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domingo, 25 de agosto de 2024

Guiné 61/74 - P25879: Contos do ser e não ser: Adão Cruz, ex-Alf Mil Médico da CCAÇ 1547 / BCAÇ 1887 (32): "Ciência e poesia"

Adão Pinho Cruz
Ex-Alf Mil Médico da CCAÇ 1547
Autor do livro "Contos do Ser e Não Ser"


Ciência e poesia

Encontrava-me num café de Paris, na Place de Contrescarpe, onde Edith Piaf, un petit oiseau, iniciara a sua carreira como cantora de rua.

Eu sonhava… Nessa altura não era proibido sonhar. Pelo contrário, era obrigatório sonhar.

À medida que a luz da manhã crescia, insubstancial e fria, eu descia a rue Mouffetard. À minha direita, descia Tchaikovsky e, à minha esquerda, subia Van Gogh.

Madrugavam ambos as suas inquietas e inflamadas personalidades nessa horizontal e fresca manhã do século dezanove.

- Bonjour, monsieur Van Gogh!
- Bonjour, monsieur Pyotr Ilitch!
- Bom-dia, rapaziada!
- Une merde, une merde, cochicharam os dois!

Sorridente e feliz, segui o meu caminho para a Salpêtrière. Estávamos nos primórdios da ecocardiografia, e debatia-se a soberania da famosa vertente E - F da válvula mitral.

A melodia e a cor entraram em mim pelas mãos da ciência. Para lá do frio, academismo, ciência e poesia confundem-se. A chama da poesia acende os dedos da paixão, onde mora o brilho da inspiração, na conquista da harmonia do saber a caminho do horizonte. A ciência enriquece a poesia. Ciência sem poesia é violino sem alma, mas disso nada entendiam nem Van Gogh nem Tchaikovsky.

Na entrada do anfiteatro, um busto holográfico de Hipócrates falava-nos mansamente. A mim piscou-me o olho e disse-me, por entre dentes: mon fils la vie de la science est le chemin pour la rencontre de nous mêmes.

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Nota do editor

Último post da série de 18 de agosto de 2024 > Guiné 61/74 - P25854: Contos do ser e não ser: Adão Cruz, ex-Alf Mil Médico da CCAÇ 1547 / BCAÇ 1887 (31): "A luz era azul"

domingo, 2 de julho de 2023

Guiné 61/74 - P24445: (In)citações (253): A Grande Conquista (Adão Cruz, ex-Alf Mil Médico da CCAÇ 1547 / BCAÇ 1887, Canquelifá e Bigene, 1966/68)



A GRANDE CONQUISTA

adão cruz

“A grande conquista”, palavras de António Damásio num dos seus livros, referindo-se à origem dos sentimentos e da consciência, constitui, a meu ver, uma espécie de visão através de um binóculo construído por miríades de pecinhas científicas, da ponte entre o cérebro, a mente, o pensamento e a consciência. Ponte essa, muito difícil de visualizar com o curto alcance dos nossos olhos do dia-a-dia e com a nossa escassa vontade de pensar. Esta é a grande incógnita das Neurociências, cujos contornos há muito se começam a deixar definir. De uma forma extremamente simplista, permitam-me que vos transmita aquilo que vejo através desse tal binóculo que tantos cientistas me emprestaram.

Os primeiros seres unicelulares, viveram isolados, sem conexões, bastando-se a si próprios. A vida foi dando passos muito lentos, contínuos e progressivos, durando cada um deles milhares de milhões de anos. Os seres unicelulares foram-se aproximando, tornaram-se vizinhos, começaram por cumprimentar-se, iniciaram seguidamente ligações e colaborações entre si, transformaram-se em seres grupais, multicelulares, criaram meios de transportes entre eles, sistemas sanguíneos, linfáticos e outros, a fim de levar a cada um deles fluidos contendo alimentos e substâncias químicas, organizaram-se em primitivas colónias chamadas órgãos, e posteriormente em conjuntos de órgãos, empresas denominadas organismos, para os quais tiveram de criar administradores a que se deu o nome de Sistemas Nervosos, os quais passaram a interagir e comunicar com todas os sectores orgânicos por telemóveis e e-mails denominados hormonas e neurotransmissores.

Ao fim de milhares de milhões de anos, o cérebro e todas as estruturas nervosas começaram a ter a capacidade de gerar imagens representativas do mundo exterior, do mundo em seu redor, através dos estímulos sensoriais que lhes chegavam. A existência de imagens só se tornou possível quando os sistemas nervosos atingiram um nível particularmente elevado. Extremamente importante também, foi a capacidade de mapearem no seu interior todo o mundo exterior que os envolvia. O mapeamento destas imagens constitui a pedra basilar da mente. Aquilo que António Damásio chama o “circunjacente”, isto é, o mundo dentro de todo o organismo. Só desta forma, foi possível associar as imagens que foram levadas ao cérebro e a todo o organismo, de tudo o que se passava no seu mundo externo, com as imagens recriadas no seu mundo interno. Todavia, nenhum destes fenómenos é estanque. Tudo faz parte de um Todo, uno e indivisível, inserido numa dinâmica única e imparável. Daqui em diante, a Natureza, nos passos lentos e progressivos de muitos milhares de milhões de anos da Evolução, começou gradualmente a desenvolver a Mente, isto é, a capacidade de integrar, coordenar, gerir e validar toda a informação, cada vez mais complexa, resultante da interacção entre estes dois mundos, cada vez mais um só. A partir daqui, não será difícil entender que esta prodigiosa capacidade das estruturas neurológicas, ao gerar e gerir a portentosa riqueza da memória, do saber e do intelecto seja o berço do Pensamento. E menos difícil ainda será conceber como filhos do Pensamento, o Sentimento, a Consciência, a Reflexão e a Decisão. E não vai levar muito tempo, penso eu, a pormos o binóculo de lado, pelo menos nesta travessia.

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Nota do editor

Último poste da série de 25 DE JUNHO DE 2023 > Guiné 61/74 - P24430: (In)citações (251): "Hoje falamos dela", de Adão Cruz, ex-Alf Mil Médico da CCAÇ 1547 / BCAÇ 1887 (Canquelifá e Bigene, 1966/68)

terça-feira, 4 de abril de 2023

Guiné 61/74 - P24195: (In)citações (236): "Reflexão sobre a Ciência" (Adão Cruz, ex-Alf Mil Médico da CCAÇ 1547 / BCAÇ 1887, Canquelifá e Bigene, 1966/68)

REFLEXÃO SOBRE A CIÊNCIA

adão cruz

Sou um materialista convicto, no sentido filosófico-científico, sem qualquer angústia sobrenatural ou metafísica, não perfilhando qualquer dualismo corpo-espírito, a não ser em termos académicos. Desta forma, considero a Ciência como a mais segura plataforma de partida para o caminho do saber e da verdade.

A Ciência oferece-nos perspectivas francamente inovadoras, mesmo sem contribuir com respostas directas e imediatas para todas as questões. A Ciência constitui a mais segura contribuição para a descoberta do homem e do mundo. A permanente interacção da evolução dos conhecimentos científicos com a cultura deve fazer parte da vida de todos nós. A Ciência, em permanente desenvolvimento, interfere constantemente em todos os domínios do quotidiano, e cria a necessidade de critérios de excelência em qualquer dos campos da educação e do progresso, a fim de tornar mais fácil o entendimento da vida. Sem a Ciência não há educação que resista, não há educação da verdade, não há verdade que não esteja conspurcada de crendice. Todavia, nem a Ciência nem a técnica têm sentido se não forem instrumentos para a realização plena da humanidade.

Ao apresentar-me assim, como intransigente defensor da Ciência, fazendo a apologia da Ciência como o mais verdadeiro de todos os caminhos, não deixo de ter em atenção a posição dos que atribuem à Ciência um cunho elitista, considerando-a parte de uma invenção diabólica que apenas serve para a consolidação cada vez maior do poder económico dos senhores do mundo. Neste sentido, a Ciência passaria a ser um instrumento de produção, mais associada ao poder de enriquecimento do que à criação do saber. Daqui a grande contradição entre a maravilha da Ciência e a perversidade das suas aplicações. Não podemos conceber, no entanto, um desenvolvimento sem Ciência, a grande luz contra todos os obscurantismos. Podemos e devemos, isso sim, ter sobre ela uma visão crítica, reconhecendo o seu incomensurável papel no desenvolvimento da humanidade e não desprezando os seus perigosos desvios. Um campo infinito, apaixonante e imparável, que tanto pode ser usado para reforço do poder dominante, como pode estar ao serviço de uma sociedade mais justa, mais verdadeira, mais progressista e igualitária.

Podemos concluir, dizendo que o mal não está nem nunca esteve na Ciência, mas no uso negativo que o ser humano lhe dá.

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Nota do editor

Último poste da série de 2 DE ABRIL DE 2023 > Guiné 61/74 - P24186: (In)citações (235): "Reflexão sobre as palavras" (Adão Cruz, ex-Alf Mil Médico da CCAÇ 1547 / BCAÇ 1887, Canquelifá e Bigene, 1966/68)