Tenho pena de quem não fez praia, por mil e uma razões, se calhar a primeira das quais é a constatação de que o tempo também já não é o que era... Ora o céu está nublado, ora a nortada corta a respiração, ora o banheiro não mandou ligar o aquecimento central, ora as marés roubaram a areia à praia, ora a senhora Covid-19 é que passou a ditar a moda...
Confesso que este ano não fiz praia. Já não o fiz, o ano passado. "Fazer praia", para mim significava, desde há uns anos largos, fazer umas boas caminhadas, ao longo do areal, na maré vazia, de preferência de manhã, em praias com rocha e muito iodo... Por outras palavras, apanhar logo uma bebedeira matinal de azul, sol, sal e iodo...no "meu querido mês de agosto"... Que não o é mais...
Por agora, limito-me a ficar na esplanada,à beira-margem, a apanhar sol, a ler ou a escrever , a blogar, a ver o mundo s passar a passar e, de tempos a tempos, comer um choquinho frito, à hora do pôr do sol. Há prazeres na vida cujas memórias emocionais a gente vai levar para a outra vida... Se nos deixarem, claro, passá-las, lá na alfândega que há entre a terra e o céu... Duvido, no entanto, que deixem passar o nosso contrabando...
Para já não sei quando (nem muito menos se...) posso voltar às minhas caminhadas da Praia da Areia Branca até ao Paimogo, passando pelo Vale de Frades e o Caniçal... E a "cartografar" as rochas, com a máquina fotográfica em punho ou a tiracolo... Lamentavelmente, já nem fotografia faço...
Enfim, espero que o meu ortopedista, esse, sim, faça um milagre lá para outubro ou novembro... É bom, amigos e camaradas, acreditar em milagres, mesmo quando se é um homem de pouca fé...
2. Mas já que falamos do verão fugidio e incerto de 2021, do verão do nosso descontentamento, é de perguntar: e as nossas comidinhas, amigos e camaradas ?
Desde a primavera que não publicamos um poste da série " No céu não há disto... Comes & bebes: sugestões dos 'vagomestres' da Tabanca Grande"... O último foi o nº 29, com data de 22 de abril de 2021 (*).
A "chef" Alice, cá pelos meus lados, no meu "restaurante favorito", continua a fazer coisas boas, e às vezes muito boas: por exemplo, um arrozinho de lingueirão, há dias, ou um xarém de ameijoas (, que aqui não há conquilhas), prometido para a próxima semana, a par de um espadarte grelhadinho... Coisas que não tenho publicado para que não me acusem de "favorecimento pessoal" e de "concorrência desleal"... E falo dela, da "chef" Alice, porque eu nem para ajudante sirvo: sei abrir umas ostras, cortar ao meio um lavagante ou preparar uma sapateira... Ah!, sei abrir também latas; de atum, de feijão, de grão de bico...
Mas, como os nossos vossos vagomestres andam pouco criativos ou falhos de iniciativa, vou ter que arrancar com o material que há... E este é do bom, é do nosso Valdemar Queiroz que, pese embora a sua costela minhota, ainda está de longe nos poder e querer revelar todos os seus secretos dotes culinários...
3. Escreveu o Valdemar Queiroz, em comentário ao poste P22494 (**);
João Crisóstomo, peço desculpa de, num poste atrasado, ter chamado "Encontros do Bacalhau" à ilustre e internacionalmente famosa "Academia do Bacalhau".
Não há dúvida, o bacalhau faz parte do ADN dos portugueses.
Teria sido o meu conterrâneo navegador-armador João Álvares Fagundes (c.1460-1522), a quem se deve o reconhecimento de parte das costas do nordeste americano, quem começou a comercializar o bacalhau que, depois de salgado e seco, servia de alimento nas grandes viagens dos Descobrimentos e nos períodos de abstinência / jejum de comer carne.
Depois, foi o nunca mais parar, confecionado de 1001 maneiras, e que toda a gente gosta.
Nas minhas várias idas aos Países Baixos, à casa do meu filho, habituei os brabantinos da família (Brabante, Província Neerlandesa fronteira com a Bélgica) a comer bacalhau, que eles chamam "kabeljauw" (lê-se: "cabaliau"), na ceia de Natal e agora atiram-se ao bacalhau para assar na brasa de que também gostam.
Só para dar apetite, vai uma receita que a minha avó Maria (***) fazia, às vezes, em dias de fornada de pão:
Bacalhau demolhado
Folhas de couve
Linha grossa
Batatas
Cebola
Azeite
Broa de milho
Modo de fazer:
(i) depois do bacalhau demolhado, passar folhas de couve por água fria;
(iii) a postas de bacalhau são envolvidas na couve e seguradas com linha grossa para ir ao forno;
(iv) enquanto estão no forno, estando as batatas cozidas, cortam-se às rodelas e alouram-se em azeite na sertã;
(v) as postas são retiradas do forno quando as folhas de couve secarem completamente;
(vi) retira-se a linha, colocam-se as postas numa travessa juntamente com as rodelas das batatas fritas;
(vii) e para finalizar põe-se por cima cebola às rodelas finas e rega-se com bastante azeite;
(viii) acompanha-se com broa de milho... e tinto ou branco do melhor!
E depois vai um 'Vai Acima, Vai Abaixo, Vai a Cima e Bota Abaixo', que deste já não há mais.
Valdemar Queiroz
PS - A receita do bacalhau não era propriamente da minha avó Maria, em várias casas também era assim feito em dias de 'cozedura' da broa de milho. A minha mãe, em Lisboa, fazia no forno a gás. No forno a lenha, sobrava calor para as couves com 'cosedura' em volta do bacalhau a assar.
Mas, como andas de braço dado com uma afamada cozinheira de estrelas Michelin, podes chamar, será a 1002, "Bacalhau da Queiroza à moda da Alice".
"Bravo, Valdemar, só preciso de arranjar uma foto à maneira, depois publico a receita da avó Maria na nossa série do "Comes & Bebes"... Este saber gastronómico lusófono (mais do que lusitano), que passa de geração em geração, não pode perder-se!... Bolas, e ainda falta tanto tempo para o Natal!... Luis"
Notas do editor:
(*) Últimas sugestões;15 de abril de 2021 > Guiné 61/74 - P22105: No céu não há disto... Comes & bebes: sugestões dos 'vagomestres' da Tabanca Grande (28): sável frito com açorda de ovas, à moda da "chef" Alice, inspirando-se na gastronomia de Vila Franca de Xira