradas, apologistas ou contestatários da caça grossa (nomeadamente nas nossas antigas colónias), têm aqui interessante matéria para comentar (**)... Do elogio da caça podemos passar ao elogio dos "touros de morte", dos "desportos radicais", mas também... da "guerra", dos "snippers", por que não?!... 

O tema, seguramente, não é "pacífico", para mais hoje, onde há crescentes preocupações com as dramáticas alterações climátcas, a perda da biodiversidade, a extinção de muitas espécies (da fauna e da flora, nomeadamente em África, onde elefantes, rinocerontes, leões, etc. só em reservas e parques podem ser avistados).

Sobre o autor, recorramos à Wikipedia e à  excelebte entrada no Dicionário de Historiadores Portugueses:

(i) Armando de Freitas Zuzarte Cortesão (Coimbra, 1891 - LIsboa, 1977);

(ii) foi engenheiro agrónomo, administrador colonial e historiador português;

(iii) representou Portugal nos Jogos Olímpicos de 1912, nas provas de 400 e 800 metros de atletismo;

(iv) diplomou-se em Agronomia no Instituto Superior de Agronomia, de Lisboa, em 1913;


(v) como agrónomo, efetuou diversas  missões  às Américas, Índias Ocidentais, Guiné, Senegal e S. Tomé,  de 1914 a 1920, sobre as quais publica vários estudos e artigos, 

(vi) dirigiu o Departamento de Agricultura de São Tomé e Príncipe (1916-1920);

(vii) foi chefe da repartição de Agricultura do Ministério das Colónias até 1925;

(viii) foi responsável pela Agência Geral das Colónias (1925-1932), e primeiro diretor do respetivo Boletim (em 1935, passa a chamar-e "Boletim Geral das Colónias", e, em 1951,   "Boletim Geral do Ultramar");

(ix)  anti-salazarista, passou os vinte anos seguintes no exílio (nomeadamente em Espanha e  Inglaterra, onde participou, como voluntário, na defesa antiaérea de Londres, e depois em França, onde trabalhou na Unesco), tendo regressado a Portugal em 1952 para leccionar na Universidade de Coimbra;

(x) como historiador especializou-se em cartografia antiga: publicou "Portugaliæ Monumenta Cartographica" (em coautoria com o comandante Teixeira da Mota), Comissão para as Comemorações do V Centenário da Morte do infante D. Henrique, 1960/62 (seis volumes).

(xi) tem também colaboração na "Gazeta das colónias: semanário de propaganda e defesa das colónias" (1924/26), de que se publicaram 41 números.

O artigo "Caçadas coloniais" foi publicado no Boletim da Sociedade Luso-Africana do Rio de Janeiro, em 1932, na véspera de partir para o exílio, como aconteceu com tantas outras figuras da "intelligentsia" republicana. (*) 

O Boletim tinha como divisa "Pela raça, pela língua". Publicava-se no Rio de Janeiro e era de distribuição gratuita. Terminou abruptamente na véspera da II Guerra Mundial.

Sobre a caça, vd. também o poste recente P 24935.   (***)

2.  O "colonialismo republicano"  é melhor explicitado e explicado no Boletim da Agência Geral das Colónias, de que o  Armando Cortesão foi o ideólogo e o primeiro diretor... Citando o investigador brasileiro Marcelo Assunção, de que já aqui falámos, autor de uma tese de doutoramento sobre  o Boletim da Sociedade Luso-Africana do Rio de Janeiro (#):

(...) "É no Boletim da Agência Geral das Colônias em que é definida de forma mais substantiva e explícita os sentidos de uma publicação periódica de temática colonial. Armando Zuzarte Cortesão (1891-1977) (...), diretor da Agência Geral das Colónias e também diretor do seu boletim, em um artigo inaugural emblemático, explicita uma mudança na “ideia colonial” nos últimos vinte anos que se consubstancia, nomeadamente, nos “métodos” de ação dos “povos colonizadores” (CORTESÃO, 1925: 3). 

"Para ele, essa mudança decorre em razão do novo quadro dos 'idealismos humanitários' oriundos do tratado de Versalhes, interpretando os novos tempos a partir das seguintes orientações gerais:  'a) os indígenas das colónias devem ser considerados como seres humanos e não como simples animais, constituindo a sua educação e bem estar numa missão sagrada que a civilização delega aos povos colonizadores; b) a humanidade carece das riquezas inexploradas das vastas regiões coloniais, exigindo dos povos que as detêm a sua rápida utilização '(CORTESÃO, 1924: 3).

"Reitera que os princípios do 'colonialismo humano', próprios do pós-guerra, já eram pressupostos tácitos à prática do colonialismo português desde suas origens (CORTESÃO, 1924: 4). Apesar de tecer algumas críticas, aponta também que a gestão portuguesa com relação à regulamentação do trabalho indígena e o investimento nas infraestruturas coloniais estava de acordo com os propósitos agora instituídos internacionalmente pela Sociedade das Nações. Porém, assinala que o pouco conhecimento “científico” de Portugal sobre as suas próprias colônias deveria ser revertido para assim alcançar esse novo patamar da ideia colonial, afirmando o papel dos periódicos, e do boletim em questão, nesse processo" (...)

(#)  Fonte: ASSUNÇÃO, Marcelo, F. M. - A sociedade luso-africana do Rio de Janeiro (1930-1939): uma vertente do colonialismo português em terras brasileiras. 2017. 324 f. Tese (Doutorado em História) - Universidade Federal de Goiás, Goiânia, 2017, pp. 51/52.

Disponível em formato pdf em: http://repositorio.bc.ufg.br/tede/handle/tede/6960

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(***) Vd. poste de 9 de dezembro de  2023 > Guiné 61/74 - P24935: S(C)em comentários (21): A caça nos impérios coloniais europeus... ou um certa visão etnocêntrica dos velhos "africanistas"

sábado, 9 de dezembro de 2023

Guiné 61/74 - P24935: S(C)em comentários (21): A caça nos impérios coloniais europeus... ou um certa visão etnocêntrica dos velhos "africanistas"


Congo ex-Belga (hoje República Democrática do Congo) > c. nos 20 > "Troféus de caça"... ou uma certa  visão europocêntrica de África. 

Fotos de Victor Jacobs (digitalizadas e editadas por LG.). 

Fonte: Louis Franck - Le Congo Belge, Tome I.  Bruxelles: La Renaissance du Livre.  1928. p. 152...  

Angola > c. anos 30 > "A Exma. Esposa  do Coronel Félix montada num búfalo-pacaça, que, minutos antes, ela própria abatera a tiro de rifle"  (Joaquim António da Silva Félix era ofcial do exército, coronel, industrial, agricultor e publicista, dono da fazenda Glória, colabordor do Boletim da Sociedade Luso-Africana do Rio de Janeiro, que congregava parte da "intelligentsia" do colonialismo republicano, radicada no Brasil)

Fonte: Boletim da Sociedade Luso-Africana do Rio de Janeiro, nº 8, janeiro e março de 1934, pág. 35.

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Nota do editor:

quinta-feira, 7 de dezembro de 2023

Guiné 61/74 - P24925: Notas de leitura (1645): Boletim da Sociedade Luso-Africana do Rio de Janeiro (1931-1939) - Parte V: O colonialismo republicano, em oposição ao salazarismo, que se assumia sem complexos, e que de certo modo antecipava as tendências reformistas que levaram, em 1951, à revogação do Acto Colonial de 1930

Angola > "A Exma. Esposa  do Coronel Félix montada num búfalo-pacaça, que, minutos antes, ela própria abatera a tiro de rifle"  (Joaquim António da Silva Félix era ofcial do exército, coronel, industrial, agricuktir e publicista, dono da fazenda Glória.)

Fonte: Boletim da Sociedade Luso-Africana do Rio de Janeiro, nº 8, janeiro e março de 1934, pág. 35.

Ilha da Madeira, vista geral do Funchal e da sua baía... "Fotografia  gentilmente cedida pela Casa da Madeira, Lisboa" (A Madeira também foi lugar de desterro... até aos anos 30.)

Fonte: Boletim da Sociedade Luso-Africana do Rio de Janeiro, nº 8, janeiro e março de 1934, pág. 46.



Fonte: Boletim da SociedadeLuso-Africana do Rio de Janeiro, nº 10-11, agosto - dezembro de 1934, pág- 1984


1. O investigador brasileiro Marcelo, F. M. Assunção que fez uma tese de doutoramento sobre os 20 boletins da Sociedade Luso-Africana do Rio de Janeiro, publicados ao longo década de 1930 (1931-1939), coincidindo com o triunfo da Ditadura Militar e do Estado Novo em Portugal, faz questão de sublinhar que, apesar do  seu "racismo culturalista", (...) "os republicanos na oposição ao salazarismo detinham uma visão mais progressista das relações entre metrópole e colônias do que a que existia na institucionalidade dos anos 30",  e anteciparam de algum modo  o "reformismo que ganhou força nos 50, com a revogação do Ato Colonial e as reformas estatuarias (mais vocabulares do que práticas) no contexto do pós-guerra e das guerras coloniais".  Recorde-se que com  a revisão constitucional de 1951 as colónias passaram a chamar-ser "províncias ultramarinas"... Mas o trabalho forçado só foi abolido por Adriano Moreira em 1961...

Enfim, um trabalho académico que merece uma leitura mais atenta e demorada, e não apenas a correr e em diagonal:


"(...) CONSIDERAÇÕES FINAIS

Uma tese não pode ser considerada o esgotamento do objeto e de suas múltiplas determinações, pois os problemas e respostas que levantamos são limitados por nossos recortes temporais e teórico-metodológicos. 

Como afirmamos em nossa introdução, o estudo do Boletim constitui apenas uma parte de um projeto maior de análise do colonialismo no seio das relações culturais luso-afro-brasileiras por meio de periódicos. A despeito dos limites dessa pesquisa, que serão adereçados posteriormente em uma pesquisa mais global, podemos destacar algumas especificidades sobre a relação entre o colonialismo e a produção de periódicos. 

O projeto colonial da Sociedade Luso Africana do Rio de Janeiro e de seus sócio correspondentes representa, apesar de suas diversas particularidades, um projeto mais amplo de dominação simbólica e material das colônias que na prática não se distancia tanto do projeto colonial salazarista.

As vertentes mais “humanistas” do colonialismo na prática não abdicavam da coerção e da integração forçada das populações nativas ao sistema colonial. As diferenças, como já reiteramos diversas vezes, não apagaram o projeto global de dominação e expropriação/coerção das diversas etnias. 

Entretanto, a modernização capitalista tão almejada pela intelligentsia republicana da Sociedade Luso-Africana do Rio de Janeiro, em oposição ao modelo de austeridade e centralismo salazarista, diferenciavam-se em alguns termos, inclusive em seus instrumentos de análise do “outro” colonizado.  

A antropologia de viés cultural era muito mais dominante nessa intelligentsia do que uma antropologia mainstream de cunho biológico (a Escola do Porto). Por isso, não era arbitrária a presença de antropólogos e etnólogos brasileiros já críticos aos modelos racialistas de cunho biológico nas publicações do Boletim, invertendo o sinal negativo da presença do negro na cultura brasileira, e afirmando também a importância lusitana para o processo de “democratização racial” no Brasil.

A cultura imperial republicana, salazarista ou monárquica, era unânime na defesa da manutenção da presença do Império no ultramar. Colonizar e civilizar faziam parte de uma suposta essência portuguesa. Portugal, para esses intelectuais, precisava se “alimentar” continuadamente de “gentes exóticas” para realizar a sua essência, a “antropofagia lusitana”, como já disse um arguto antropólogo (THOMAZ, 2002: 144) (...)

Todavia, a suposta assimilação do exótico, tão explícita no ideário panlusitano, dava-se em um sentido “hierárquico” entre um “nós” lusitano da metrópole culturalmente superior e um “outro” que deveria chegar ou foi levado à “civilização”. A valorização do “mestiço”, cabo-verdiano ou brasileiro, no Boletim, não se dava exclusivamente porque a cultura negra começava a ser vista como um contributo para a sociedade lusitana, mas porque, na percepção destes intelectuais, os nativos foram culturalmente “civilizados” segundo os parâmetros europeus.

O racismo culturalista desta intelligentsia era, portanto, hierárquico, e o lusitano, uma espécie de “ser vocacionado” para o “sacrifício” da colonização.

A despeito disso, os republicanos na oposição ao salazarismo detinham uma visão mais progressista das relações entre metrópole e colônias do que a que existia na institucionalidade dos anos 30. Foram de certa forma uma vanguarda 'avant la lettre' do reformismo que ganhou força nos 50, com a revogação do Ato Colonial e as reformas estatuarias (mais vocabulares do que práticas) no contexto do pós-guerra e das guerras coloniais. 

Apesar de toda a sua retórica republicana ser de fato “paradoxal”, foi em decorrência desta onda conservadora que a Sociedade e sua intelligentsia foram perseguidos até a sua completa extinção em 1939, com o último número do Boletim." (#)

(#) Fonte: Considerações finais. In: ASSUNÇÃO, Marcelo, F. M. - A sociedade luso-africana do Rio de Janeiro (1930-1939): uma vertente do colonialismo português em terras brasileiras. 2017. 324 f. Tese (Doutorado em História) - Universidade Federal de Goiás, Goiânia, 2017, pp. 276/277.


(Seleção, revisão e fixação de texo, negritos: LG) (com a devidfa vénia...)
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Nota do editor:

Postes anteriores da série: 



segunda-feira, 6 de fevereiro de 2023

Guiné 61/74 - P24042: (Ex)citações (420): As caçadas por meios aéreos só ao alcance de alguns (Gil Moutinho, ex-Fur Mil Pil)

1. Comentário do nosso camarada Gil Moutinho (ex-Fur Mil Pil, BA 12, Bissalanca, 1972/73) deixado no Poste 24030(*), que aqui publicamos, acompanhado de fotos enviadas posteriormente ao blogue:

Francisco Batista,
Fizeste-me recordar a minha infância em que tudo que descreves é tal e qual o que se fazia aqui na casa. Ainda tenho a dita faca "porqueira", 30 a 40 centímetros com duplo gume, também um funil zincado com um entalhe no bordo para a minha mãe empurrar a carne com o polegar dentro da tripa.

Na Guiné havia fama que em Binta (ou será Barro?) havia um local que preparava um leitão assado de truz. Numa missão (chamada de sector) de transporte geral de DO que me calhou, de periodicidade semanal, calhou ir a esse sítio e tendo encomendado o petisco, na volta perto do almoço, trouxe para a base e convidei dois outros comanditas e papamos o dito.
Apanhei uma gastroenterite que me pôs off durante uma semana. Aqui, só ao fim de bastantes anos recomecei a comer esse petisco.

Também, quando queríamos fazer alguma tainada, íamos à caça com um helicanhão e alvejávamos com muito cuidado para só estragar meia carcaça. O atirador tinha que tentar acertar a cerca de 2 metros de distância, pois eram balas explosivas, e daquele lado era para deitar fora cheio de estilhaços.

Durante a instrução em Tancos, também tínhamos um método eficaz para caçar perdizes. Íamos para os lados da Chamusca, Arripiado, onde as perseguíamos com o helicóptero e, quando já estavam exaustas de tantos voos rasantes fazerem, descíamos do aparelho e apanhávamo-las à mão. Era um método infalível e sem gasto de munições.

Recém chegado à Guiné, numa das famosas tainadas
Nova Lamego > Chegados de uma operação de caça à gazela
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Notas do editor:

(*) - Vd. poste de 2 de Fevereiro de 2023 > Guiné 61/74 - P24030: (In)citações (229): A matança do porco... do nosso contentamento (Francisco Baptista / Alberto Branquinho / Joaquim Costa / José Belo / Luís Graça / Valdemar Queiroz)

Último poste da série de 30 DE OUTUBRO DE 2022 > Guiné 61/74 - P23749: (Ex)citações (419): O termo "Brassa" como os Balantas se auto-denominam, na verdade, trata-se da denominação histórica de uma grande área geográfica que correspondia à província mandinga de Braço, B'raço ou Brassu (Cherno Baldé)

quinta-feira, 10 de fevereiro de 2022

Guiné 61/74 - P22987: Fauna e flora (19): O grou-coroado ou "ganga" (em crioulo), uma ave que "matou a malvada" a alguns de nós, em tempo da guerra... Está agora ameaçada de extinção.

 

Guiné > Região de Bafatá > Sector L2 > Geba > CART 1690 (1967/69) > Destacamento de Banjara > 1968 > O abastecimento das NT era deficiente, pelo que se recorria aos "produtos naturais" da região, neste caso, à caça de aves como a "ganga" (em crioula) ou "grou-coroado" (em portugês) (*).



Guiné > Região de Bafatá > Sector L2 > Geba > CART 1690 (1967/69) > Destacamento de Banjara > 1968 >  A "ganga" é uma ave que, quando adulta, atinge um metro de comprimento e tem 1,60 metros de envergadura... Infelizmente, é um alvo fácil para os seus predadores (, incluindo os caçadores humanos)... 

Estima-se que a subpopulação da África ocidental ( B. p. pavonina ) tenha diminuído de 15.000-20.000 indivíduos em 1985 para 15.000 indivíduos em 2004... Para saber mais, ver o portal da   IUCN Red List of Threatened Species > Black Crowned Crane.. 



Guiné > Região de Bafatá > Sector L2 > Geba > CART 1690 (1967/69) > Destacamento de Banjara > 1968 > O destacamento não tinha população civil e era defendido por um pelotão da CART 1690. Distava 45 km de Geba. O ataque a Banjara, a 24 de julho de 1968, às 18h00, já aqui foi descrito há 17 anos atrás por A. Marques Lopes.

As instalações que se veem na foto pertenciam à antiga serração do empresário Fausto Teixeira ou Fausto da Silva Teixeira, um dos primeiros militantes comunistas a ser deportado para a Guiné, em 1925, dono de modernas serrações mecânicas aqui, em Fá Mandinga e em Bafatá, a partir de 1928, exportador de madeiras tropicais, colono próspero e figura respeitável na colónia em 1947, um dos primeiros a ter telefone em Bafatá, amigo de Amílcar Cabral, tendo inclusive ajudado o Luís Cabral a fugir para o Senegal, em 1960...

Este destacamento tinha apenas uma coluna de reabastecimento por mês, no máximo, mas chegava a estar mais de 2 meses sem alimentos frescos e sem correio. Não havia população civil, apenas militares. A çaça era um recurso...

Fotos (e legendas): © A. Marques Lopes (2005). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



Fonte: Guia das aves comuns da Guiné Bissau / Miguel Lecoq... [et al.]. - 1ª ed. - [S.l.] : Monte - Desenvolvimento Alentejo Central, ACE ; Guiné-Bissau : Instituto da Biodiversidade e das Áreas Protegidas da Guiné-Bissau, 2017, p. 19. Ilustração de  EA - Ézio Almir) (Com a devida vénia...)


Ganga (crioulo)
Balearica pavonina (Lineu, 1758)
Grou-coroado (português) | N’ghanghu (balanta) | Eghatai (fula)
Comprimento  100 cm | Envergadura 190 cm

Ao contrário das aves apresentadas neste guia, a ganga é rara e localizada. Ocorre nos vales dos principais rios do país, de forma isolada ou em pequenos bandos, frequentando zonas de água doce pouco profunda, incluindo bolanhas. Devido à sua beleza e comportamento é frequentemente capturada e mantida em cativeiro. Está ameaçada de extinção. (**)


Prefácio

Alfredo Simão da Silva
Director-Geral do IBAP

A Guiné-Bissau está entre os dois sítios mais importantes para as aves aquáticas na África Ocidental, recebendo anualmente cerca de um milhão de aves migradoras provenientes da Europa. 

As aves aquáticas migradoras encontram nas zonas intertidais da Guiné-Bissau um ecossistema produtivo e rico em alimento. O Parque Natural dos Tarrafes do Rio Cacheu, com os seus extensos mangais, é exemplo de um destes ecossistemas, razão pela qual foi reconhecido como sítio Ramsar (zona húmida de importância internacional) e como IBA (área importante para as aves). 

A simbiose e interdependência entre as aves e os recursos marinhos estão patentes no Rio Cacheu, sendo as aves um dos indicadores ecológicos mais importantes que certificam a saúde do ecossistema do mangal neste parque.

A paixão crescente e visível pelas aves na Guiné-Bissau iniciou-se nos anos 1980 com a formação dos primeiros quadros nacionais nesse domínio, apoiada por programas e/ou projectos de conservação da natureza e da biodiversidade. Neste âmbito, a contagem mundial das aves aquáticas começou a ser realizada sistematicamente no país e é acompanhada da constituição paulatina de um banco de dados nacional sobre as aves e o reforço de capacidades. 

Entretanto, fruto deste trabalho, foram sendo publicados a nível nacional, regional e internacional, documentos científicos importantes sobre as aves da Guiné-Bissau. A elaboração do presente guia das aves comuns da Guiné-Bissau, enquadra-se exactamente no espírito da estratégia nacional para as áreas protegidas e a conservação da biodiversidade (2014-2020), designadamente, o pilar estratégico monitorização das áreas protegidas, conhecimento e valoração da biodiversidade e dos serviços dos ecossistemas, e divulgação e sensibilização.

Este livro, dirigido sobretudo às acções de educação ambiental e à formação de jovens quadros no domínio da avifauna, é também um excelente manual de comunicação e de campo útil para outros actores. Este guia vai permitir aos amantes da natureza conhecerem melhor uma boa parte das aves que ocorrem nas áreas protegidas da Guiné-Bissau contribuindo para o reforço do conhecimento das espécies de aves no país.

Efectivamente, este pequeno guia é produto também da recolha e da sistematização de informação realizada desde há alguns anos a esta parte em diversas áreas protegidas. Por outro lado, é também um subsídio concreto para que a Guiné-Bissau possa dispor no futuro de uma publicação científica e mais completa sobre a avifauna. Esta ambição faz parte dos grandes desafios a médio prazo do Departamento de Monitoria e Conservação da Biodiversidade do Instituto da Biodiversidade e das Áreas Protegidas (IBAP).
 
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Notas do editor:

(*)  Vd. poste de 9 de fevereiro de 2022 > Guiné 61/74 - P22983: Adeus, Fajonquito (Cherno Baldé): Parte IV: A morte da ave-real mensageira, que já não canta, no triângulo de vida de Canhánima, Kru-ghaak! Kru-ghaak! Banenguél wilti! (... "A árvore da vida floriu!")

domingo, 14 de fevereiro de 2021

Guiné 61/74 - P21898: Pequenas histórias dos Mais de Nova Sintra (Carlos Barros, ex-fur mil at art, 2ª C/BART 6520/72, 1972/74) (18): Saia uma "rolada" para o jantar...



Fonte: In: Guia das aves comuns da Guiné Bissau / Miguel Lecoq... [et al.]. - 1ª ed. - [S.l.] : Monte - Desenvolvimento Alentejo Central, ACE ; Guiné-Bissau : Instituto da Biodiversidade e das Áreas Protegidas da Guiné-Bissau, 2017, p. 16.


1. Mais uma pequena história do Carlos Barros:

(i) ex-fur mil, 2ª C/BART 6520/72 (Bolama, Bissau, Tite, Nova Sintra, Gampará, 1972/74), "Os Mais de Nova Sintra", os últimos a ocupar o aquartelamento de Nova Sintra antes da sua transferência para o PAIGC em 17/7/1974;

(ii) membro da Tabanca Grande nº 815, tem 2 dezenas de referências

 

A “rolada"…

por Carlos Barros


Os soldados do 3º grupo de combate de Nova Sintra andavam sempre com apetite, já que as refeições habituais não passavam de arroz com salsichas, de feijão ou de massa meada, esparguete, cortada…-, o que originava uma certa saturação alimentar.

Um dia o furriel Barros,disse para o seu grupo de combate:

- Amanhã, vamos ter uma comida especial a acompanhar a refeição habitual , vinda da cantina!

Levantou-se uma “auréola “ de volumosa expectativa entre os soldados presentes…

O Barros, numa tarde muita abrasadora, com o sol a queimar a pele, pegou na sua arma de pressão e foi caçar para junto de um pequeno riacho onde as rolas costumavam beber. Uns arbustos propiciava o esconderijo ideal para o Barros caçar, camuflando-se no meio dos seus ramos e das poucas folhas existentes naqueles ressequidos arbustos

As rolas começaram a chegar e o furriel ia disparando , abatendo várias dessas aves e, ao fim de duas horas, o Barros tinha oito rolas bem gordinhas e não prolongou a caçada porque temia que alguma vara de javalis viesse beber e com a arma de pressão pouca hipótese teria de se defender, desses perigosos e agressivos animais.

Regressou ao quartel, falou, ”clandestinamente, com os soldados Domingos Oliveira , Cruz, Pedralva, Serra e Lurdes para depenarem as rolas e as fritassem numa cozinha improvisada da caserna.

A missão dos “cozinheiros de algibeira” foi cumprida e o óleo da frigideira, esta emprestada pelo cozinheiro Rochinha, foi guardado numa garrafa de cerveja, para uma futura “investida”!

Ao jantar, o Domingos Oliveira , veio com uma improvisada e enfarruscada, panela com as rolas fritinhas e foi o delírio entre os soldados que nunca imaginaram ter aquele petisco tão saboroso, naquele ambiente de tanta penúria gastronómica.

Com o furriel Barros, a promessa feita, era promessa cumprida!...

A sorte do furriel Barros foi não ter aparecido, junto ao “riacho”, um javali sequioso caso contrário, a promessa não seria respeitada…


Nova Sintra 1974

Ex-furriel Miliciano Barros-

Bart 6520/2ª CART (1972/74)

“Os Mais de Nova Sintra”

Esposende 2 de fevereiro de 2021
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terça-feira, 22 de dezembro de 2020

Guiné 61/74 - P21675: O meu Natal no mato (46): Depois do ataque a Missirá, na noite de 22 de dezembro de 1966, pouco havia para consoar... O meu caçador nativo Ananias Pereira Fernandes foi à caça, e fez um arroz com óleo de chabéu que estava divinal... O pior foi quando, no fim, mostrou a cabeça do macaco-cão... (José António Viegas, ex-fur mil, Pel Caç Nat 54, Enxalé, Missirá e Ilha das Galinhas, 1966/68)


Foto nº 2 A - O furriel mil Viegas, do Pel Caç Nat 54


Foto nº 1A - O alferes mil Freitas, da CCAÇ 1439, natural do Funchal


Foto nº 1 > Palhota dos Furriéis e o Alf Freitas da CCAÇ 1439


Foto nº 3 > Sítio do Unimog


Foto nº 4 > Depósito de géneros


Foto nº 1 > A nossa segunda residência


Guiné > Região de Bafatá > Sector L1 (Bambadinca) > Missirá > Pel Caç Nat 54 > 1966


Fotos (e legendas): © José António Viegas (2020). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Mensagem do nosso amigo e camarada José António Viegas [ fur mil do Pel Caç Nat 54, passou por vários "resorts" turisticos em 1966/68 (Mansabá, Enxalé, Missirá, Porto Gole, Bolama, Ilha das Cobras e, o mais exótico de todos, a Ilha das Galinhas, na altura, colónia penal); vive em Faro; é um dos régulos da Tabanca do Algarve; tem mais de 40 referências no nosso blogue]:


Data - segunda, 21/12, 23:58

Assunto . Missirá, 22 de Dezembro de 1966



22 de Dezembro 1966. 22h30 da noite estavam os 3 Furriéis conversando á espera do sono, eis que atravessa a palhota uma saraivada de balas incendiárias, tracejantes,  explosivas, um pouco acima dos mosquiteiros.

Fui pegar na G3,  meio vestido, a caminho do abrigo.  A palhota já ardia, no caminho duas morteiradas certeiras entram no depósito de géneros alimentícios, acertando no bidão de óleo e de azeite o que provocou um fogo de artifício. 

Já no abrigo ajudo o meu cabo a municiar a MG [42, a célebre metralhadora do exército alemão na II Guerra Mundial], no meio daquele fogacho ele diz que ouve falar espanhol, presume-se que estavam lá Cubanos .
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O ataque já ia avançado e as nossas munições escasseando, o único Unimog que tínhamos estava debaixo de um embondeiro [, "cabaceira", em crioulo] e caia morteiradas junto, com as palhotas na maioria a arder.

Parecia Roma vista de Babandica , o condutor da CCAÇ 1439 arranca debaixo de fogo e põe o Unimog a trabalhar para o retirar da zona de fogo. Como ele estava a escape livre,  a barulheira foi muita e o IN, pensando que eram reforços, retirou.  Este soldado condutor foi condecorado com medalha de guerra de 4ª classe. 

Tendo ido montar emboscada em Mato Cão,  já calculando que a CCAÇ 1439, sediada em Enxalé,  viria em nosso socorro,  o que aconteceu,  e como tal caíram debaixo de fogo, não havendo feridos do nosso lado. Houve um tiro caricato no Furriel Monteirinho,  do Pel Caç Nat 52,  do Alf Matos [, o açoriano Henrique José de Matos Francisco] , que lhe passou no meio das nádegas deixando somente queimaduras. 

Ao nascer do dia, feito o balanço, tivemos dois mortos na população e alguns feridos ligeiros e muitas palhotas destruídas, alguns de nós ficaram só com a roupa que tínhamos no corpo.

Aproximava-se a véspera de Natal, e para o  rancho pouco havia... O meu cabo nativo Ananias Pereira Fernandes sugeriu que ia tentar caçar qualquer coisa e caçou,  arranjou óleo de chabéu e arroz e cozinhou uma maravilha que todos na messe gostaram, mas quando chegou a altura de mostrar o troféu,  a cabeça do macaco cão,  houve quem não aguentasse o estômago... Guardei essa caveira do macaco por anos.

E foi este o primeiro Natal na Guiné do Pel Caç Nat 54.

Foto 1 - Palhota dos Furriéis e o Alf Freitas da 1439
Foto 2 - A nossa segunda residência
Foto 3 - Sítio do Unimog
Foto 4 - Depósito de géneros

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Nota do editor:

Último poste da série > 25 de dezembro de 2017 > Guiné 61/74 - P18137: O meu Natal no mato (45): Um Natal antecipado: 23 de dezembro de 1967 em Gadamael Porto (Mário Gaspar), ex-fur mil art, MA, CART 1659, Gadamael e Ganturé, 1967/68)