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quarta-feira, 24 de julho de 2024

Guiné 61/74 - P25773: O melhor de... A. Marques Lopes (1944-2024) (6): Et maintenant que vais-je faire / De tout ce temps que sera ma vie... ?!

A. Marques Lopes, s/l
(EPI, Mafra ?)
 s/d (c. 1966 ?)
1. Os seminários da Igreja Católica forneceram às forças armadas portuguesas, e sobretudo ao exército (mas também à FAP e aos paraquedistas), importantes contingentes de graduados, milicianos, durante a guerra colonial. Furriéis, alferes, capitães. Mas também cabos e soldados, que não quiseram dar as habilitações literárias (ou que não chegaram a completar o 5º ano). (*)

Em quantidade e qualidade. Em geral, eram jovens com boa formação humana, moral e intelectual, com hábitos de disciplina, sacrifício, resiliência e abnegação, mas também de treino físico e prática desportiva... E em princípio estariam mais protegidos contra as "ideias subversivas" (ou "dissolventes") que grassavam nos liceus e universidades, sobretudo a partir da crise estudantil de 1962…
 
Tinham, além disso, competências relacionais (liderança, trabalho em equipa, 
comunicação, gestão de conflitos,  do tempo e do stress) que eram relevantes para a condução de grupos de combate, em difíceis teatros de operação como o da Guiné.  Tinham também uma boa cultura geral (com bons conhecimentos de latim e  do grego, e da literatura da antiguidade clássica), a par do gosto pela música.   Alguns animaram os "jornais de caserna" no mato e escreveram a histórias das unidades…

Muitos eram oriundos do meio rural, ou de pequenas cidades e vilas do interior, mais conservador do que o meio citadino. Vinham de famílias pobres ou remediadas, um ou outro excecionalmente da elite ou da classe média alta.  Em geral, eram cooptados por toda uma vasta rede informal de professoras do ensino primário, catequistas e párocos, angariadores de potenciais vocações sacerdotais de entre os melhores alunos do ensino primário obrigatório.

Os seminários menores e maiores, tanto diocesanos como das ordens religiosas (salesianos, franciscanos, dominicanos, jesuitas...) , ofereciam a estes jovens oportunidades de educação e mobilidade social ascendente que, à partida, lhes eram vedadas pela sua origem sociofamiliar e a tacanhez da terra onde viviam. O acesso, nomeadamente ao ensino liceal, era limitado a certas camadas da população urbana. A barreira começava na preparação e nos exames de admissão ao liceu. As provas, escritas e orais, eram feitas em geral nas capitais de distrito, bem longe das pacatas vilas e aldeias do interior do país…

Está por estudar o papel dos ex-seminaristas na nossa longa guerra colonial (1961/74)… Muitos deles, depois da saída do seminário (em geral, na sequência de uma dupla crise, vocacional e de fé), eram rapidamente chamados para a tropa… 

Recorde-se que, por força da Concordata de 1940 (assinada entre Portugal e o Vaticano), os sacerdotes católicos estavam dispensados do serviço militar obrigatório, podendo depois servir a Pátria como capelães castrenses, dependendo da vontade do seu bispo e das necessidades das Forças Armadas. Os seminaristas gozavam do mesmo privilégio no período da sua formação.

Sobretudo os que deixavam de frequentar o seminário maior (curso de teologia, que se iniciava no 7º ano, de um total de 12 anos letivos) eram rapidamente chamados às fileiras do exército. Recorde-se que as suas habilitações literárias não eram automaticamente reconhecidas pelo sistema de ensino oficial. Davam equiparação apenas para efeitos de emprego público e para a tropa. 

Os ex-seminaristas, com o 7º ano ou mais, não podiam inscrever-se automaticamente (e prosseguir os seus estudos) na escola pública e muito menos na universidade. Ou seja, o 7º ano do seminário (equivalente a 11 anos de escolaridade) não tinha os mesmos efeitos legais do 7º ano do liceu, para efeitos académicos.

Não tinham, por isso, direito ao famoso "adiamento", de que beneficiavam  os estudantes universitários que não reprovassem (e que se "portassem bem", não se metendo em "encrencas")… Não admira, por isso, que em quase todas as unidades ou subunidades houvesse um ou mais alferes miliciano, furriel miliciano, ou 1º cabo, ex-seminarista.  

Faltam-nos histórias de vida, relatos autobiográficos, diários, depoimentos, entrevistas, trabalhos de investigação, estatísticas… Temos mais de meia centena de referências com o descritor "seminário", no nosso blogue. 

Há já alguns romances ou livros de cariz autobiográfico sobre este tema (o seminário e a guerra colonial): recorde-se aqui, entre outros, a talhe de foice (todos eles com referências no nosso blogue): 

(i) "Construção e Desconstrução de um padre", de Horácio Neto Fernandes  (Porto, Papiro Editora, 2009) 

(ii) "O Seminarista e o Guerrilheiro”, de Cândido Matos Gago (Grândola, edição de autor, 2015); 

(iii) "Cabra-cega: do seminário para a guerra colonial", de João Gaspar Carrasqueira (pseudónimo do nosso camarada A. Marques Lopes) (Lisboa, Chiado Editora, 2015);

(iv) "O Silvo da Granada, Memórias da Guiné", de José Maria Martins da Costa (Lisboa, Chiado Books, 2021);


2. Retomamos o livro do A. Marques Lopes, "Cabra Cega", que tem no subtítulo, de maneira explícita, a figura do seminário: "do seminário à guerra colonial" (**). 

Este excerto do seu livro de memórias, é retirado das pp. 219/223 , seguindo a seleção que ele próprio fez na sua página do Facebook, na postagem de 27 de setembro de 2022, às 16:32 (aqui a narrativa era já feita na 1ª pessoa do singular, assumindo o autor que o "Aiveca" do livro era o seu "alter ego"...). Mantemos a versão do livro de 2015 ("Cabra Cega", Lisboa, Chiado Books).

Aiveca e os outros alferes da companhia, acabados de serem promovidos (Zé Pedro, Aprígio, Castro) falam da "missa de despedida", a que o primeiro se furtou de ir, argumentando que estava farto de missas, e que era bem melhor que o capelão pegasse no tema do Gilbert Bécaud, que se cantava na instrução em Lamego, no curso de operações especiais: "Et maintenant que vais-je faire / De tout ce temps que sera ma vie..." (E, agora, o que é que eu vou fazer / De todo este tempo que vai ser a minha vida...)


Et maintenant que vais-je faire, de tout ce temps que sera ma vie... ?!

por A. Marques Lopes (1944-2024)


Fomos promovidos a alferes antes do embarque. Ia haver também aquilo a que chamaram cerimónia de despedida, a que se seguiria uma missa na parada.

Aiveca não tinha vontade nenhuma de assistir à missa quando soube que ia haver. Com muito menos ficou quando o capitão, que os tinha reunido para falar do que havia, acrescentou que era o major-capelão Euclides que ia celebrar a missa.

– Que filho da puta  sussurrou entre dentes.

Os outros alferes olharam para ele.

 Disse alguma coisa, Aiveca ?  
– perguntou o capitão.

Ainda bem que não o ouvira.

 Meu capitão, estava a dizer que não vou à missa – r
espondeu.

Agora eram todos espantados, inclusive o capitão. Viu que tinha de dar uma explicação, mas não ia dar a verdadeira.

 É que eu não sou católico  
– foi a razão mais rápida que encontrou.

Admiração geral. O capitão ficou hesitante, parecia embuchado, sem palavras.

 Tá bem, se é assim…   
– lá acabou por dizer, mas pareceu contrariado por não ter argumentos.

Ainda se lembrava da conversa parva do padre Euclides quando o encontrara no Cais do Sodré, estava ele a trabalhar no porto de Lisboa. Quando soube disso abriu os olhos horrorizado: "Cuidado com os comunistas!"... 

Era uma besta, não gostava nada dele. Já sabia que ele e o padre Gama tinham ido para capelães-militares, o Gonçalves dissera-lhe quando estava no RI1, mas estava longe de ver aquele gajo ali. Se fosse o Gama,  era diferente. Ele fora o seu professor da instrução primária no colégio dos padres, dera-lhe uma ou outra palmatoada, é verdade, mas fora sempre um bom amigo dos miúdos. Se fosse ele até iria à missa e gostaria de falar com ele no final.

Meteu-se no bar de oficiais durante a missa mas não se livrou de a ouvir e ao sermão do Euclides, porque os altifalantes gritavam para todo o lado. Nada de novidade, já sabia que daquele não sairia outra coisa. Fez uma bela dissertação sobre o amor à pátria, a defesa do património nacional, etc. Esqueceu-se é de falar contra os comunistas.

Passado algum tempo depois de tudo terminar, apareceram os outros alferes. O Zé Pedro olhou para o meu copo e disse ao barista para lhe trazer também um whisky.

 Então, gostaram da missa?
 perguntocau o Aiveca.

O Castro e o Zé Pedro disseram que sim, mas sem grande ênfase. "Estão com receio de ferir as minhas crenças", pensou com um sorriso irónico. Ficaram silenciosos depois.

 
– Olha lá – decidiu-se o Aprígio, que não dissera que sim nem que não  , afinal qual é a tua religião?”

 
– Estava a ver que não me perguntavam – riu-se.  – Eu vou dizer. Mas não vão bufar nada ao capitão, tá bem?

Todos abanaram a cabeça e disseram seriamente que nem pensar, pá.

 Ó meus amigos, eu tenho de ser católico, apostólico, romano. Batizaram-me quando era bebé, ainda não sabia dizer nem que sim nem que não, só me deu para chorar, é o que dizem os meus pais. Depois, quando era puto e andava num colégio de padres, fiz a comunhão solene e fui crismado. Se dissesse que não queria corriam comigo, mas nem pensar pois estava lá de borla e os meus pais não me podiam pôr noutra escola. Mas, olhem, na altura até achei piada àquilo, foi giro. É isto. Como vêem sou oficialmente católico desde a nascença, como a maioria em Portugal.

Ficaram perplexos. Aiveca percebeu-se que esperavam uma novidade, algo que desse para fazerem mais perguntas. O Aprígio, sobretudo, pareceu desiludido. Só o Zé Pedro reagiu.

 Ó Aiveca, mas, então, porque não quiseste ir à missa?

– Não quis porque já estou farto de missas, é isso.

Não quis dizer que não gostava do major-capelão para não ter que explicar porquê. Nem porque estava farto. Fizera contas e chegara à conclusão que assistira a mais de 4.200 missas, contando as do seminário e as do colégio dos padres. Nunca lhes dissera que tinha estado no seminário e não era agora que ia dizer.

 
– É a tua maneira de ver  – continuou o Zé Pedro.   – Mas eu acho que esta missa foi importante para malta que vai para a guerra. Deu-nos mais calma e confiança na ajuda de Deus.

 
– Talvez, no geral, uma missa tenha esse objetivo, tá bem, pode ser que sim. Mas o desta não foi este. Foi antes um apelo à guerra, bem patente no sermão do major-capelão, nada diferente do que disse o comandante do Regimento na cerimónia da despedida nem do que dizem os membros do Governo.

– Isso é verdade, é todos o mesmo  – disse o Aprígio.  – E olhem, se eu não fosse para a guerra é que era uma grande ajuda de Deus. Podem ter a certeza que assim é que ficaria bestialmente calmo.

– Ó Aprígio, estou a ver que tu e o Aiveca não estão a entender.

–  Diga lá, doutor Castro.

O Aiveca sorriu sem o hostilizar, embora imaginasse que ia sair dali palermice.

 Não gozes. Os discursos de Salazar visam mentalizar o povo para a necessidade de fazer a guerra e o que disse o comandante do Regimento e o sermão do padre tiveram como objectivo motivar os soldados para se empenharem nela. Acho importante isso.

 O coronel e o Salazar percebo, é o papel deles. O padre é que não tinha nada que se meter nisso, fazer pandã com eles, não é esse o papel dele. Era melhor que glosasse aquela do Gilbert Bécaud que tu conheces lá de Lamego.

Quis ser mau e cantou: “Et maintenant que vais-je faire, De tout ce temps que sera ma vie, De tous ces gens qui m’indiffèrent.”

O Aprígio e o Zé Pedro riam-se, o Castro estava sério.

– Disto é que ele devia falar
 disse Aiveca acabando de cantar. – Mas estou a ver que não percebem nada de francês, nem tu, Castro. Ouvias sem saber o que o Bécaud dizia. Só fazia que saltasses da cama.


António Marques Lopes

Página do Facebook do A. Marques Lopes | 27 de setembro de 2022, às 16:32 e livro "Cabra Cega" (2015, pp. 219/223)


(Seleção, revisão / fixação de texto, título, negritos, itálicos, parênteses retos: LG)

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Capa do livro "Cabra-cega: do seminário para a guerra colonial", de João Gaspar Carrasqueira (pseudónimo do nosso camarada A. Marques Lopes) 
(Lisboa, Chiado Editora, 2015, 582 pp. ISBN: 978-989-51-3510-3, 
Colecção: Bíos, Género: Biografia).



Capa do livro "Cabra-cega", de A. Marques Lopes, lançado no Brasil (Paperblur, São Paulo, 2019). Não está à venda nas livrarias, é impresso sob encomenda, é um novo conceito de edição.
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Notas do editor:

(*) Vd. poste de 26 de agosto de 2018 > Guiné 61/74 - P18954: (Ex)citações (343): porquê tantos ex-seminaristas nas fileiras do exército, durante a guerra colonial? (António J. Pereira da Costa / Virgílio Teixeira / José Nascimento / A. Marques Lopes / Juvenal Amado)

(**) Postes anteriores da série:

segunda-feira, 3 de julho de 2023

Guiné 61/74 - P24447: Casos: a verdade sobre... (34): A CCAÇ 2792 (Catió e Cabedú, 1970/72), comandada pelo cap inf Augusto José Monteiro Valente (1944-2012), e depois maj gen ref, que embarcou para o CTIG sem três alferes (que terão desertado) e durante a IAO ficou sem o último, por motivos disciplinares...


Guião da CCAÇ 2792 Cortesia do nosso tabanqueiro Amaral Bernardo, ex-alf mil médico, CCS/BCAÇ 2930 (Catió, 1970/72), esteve na CCAÇ 2726, uma companhia independente, açoriana, que guarneceu Cacine (1970/72); passou também cerca de um ano (1971) em Bedanda (CCAÇ 6); tem cerca de meia centena de referências no blogue.

1. Quem ler o resumo da história da CCAÇ 2792 (Catió e Cabedú, 1970/72) não se apercebe do "drama" do seu pessoal e do seu comandante... Esta subunidade partiu para a Guiné, no T/T Carvalho Araújo,  em 19 de setembro de 1970,  desfalcada de três dos seus quatro oficiais subalternos: não compareceram ao embarque, por razões que desconhecemos (ou melhor: "desertaram", segundo a cópia da história da unidade que possuímos, com anotações manuscritas, que presumimos serem da autoria do seu antigo comandante, falecido aos 68 anos como maj gen ref, Augusto José Monteiro Valente).

Quando estava a fazer a IAO (Instrução de Aperfeiçoamento Operacional), no CIM de Bolama  (instrução que terminou a 30 de outubro de 1970), o seu único alferes, miliciano,  e para mais com a especialidade de operações especiais, foi transferido no dia 22 desse mês e ano, por motivos disciplinares.

Quando a companhia estava pronta, em 16 de novembro de 1970, para embarcar em LDM paar Bissau e depois para o sector que lhe foram destinado no sul da Guiné (Catió e Cabedú), não tinha oficiais subalternos... Uma situação anómala e talvezs inédita... Mas os problemas de pessoal  não ficaram só por aqui... Leia-se este excerto da história da unidade, cap I, pág. 61:

(...) CONCLUSÃO:

1.  No aspeto de pessoal, a Companhia começou a sua vida na Guiné bastante mal, dada a falta de três oficiais com que embarou na Metrópole, situação agravada posteriormente por o único subalterno presente ter sido transferido por motivo discxiplinar

En consequéncia a Instrução de Aperfeiçoamento Operacional (IAO) descorreu sem subalternos. Estes só começaram a chegar quando a subuniddaes entrou em Sector.

Felizmente o espírito de corpo e de disciplina das praças era bastante forte e os sargentos chamados  ao comando dos Grupos de Combate revelaram-se competentes para o cargo-. A Compamhia,apesar das dificuldades por que passou no início, manteve-se coesa e disciplinada.

2. Ao longo da comissão a Companhia foi sendo privada de furriéis quer, pelas suas suas qualidades, foram colocados em diligênnci em subunidades africanas. Para ocupar as suas vagas foram chegando furriéis recém-vindos da Metrópole, sem contacto com tropas  e que colocados de repente no comando de militares já  com meses de comissão, afetariam necessariamente o ritmo da atividade da Companhia.

3. Uma companhyia, se se pretende seja eficiente, não pode ser ser constituída só por 144 praças, 17 sargentos e 5 oficiais; é necesaário, além disso, que estes homens formem uma "unidade, que se conheçam uns aos outros, que se estimem e amem mutuamente, o que náo pode ser conseguido com mudanças frequentes do pessoal que a constitui. (...) (*)

(Seleção / revisão e fixação de texto / negritos: LG)


2. Ficha  da unidade: Companhia de Caçadores n." 2792

Identificação: CCaç 2792

Unidade Mob: RI 16 - Évora

Crndt: Cap Inf Augusto José Monteiro Valente (**)

Divisa: - "P'rá Frente"

Partida: Embarque em 19Set70; desembarque em 020ut70 | Regresso: Embarque em 08Set72

Síntese da Actividade Operacional

Após ter realizado a IAO, de 05 a 310ut70, e ainda efectuado o treino operacional, de 01 a 15Nov70, no CIM, em Bolama, seguiu, por fracções, em 18Nov70 e 04Dez70, para Catió e Cabedú.

Em 06Dez70, rendendo a CArt 2476, assumiu a responsabilidade do subsector de Catió, com dois pelotões no destacamento de Cabedú, ficando integrada no dispositivo e manobra do BArt 2865 e depois do BCaç 2930, tendo sofrido várias flagelações aos aquartelamentos e executado patrulhamentos, emboscadas e contactos com as populações.

Em 21Ago72, foi rendida no subsector de Catió pela CArt 6251/72, tendo-se deslocado por fracções, em 13Ago72 e 23Ago72, para Bissau, a fim de  aguardar o embarque de regresso.

Observações - Tem História da Unidade (Caixa n.º 87 - 2ª Div/4ª Sec, do AHM).

Fonte: Excertos de Portugal. Estado-Maior do Exército. Comissão para o Estudo das Campanhas de África, 1961-1974 [CECA] - Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África (1961-1974). 7.º volume: Fichas das Unidades. Tomo II: Guiné. Lisboa: 2002, pág. 397.

(Seleção / revisão e fixação de texto / negritos: LG)

3.  Cópia da história da unidade que me chegou às mãos com o carimbo do Centro de Documentação 25 de Abril  / Universidade de Coimbra 



Companhia de Caçadores 2792- História da Unidade. Província da Guiné. Centro de Documentação 25 de Abril da Universidade de Coimbra. Espólio 186. Nº 8165. Oferta do general Augusto Valente.  (Excerto, manuscrito, pág. 3/I)


Nota manuscrita, pág. 4/I: "144 praças | 17 sargentos | 05 oficiais. Â partida faltavam 3 oficiais (que desertaram)". (Segundo informação da história da unidade, a Companhia era "constituída  por militares naturais de diversas províncias metropolitanas, sendo contudo as maiores percentagens constituídas por militares naturais das regiões a Norte do Rio Douro e a Sul do Rio Tejo", pág. 3/I).

Não sei se as notas manuscritas, aqui reproduzidas,  são do punho do maj gen  ref Augusto José Monteiro Valente (1944-2012). Julgo que foi um antigo aluno meu, pessoa que muito estimo,  o médico do trabalho Joaquim Pinho, da região centro,  que me facultou, há uns anos atrás,  cópia (não integral) desta história da CCAÇ 2792. Em 05/08/2022, 14:45, enviou-me, por email,  a seguinte mensagem (de que se transcrevem alguns excertos)
 
Caro Doutor: Aqui estou, sempre que souber algo relevante de ex-combatentes da Guiné...
Em 31 de janeiro faleceu no Porto,  de "doença prolongada" , o Furriel Miliciano Ranger e de Minas e Armadilhas, Licinio Cabral,  da CCAÇ 2792 (Catió e Cabedú, 70-72)... 

Esta companhia foi comandada pelo falecido capitão Augusto Valente (que vivia em Coimbra) (...) .A 2792 ficou "celebre " pois 3 dos seus alferes "desertaram " na véspera de embarque para a Guiné -Os furrieis "provisoriamente" tiveram que assumir os Pelotões...Mais tarde outro alferes desertou...


Dados da CÇAÇ 2792 foram oferecidos (ao Centro de Documentação 25 de Abril e são de acesso livre),  em vida,  pelo então general Augusto Valente, ex-MFA, com papel de relevo nos acontecimentos do 25 de Abril, na Guarda (RI 12) e Vilar Formoso (PIDE/DGS), bem como  no pós- 25 de Abril, ex Comandante da GNR, licenciado em História pela Univer5sidade de Coimbra, etc. (...).

Acrescente-se ainda que o cap inf Monteir0 Valente, entre outros cargos e funções, foi "instrutor, comandante de companhia e diretor de cursos de Operações Especiais, no Centro de Instrução de Operações Especiais, em Lamego (1968-1970, 1972-1974)." (Foto à esquerda, cortesia do blogue Rangers & Coisas do MR", do nosso coeditor, amigo e camarada Eduardo Magalhães Ribeiro).

Proximamente o blogue irá reproduzir mais excertos da  história da CCAÇ 2792, de que hão há qualquer representante na Tabanca Grande.
____________

Notas do editor:

(*) Último poste da série > 16 de janeiro de 2023 > Guiné 61/74 - P23988: Casos: a verdade sobre... (33): Vitorino Costa, o primeiro comandante da guerrilha, formado em Pequim em 1961, a ser morto pelas NT em meados de 1962
 
(**) Vd. nota biográfica: Carlos Barroco Esperança – Major-general Augusto José Monteiro Valente – Militar, Republicano, Patriota e Herói de Abril. Praça Velha : revista cultural da cidade da Guarda. - ISSN 0873-8343 . - Ano XIV, nº 32, 1ª série (Dezembro 2012), p. 121-132. Disponível aqui em formato pdf (9 pp.).

quinta-feira, 31 de dezembro de 2020

Guiné 61/74 - P21718: O segredo de ... (33): conversas da treta entre dois milicianos da CCAÇ 12 (Luís Graça / João Candeias da Silva)


Guiné > Zona Leste > Região de Bafatá > Sector L1 (Bambadinca) > CCAÇ 12 (1969/71) > 1970, ao tempo do BART 2917 > O Alf Mil Op Esp Francisco Magalhães Moreira. Era o comandante do 1º Gr Comb da CCAÇ 12 e, na prática, o 2º comandante da companhia. Era o homem de confiança do Cap Inf Carlos Brito. O melhor preparado dos oficiais milicianos da companhia. Tinha o curso de operações especiais. Era disciplinado e disciplinador. Um homem afável, mas algo distante e reservado, muitas vezes escondido sob os então na moda óculos de sol Ray-Ban (um "ronco"  muito apreciado pelo milicianos, que tinham algum poder de compra no TO da Guiné...). 

Sempre o tratei por você... Fora da actividade operacional, convivíamos pouco, eu e ele. Não era homem de noitadas. E nunca ou raramente vinha beber um copo connosco no bar de sargentos, contrariamente ao alf mil Abílio Machado, da CCS / BART 2917. 

Era "compreensível":  os furrieís da CCAÇ 12, milicianos, mais os dois sargentos do QP (e, em particular, o impagável 2º sargento Piça), tinham um excelente espírito de corpo... Mas, numa sede de batalhão, o "espírito de casta" era cultivado e mantido, e o convívio, "fora do mato" (leia-se: da guerra) entre oficiais, sargentos e praças não eram bem vistos ... 

O bar de sargentos de Bambadinca era, em 1969/71, o único sítio, dentro do grande quartel que era o de Bambadinca, onde "os três estados, a nobreza, o clero e o povo", podiam confraternizar...  Vistas as coisas à distância de meio século,  Bambadinca era bem um retrato de um Portugal que estava em vias de desaparecer... 

Não creio que o Moreira conheça o nosso blogue... Nunca nos contactou. Respeito o seu silêncio, o dele e dos demais camaradas que estiveram connosco no TO da Guiné, e que têm, provavelmente,  reservas quanto ao risco de exposição da sua vida privada, decorrente da participação de um blogue como este...  

Vi-o,  pela última vez, em 1994, em Fão, Esposende, no 1º encontro do pessoal de Bambadinca (1968/71). Desejo-lhe muita saúde e longa vida e um ano de 2021 melhor do que o "annus horribilis" de 2020. E daqui vai, para ele,  um alfabravo do tamanho do nosso longo e sinuoso Rio Geba de cuja água bebemos os dois. 

Claro que ele não tem nada a ver com a "conversa da treta" travada entre mim e o Joâo Candeias, reproduzida a seguir.

Foto do  álbum do Benjamim Durães, tirada numa tabanca fula em autodefesa, que não consigo identificar.  

Foto: © Benjamim Durães (2010). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné].



Guiné > Zona Leste > Região de Bafatá > Sector L1 > CCAÇ 12  (1969/71) > Estrada Xime-Bambadinca > O 1º comandante da companhia, o Cap Inf Carlos Brito (hoje, coronel na reforma), uma homem afável e  educado, mas já à beira dos 40 anos, e que delegava grande parte das responsabilidades operacionais no alf mil op esp / ranger Francisco Moreira... 

O Carlos Brito também não tem a nada a ver com os "segredos" aqui partilhados a seguir. Esta foto pretende apenas ilustrar a "solidão" de muitos dos nossos comandantes operacionais, quer do QP, quer milicianos, que os impediam de conviver com os seus subordinados, milicianos e praças, fora das horas da guerra... Como se dizia na tropa, "serviço era serviço, conhaque era conhaque". Ou seja, nada de misturas. Acredito que noutros quarteis do mato, com instalações mais precárias e exíguas, o "distanciamento social" fosse mais curto...

Foto: Arquivo de Humberto Reis (ex-fur mil op esp / ranger,  CCAÇ 12, Bambadinca, 1969/71)

Foto: © Humberto Reis (2006). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné].


1. O nosso blogue vai fazer 17 anos (dezassete anos !!!), em 23 de abril de 2021, se lá chegarmos,..  Desde 2008, ou seja,  há 12 anos,  temos vindo a contar "segredos", pequenos e grandes segredos, da nossa vida militar, ou até pessoal ou mais íntima,  "coisas" passadas há mais de meio século, mas que só agora, por uma  razão ou outra, queremos partilhar uns com os outros... 

O propósito deste série, "O segredo de...", é esse mesmo: ser uma espécie de confessionário (ou de livro aberto) onde se vem, em primeira mão, revelar "coisas" do nosso tempo da tropa e da guerra (1961/74),  que estavam guardadas só para nós ou só eram do conhecimento do nosso círculo de relações restrito (alguns camaradas de armas) ou mais íntimo (cônjuge, filhos, amigos do peito).

É esperado que os nossos leitores não façam nenhum comentário crítico, e nomeadamente condenatório, em relação às "revelações" aqui feitas, mesmo que esses factos pudessem eventualmente, à luz da época, constituir matéria do foro do direito penal, militar ou civil, infringir a disciplina ou ética militares, os usos e costumes, a moral da época, o "politicamente correto",  etc.

Aprendemos, neste blogue, a "saber ouvir os nossos camaradas de armas e a não julgá-los"!...  Nomeadamemnte, os vivos... Nos dois casos a seguir referidos, há omissões que são compreensíveis (*). Trata-se de uma "conversa" que não é da treta, entre o nosso editor Luís Graça e o João Candeias da Silva, por coincidências dois camaradas que integraram a mesma companhia, a CCAÇ 12 (formadas por praças do recruramento local) mas em épocas diferentes, e que por isso nunca se cruzaram, "nem lá nem cá"... A CCAÇ 12, formada no CIM de Contuboel (1969), esteve em Bambadinca (1969/73) e no Xime (1973/74), tendo estado "ao serviço de" quatro batalhões diferentes. Foi extinta em meados de 1974.

O João Candeias Silva foi fur mil at inf, de rendição individual, CCAV 3404 (Cabuca, 1972), CCAÇ 12 (Bambadinca, 1973) e CIM Bolama (1973/74). O Luís Graça é um dos "pais-fundadores" da CCAÇ 12 e é o autor da única história da unidade que existe no Arquivo Histórico-Militar.

(i) João Candeias Silva:

Não sei se estou a pôr a pata na poça, mas em 73 um alferes, que não recordo o nome, foi colocado numa companhia que estava a fazer a protecção aos trabalhos nessa estrada [Farim-Mansabá]

Estivemos juntos em Cabuca na CCAC 3404 em finais de 1972. Em 73 Janeiro fui para a CCAÇ 12 e ele para a companhia que estava a fazer a segurança à estrada de Farim.

Passados meses, talvez uns seis encontramo-nos em Bissau, placa giratória, para ir e para vir de férias ou ir para o mato ou consulta externa, etc. E qual não é o meu espanto, em vez de ter o galão de alferes, era 2° sargento. Tinha levado uma porrada.

Da conversa que tivemos o assunto tinha chegado ao Spínola. Ele, um ótimo rapaz, precisava de desabafar e ficávamos muito tempo à conversa. O assunto tinha-o abalado muito. Não era caso para menos.

Não sei como terminou.

Julgo ter sido um caso inédito.

Sobre este assunto tem de haver registo no arquivo do exército e sobre a nega da CCAÇ 12 em ir para o Xime também é pouco plausível que não haja. (*)

(ii) Luís Graça:

João, há muitas histórias da nosssa guerra que nunca chegarão à luz do dia... Algumas já chegaram ao nosso conhecimento através do blogue...

Isto é como a história dos impedimentos do casamento em que o oficiante, antes de se dar o nó, pergunta, na presença dos noivos, dos padrinhos, dos pais, da família e dos demais convidados, se alguém tem alguma objeção aquela união, então que "fale ou cale-se para sempre"...

Alguns de nós perdemos a oportunidade de falar na altura devida, e agora resta-nos falar aqui ou calarmo-nos para sempre... Sempre assim foi em todas as guerras...e nos pós-guerras.

Mesmo assim, entre dois uísques, num alamoçarada, num convívio, às vezes lá sai um "segredo de confessionário"...

Quando fui a Angola (e fui lá meia dúzia de vezes a partir de 2003), houve antigos miliatres das FAPLA, do topo da hierarquia (oficiais generais), que me contaram "segredos de Estado", à mesa... Coisas "sinistras" que só agora há coragem para se falar delas em público (como o que aconteceu na sequência dos trágicos dias de 27 de maio de 1977 e seguintes)..

Mas voltando à Guiné, soube há uns anos de uma história dessas que não podem aqui ser contadas, com datas, locais, topónimos, nomes de camaradas, etc.

Num destacamento (que não vamos identificar porque os protaggonistas estão vivos), guarnecido por a nível grupo de combate, e na ausência do comandante (alferes miliciano), dois militares desatam à porrada, por razões de lana caprina...

Muitas veses estes conflitos entre dois camaradas e amigos eram provocados pelo stress, a tensão, o isolamento, a exaustão, o cansaço, a promiscuidade, a subnutrição, mas tabém o álcool, etc.

Soco atrás de soco, um deles cai de costas, bate com a cabeça no chão, takvez nalguma pedra,  e morre, de traumatismo craniano (presume-se)... E agora ? Como justificar um "trágico acidente" destes, na ausência de um ataque ou flagelação do destacamento por parte do IN ou de embocada nas imediações ?...

Fez-se um "pacto de silêncio" entre todos os presentes (soldados, cabos e um furriel...). O corpo foi transportado num Unimog e entregue na sede da companhia ou do batalhão, já cadáver...

Deve ter havido um auto de averiguações, mas toda a gente (os graduados e as praças) mantiveram a mesma versão, a de uma queda acidental, infelizmente mortal...

O "pacto de silêncio" também faz(ia) parte das regras de camaradagem... Ontem como hoje... em toda parte do mundo, em todas as guerras (*)


(iii) João Candeias da Silva:


Caro Luís: As conversas são como as cerejas. Ao ler o que descreveste sobre a pancadaria que teve tão trágico desfecho (*), veio à minha memória uma ocorrência na CCAÇ 12 que vou descrever.

Estávamos ainda aquartelados em Bambadinca, no topo do edifício onde era a messe da CCAÇ 12, virado para a escola, havia 4 ou 5 cadeiras de baloiço feitas de pipas de vinho.

E nós, os furrieis, costumavamos depois do pequeno almoço ficar por ali na cavaqueira. Naquele dia, algures entre feveiro e março de 1973, devia ser domingo, pois estávamos à civil. Bem instalados, e na conversa da treta, éramos uns de 4 ou 5 furrieis.

Os cadeirões todos ocupados. Chegou um alferes da 12, começou a conversar connosco.
A conversa foi-se prolongando durante um bocado e, completamente fora do contexto, o alferes disse para um furriel: "Levanta-te, que eu quero sentar-me."

A nossa primeira reacção foi que o alferes estava a brincar, mas como o furriel não se levantou para lhe ceder o lugar, o tom de voz subiu e disse ostensimante: "Levanta-te, é uma ordem!.

Como o furriel não lhe obedeceu, deu-lhe uma chapada na cara. Após a agressão, o furriel levantou-se e, felizmente, não reagiu à agressão. Nós estávamos incrédulos e sem palavras. Era surreal o que estava a acontecer na nossa frente.

O furriel acabou por fazer queixa, pois como sabes o inferior hierárquico não pode participar, e tem logo à partida garantida uma porrada que tem como consequência imediata a perda do mês de férias.

O fim da ocorrência não sei como terminou.

Para situação ainda hoje não encontro justificação. Foi presenciada por mim e pelo António Duarte, entre outros, que não recordo.

Durante muito tempo fiquei a matutar: "E se fosse comigo?!!... (*)
________

Notas do editor:

(*) Último poste da série > 15 de julho de 2020 > Guiné 61/74 - P21170: O segredo de... (32A): Alcídio Marinho, ex-fur mil inf, CCAÇ 412 (Bafatá, 1963/65)... "Também tenho um víquingue na minha árvore genealógica"

segunda-feira, 23 de julho de 2018

Guiné 61/74 - P18865: (Ex)citações (342): O patacão da guerra: 1043 contos de 'ajudas de custo [de embarque] e adiantamento de vencimentos' foi quanto levantei em agosto de 1967 para o meu batalhão (Virgílio Teixeira, ex-alf mil SAM, CCS/BCAÇ 1933, Nova Lamego e São Domingos, 1967/69)



Guiné > Região de Tombali > Guileje > CCAV 8350 (1972/73) > Contando o patacão....O fur mil op esp José Casimiro Carvalho [, nosso grã-tabanqueiro da primeira hora, hoje régulo da Tabanca da Maia], .. Não, não se pense que foi ganho ao jogo (vermelhinha, lerpa...) ou através do "conto do vigário"... Era "dinheiro honesto", daquele que custava... "sangue, suor e lágrimas"... Mesmo assim, quem não conhecer o Zé Casimiro até pode (ou podia) ser levado a pensar que ele estava a contar o "conto do vigário" ao seu  querido paizinho, ao queixar-se a vida, no TO da Guiné, não dava para juntar patacão...

Guileje, 4/2/73 [Carta]

Paizinho: (…) Aqui quase não dá para juntar dinheiro. Eu recebo 1300$00 por mês [, o resto ficava depositado no banco, na metrópole].  100$00 vão para a lavadeira, cerca de 700$00 vão para o bar, para o alfaiate fazer calções, ajeitar roupa ao corpo, cerca de 50$00 por mês. O mês passado, 2 calções ligeiros que mandei fazer, foram 80$00 e, é claro, um gravadorzito que comprei e que é indispensável, também custa… Alguma caça que se compra para não se passar fome, também é dinheiro, selos, cartas, fotografias, etc.

Como vê… mas vai-se passando e não preciso de mais dinheiro. Claro que este já é o suficiente. Também os furriéis pagam umas cervejas de vez em quando aos soldados, uma garrafa de champagne (50$00) ou de vinho do Porto (35$00) que nós lhes oferecemos, assim como Alfero dá. É uma espécie de PSICO. É mesmo necessário tudo isto para nós os levarmos. Acredite, quem sabe somos nós que aqui andamos. (…) (*)



Foto (e legenda): © José Casimiro Carvalho (2007). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]:


1. Comentário de Virgílio Teixeira, ex-alf mil SAM, CCS/BCAÇ 1933 (Nova Lamego e São Domingos, 1967/69) (*)

Respondendo ao pedido do Luís, fui procurar mais dados, não encontrando grandes coisa, a não ser um lapso significativo, assim:

Em carta minha datada de Santa Margarida, 23 Agosto de 1967, para a então minha namorada, rezava assim o meu espanto:

"Agora interrompi para fazer aqui umas contas de quanto vamos levantar para pagar as 'ajudas de custo e o adiantamento de vencimentos': São 1.043.350$00. Já viste bem quanto se gasta com esta guerra?". 

Está escrito na carta que estou a ler agora.

O erro é grande, em vez de 1400 contos foram 1043 contos. E isto para ajudas de custo e um mês de vencimento. Segundo me lembro, não tendo a certeza, por isso quem souber que responda por favor, as ajudas de custo de embarque, correspondia a um mês de vencimento, logo este valor eram de 2 meses, e assim um mês de vencimento para um batalhão, rondava os 521 contos aqui na metrópole, isto é os 1043 contos na Guiné.

Agora é pôr o conversor da Prodata, e ver quanto dava hoje em 'OUROS'. Não esquecer a inflacção que se viveu em Portugal após o o 25A, que chegou a 35% ao ano.

O valor de 1043 contos dava uma média per capita de 1739$. Eu lembro-me que ganhava como alferes entre 5.500 e 6.000 escudos, não tendo a certeza. Isto era muita massa, para um salário mínimo dessa época de pouco mais de 500 escudos mensais.

Virgílio Teixeira

2. Comentário do editor LG:

Obrigado, Virgílio. Fui ao conversor da Pordata e verifiquei que  os teus 1043 contos, em 1967, equivalem a 363.268,46 €, "a preços de hoje" (, ou seja, tendo em conta a depreciação da moeda)... Se um batalhão tiver 600 homens (4 companhias a 150 homens cada uma), dá qualquer coisa como 605 euros por cabeça... 

Quanto aos teus 5,5 ou 6 contos mensais (, vencimento de um alferes no TO da Guiné,) corresponderiam hoje a 1.915,61 € / 2.089,75 €. (***)

PS - Já agora, Virgílio, é bom recordar que não havia salário mínimo, antes do 25 de Abril, nem muito menos mensualização dos salários (com exceção da função pública e de algumas grandes empresas de serviços)... 

Mas atendendo a que as jornas, no interior do país, nessa época, ainda andavam nos 20$00 / 25$00 diários (por exemplo, na construção civil de ramadas, no Marco de Canaveses), os teus valores (500 escudos mensais) não estariam longe da realidade...
_________

Notas do editor:

(*) Vd. poste de 28 de outubro de 2008 > Guiné 63/74 - P3370: Guileje, SPM 2728: Cartas do corredor da morte (J. Casimiro Carvalho) (6): O nosso querido patacão

(**) Vd. poste de 20 de julho de 2018 > Guiné 61/74 - P18860: Os 81 alferes que tombaram no CTIG (1963-1974): lista aumentada e corrigida (Jorge Araújo)

(...) Comentário de Virgílio Teixeira:

Por falar em dinheiro, por acaso sabem quanto o meu CA do batalhão levantou em Setembro de 67 para pagar ao pessoal todo, +/- 600 homens, ainda em Santa Margarida?

Vou dizer que eram 1400 contos, aquilo que o Ronaldo e companhia ganha sozinho em poucos segundos na guerra dele.

Esta verba seria na Guiné dobrada para o dobro, face ao aumento de 100%, isto é não chegava a 3000 contos. (...)

(...) Comentário de Tabanca Grandeão [Luís Graça]

Esses dados são muito interessantes, arranja mais...   1400 contos em 1967 equivaliam hoje a 467,8 mil euros...ver o conversor da Pordata...

segunda-feira, 30 de janeiro de 2017

Guiné 61/74 - P17004: Notas de leitura (925): "Os Alferes", por Mário de Carvalho, Editorial Caminho, 1989; e Editores Reunidos, 1994 (Mário Beja Santos)

Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 18 de Novembro de 2015:

Queridos amigos,
Trata-se de um grande escritor que não tendo feito a guerra colonial explora, com imenso talento, o jargão da caserna, arquiteta non-senses apimentados com humor e desvario.
Três alferes para três contos. O primeiro levava uma vida farniente até que foi incumbido, porque era engenheiro, de discutir com um coronel de cavalaria, lá nos confins do mato, o traçado de uma cavalariça. História impagável.
O segundo alferes vai para Timor e fica esfacelado com uma granada de instrução, num voo para Baucau conhece um major das arábias que lhe narra uma história de vingança com muitos aromas timorenses.
A terceira história, largamente conhecida, intitula-se "Era uma vez um alferes", um simples equívoco numa atmosfera surreal e um capitão de antologia fazem com que esta peça literária não tenha rival.
Quem não conhece Mário de Carvalho perde muito do que há de melhor na literatura contemporânea.

Um abraço do
Mário


Os Alferes, de Mário de Carvalho

Beja Santos

É do senso-comum que de um grande escritor tudo se pode esperar: um tema eivado de classicismo; uma novela irónica; um revivalismo sobre uma obra-prima; um drama sangrento ou lírico, enfim, todas as hipóteses são admissíveis. Em 1989, Mário de Carvalho já dispunha, como é costume dizer-se, de um amplo palmarés. Não esteve na guerra colonial mas compôs um livro de contos em que as narrativas se situam nos antigos territórios coloniais portugueses, não estão bem identificados, mas para o caso tanto faz. Em "Os Alferes", publicado pela Editorial Caminho em 1989, e por Editores Reunidos em 1994, temos três histórias cujos protagonistas são sempre alferes.

Em “A última cavalgada”, temos um alferes de Engenharia que leva uma vida farniente no batalhão, até ao dia em que o major o mandou a Quilabango, tudo por causa de uma cavalariça, ele que nada sabia de cavalos. Chegado ao objetivo, deparou-se com um coronel e uma missão excêntricos. Tudo começa com as advertências desse coronel cavaleiro: “Se acontece alguma coisa aos meus cavalos por causo do vosso desleixo, armo para aí um sarrabulho que até manda ventarolas. Isto é impensável… Cavalos argentinos, animais nobres, sensíveis, um despesão, arrumados em casebres, em pocilgas…”. E prosseguiu o aranzel. Lá foram até um barracão ver os equídeos, e uma sombra se intromete, uma referência ao nosso tenente, o que para a história tem grande importância. Quando o alferes engenheiro lhe mostra os projetos, o coronel protesta: “Sacanas! Refinadíssimos sacanas!”. O alferes está aturdido, o coronel prossegue furibundo: “As frestas têm de estar na horizontal, ao nível do teto, e não a meio da parede. Vem a puta da chuva, salpica os estábulos, salpica as forragens, salpica as garupas. Isto dá pneumonia! Querem matar-me os animais. É sabotagem, pá”. Regressam ao batalhão, o alferes é apresentado ao capelão e ao médico. Está o alferes a sair do banho e vê à distância uma figura de mulher, trata-se de a mulher do coronel. A descrição da refeição na messe de oficiais é uma obra-prima, os comentários, os dichotes, a zaragata verbal entre o coronel e o tenente é delirante. Como delirante é a história de umas morteiradas sobre o quartel. É então que o alferes sabe da história de que coronel quer matar o tenente, é tudo uma questão de triângulo amoroso, está envolvida, claro está, a mulher do coronel. Coronel e tenente irão dar uma passeata a cavalo. O coronel aparece morto, o episódio tem a marca do rocambolesco, correr na unidade a versão de que tinha sido um acidente: “O coronel tinha-se afastado do esquadrão, a galope desenfreado, e depois ouvira-se uma rajada. Teria feito qualquer movimento em falso, a patilha de segurança da arma estaria gasta, os disparos traçaram-no a meio-corpo. O tenente apareceu logo a pedir ajuda, mas já não havia nada a fazer…”. O médico confidenciou ao alferes engenheiro à despedida: “Afinal foi o tenente que matou o coronel. Eu estive a ver o corpo. O major dispensa a autópsia. Quero lá saber…”.

Finda esta história com a cavalaria, entramos noutra, passada em Timor e intitulada “Há bens que vêm por mal”. O nosso alferes, mal chega, sobreveio um estúpido acidente com uma granada de instrução, ficou paralisado da cintura para baixo. Procuraram animá-lo: que a recuperação, pelo menos parcial, se vislumbrava, que não estava condenado à imobilidade eterna. Durante um mês abrasou em febres malignas no Hospital de Dili. É encaminhado para Baucau, escala em Darwin, rumo à Europa. Aqui começa uma história que podia ter sido contada por Somerset Maugham. O piloto é tratado por alguém como o meu major. O doente está intrigado: "Major? O homem trajava a civil: casaco de alpaca, esbranquiçado, sobre uma sumptuosa camisa de entrançados floridos mais complicados de descrever que as volutas do escudo de Aquiles. A cara mostrava-se rugosa, de pele áspera, crestada do clima. Ao fundo do pescoço, pela largueza do colarinho, podia eu distinguir o brusco remate da zona do sol, trocada pela zona de sombra, raia bem demarcada entre a epiderme encarquilhada e escurecida dos trópicos e a pele clara e Lisa da Europa”. Puxando pela cabeça, o alferes lá foi reconhecendo. E depois o major conta-lhe a história, como chegou, como se afeiçoou à ilha, como resolveu ficar, metido na exportação de sândalo branco, veio a invasão japonesa, entra em cena uma fuga em que a certa altura houve entendimento que era preciso desembaraçarem-se de uma criança, o pai apostou vingança, envolveu-se num serial killer, a história termina abruptamente, chegaram a Baucau, chegaram em boa hora, o piloto e o mecânico, após a aterragem descobriram por é que o motor estava a responder mal, tinham-se safado de boa.

A terceira história, “Era uma vez um alferes” tem sido derramada em várias antologias, são múltiplas as citações, conta a história de uma alferes que pensa ter pisado uma mina, ali fica hirto, os soldados e furriéis vão dando palpites, o alferes só pede que venham os especialistas das minas e armadilhas, mas quem sai do helicóptero é o capitão, assim descrito: “Era um homem ainda jovem, magro, seco, muito direito, precocemente promovido pelas necessidades da guerra. Cultivava uma impassibilidade afetada, longamente estudada. Nunca bebia mais do que a conta nem dizia um palavrão. Vestia sempre a farda ver-azeitona, com a boina castanha, e nunca ninguém o tinha visto de camuflado”. Tudo quanto se vai passar a seguir é do melhor que há em literatura de guerra, as intervenções do capitão e o sofrimento do alferes, que revive o sadismo do capitão quando era tenente, e instrutor de tática no segundo ciclo, em Mafra. O alferes, transido, só grita pelo pessoal das minas e armadilhas, assistimos a uma conversa macabra entre o capitão e o alferes que não pode mexer-se um milímetro, falam das movimentações estudantis, e ouvimos o alferes, a protestar no íntimo: “Mas por que é que este capitão não o deixava sozinho morrer para ali? Se se atirasse para diante devia ser apanhado pelas costas. Morte instantânea. Talvez não sofresse nada, talvez nem ouvisse o rebentamento. Mas, e se a explosão lhe quebrasse a coluna, se ficasse paralisado para a vida inteira? Vai-lhe um enorme peso sobre os ombros, do peso se lhe dobram ligeiramente as pernas. Cansou-se-lhe o braço com que se apoia a G3, fortemente fincada na areia. Estremece. Vê, entre névoas, a cara do capitão, ondulante, prelada de gradas bagas de suor”. Situação insustentável, chora, brada pela mãe, o capitão proíbe-o de chorar, incita os soldados a cantar em coro. “Nisto, o alferes teve um estremeção, oscilou, tombou desamparado”. Vimos a saber que teve um ataque cardíaco, não havia mina nenhuma, só uma pequena mola metálica, das usadas nos batuques. O médico embriagou-se, vociferava contra o capitão, chamava-lhe sádico. “O médico acabou por se cansar e lá foi deitar-se, chorando, amparado por outros oficiais. Nessa altura, já se sabia que o capitão não tinha enviado qualquer mensagem a requisitar os especialistas das minas e armadilhas”.
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Nota do editor

Último poste da série de 27 de Janeiro de 2017 > Guiné 61/74 - P16995: Notas de leitura (924): Os primeiros documentos de Amílcar Cabral na Guiné, 1952 (Mário Beja Santos)

sábado, 12 de fevereiro de 2011

Guiné 63/74 - P7770: Tabanca Grande (267): Os 4 magníficos da CART 1690: Alfredo Reis, António Moreira, Domingos Maçarico e A. Marques Lopes


Lisboa > Jantar de Natal 2007 > Os quatro magníficos da CART 1690, todos eles alferes milicianos... Ao fundo, estão o Domingos Maçarico, à esquerda, e o Alfredo Reis, à direita. Em primeiro plano, está o António Moreira, à esquerda, e o António Marques Lopes, à direita. Pela colaboração com o nosso blogue, o Alfredo Reis e o António Moreira já há muito que deviam figurar na lista dos membros da nossa Tabanca Grande, a partir do histórico A. Marques Lopes e do Domingos Maçarico... Esse lapso já foi corrigido, fazendo-se justiça... Comos quatro agora juntos, a CART 1690 faz o pleno em matéria de alferes milicianos... (LG)


Foto: © A. Marques Lopes (2007). Todos os direitos reservados.


1. Volta aqui a reeproduzir-se a mensagem, de Janeiro de 2008,  do nosso querido camarigo  A. Marques Lopes, ex- Alf Mil At Inf, CART 1690 (Geba) / CCAÇ 3 (Barro) (1967/69) (*): 


Caros camaradas:

Tenho-vos falado muitas vezes da CART 1690, sobre a qual há alguns postes no blogue da Tabanca Grande. Já fiz também referência aos alferes que por ela passaram. Mas quero, agora, falar-vos mais em pormenor destes gloriosos alferes, que é como nós próprios nos designamos, porque a nossa glória é continuarmos juntos. É bom que os conheçam pessoalmente. Aqui estão eles, num jantar do Natal de 2007, em Lisboa:

(i) O Domingos Maçarico (ainda um parente afastado do Luís Graça...), nascido na Praia de Mira, é engenheiro agrónomo e membro da Administração do Grupo Espírito Santo;

(ii) o Alfredo Reis, de Santarém, é veterinário e está reformado (embora pratique ainda);

(iii) o António Moreira, de Idanha-a-Nova, é advogado em Torres Vedras e [fez parte, no triénio de 2008/2010] do Conselho Geral da Ordem dos Advogados;

(iv) o A. Marques Lopes é, como sabem, coronel reformado [, fazendo parte dos primeiros cinco primeiros membros da nossa tertúlia, hoje Tabanca Grande: eu, o Sousa de Castro, o Humberto Reis, o A. Marques Lopes e o David Guimarães, por esta ordem cronológica]...

Como todos, também temos a nossa história.

Jovens e estudantes - o Domingos Maçarico no, então, Instituto de Agronomia de Lisboa (conheceu lá o Pepito), o Alfredo Reis no Instituto de Veterinária de Lisboa, também assim chamado então, o António Moreira na Faculdade de Direito de Lisboa e o A. Marques Lopes na Faculdade de Letras de Lisboa - fomos apanhados para frequentar, em Janeiro de 1966, o Curso de Oficiais Milicianos,  em Mafra.

De lá saímos, em Julho desse ano, como Atiradores de Infantaria. Andanças por vários lados, a seguir (Lamego, Amadora...), e tornámos a encontrar-nos no RALIS (Regimento de Artilharia de Lisboa), que nos mobilizou para a Guiné, a 4 de Dezembro de 1966.

De 6 de Dezembro deste ano a 23 de Fevereiro de 1967 estivemos no GAGA2 (Grupo de Artilharia Contra Aeronaves n.º 2) a dar a especialidade aos soldados da que foi designada CART 1690, e que foram connosco para a Guiné.

Passámos, depois, pelo RAC (Regimento de Artilharia de Costa) de Oeiras, Carregueira, IAO... e embarcámos em 8 de Abril. Mas, antes, grandes patuscadas e farras tivemos juntos nos bares e baiúcas de Lisboa, acompanhados pelo capitão da companhia, o Guimarães [morto aos 29 na estrada de Geba-Banjara ...] Nessa fase cimentou-se a nossa amizade.

Desembarcados do Ana Mafalda  para LDG, começou a Guiné, rio Geba acima. E ficámos em Geba. Eu fiquei na sede da companhia, às ordens do capitão e do Comando do Agrupamento. Eles foram distribuídos pelos destacamentos, por onde também passei, mas por pouco tempo. Já há coisas no blogue sobre Geba.

Em 21 de Agosto de 1967, fui ferido na estrada de Geba para Banjara e fui, uma semana depois, evacuado para o HMP, em Lisboa. O Domingos Maçarico foi ferido em 21 de Setembro de 1967, sendo igualmente evacuado para o HMP. O Alfredo Reis foi ferido na mesma altura, mas esteve apenas vários dias no hospital em Bissau. O António Moreira nunca foi ferido. Ele e o Reis estiveram sempre na companhia, em Geba e destacamentos, até Outubro de 1968.

O Maçarico não voltou à Guiné. Eu voltei em Maio de 1968, mas fui colocado na CCAÇ 3, em Barro.

Depois da minha evacuação para o HMP, fui substituído na companhia pelo alferes Fernando da Costa Fernandes, que foi dado como desaparecido em campanha em 19 de Dezembro de 1967, durante a operação Invisível em Sinchã Jobel: O alferes Fernandes foi, depois, substituído pelo alferes Carlos Alberto Trindade Peixoto, que foi morto em 8 de Setembro de 1968, durante um ataque ao destacamento de Sare Banda.

O Domingos Maçarico, depois de evacuado, foi substituído pelo alferes Orlando Joé Ribeiro Lourenço. Este voltou à metrópole são e salvo, mas nunca alinhou, nem nos encontros da companhia.

Somos nós os quatro, os sobreviventes, como também dizemos, que nos mantemos unidos entre nós e com os elementos da companhia. Com alguns intervalos, e eu explico a seguir.

Entre 1969 e 1974, os meus amigos e camaradas que estão comigo na fotografia, dedicaram-se a acabar os seus cursos e, depois, à vida pofissional, mantendo, embora, contactos entre si. Mas eu estive afastado deles durante esses anos, pois decidi afastar-me de qualquer actividade normal e pública, não os podendo contactar (é outra história que não cabe aqui).

A seguir ao 25 de Abril, foi o Maçarico que esteve afastado, pois acompanhou a família Espírito Santo quando eles foram para o Brasil. E, nesses primeiros anos após a revolução, também eu andei afastado, devido ao meu empenhamento nessa fase.

Mas, passado tudo isso, há cerca de trinta anos que estes quatro ex-alferes, camaradas e amigos na Guiné, e antes dela, se encontram pelo menos quatro vezes por ano, além dos encontros da companhia. Temos ideias muito diferentes sobre certas coisas, cada um disparando, agora, para seu lado, mas a amizade cimentada na juventude e na guerra mantém-se e está acima de tudo.

Queria dizer-vos isto, porque penso que, no nosso blogue, deve-nos unir o que vivemos e passámos, e vão a amizade e a compreensão.

Abraço

A. Marques Lopes




Letra da canção vencedora do Festival da Canção RTP, em 1967, interpretada por Eduardo Nascimento... Na CART 1690  (Geba, 1967/69),  tão duramente castigada pela guerra, cultivava-se a irreverência e o humor negro... Este documento, que me foi enviado, pelo A. Marques Lopes, é um bom exemplo do humor de caserna...

Fonte: © A. Marques Lopes (2007). Todos os direitos reservados.


2. Comentário de L.G.:

Meu caro António: Preciso dos endereços de e-mail dos nossos novos camarigos... A actualização da  lista de membros da nossa Tabanca Grande, com a inclusão dos seus nomes, é um acto de justiça que peca por tardia... Mas quero que todos saibam quanto eu aprecio este exemplo, raro, de 4 amigos que se transformaram em camarigos e que continuam a juntar-se, todos os anos, tendo a Guiné como traço de união, e cuja camarigagem resiste aos altos e baixos da vida e supera as naturais divergências de opinião,  político-ideológicas ou outras, que possam existir (e existem) entre eles... Um Alfa Bravo do tamanho do Rio Geba para vocês quatro.
 ___________________

Nota de L.G.:

(*) Vd. poste de 10 de Janeiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2424: Álbum das Glórias (37): Os alferes da CART 1690 ou uma estória de amizade e camaradagem a toda a prova (A. Marques Lopes)

Último poste da série > 9 de Fevereiro de 2011 > Guiné 63/74 - P7747: Tabanca Grande (266): Nuno Dempster, autor do poema K3, agora publicado em livro, ex-Fur Mil SAM, CCAÇ 1792 (Saliquinhedim/K3, Mampatá, Colibuía e Aldeia Formosa, 1967/69)

terça-feira, 29 de junho de 2010

Guiné 63/74 - P6658: Lista alfabética dos 75 alferes mortos no CTIG, 54 (72%) dos quais em combate (Artur Conceição)


Manuel Sobreiro, Alf Mil de Minas e Armadilhas, CART 1612 (1967/69), foi morto numa acidente com um granada defensiva, em Mampatá, em Fevereiro de 1968...





Guiné > Zona Leste > Pirada > O Alf Mil Martinho Gramunha Marques, à direita... Poucos dias antes de morrer, em Madina do Boé, heroicamente, em grande sofrimento...

Foto: © 
António Pinto (2007). Direitos reservados .





Guiné-Bissau > Região de Tombali > Guileje > Abril de 2006> O monumento, em forma de pirâmide, construído em 1973 pelo pessoal da CCAV 8350, Os Piratas de Guileje. O trabalho de restauro e preservação é da AD - Acção para o Desenvolvimento, a ONG guineense, fundada e dirigida pelo nosso amigo Pepito, no âmbito do Projecto Guiledje. Numa das faces da pirâmide,  é evocado o nome do  Alf Mil Lourenço, morto por acidente, um das nove baixas mortais da CCAV 8350.

Foto: © 
A. Marques Lopes (2005). Direitos reservados.




Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Xitole > CART 3492 (1972/74) > 1972 > O Alf Mil Armandino, ao fundo da mesa, num almoço com outros camaradas, incluindo o Mexia Alves, na casa do comerciante libanês Jamil Nasser. Em primeiro plano, o Cap Godinho, comandante da CART 3492.  Uma foto de homenagem do J. Mexia Alves, ao camarada morto da brutal emboscada do Quirafo, em 17/4/72.

Foto: © Joaquim Mexia Alves (2006). Direitos reservados


1. Mensagem do nosso amigo e camarada  Artur Conceição (ex-Sold Trms Inf, CART 730, Bissorã, Farim, Jumbembem, 1965/67)

Data: 25 de Junho de 2010 19:06
Assunto: Alferes mortos na Guiné

Caros, Luís Graça, Carlos Vinhal, Virgínio Briote e Magalhães Ribeiro:

Antes de mais quero desejar-vos um fim de semana bem divertido[, em Monte Real]

Achei interessante a publicação da lista de Capitães mortos na Guiné (*). Aproveitei para fazer duas correcções na minha lista.

Em continuidade aproveito para enviar a lista dos Alferes. Quem sabe não irei fazer mais algumas correcções….!

Um abraço

Artur António da Conceição
Amadora
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Nome (de A a Z ) / Data / Causa


1. Abílio Rodrigues Ferreira >  22/11/70 C

2. Adelino Costa Duarte >  23/11/65 C

3. Alberto Araújo Mota > 27/11/72 D

4. Álvaro Ferreira V. Leitão >  5/6/68 C

5. Álvaro Francisco M. Fernandes > 2/9/72 A

6. Américo Luís S. Henriques > 21/2/67 C

7. António Angelino T. Xavier > 30/1/65 C

8. António Aníbal M. C. Maldonado > 4/3/66 C

9. António Emílio P. S. Meneses  > 17/6/65 A

10. António Fonseca Ambrósio >  21/12/70 C

11. António João C. Neves > 30/8/72 C

12. António Joaquim Alves Moura > 4/9/66 C

13. António Jorge C. Abrantes > 18/9/72 A

14. António José C. L. Barbosa > 30/1/68 C

15. António L. Freitas Brandão > 18/9/69 A

16. António Sérgio Preto > 29/6/72 C

17. Armandino Silva Ribeiro > 17/4/72 C

18. Armando Bastos Mendes  > 4/7/63 C

19. Armindo Pereira Calado >  22/6/69 C

20. Artur José Sousa Branco > 4/6/73 C

21. Augusto Manuel C. Gamboa > 14/12/67 C

22. Bubacar Jaló >  16/2/73 C

23. Carlos Alberto T. Peixoto > 8/9/68 C

24. Carlos Augusto S. Pacheco > 19/2/68 C

25. Carlos M. A. Figueiredo > 10/7/72 A

26. Carlos Manuel Sousa  Linhares de  Almeida  > 1/4/67 C

27. Carlos Santos Dias 6/10/66 > C

28. Delfim Anjos Borges  > 17/7/67 C

29. Domingos Joaquim C. Sá >  20/7/68 C

30. Duarte Francisco S. S. Lacerda > 2/7/73 A

31. Eduardo Guilherme T. Monteiro  > 15/5/68 C

32. Feliciano Santos Paiva > 29/4/70 A

33. Fernando Pereira L. Raposo > 10/11/64 A

34. Francisco Lopes G. Barbosa > 25/11/71 C

35. Guido Ponte Brasão D. Silva > 22/10/70 A

36. Henrique Ferreira Almeida >  14/7/68 C

37. João Afonso Abreu (FAP) > 5/3/72 C

38. João Francisco S. S. Soares > 28/5/71 A

39. João Manuel C. Silva > 6/4/73 C

40. João Manuel Mendes Ribeiro > 4/10/71 C

41. Joaquim J. Palmeira Mosca > 20/4/70 C

42. José Alberto C. Pereira > 12/3/66 C

43. José Antunes Carvalho > 4/9/68 A

44. José Armando Santos Couto >  6/10/70 C

45. José Carlos E. Rodrigues > 12/12/66 A

46. José Fernando R. Félix > 2/4/72 A

47. José Joaquim Couto Sousa > 14/6/74 A

48. José Juvenal Ávila F. Araújo >  15/7/68 C

49. José Manuel Araújo Gonçalves > 14/2/69 C

50. José Manuel Brandão Queirós > 2/3/70 C

51. José Manuel Godinho Pinto > 16/5/70 C

52. José Maria R. Vasques Flores > 23/5/71 C

53. José Pedro S. M. Sousa > 20/7/70 C

54. José Silva Oliveira > 30/10/68 C

55. Lino Sousa Leite > 7/7/66 C

56. Luís Gabriel Rego Aguiar > 20/5/74 C

57. Luís Mário Silva Sá > 24/9/70 C

58. Mama Samba Baldé > 19/5/73 C

59. Manuel Costa Bandeira > 29/4/70 A

60. Manuel Francisco A. Sampaio > 10/1/66 C

61. Manuel Jesus R. Sobreiro > 24/2/68 A

62. Manuel Maria Pires > 18/4/69 C

63. Manuel Tavares Costa > 27/1/64 C

64. Mário Henriques S. Sasso > 5/12/65 C

65. Mário Juvencio V. Camacho > 25/10/68 C

66. Mário Manuel L. Simões > 17/4/73 A

67. Martinho Gramunha Marques (**) > 30/1/65 C

68. Miguel J. S. Moreno (FAP) > 24/9/72 C

69. Nelson Joaquim A. P. Soares > 26/10/71 C

70. Nuno Costa Machado > 28/12/67 C

71. Nuno Gonçalves Costa > 16/7/73 A

72. Paraíso Manuel Almeida M. Gomes > 2/11/71 A

73. Pedro Melna >19/5/73 C

74. Rogério Nunes Carvalho > 17/4/68 C

75. Vitor Paulo Vasconcelos Lourenço >  5/3/73 A


Observações: Todos os alferes aqui listados pertenciam ao Exéricto, com excepção de dois (que eram da FAP=Força Aérea). 

Causas de morte: 

A=Acidente (incluindo acidentes com viaturas automóveis e armas de fogo, suicídio, homicídio); 
C=Combate; 
D=Doença.  

Do total de 75 alferes mortos, 54 (72%) foram-no combate (C). Os restantes morreram devido a acidente (A)  (n=20) (26,7%). Há apenas 1 morto, entre os alferes, no CTIG, por doença (D) (1,3%).

[ Revisão / fixação de texto / título / observações: L.G.]
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Notas de L.G.:

(*) Vd. poste de  24 de Junho de 2010  > Guiné 63/74 - P6638: Lista alfabética dos 24 capitães que morreram em campanha no CTIG, dos quais 10 em combate, todos comandantes de companhias operacionais (9 Cap QP, 1 Cap Mil) (Carlos Cordeiro)

(**) Vd. poste de 20 de Junho de 2007 > Guiné 63/74 - P1862: 42 anos depois, com emoção e revolta, sei das circunstâncias horríveis em que morreu o meu irmão... (Adelaide Gramunha Marques)