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terça-feira, 15 de outubro de 2024

Guiné 61/74 - P26046: As nossas geografias emocionais (26): Durban, África do Sul, 2022: aqui vivera,m Fernando Pessoa, Mahatma Gandhi e Nelson Mandela... (António Graça Abreu)



África do Sul > Durban > 2022

Fotos (e legenda): © António Graça de Abreu (2024). Todos os direitos reservados. [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné].

1. Texto (e fotos) enviado pelo António Graça de Abreu, com data de 13/10/2024, 17:48



Durban, África do Sul, 2022

por António Graça de Abreu


Entrar por esta terra dentro. Chegar ao reino dos zulus, a cultura tribal, a história, também com um “Napoleão Negro”, vencendo e subjugando outros povos rivais em tremendas rivalidades étnicas. A minha vasta ignorância sobre as margens destes povos.

Aqui, como por todo o mundo, o entendimento entre os homens jamais foi fácil. E vieram os brancos, o apartheid, os deuses e os diabos, quantos ódios, quanto sofrimento, quanta humilhação…

Uma certa curiosidade em conhecer a terceira maior cidade da África do Sul, depois de Joanesburgo e da Cidade do Cabo. Durban associada ao jovem Fernando Pessoa que aqui viveu na sua infância e juventude, lugar onde modelou parte do seu entendimento do mundo, e modo de expressá-lo em poesia e cultura, influenciado por cânones ingleses bebidos nas escolas desta terra.

Durban foi também a cidade onde o então jovem advogado indiano Mahatma Gandhi (1869-1948) chegou em 1896, após os estudos em Londres. Face às prepotências dos colonos ingleses, tentou defender os direitos dos emigrantes indianos que, em busca de um futuro melhor, aqui desembarcavam aos milhares vindos da Índia. Gandhi permaneceu na África do Sul durante vinte e um anos. Foi toda uma gesta pessoal de consciencialização política e de defesa dos direitos dos expatriados indianos.

No vasto território das extremas de África, também Nelson Mandela que aqui nasceu apregoou a paz e lutou por um mundo mais humano e fraterno.

Cinco dias em Durban, 2022. Alojamento no Suncoast Hotel, um quatro estrelas bonito, com piscina e macacos selvagens à solta nas árvores junto à piscina, o hotel debruçado sobre a extensa praia a norte da cidade, para minha surpresa ligado por um corredor interior a um conjunto de cinemas, restaurantes, tudo desembocando num enorme casino que me dizem ser o maior de todo o continente africano. 

Tocado pelo bichinho da curiosidade, para lá encaminhei os pézinhos, não para jogar mas ao encontro de moderníssimas máquinas multibanco para trocar euros por rands, a moeda local. Não tenho hábitos de jogador, não gosto da atmosfera pesada dos casinos, mas neste havia festa, um cantor da moda debitava conhecidas canções que as pessoas da terra, negros e negras irradiando alegria, dançavam em volta do palco, saracoteando as ancas, bamboleando os rabos. Bem compostas de gente estavam as slot-machines, as bancas de bacarat, as roletas.

Em Durban, cerca de 70% da população é negra, quase toda de etnia zulu, 20% são de origem indiana e 8% são brancos. Os africanos zulu prevaleciam no pequeno/grande desvairo do jogo. Ainda hoje, nesta província, contam com doze milhões de pessoas, um etnia aguerrida, com um enorme prazer de viver.

No complexo do casino, entre outros, havia um restaurante português. Lá fui comer um bife, pensava ir matar saudades da comidinha de casa, mas os meus dentes e o palato protestaram, a tirinha do lombo da vaca sabia imenso a boi velho e duro.

As rondas pela cidade, avançando com um certo cuidado porque consta serem frequentes os assaltos e roubos a turistas. Não tive nenhum problema.

Nas praias, logo de manhã cedo, em frente do hotel e ao longo dos quilómetros e quilómetros de areal, famílias inteiras, grupos de amigos, com as damas negras com trajes brancos, com crianças e homens, todos vestidos com arrendados e funcionais trajes de festa, exultantes e bem-dispostos entrando por dentro das águas. Tudo parecido com o que acontece no Brasil com o culto de Iemanjá, rainha do mar, ou a saudação às orixás, divindades benfazejas comandando o destino das gentes.

Visita ao Jardim tropical, o mais antigo de África, no extremo sul da praia, já junto ao porto. Passarinhos e passarões para todos os gostos, golfinhos e focas, e sobretudo vegetação luxuriante, jardins, a profusão das flores. O centro da cidade, as ruas com o desenho em quadrícula do século dezanove, o mercado de Vitoria Street com uma grande quantidade de lojas indianas e quinquilharia a granel, pouca coisa interessante para comprar, prédios antigos e históricos, como a grande Câmara Municipal construída entre 1906 e 1910, exactamente durante os anos em que Fernando Pessoa aqui viveu.

Depois, duas grandes voltas no autocarro Durban Ricksha Bus aberto para a vista total sobre a cidade. Os arranha-céus, de tamanho médio, estendendo-se do centro até à orla costeira – há muito dinheiro à solta crescendo em Durban –, o estádio Moses Mabhida com capacidade para 70 mil espectadores, construído para o campeonato do mundo de futebol 2010, o jardim zoológico em Mitchell Park, o contraste entre as zonas mais pobres e as mais ricas. 

Por aqui, entre parques verdejantes e jardins, algumas das escolas secundárias mais caras de toda a África do Sul, formatadas no sistema inglês.. Dizem-me que o Hilton School College, tem uma propina anual de vinte e tal mil euros. Pagos pelos pais de uns tantos meninos ricos, a maioria brancos, alguns negros, mais uns raros indianos e chineses, todos filhos da sorte, da igualdade difícil, dos desequilíbrios do mundo.

António Graça de Abreu

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quarta-feira, 11 de janeiro de 2023

Guiné 61/74 - P23971: "Una rivoluzione...fotogenica" (5): Roel Coutinho, médico neerlandês, de origem portuguesa sefardita, cooperante, que esteve ao lado do PAIGC, em 1973/74 - Parte IV: escolas no mato para adultos


Guiné-Bissau > s/l > 1974 > PAIGC > Escola para adultos / Foto: ASC Leiden - Coutinho Collection - 6 24 - School for adults in Guinea-Bissau - 1974


Guiné-Bissau > s/l > 1974 > PAIGC > Escola para adultos / Foto: ASC Leiden - Coutinho Collection - 6 25 - School for adults in Guinea-Bissau - 1974


Guiné-Bissau > s/l > 1974 > PAIGC > Escola para adultos / Foto: ASC Leiden - Coutinho Collection - 6 26 - School for adults in Guinea-Bissau - 1974


Guiné-Bissau > s/l > 1974 > PAIGC > Escola para adultos / Foto: ASC Leiden - Coutinho Collection - 6 27 - School for adults in Guinea-Bissau - 1974


Guiné-Bissau > s/l > 1974 > PAIGC > Escola para adultos / Foto: ASC Leiden - Coutinho Collection - 6 29 - School for adults in Guinea-Bissau - 1974.



Guiné-Bissau > s/l > 1974 > PAIGC > Escola para adultos / Foto: ASC Leiden - Coutinho Collection - 6 29 - School for adults in Guinea-Bissau - 1974. (Tudo indica que a aluna seja guineense, e que a aula seja de português... Pormenor: tanto quanto se consegue ler: "Sumário, 29-3-74 (,,,) Eu quero ser primeiro (?) professora. Eu quero ser (...)".




Fonte: Wikimedia Commons > Guinea-Bissau and Senegal_1973-1974 (Coutinho Collection) (Com a devida vénia...) . Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2023)


1. O jovem médico Roel Coutinho (*), então com os seus 26/27 anos, passou uma temporada na Guiné-Bissau e no Senegal, ainda antes do 25 de Abril de 1974, altura em que voltou ao seu país natal, os Países Baixos.

No seu livro de memórias, "Crónica da Libertação" (Lisboa, "O Jornal", 1984, 464 pp.), Luís Cabral (Bissau, 1931- Torres Vedras, 2009), o primeiro presidente da República da Guiné-Bissau (1973-1980), derrubado pelo golpe de Estado do 'Nino' Veira (em 14 de novembro de 1980), cita o nome do "dr. Raul Coutinho" (sic), a propósito do apoio ao PAIGC, ainda na fase da luta pela independência, de diferentes países e organizações no domínio médico-sanitário. Escreveu ele, na página 337:

"O comité da Holanda, como a Fundação Eduardo Mondlane, destacou-se por uma solidariedde contínua com as nossas formações sanitárias também concretizada pelo envio de pessoal médico. Os drs. To, Raul Coutinho  e Yob trabalharam sucessivamente no nosso Lar do Combatente de Ziguinchor".  

Não são referidas datas, maas sabe-se que as fotos do Roel Coutinho tªem dieferentes datas: (i) março-abril de 1973; (ii) 1974;  (iii) março-abril de 1974... Umas foram toradas no Senegal (Ziguinchor), outras na Guiné-Bissau, em "áreas libertadas", junto à fronteira norte ou a sul do Morés (em Sara).  Não parece haver fotos tiradas no sul do território, ou em bases do PAIGC em território da Guiné-Conacri, como Boké (onde também havia um hospital tal como em Ziguinchor, no Senegal).

2. E a propósito da Fundação Eduardo Mondlane (Eduardo Mondlane Stichting)  sabemos que se fundiu mais tarde,  em 1997, com outras duas organizações, o Comitê Holandês sobre a África Austral, antigamente denominado Angola Comité (Komitee Zuidelijk Afrika)  e o Movimento Holandês de Oposição ao Apartheid (Anti-Apartheids Beweging Nederland) , dando origem ao  Nederlands instituut voor Zuidelijk Afrika (NiZA).  

O NiZA (http://www.niza.nl)  focava-se então  nas questões  relativos ao desenvolvimento e aos direitos humanos na África Austral, mantendo os arquivos com os materiais de suas organizações-mãe:

Numa folheto, de duas páginas,  do NiZA, disponível em formato pdf, em português pode ler-se:

 (...) "A colonização inicial holandesa da África do Sul, suas conexões religiosas tradicionais, ligações com o idioma falado pelos afrikaners, e o número relativamente alto de imigrantes holandeses na África do Sul contribuíram para o alto interesse da sociedade holandesa pelos assuntos relativos à África do Sul, inclusive a luta contra o apartheid. 

A experiência dos holandeses durante a ocupação nazi na Segunda Guerra Mundial e a descolonização na Indonésia também contribuíram para o apoio de movimentos de libertação na África Austral. 

Todos esses fatores resultaram na ampla cobertura da imprensa e no surgimento de um forte movimento contra o apartheid e em prol da libertação africana na Holanda. 

Um dos primeiros grupos se concentrou na libertação de Angola e das outras colônias portuguesas, o que ajudou a dar ao movimento uma perspectiva ampla sobre a região da África Austral. 

Em três ocasiões distintas, desentendimentos graves sobre as sanções contra a África do Sul entre a maioria parlamentar e a administração incumbente ameaçaram derrubar o governo. Os sindicatos, as igrejas, os governos locais e as organizações de desenvolvimento agiram ativamente nesse sentido, assim como as organizações cujo enfoque específico era a solidariedade com a luta na África Austral. 

Os grupos holandeses agiam não só ao fazer pressão para transformar as políticas ocidentais e isolar a África do Sul, como também para apoiar diretamente os movimentos de libertação da África Austral. Os grupos normalmente trabalhavam juntos em coligações, apesar de rivalidades e discórdias estratégicas entre si. Juntos, atingiram todos os setores da sociedade holandesa, exercendo forte influência na opinião pública." (...) 

A gente às vezes esquece-se que a Holanda / Países Baixos foi também uma grande potência colonial e que a descolonização desses territórios também não foi pacífica.... (Veja-se, por exemplo, o caso da Indonésia que foi o primeiro país após a Segunda Guerra Mundial a lutar pela independência e a ser reconhecido pelas Nações Unidas, mas só em 1949 pela potência colonizadora... E só agora, ao fim de muitos anos, os Países Baixos pedem desculpa pela violência contra os indonésios e outros povos que estiveram sob o seu domínio.
)
 
3. Chamámos a este série  "Una rivoluzione... fotogenica". Destina-se a divulgar algumas imagens "do outro lado do combate"... Na realidade, o PAIGC e sobretudo o seu líder histórico, Amílcar Cabral (Bafatá. 1924- Conacri, 1973) sempre beneficiou de uma "boa imprensa", a nível internacional, e nomeadamente nalguns países europeus, como a Suécia, a Holanda, a Itália ou até a França.

Alguns excelentes fotojornalistas (como Bruna Amico ou Uliano Lucas) mas também cineastas, médicos e escritores foram às florestas e bolanhas da Guiné para se documentar "in loco" sobre o progresso da "luta de libertação" dos guineenses contra o colonialismo português. Pode-se dizer que criaram ou ajudaram a criar uma "estética da guerra de libertação" (**).


(**) Vd. poste de 4 de janeiro de 2023 > Guiné 61/74 - P23947: "Una rivoluzione... fotogenica" (1): Uma reportagem e um livro decisivos, e que consagram a estética da "guerra de libertação", "Guinea-Bissau: una rivoluzione africana" (Milano, Vangelista, 1970, 200 pp.), dos italianos Bruno Crimi (1940-2006) e Uliano Lucas (n. 1942)