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segunda-feira, 21 de fevereiro de 2022

Guiné 61/74 - P23014: Depois de Canchungo, Mansoa e Cufar, 1972/74: No Espelho do Mundo (António Graça de Abreu) - Parte XXVIII: Chile, Valparaiso, fevereiro de 2020






Chile, Valparaíso, Fevereiro de 2020 > A primeira foto é da Casa Museu de Pablo Neruda, "La Sebastiana"... Texto e fotos recebidos em 8/2/2022. A última, o autor junto a uma estátua dedicada a  Cristóvão Colombo.

Fotos (e legenda): © António Graça de Abreu (2022) Todos os direitos reservados. [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


Valparaíso, Chile, Fevereiro 2020

por António Graça de Abreu

[Escritor e docente universitário, sinólogo (especialista em língua, literatura e história da China); natural do Porto, vive em Cascais; autor de mais de 20 títulos, entre eles, "Diário da Guiné: Lama, Sangue e Água Pura" (Lisboa: Guerra & Paz Editores, 2007, 220 pp); é membro da nossa Tabanca Grande desde 2007, tem mais de  três centenas de referências no blogue. ]


Levantar cedo, partir na impossível-possível descoberta de Valparaíso, terceira maior cidade do Chile, 300 mil habitantes, vidas duras e difíceis. Avisos para ter muito cuidado com as carteiras, as bolsas, os telemóveis, as máquinas fotográficas, para não utilizarmos os transportes públicos e evitar certas zonas urbanas. Enfim, conselhos para sobrevivermos incólumes diante dos amigos do alheio, na aventura de nos lançarmos sozinhos por dentro dos grandes burgos da América Latina.

Subo para um velhíssimo minibus, pago cerca de 50 cêntimos de euro pelo bilhete por um percurso de dois quilómetros. Saio na Plaza Sotomayor, que será o centro histórico de Valparaíso enquadrado por um bonito edifício azul, datado de finais do século XIX onde funciona a Comandancia da Armada. 

Na Plaza, destaque para o monumento e mausoléu aos Heróis de Iquique, uma batalha travada na chamada Guerra do Pacífico, em 1880, entre o Chile e a Bolívia/Peru, vencida pelos marinheiros e soldados chilenos em Iquique, na altura território boliviano e hoje terra do Chile.

A cidade foi fundada em 1536 pelo espanhol Juan de Saavedra que lhe chamou Valparaíso em honra da sua aldeia natal de nome Valparaíso de Arriba, na província castelhana de Cuenca. Desempenhou um importante papel na história do Chile, sobretudo antes da abertura do canal do Panamá, assumindo-se como porto de mar fundamental no comércio do Pacífico e na ligação com Santiago do Chile. 

Fizeram-se e desfizeram-se fortunas nesta terra, construíram-se grandes mansões, igrejas e os mais variados edifícios públicos, alguns deles não resistiram à passagem dos anos, outros mantiveram-se gloriosamente de pé, mau grado os abalos dos terramotos frequentes na região.

Valparaíso, encostada à serrania, alargou-se subindo em escadinha por 45 cerros, tem dezasseis funiculares. Logo a seguir ao porto impera uma confusão de ruas, travessas e vielas que trepam pelos montes. Por isso, se diz que as pernas das mulheres de Valparaíso são as mais bonitas do Chile, esculpidas, alindadas, trabalhadas nestas subidas e descidas pelas trezentas ou quatrocentas escadarias da cidade.

Vou ao encontro da casa que pertenceu a Pablo Neruda (1904-1973). O poeta chileno, Prémio Nobel da Literatura, deu-lhe o nome de Sebastiana, homenageando o seu construtor que a desenhou de raiz, o espanhol Sebastian Collado. 

Era o lugar secreto -- mas conhecido por toda a gente --, onde o poeta se encontrava com as suas amantes e onde acabou por falecer, logo após o 11 de Setembro de 1973. Foi vandalizado depois da sua morte, mas está hoje restaurado como museu. 

Neruda explica como e porquê desejou esta casa: “Siento el cansancio de Santiago. Quiero hallar en Valparaíso una casita para vivir y escribir tranquilo. Tiene que poseer algunas condiciones. No puede estar ni muy arriba ni muy abajo. Debe ser solitaria, pero no en exceso. Vecinos, ojala invisibles. No deben verse ni escucharse. Original, pero no incómoda. Muy alada, pero firme. Ni muy grande ni muy chica. Lejos de todo pero cerca de la movilización. Independiente, pero con comercio cerca. Además tiene que ser muy barata ¿Crees que podré encontrar una casa así en Valparaíso?”

Pablo Neruda encontrou mesmo. E aqui, depois de lapidar mais sortilégios envoltos nas mil magias do fluir da vida, exaurindo, por bem, tanto mundo, o poeta desceu à terra, descansou numa nuvem e mergulhou no mar.

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Nota do editor:

Último poste da série > 10 de fevereiro de  2022 > Guiné 61/74 - P22986: Depois de Canchungo, Mansoa e Cufar, 1972/74: No Espelho do Mundo (António Graça de Abreu) - Parte XXVII: Castro Laboreiro, Parque Nacional da Peneda-Gerês