Pesquisar neste blogue

Mostrar mensagens com a etiqueta conflitos. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta conflitos. Mostrar todas as mensagens

sexta-feira, 29 de novembro de 2024

Guiné 61/74 - P26211: S(C)em Comentários (53): O drama dos felupes, que estão a perder o seu chão e a sua identidade, afetados pelas alterações climáticas (Cherno Baldé)... E que agora perderam uma grande amiga, a antropólogia Lúcia Bayan , falecida no passado dia 26

1. A propósito do drama dos felupes, os primeiros refugiados ecológicos da Guiné-Bissau, vítimas das alterações climáticas, e da morte,  inesperada, da sua amiga portuguesa, a antropóloga Lúcia Bayan (*), vamos repescar este comentário do nosso Cherno Baldé (**):

A minha primeira visita ao Chão Felupe foi em maio de 1997, por ocasião do dia internacional dos trabalhadores, tendo feito o percurso de Bissau - Varela, passando por S. Domingos. 

Nessa ocasião constatei que, contrariamente ao que acontece no Chão Fula (Zona Leste), os Felupes e seus irmãos Baiotes, não tinham aldeias plantadas junto da estrada principal que atravessava o seu Chão,  indo de S. Domingos para Varela, preferindo ficar afastados, em zonas escondidas e de difícil acesso,  facto que, também, tinha verificado no Chão Balanta,  logo após o fim da guerra colonial e em Biombo nos anos 80 quando trabalhei como professor nesta região do litoral guineense.

A conclusão lógica a que cheguei, na altura,  é que, sendo povos indígenas de longa data,tendo sofrido várias invasões e agressões de povos conquistadores vindos do interior do continente, como nos explica o Amílcar  Cabral no livro sobre a história da Guiné e as Ilhas de Cabo-Verde (PAIGC 1974), estes povos foram obrigados, cada vez mais, a se refugiar e adaptar-se em zonas muito inóspitas e de difícil acesso como foi o caso dos Nalus que foram habitar as ilhas e zonas baixas de Cubucaré e Quitáfine, ou o caso extremo dos Bijagós que vivem no arquipélado de mesmo nome. 

No caso dos Felupes e Baiotes esta localização geográfica teria sido muito importante durante o periodo da ocupação colonial, já que lhes permitia oferecer uma notável resistência e prática da guerrilha num espaço reduzido mas semeado de obstáculos naturais.

Mas, vivendo o pais hoje num contexto de completa liberdade, onde se desenvolve pouco a pouco uma interação e concorrência apertada com as outras regiões e grupos étnicos em diferentes domínios da vida social e económica, estes povos fazem a constatação lógica e normal das dificuldades e desvantagens da sua inadequada situação habitacional, para a qual procuram encontrar uma saída razoável para viver e expandir-se como os outros povos,  seus vizinhos. 

As mudanças climáticas vêm juntar-se e complicar ainda mais esta situação que já em si era insustentável há muito tempo, pelo menos desde que a monocultura de caju se tornou no principal produto de renda e de subsistência social e económica. 

De resto, os conflitos sobre a posse da terra são extensivos ao resto do país e nos diferentes Chãos tradicionais sem deixar de lado outros problemas transversais como o género e os direitos humanos, hoje muito em voga nos países do terceiro mundo.

Com um abraço amigo,

Cherno Baldé

2020 jan 16 12:17 (***)

____________


(***) Último poste da série > 8 de novembro de 2024 > Guiné 61/74 - P26127: S(C)em Comentários (52): General António Spínola 'versus' general Bettencourt Rodrigues (Morais da Silva, cor art ref, e 'capitão de Abril')

quarta-feira, 2 de agosto de 2023

Guiné 61/74 - P24527: De volta às montanhas de Liquiçá, Timor Leste, por mor da Escola de São Francisco de Assis, em Boebau (4.ª estadia, 2023): crónicas de Rui Chamusco / ASTIL (excertos). Parte VII: 26, 28, 29 de abril, 1, 2, 3, 4 ,5, 10, 16 de maio de 2023... “Cada criança que nasce é sinal de que Deus ainda não está zangado com a humanidade”...


Timor Leste > Dili  > Palácio do Governo _ 2023 > Foto do Jornal Tornado, "on line" (Jornal global para a lusofonia), 23 de junho de 2023 (com a devida vénia) 


1. Continuamos a publicar alguns excertos das crónicas que o nosso amigo Rui Chamusco (76 anos, professor de educação musical reformado, do Agrupamento de Escolas de Ribamar, Lourinhã, natural de Malcata, concelho de Sabugal, cofundador e líder da ASTIL - Associação dos Amigos Solidários com Timor Leste) nos mandou, na sequência da sua 4.ª viagem àquele país lusófono (março-maio de 2023).

Esteve lá já 4 vezes, em 2016, 2018, 2019 e agora em 2023, no àmbito da construção, organização e funcionamemento da Escola de São Francisco de Assis, em Boebau, ;Manati, município de Liquiçá. Desta vez, juntou-se a ele um casal da Lourinhá, ela, professora de educação especial, já com uns bons anos passados em Macau, e ele, contabilista, reformado.

O Rui Chamusco, o "abô" Rui, é juntamente com a família luso-timorense Sobral um dos grandes pilares deste projeto de solidariedade com o povo timorense. É um exemplo inspirador, de amor à lusofonia e de solidariedade para com o povo de Timor Leste, que merece ser conhecido pelos mossos leitores. Além disso, há aspetos da história, da geografia e da cultura timorenses que nos são totalmente desconhecidos.

Para os leitores que se queiram associar a este projeto, aqui fica a conta solidária da Associação dos Amigos Solidários com Timor Leste (ASTIL)

IBAN: PT50 0035 0702 000297617308 4

______________________



De volta às montanhas de Liquiçá, Timor Leste, por mor da Escola de São Francisco de Assis, em Boebau (4ª estadia, 2023):
crónicas de Rui Chamusco
/ ASTIL (excertos) (*)

Parte VII -26, 28,  29 de abril, 1, 2, 3, 4 ,5, 10, 16 de maio de 2023 



26.04.2023, quarta feira - "Em cada esquina um amigo / Em cada rosto igualdade"...


Ainda em rescaldo do 25 de Abril, hoje tivemos o privilégio de ir receber ao aeroporto Nicolau Lobato os nossos amigos e vizinhos da Lourinhã - o casal João e Maria João Picão. 

Foi uma alegria partilhar beijos e abraços, depois da longa viagem que os trouxe até cá, até este país irmão que alguns temos a sorte de conhecer, mas que muitos outros assim o desejariam também. 

A colega Maria João é educadora com larga experiência no ramo, e sempre manifestou a vontade de visitar a Escola São Francisco de Assis, em Boebau/ Manati e de aí trabalhar alguns dias com as crianças e as cuidadoras do pré-escolar. Para a semana lá iremos nós cumprir a missão. E, como o homem não deve separar o que Deus uniu, vai marido, vai mulher e vamos todos a caminho da montanha.

Para surpresa minha tive conhecimento através deste casal que, a residir na Praia da Areia Branca, na Lourinhã, está o Dr. Pedro Serrano. Quando ouvi o seu nome estranhei e perguntei: “Pedro Serrano? Do Porto? Filho do Dr. Joaquim Serrano?!...

” Sim!” responderam de imediato. Então não é que nos anos 65-70, sendo eu estudante de Teologia no Seminário dos Capuchinhos no Amial (Porto), dei aulas de guitarra ao Pedro, agora sr. doutor, que então era estudante de medicina. Ou seja tão perto um do outro, ambos a residir na Lourinhã, e tão longe, pois nunca mais nos vimos nem tivemos noticias um do outro. Vai ser bonito, quando eu chegar à Lourinhã e bater à sua porta! Obrigado , amigos Picão. (...)


Timor Leste > Liquiçá > Manati > Boebau > 2023 > "Só eu sei por quê. Mas esta despedida da escola, dos lugares, das crianças e das gentes de Boebau custou-me muito. Que seja o que Deus quiser."


Timor Leste > Liquiçá > Manati > Boebau > 2023 > Transporte coletivo, uma "anguna"


Timor Leste > Liquiçá > Manati > Boebau > 2023 > A "pickup" da AstilMB (Associação de Amigos Solidários com Timor Leste de Manati / Boebau).

Fotos (e legenda): © Rui Chamusco (2023). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]




28.04.2023, sexta feira  - Solitário ou Solidário?

Quem puder entender que entenda. Assim vai a administração pública neste país. Assim vai a segunda língua oficial em Timor Leste.

É pela quarta vez que temos de vir a Balide, ao edifício da Administração Pública / Serviço de Registos de Veículos Motorizados, a fim de fazermos o registo de propriedade da pick-up em nome da AstilMB (Associação de Amigos Solidários com Timor Leste de Manati / Boebau). 

Muito tempo, muito suor no corpo, muita falta de paciência que nos espera. Mas tem de ser, e “o que tem de ser tem muita força". O que vale é resiliência e a competência do Eustáquio.

E, quando pensávamos que o dossiê já estava quase todo bem, eis que o Eustáquio vem até mim e pergunta: “Tiu, é Associação de Amigos Solidários ou Solitários?” “Solidários” respondi. “Então aqui está escrito Solitário”. 

Ficai danado quando confirmei o que me dizia. Praguejei, chamei nomes e não sei quantas coisas mais. Então se no preenchimento dos nossos papéis estava “Solidários” porque é que “inteligências superiores” escreveram “Solitários”, que é precisamente o contrário. 

Incompetência? Não percebem o português? E vai daí, mais voltas, mais papéis e uma vontade enorme de dar um murro na mesa em sinal de protesto.

Ainda relacionado com este acontecimento, deu para ver os esquemas utlizados para resolver estes assuntos, depressa e bem. Como em todo o lado, quem tiver “cunhas” e conhecimentos, depressa resolve o problema. Há serviços tolerados, mas que têm de ser pagos, com distribuição da importância estabelecida pelos diferentes intervenientes. Todos comem do mesmo. Alguns destes “brokers” (não sei se é nome da marca da camisola ou se é mesmo o nome técnico por que são identificados) são conhecidos e movimentam-se à vontade no átrio de espera, passam de guichê (loket) em guichê  dando andamento ao dossiê, enquanto o proprietário do veículo espera calmamente num sítio qualquer combinado ou até é feito por telemóvel.

Nós, embora pudéssemos pagar a importância que eles levam, não quisemos alinhar neste esquema mafioso e, portanto, não nos podemos queixar dos tormentos por que passamos.


29.04.2023, sábad0 - Companhia Picão & nós

Foi um dia bem passado. Em boa companhia, João e Maria João Picão e nós (Eustáquio, Adobe e eu), visitamos os sítios mais icónicos de Dili: Lahane, cemitério de Santa Cruz, Escola Portuguesa Ruy Cinatti, Catedral, canto do Artesanato, mercado e largo de Tassi Tolo, monumento a João Paulo II (que maravilhosa paisagem sobre o mar!...), Timor Plaza, igreja de Motael, monumento aos jovens resistentes, Páteo, Bairro Pité, Ailok Laran. 

Outros locais interessantes já tínhamos visitado em dias anteriores: Cristo Rei, Praia da Areia Branca. Houve tempo para tudo, até para dar uns passinhos de dança ao toque do acordeão e do violino. E como o “loro mono” (pôr do sol) já se foi, lá fomos nós também levar estes amigos à casa onde pernoitam, em Bidau. (.
 

01.05.2023, segunda feira  - Semana especial

Começa hoje a semana esperada, em que a educadora Maria João, o seu esposo João Picão, o Eustáquio e eu prometemos passar em Boebau, promovendo atividades e ensinamentos na ESFA - Escola São Francisco de Assis “Paz e Bem”. 

Como sempre, as viagens de ida e volta para Boebau causam-nos sempre alguma ansiedade devido às dificuldades do caminho e às peripécias por que teremos de passar. E lá vamos nós “cheios de pica”, desta vez também de Picão (família Picão). 

Em Ai Pelu fizemos uma pequena paragem a fim de recebermos as ofertas que a professora Cristina nos entregou para a ESFA, pois, devido ao atraso com que chegámos, já não lhe foi possível ir connosco até Boebau. Obrigado, professora, pelas bolas e pelo saco de arroz que nos entregou!

Chegámos, sem incidências de percurso, ao princípio da tarde e, como os alunos ainda estavam de férias, foi ocasião de mostrar em pormenor aos nossos amigos vindos de Portugal a Escola e a Casa dos professores onde ficamos alojados. Ainda que com condições mínimas, este espaço permite-nos alguma privacidade e descanso.

E, perante os condicionamentos a que o casal Picão fica sujeito (por exemplo: 2 colchões individuais terem de dormir 3 pessoas), o João Picão sai-se com esta: “O melhor é juntar os dois colchões e dormir por turnos”. Ora toma lá esta!... Coitado, não teve outro remédio que dormir agarradinho á esposa, saindo de vez em quando do leito conjugal para bater com o costeado no chão, ou então roçado à parede. “Ó Costa! A vida costa!”


01.05.2023, segunda feira  - Lagartos, Teques, Toquês, aves e outros répteis

Se já o colchão era tão exíguo, agora são as bichezas cá do sítio que assustam os visitantes. Podem entrar onde quiserem porque todas as casas timorenses têm aberturas suficientes que lhes permitem a entrada. Sobretudo os Teques (osgas) que são presença constante em qualquer espaço. Depois de se taparem alguns buracos, não restava outra alternativa a de não ser fechar os olhos e deixar-se dormir, talvez com sonhos mirabolantes que incluam estas novas experiências.

Mesmo em frente da casa, está uma manga, uma árvore de uns três metros de altura, que serve de poleiro para galos e galinhas da vizinhança. É impressionante os voos rasgados de baixo para cima, ao pôr do sol, e do alto para baixo, ao nascer do sol. É de notar também a hierarquia que respeitam. Primeiro os maiores (galos e galinhas) e depois por ordem decrescente, os mais pequenos. Todos em voo rasgado. Depois cantam, fazem a alvorada, até que aparece alguém com uma mão cheia de milho para onde correm apressados. Logos que os galináceos desarvoram do sítio, chega a reboada das aves mais pequeninas, na sua maioria pardais ou outra espécie qualquer.


02.05.2023, terça feira - Escola, hino da escola 
e fortes emoções

De manhazinha, toca a levantar. Às oito horas estamos a caminho da escola, e quando chegamos (8.15h) já as crianças povoavam o átrio da mesma. Muitas saudações, muitos beija-mão, muitos sorrisos. 

Uma grande alegria de rever estes rostos de crianças e adultos, que já fazem parte da minha vida. O carinho que manifestam sobretudo ao abô Rui emociona-me, e às vezes até me faz chorar. (Sim, porque os homens também choram.) 

Depois da entrada organizada, onde cada criança nos saúda (Bom dia professor! Bom dia, professora!), cantámos o hino da escola. Um momento indescritível devido ao entusiasmo com que estas crianças cantam. E eu também vi a Maria João com a lágrima no canto do olho. (Sim, porque as mulheres também choram.)

Quem não estava nada à espera era o João, que foi mandado chamar, a fim de impor o tais de boas vindas às visitas. Creio que ele também se emocionou. Foi o que eu senti no abraço que nos demos.

Foi uma manhã repleta de coisas boas, em que educadores e educandos participaram de alma e coração.

De tarde, fomos visitar a família do Bô Zé e a família do senhor Francisco, pois tinha o donativo dos padrinhos para lhe entregar. Um momento único que muito nos interpelou, pela simplicidade e generosidade com que nos receberam e partilharam o espaço da sua humilde habitação. Que São Francisco olhe também por este Francisco de Boebau!


02.05.2023, terça feira  - O inesperado acontece


Já noite, sentados à soleira da porta, aparece a família Francisco (o próprio, a esposa e o filho Joel) que trazia ao colo um bonito galo, talvez o rei da capoeira, e que eu pensava que seria para vender, com certeza para a luta de galos que por Timor é habitual.

Surpresa! Afinal este galo não é para vender, não. É para oferecerem ao abô Rui, por que lhe estão muito gratos pelo que tem feito por eles. Fiquei sem palavras. E ainda que eu me escusasse a recebê-lo, argumentando que não era necessário, que eu não o podia levar para Portugal, etc, etc... não houve outra alternativa que aceitá-lo e trazê-lo para Ailok Laran, para a casa do Eustáquio, que é onde ele vai ficar, mas com um pedido meu: “por favor não matem este galo. Deixem-no cantar até morrer”. Tenho a certeza de que irão respeitar a minha vontade.

Mas o galinheiro foi crescendo, através de novas ofertas do Cesáreo, do Bô Zé, do Sr. Manuel (antigo comandante de guerrilheiros no tempo da invasão indonésia). Ou seja, quem quer galinhas,  venha até Boebau, e faça por merecê-las.


03.05.2023, quarta feira - Vida dura,  a da montanha!...

Hoje aconteceu aos outros. A angunan do Silvestre, que vai e vem todos os dias transportando pessoas com os seus bens e haveres, de Manati até Liquiçá, estava a tardar em chegar. Com alguma preocupação, tentamos saber o que se passava, pois nunca mais chegava. A Adelina que estava nesta viagem de ida e volta ficou de nos fazer algumas compras, e esperávamos por ela a todo o instante. Por isso pedimos ao Nico, seu marido, que a contatasse. 

Foi então que ela explicou: “ a angunan não pode passar, devido a obras no caminho. Teve de ficar do lado de lá, e nós vamos todos a pé”. Mais de uma hora, de noite, com o peso das compras aos ombros ou na mão. Alguns ainda fomos ao seu encontro, mas já pouco caminho fizemos. Pela luz das pilhas de gente a falar, pdressa nos demos conta que estavam muito perto, quase a chegar. É assim a vida nas montanhas. De repente, surge algo de imprevisto e toca a desenrascar nem que seja fazer o caminho a pé.


04.05.2023, quinta feira  - Instrumento da paz: 
encontro com os desavindos

Ouvi dizer da rivalidade existente, em Boebau, de dois dos meus primeiros amigos, que até são familiares, e que por incompreensão um do outro, até já se ameaçam violentamente (aqui em Timor a arma mais utilizada é a catana). 

Não conforme com esta atitude de vingança mútua, pedi ao Eustáquio que os avisasse de que eu queria ter um encontro com eles. A minha dúvida era se eles aceitariam esse encontro.

À hora marcada, na Escola São Francisco de Assis “Paz e Bem”, aí estava eu, o Eustáquio e os dois desavindos. Como o katuas do grupo pedi a palavra para lhes dizer o motivo desta reunião, apelando à nossa amizade, ao espírito de Paz e Bem de Francisco de Assis, padroeiro da nossa escola, à necessidade de nos perdoarmos uns aos outros nem que seja 70 vezes 7, à concórdia e à união. 

Por sua vez o Eustáquio, pessoa que eles muito estimam e consideram, também lhes falou ao coração. As minhas palavras finais foram:” A decisão é vossa. Mas, eu ficarei muito triste se tiver de partir para Portugal sabendo que vós continuais em guerra. Pelo contrário, ficarei muito, muito contente se perdoarem um ao outro e fizerem as pazes”. 

Dada a palavra a cada um, ambos manifestaram, até com emoção e com lágrimas, que estavam dispostos a perdoar. E agradeceram ao abô Rui ter proporcionado este encontro, pois já há muito tempo que o desejavam, mas ninguém os ajudava a encontrar e perdoar.

Abraçaram-se, perdoaram e até parece que ficaram mais aliviados. Esperemos que este acordo de paz seja duradoiro, e que São Francisco lhes sirva de exemplo e proteção. Quanto a mim, estou feliz por ser, à semelhança de Francisco de Assis, um instrumento de paz.


04.05.2023, quinta feira  - “Cada criança que nasce é sinal...”

“Cada criança que nasce é sinal de que Deus ainda não está zangado com a humanidade”.

Talvez o habitante mais novo de Boebau. Nasceu a noite passada. Os pais, dois jovens que moram mesmo à nossa beira, foram pais pela primeira vez. Agora são quatro, porque vivem em casa da avó paterna.

E, como a criança apresentava bastante fraqueza devido à mãe não produzir o leite suficiente para o amamentar, foi convocada a família com relevo para o irmão mais velho, a fim de fazerem o ritual prescrito para esta situações. A crença desta gente faz-nos pensar e repensar. Acredita quem quiser…

À família, aos pais e à criança, que Deus os proteja. Que o menino cresça em estatura, sabedoria e graça. Parabéns Zé, esposa e menino!


05.05.2023, sexta feira  - Meninas que leem tão bem!

A Adelina, que trabalha na ESFA e ajuda na preparação da liturgia na igreja (capela), transbordava alegria e alguma vaidade ao contar-nos o que as pessoas diziam das meninas Titânia,  alunas da nossa escola, depois de lerem as leituras na missa do domingo passado. 

“Quem são aquelas meninas que leem tão bem?” Pois, estas meninas frequentam o 4º ano do ensino primário da Escola São Francisco de Assis em Boebau. Até nós nos envaidecemos com estes elogios. O que quer dizer que, apesar das dificuldades que a nossa escola enfrenta, nomeadamente com contratação de professores credenciados, o nível de ensino tem-se distinguido pelas boas prestações que alunos e professores têm demonstrado. 

Por vezes, a boa vontade e a dedicação ao trabalho valem mais que canudos e diplomas. Parabéns, meninas e “professores” ! Continuem a fazer o melhor que souberem. O nosso apoio nunca lhes irá faltar...


05.05.2023, sexta feira - Um “adeus” sentido

Só eu sei por quê. Mas esta despedida da escola, dos lugares, das crianças e das gentes de Boebau custou-me muito. Que seja o que Deus quiser.

À hora combinada lá estamos nós de partida, rumo a Dili. Talvez a viagem menos penosa das que fizemos de Boebau/Liquiçá, percorrendo outros caminhos. Mas, como diz o ditado, “todos os caminhos vão dar a Roma”. Por isso a chegada ao destino processou-se dentro da normalidade.

Obrigado, Maria João e João Picão,  pela vossa disponibilidade e generosidade. É dando que se recebe, e penso que depois de tudo o que destes a esta gente também vos sentireis “de alma cheia” com esta experiência radical. “Adeus! Adeus! Adeus, Maria João”, cantavam as crianças, com música do Avé de Fátima. Inesquecível!...


10.05.2023, quarta feira - Em digressão

Merecido ou não, resolvemos dar uma volta turística por Timor-Leste. A comitiva destes dias (Eustáquio, Maria João, João Picão e eu) partiu de Dili rumo a a Baucau, Los Palos, Tutuala e Com, à procura das paisagens e das pessoas maravilhosas deste país. 

Se não fora as estradas com péssimo piso que tivemos de percorrer, diríamos que este passeio teria sido o máximo. Mas, feitos os descontos desta carência, podemos dizer que valeu bem a pena. Foram três dias maravilhosos. 

Então a estadia em Com, roçou a imagem do paraíso na terra. Que beleza de mar, que esplendor do sol poente e do sol nascente, que delicadeza destas gentes! Mais a mais, Com é terra que viu nascer Kon Santana, um dos heróis da resistência que sucedeu a Xanana Gusmão após a sua prisão pelas forças indonésias. 

Com foi também o palco principal para observar o fenómeno natural do eclipse solar que ocorreu no passado mês de abril. Observadores de todo o mundo (até dois portugueses) instalaram-se aqui para contemplar esta maravilha. Não estranho nada a atitude contemplativa de Francisco de Assis ante o Irmão Sol e o cântico que compôs chamando irmãs a todas as criaturas.

Depois foi o caminho do regresso, percorrendo as estradas (?) que nos conduziram a Dili.


16.05.2023, terça feira - Alvorada ou Desgarrada?

Ao ouvir todos os dias, logo de manhãzinha, o canto dos galos fico a pensar no termo correto: Alvorada ou Desgarrada?

Ainda que o seu canto pareça ser uma repetição, cada vez que os ouço cantar encontro nuances em cada resposta que me encantam e me dão vontade de entrar também no desafio. Então o meu Xico, que posso observar bem perto, enche bem o peito de ar, estica-se todo e bota lá de dentro um vozearão que o faz campeão, solista principal, desta alvorada matinal. À hora certa, aí está ele a desafiar. Já tentei responder-lhe, mas ele vence sempre, é mais forte do que eu, canta bem melhor do que qualquer um. “O nosso galo é bom cantor”, diz a canção. Foi feito para cantar. Por isso já deixei expresso o meu desejo, a minha ordem que, enquanto ele assim cantar não o podem vender e muito menos matar. Pois “quem canta, o seu mal espanta”.

“...ó do qui ri qui - có ró có - cá rá cá / Festa como a nossa no mundo não há!”

(Seleção / revisão e fixação de texto / negritos / subtítulos: LG)

(Continua)
____________

quarta-feira, 9 de março de 2022

Guiné 61/74 - P23061: "Lendas e contos da Guiné-Bissau": Um projeto literário, lusófono e solidário (Carlos Fortunato, presidente da ONGD Ajuda Amiga) - Parte XII: Conto - O hipopótamo dá boleia ao lobo

 



Ilustrações ( (pp. 69-71) do mestre Augusto Trigo, pai da pintura guineense e grande ilustrador, 
a sua obra é uma referência
 



O autor, Carlos Fortunato, ex-fur mil arm pes inf, MA,
CCAÇ 13, Bissorã, 1969/71, é o presidente da direcção da ONGD Ajuda Amiga


1. Transcrição das págs. 69-71 do livro "Lendas e contos da Guiné-Bissau", com a devida autorização do autor (*)



J. Carlos M. Fortunato 

Lendas e contos da Guiné-Bissau



Capa do livro "Lendas e contos da Guiné-Bissau / J. Carlos M. Fortunato ; il. Augusto Trigo... [et al.]. - 1ª ed. - [S.l.] : Ajuda Amiga : MIL Movimento Internacional Lusófono : DG Edições, 2017. - 102 p. : il. ; 24 cm. - ISBN 978-989-8661-68-5



Conto - O hipopótamo dá boleia ao lobo
(pp.  69-71)



O lobo (hiena) queria atravessar o rio, mas não podia porque este tinha muita água. Então foi pedir ajuda ao hipopótamo, para este o levar para o outro lado do rio.

O hipopótamo não gostava do lobo, porque este era malandro, e respondeu-lhe:

 Não tenho tempo, tenho que ir comer e depois vou descansar.

O lobo não desistiu, e pedia, pedia, sem parar:

 Tem paciência, ajuda com boleia, tem paciência, ajuda com boleia, tem paciência, ajuda com boleia, tem paciência…  – repetia o lobo sem parar.

O lobo não se calava e a cabeça do hipopótamo já não aguentava mais, e então disse:

– Está bem, vou levar-te para o outro lado nas minhas costas, mas se me fizeres mal, vais-te arrepender.

 Obrigado, obrigado  – disse  logo o lobo, ao mesmo tempo que se ria baixinho.

O hipopótamo desconfiou daquele risinho, mas pensou que talvez fosse porque o lobo estava contente.

E o lobo lá foi às costas do hipopótamo, até ao outro lado do rio.

Quando chegaram à outra margem, o lobo deu uma dentada no hipopótamo, arrancando-lhe um bocado de carne e fugiu rapidamente com ela na boca.

O hipopótamo ferido, lançou um grito de dor e de raiva:

 
  Aaarrgh!

O hipopótamo estava furioso, e zangado, mas ferido não podia correr atrás do lobo.

Algum tempo depois passou por ali uma lebre, que, ao ver o hipopótamo ferido, lhe perguntou o que tinha acontecido.

Ao saber da maldade do lobo, a lebre que também não gostava dele, disse:

 Esse lobo é mesmo muito mau! Eu vou-te ajudar. Eu vou trazer o lobo aqui. Fica aí deitado e finge que estás morto. Não te mexas!

A lebre foi para o mato e começou a tocar o bombolom (35), chamando todos os animais.

Quando estavam todos os animais reunidos a lebre disse:

 Está um hipopótamo morto na margem do rio, vamos comê-lo.

Ao ouvir isto, o lobo disse logo:

 
  Esse hipopótamo é meu, fui eu que o matei, e eu é que vou comê-lo.

Dito isto, o lobo correu para o local onde estava o hipopótamo, mas, quando se preparava para o comer, o hipopótamo abriu a sua grande boca e deu-lhe uma dentada.

E foi assim, que o lobo foi castigado pela sua maldade.

__________

Nota do autor:

(35) Bombolom - é um instrumento musical, que é tocado com dois paus, batendo-se num tronco de árvore ao qual foi retirado o seu interior, ficando com uma abertura em cima, de modo a servir de caixa de ressonância.


2. Como ajudar a "Ajuda Amiga"?

Caro/a leitor/a, podes ajudar a "Ajuda Amiga" (e mais concretamente o Projecto da Escola de Nhenque, que já foi inaugurada dia 8 deste mês, com pompa e circunstância), fazendo uma transferência, em dinheiro, para a Conta da Ajuda Amiga:

NIB 0036 0133 99100025138 26

IBAN PT50 0036 0133 99100025138 26

BIC MPIOPTP


Para saber mais, vê aqui o sítio da ONGD Ajuda Amiga:

http://www.ajudaamiga.com
____________

sexta-feira, 4 de setembro de 2015

Guiné 63/74 - P15072: (Ex)citações (289): A propósito de Casamansa: a Guiné-Bissau não devia alimentar orgulhos caducos e tem a obrigação de respeitar as fronteiras coloniais existentes, se quiser continuar a existir como país.

1. Comentário de Cherno Baldé ao poste P15066 (*)


[Cherno Naldé: natural de Fajonquito, setor de Contuboel, região de Baftá, fez a sua formação universitária  na Ucrânia (ex-União Soviética) entre 1985/90 e depois em Portugal (Pós-graduação no CEA - Centro de Estudos Africanos /ISCTE); é quadro superior em Bissau, onde vive]

Caro amigo Luis,

Bem que gostava de fazer uma apreciação crítica o conteúdo sócio-cultural e ideológico dos artigos apresentados sobre Ziguinchor e suas gentes por apresentarem grandes similitudes com as realidades sócio-culturais das chamadas 'praças' vs 'presídios' na actual Guine-Bissau, infelizmente o tempo escasseia.

A Casamansa é a grafia antiga, portugues,  que, pouco a pouco, por influência do francês passou para Casamança aà francesa (Casamance) e acabou por ser a grafia oficialmente adoptada nas diferentes línguas e nas cartas geográficas modernas.

A terminologia ou conceito oportunista de "fijus de terra" que é prática corrente em toda a região foi desde sempre fonte de discórdia, de intrigas e de instabilidade social e política cujos efeitos nocivos podemos encontrar quase em todas as organizações, agrupamentos (os famosos Gan) ou partidos políticos como o PAIGC, FLING e outros.

Penso que o prefixo "mansa" estaria ligado ao poder tradicional (autoridade) na altura derivado ou por extenão do poder longínquo do Mansa de Mali e nao é sinónimo de mansidão como o pretende Torcato.

O declinio da aristocracia crioula em Ziguinchor, de certo modo, também, está relacionada com o declínio e pauperizacção dos centros de cultura crioula da Guiné-Bissa,  fruto do retrocesso desta desde a independência.

Quanto a interferência "guerreira" no Casamansa,  a pequena Guine-Bissau não fica a dever em nada ao vizinho Senegal, pois o tráfico de armas e de alianças duvidosas estão na origem da maior parte dos conflitos que ocorreram nos últimos anos.

Pessoalmente, sou de opinião que a Guine-Bissau não devia alimentar orgulhos caducos e tem a obrigapção de respeitar as fronteiras coloniais existentes,  se quiser continuar a existir como país. (**)

Com um abraço amigo,

Cherno Baldé

Igreja católica nos arredores de Ziguinchor. Cortesia de Wikipedia
_______________

Notas do editor:

(*) Vd. poste de 2 de setembro de  2015 > Guiné 63/74 - P15066: Em bom português nos entendemos (12): Casamança ou Casamansa ? Como se deve grafar este topónimo do Senegal ? A resposta do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa

(...) Comentários de LG:

Uma chamada de atenção para a página "República Cultural Lusófona" (RCL)... onde se (re)descobrem inesperadas comunidades onde a lusofonia parece estar viva ou ainda não morreu (...)

Sobre Ziguinchor, capital da região de Casamansa, pode ler-se o artigo "Ziguinchor, a vila crioula do Senegal"... Desconhecem,os o autor, mas aqui vão uns excertos, com a devida vénia (. A revisão e fixaçãon de texto é nossa):

(...) "Ziguinchor foi fundada pelos portugueses no sec. XVII, em 1645, na margem sul do Rio Casamansa. O seu nome deriva da expressão portuguesa 'cheguei e choram', porque os nativos pensavam que os vinham escravizar. Esta feitoria fora aí sediada para comerciar com o reino de Casamansa o qual era um aliado dos portugueses.

"Segundo as crónicas este era o reino mais amigo dos portugueses, ao longo da costa da Guiné. O rei vivia à moda europeia, com mesa, cadeiras e roupas ocidentais, na sua corte habitavam muitos portugueses onde comerciavam e faziam cortesia ao rei. No entanto o progressivo desleixo por Portugal de África, a favor da Índia e depois do Brasil,  deixou esta zona praticamente abandonada. Cedo a feitoria se transformou num mero presídio, praticamente vazio...

"Hoje Ziguinchor é a capital da provincia senegalesa de Casamansa que luta pela sua independência do norte.

(...) "A população era constituida pelos fijus di terra que ainda hoje se auto-intitula a verdadeira população de Ziguinchor. Esta população era constituída por descendentes de portugueses e mulheres Diola, e ainda hoje mantêm os apelidos portugueses como Alfonso, Barbosa, Carvalho, da Silva, Fonseca, só para citar alguns. Para além dos fijus di terra são ainda distinguidos os fijus di fidalgu, a aristrocracia de Zinguinchor que se distinguem pelo prestígio nobiliárquico que exibem.

"Os fijus di terra eram os proprietários da terra, destinguiam-se dos outros grupos étnicos pela língua crioula, pela religião católica pelas maneiras, hábitos e roupas europeus. Talvez a característica mais sonante desta população fosse o bem conhecido domingo de Ziguinchor em que a população vai à missa e se passeia elegantemente de paletó e chapéu pelas ruas e jardins de Ziguinchor. Daí que, para os franceses, os crioulos tivessem sido os interlocutores por excelência com o resto da população. E tiveram eles mesmo de aprender o crioulo, língua que era bem mais fácil que as outras línguas nativas para um europeu. Mesmo os funcionários do norte que os franceses mandavam vir devido ao facto de serem mais escolaralizados que os sul, aprendiam rapidamente a falar o crioulo, este era o mais falado pela população, e até as outras etnias aprendiam a língua crioula por ser a língua do comércio, devido não só à proximidade com a Guiné-Bissau e ao contrabando que se fazia entre os dois países, mas ainda ao comércio do mercado local que atraía os camponeses do interior.

"Os laços com a Guiné-Bissau são muito fortes, desde familiares, sociais, religiosos e étnicos, de tal forma que em 1985,  num questionário, 70% repondeu já ter visitado a Guiné-Bissau. E, mesmo apesar do crioulo de Ziguinchor ser do tipo de Cacheu,  a influência do de Bissau faz ainda sentir-se aqui. Para além dos fijus di terra vieram da Guiné-Bissau principalmente durante a guerra colonial muitos refugiados, os manjacos, os  manés e os papeis, para reforçar a população crioula. Nas familias mais abastadas costuma-se ainda casar com membros das famílias de Bissau ou Cacheu.

"Numa pirâmide que ilustrasse a estrutura social de Ziguinchor poderiamos colocar quatro bases: na mais alta os fijus di fidalgu a seguir os fijus di terra,  de seguida os manjacos, vindos da Guiné-Bissau, e por fim as outras etnias locais. " (...)

(...) "Nos censos de 1963, dos 42.000 habitantes de Ziguinchor, 35.000 falavam o crioulo (83%), e 30.000 tinham o crioulo como lingua materna (71,4%).

"Depois de 75 anos de domínio francês e de 37 anos de independência,  os crioulos de Ziguinchor ainda são conhecidos como "les portugais" - portuguis, na população local. No entanto o crescimento da cidade e o aparecimento dos subúrbios tirou a terra aos fijus di terra, deixando-os na pobreza. 

"Depois da independência a situação alterrou-se por completo, os crioulos eram vistos como cúmplices dos franceses. Os cargos públicos ocupados pelos crioulos foram substituidos pelos funcionários vindos do norte que falavam wolof, e assim começou o declínio da população crioula de Ziguinchor que fora sempre a maioritária. De tal modo que em 1985 apenas 37% da crianças que iam para a escola falavam em crioulo. (...)

"As diferenças étnicas e culturais entre os povos de Casamansa, da qual Ziguinchor é a capital, e os do norte maioritariamente wolof [, islamizados,] são bastante grandes. Há já alguns anos que Casamansa luta pela sua independência (desde 1982). Muitos historiadores veem neste fenómeno uma herança dos conflitos luso-franceses sobre o território e que nomeadamente a Guiné-Bissau e o Senegal herdaram. São sabidas as interferências das tropas senegalesas em território guineense mas há ainda a ter em conta a grande ligação afectiva que liga as populações de Casamansa e da Guiné-Bissau. Esta última tentou servir de mediadora no conflito armado dos rebeldes do MFDC (Movimento das Forças Democráticas de Casamansa) mas a neutralidade da Guiné-Bissau nunca foi muito segura e a verdade é que o exército guineense tem fornecido armas ao movimento liderado por um padre de origem crioula,  Sengor (Senhor).

"Os fijus di terra acabaram por apoiar os rebeldes e tem ainda por isso sido exterminados culturalmente. Por outro lado enfrentam uma senegalização imposta. Ser-se crioulo era um estatuto privilegiado que tem começado a desaparecer, pois passou a ser secundário em relação aos wolof que anteriormente nem sequer existiam na região. (...)"

(**) Último poste da série > 3 de agosto de 2015 > oesGuiné 63/74 - P14964: (Ex)citações (288): Estações dos CTT na Guiné (Jorge Araújo)

quinta-feira, 21 de novembro de 2013

Guiné 63/74 - P12319: Manuscrito(s) (Luís Graça) (13): Três histórias ganguelas, três pérolas da sabedoria angolana... E onde se fala da atualidade dos Baratas, dos Cavetos e dos Heróis

1. Da Ilha de Luanda, com um Alfa Bravo fraterno para os nossos amigos e camaradas da Guiné que nos leem...

Como aqui  não há muito tempo para escrever para o blogue e a rede sem fios nem sempre é muito fiável, deixo-vos um texto que vou utilizar hoje, de manhã,  nas minhas aulas, sobre psicossociologia do trabalho e das organizações, no âmbito no 1º Curso de Especialização em Medicina do Trabalho, a decorrer em Angola (2013/15), na Clínica da Sagrada Esperança, Ilha de Luanda, Luanda, Angola...(E, a  propósito, sinal de como este país mexe é a quantidade de formadores, tugas e de formandos, angolanos, que estão aqui, esta semana... Gente da clínica e  fora da clínica, que pertence à Endiama, que estão aqui a receber formação nas mais diversas áreas, chegaram, na 4ª feira passada, aos 130, desde  médicos a bombeiros, dissseram-me no gabinete de formação).

Volto a penates, sábado, no avião da TAP que, por enquanto ainda é nosso, português... Não sei se terei coragem de voltar a viajar na TAP quando mais esta "joia da coroa" for alienada, como de há muito o acionista Estada promete ou ameaça... Já nos restam poucos consolos, a nós, tugas, quando vemos, nos tempos que correm, a delapidação do nosso património e a destruição de símbolos fortes da nossa identidade colectiva como é ainda a TAP, a  nossa companhia de bandeira...

E a propósito, gostei de ver a felicidade estampada no rosto  dos tugas de Luanda (e de muitos amigos angolanos), na sequência do apuramento da nossa seleção para o campeonato mundial de futebol, em 2014, no Brasil... Não embandeiro em arco com estas coisas das  proezas futebolísticas, nem sequer vi o jogo contra a Suécia, em direto, transmitido aqui num canal português da África do Sul... Ou melhor, vi no meu quarto o final... Mas vamos abrir hoje, ao almoço uma garrada de tinto Ermelinda,  reserva,  que trouxe do "free-shop" de Lisboa... Há pequenas coisas que têm um sabor especial, fora de casa, longe da Pátria, como por exemplo comer uns jaquinzinhos tugas com arroz malandro, a par de um saladinha de lagosta angolana,  e beber um copo de vinho branco tuga,  na ilha de Luanda, numa marisqueira tuga, muito conhecida, em cima da praia, mesmo em frente da clínica, numa roda de amigos, tugas e angolanos, ou de tugas e de angolanos tugas...

Não sei se estou a ficar velho e sentimental ou se isto não serão já pré-sintomnas da maldita doença do alemão que nos está a matar... Não imagino como outros corações se podem comportar, aqui ou no hemisfério norte... Estou-me a lembrar, por exemplo, do único lusolapão que conheço, o Zé Belo,casaod com uma sueco e com filhos nada tugas,  e para quem vai um xicoração apertado, onde quer que ele esteja, em Kiruna, Estocolmo ou Keywest (Florida). Estendo esse xicoração, comprido como o Rio Corubal  do nosso tempo (que era misterioso, selvagem e belo),  aos demais camaradas da Guiné, tugas e guineenses, espalhados pelas mais diversas diásporas e exílios...

Desculpem lá qualquer coisinha, como diz o tuga, sentimental, quando anda fora de casa... E espero que gostem destas três histórias, da tradição oral dos ganguelas...Como as nossas fábulas e contos populares, também estas histórias ganguelas têm uma moral... Para mim, o  que é mais espantoso, é a sua atualidade, tanto aqui, em Angola,  como na nossa santa terrinha ou na Guiné-Bissau, três sítios onde não é preciso andar com uma lupa para encontrar Baratas e Cavetos... Enfim, apreciaria muito que, um vez lidas as histórias, acrescentassem uma linha, da vossa lavra,  aos ensinamentos morais que se podem tirar delas... Até por que "a" moral e "o" moral são duas coisas muito importantes para gente sair da manhã de nevoeiro (ou cacimbo)  em que estamos mergulhados, dizem que há séculos, desde que el-rei nosso senhor Dom Sebastião partiu para Alcácer Quibir e nunca mais voltou....LG.


Três histórias ganguelas, três pérolas da sabedoria angolana 

(i) O azar do soba Barata

O soba Barata foi ter com o soba Cágado, dizendo:
– Sei tudo sobre a vida, mas nunca tive a sorte de ver um Azar! Amigo Cágado, faz-me o grande favor de me dizeres o que sabes sobre o Azar e como ele é.
– Ah! Ah!... Então o teu problema é esse ? Eu vou-te mostrar. Amanhã às 8 horas apareces com os teus amigos e parentes no terreiro da aldeia e eu mostro-te o Azar.

O soba Cágado pegou em todas as galinhas da sua casa e fechou-as numa gaiola. De manhã, muito cedo levou-as ao terreiro da aldeia e sentou-se em cima da gaiola. Passado algum tempo começaram a chegar as baratas. Perguntou o soba Cágado ao soba Barata:
– Chegaram todas ?
– Sim, chegámos – responderam elas, em coro.

Foi então que o soba Cágado abriu a giola… As galinhas saíram e, num ápice, comeram todas as baratas, aterrorizadas. Um dos galos correu com o soba Barata até à sua casa. O pobre do soba estava desfeito: tinha perdido todos os seus súbditos numa batalha campal e agora estava sozinho. Era o cúmulo do Azar. Depois de tantos sucessos na vida, sabia agora, por dolorosa experiência própria, o que era isso do Azar.

Moral da história: Não é fácil ser soba. É necessário ser inteligente. E mais: ter inteligência emocional… Um chefe que é mau líder faz um mau grupo. Tal chefe, tal grupo. 

(ii) O capataz Caveto

Havia um homem que era excelente na caça. Era conhecido pela alcunha de Caçador Certo dia matou um elefante. Era preciso transportar a carne da floresta para casa. E para isso era preciso arranjar muita gente. Foi falar com os vizinhos e aliciou-os para a tarefa, com a promessa de uma pequena recompensa.

Um dos vizinhos que engrossou a coluna dos carregadores, chamava-se Caveto. Era um tipo esperto. Fez questão logo de assumir o papel de capataz, sem ninguém lhe encomendar o sermão. Com os ramos de uma árvore, fez uma espécie de bastão, para mostrar quem mandava, e começou logo a comandar a operação. Dividiu as tarefas, dando a cada um dos carregadores a quantidade de carne que podia transportar às costas. Passadas algumas horas, a carne do elefante estava toda em casa do Caçador.

Um homem de confiança do Caçador preparou-se para fazer o pagamento do serviço, que não era em espécie, era em géneros. Ordenou as todos os carregadores que ficassem junto à peça que cada um tinha carregado. De cada peça cortou um bom bocado e deu-a ao respectivo carregador como forma de pagamento. Todos voltaram felizes para suas casas, não só por terem ajudado um vizinho mas também por que nesse dia havia carne para o almoço. Foi então que o tal Caveto se dirigiu com maus modos ao pagador e interpelou-o:

– Ouve lá, e então a minha parte ?

Respondeu o pagador:

– Tu não tens nada a receber. Como não carregaste nenhuma peça, não tens donde tirar o teu pagamento!

– Como assim ? Então eu estive orientar as pessoas e a despachar o serviço!

Retorquiu o pagador:

–Pode ser até que fales verdade, mas eu não tenho com que te pagar, uma vez que não transportaste nenhuma peça de carne.

O Caveto, de cabeça baixa, lá voltou para casa e foi comer o seu fungi sem conduto.

Moral da história: Nunca penses que és mais esperto que os outros. E não escolhas o caminho do oportunismo, gerador de makas e conflitos. Não basta, por outro lado, quereres ser líder, é preciso que os outros te reconheçam como tal e que tu saibas assumir e desempenhar esse papel fundamental numa equipa de trabalho.



"Ganguela (ou Nganguela) é o nome de uma pequena etnia que vive dispersa a Leste e Sudeste do Planalto Central de Angola. O seu nome é desde os tempos coloniais usado para designar, não apenas esta etnia, mas um conjunto de povos que vivem no Leste de Angola"... 

Infografia: "Mapa étnico de Angola em 1970 (Área dos povos designados como Ganguela marcada a verde)".


(iii) Por favor, nunca apagues as peugadas do leão…

Um dia um rapaz e uma rapariga fizeram uma viagem através da floresta, onde tinham que passar por um sítio muito perigoso, cheio de animais ferozes.

No mais recôndito da floresta, o rapaz, armado em valentão, tomou a dianteira, pensando com isso proteger a rapariga. No trilho arenoso, o rapaz viu as peugadas, frescas, de um leão. Com medo que a rapariga se assustasse, o rapaz apagou de imediato as peugadas.

Quando o leão viu o casal, emboscou-se atrás de uma árvore. O rapaz ia muito tenso, olhando para um lado e para o outro. O leão viu que ele estava em alerta, pelo que deixou-o passar, até ele atravessar a clareira. A rapariga, mais atrás, vinha muito descontraída, não se apercebendo do perigo. Fez até uma paragem para fazer xixi (sim, por que as rapariugas não mixam, fazem xixi...). Foi nesse preciso momento que o leão se lançou sobre ela, devorando-a a seguir. Alertado pelos gritos lancinantes da vítima, e temendo pela sua vida, o nosso herói pôs-se em fuga.

Moral da história: ignorar ou escamotear a verdade, acaba por ter consequências negativas. As makas (problemas, em angolês) e os conflitos resolvem-se, enfrentando-os e encontrando soluções inteligentes e  construtivas. Não adianta fugir de (ou negar , ignorar, escamotear) a realidade.

Fonte: Adaptação  livre de L.G.

Menongue, Diocese. Secretariado da Pastoral (ed. lit) – O mundo cultural dos Ganguelas. Menongue: Diocese, [ D.L. 2000] (Porto: Humbertipo)], 642 pp



2. Comentário de L.G.:

É interessante a explicação dada pelo editor  literário desta obra, o Secretariado da Pastoral da Diocese de Menongue, lá na martirizada província do sudeste angolano, o Kuando Kubango, sobre o seu propósito didáctico (em 2000, data da sua edição, quando ainda a paz era uma miragem)... Vale a pena transcrever essa explicação que vem no livro, à laia de preâmbulo. Passo a citar:

"Durante uma conferência sobre o conflito angolano, 'Causas e consequências', um participante comparou a complexa situação vivida no país a um conto, 'A cobra sobre os ovos':
"Um fazendeiro encontra na capoeira uma cobra sobre os ovos. Como matá-la ? Se for à paulada ele quebra os ovos, e a cobra, esperta que é, foge. Se não a mata, ela devora todos os ovos.

"Que solução ?

"O conto foi partilhado por todos os participantes e, de forma inteligente, serviu de exemplo para refelectir sobre possíveis soluções para o conflito angolano e outros conflitos no mundo".
_______________

Nota do editor:

Último poste da série > 11 de novembro de 2013 > Guiné 63/74 - P12279: Manuscrito(s) (Luís Graça) (12): Servir duas pátrias, Portugal e Angola... O caso do sr. C..., furriel mil em 1974/75, no exército colonial português, tenente das FAPLA em 1975/89

sábado, 22 de setembro de 2012

Guiné 63/74 - P10422: Notas de leitura (408): O conflito político-militar na Guiné-Bissau (2) (Francisco Henriques da Silva)

1. Mensagem do nosso camarada Francisco Henriques da Silva (ex-Alf Mil da CCAÇ 2402/BCAÇ 2851, , Mansabá e Olossato, 1968/70), ex-embaixador na Guiné-Bissau nos anos de 1997 a 1999, com data de 11 de Setembro de 2012:

Meus caros amigos,
Esta é a segunda parte da minha análise ao livro "O conflito político-militar na Guiné-Bissau (1998-1999)" de Guilherme Zeverino*.

Com cumprimentos cordiais e amigos
Francisco Henriques da Silva


O conflito político-militar na Guiné-Bissau (2/2)

Retomando as teses de Guilherme Zeverino, para quem conhece a Guiné-Bissau, é quase uma verdade lapaliciana o dizer-se que a introdução do multipartidarismo não veio resolver, antes avivar os problemas internos no seio do PAIGC, gerando uma situação politicamente insustentável, mas, que, em nosso entender, “Nino” Vieira e a sua clique pensavam frivolamente poder controlar. Bom seria que o autor tivesse dedicado algum espaço às eternas lutas entre personalidades e facções, bem como, à permanente dança de cadeiras no seio do antigo partido do Poder. Regista e é digno de nota que nas demais formações partidárias locais, apenas com duas excepções, a liderança coube a dissidentes do PAIGC.

Não sabemos até que ponto o multipartidarismo veio reforçar a sociedade civil bissau-guineense. Para além de uma certa secundarização do PAIGC – perdeu o estatuto de partido único - houve de facto uma saudável abertura aos media, às ONG’s, à igreja e, hoje, dada a virtual inexistência no país de meios de comunicação social de massas independentes, à Internet e aos blogues. Todavia, o Poder continuou – e continua - a estar nas mãos dos militares, cabendo-lhes sempre a última palavra. Digamos que estamos perante uma porta entreaberta que se pode fechar a qualquer momento.

No que concerne a interdependência entre a crise no PAIGC e a crise nas Forças Armadas, devemos assinalar que, efectivamente, essa correlação existe. Mais. O Partido no seu último Congresso (o VI, nas vésperas do conflito), optando por uma estapafúrdia e absurda política de avestruz, não abordou as questões mais candentes das Forças Armadas ou o problema “escaldante” de Casamansa, nem sequer aflorou o tema dos veteranos de guerra. Os militares verificaram, assim, que a solução dos seus problemas devia ser resolvida por eles próprios, à semelhança aliás do que “Nino” Vieira fizera em 1980. Se a interdependência entre as duas crises parecia ser patente, não obstante, a resolução dos problemas seria estritamente militar e não tinha nada que ver com as questiúnculas internas do PAIGC. É aqui que se separam as águas. Há quem queira ver no levantamento de 7 de Junho de 1998, uma questão interna partidária com expressão castrense, a inversa assume, a meu ver, foros de maior verosimilhança. O fulcro do problema estava em “Nino”, o grande régulo – Presidente da República, Comandante Supremo das Forças Armadas e Presidente do PAIGC – e, bem entendido, no seu “núcleo duro”. Em suma, e para não nos perdemos noutras considerações, a interdependência entre as duas crises existe, mas não foi a causa principal do confronto (foi tão-somente uma das causas, porque outras houve de dimensão semelhante). Logo, a questão tem de ser relativizada.

Desconhecemos em que medida a rivalidade cultural Portugal-França e as respectivas políticas de cooperação terão levado a posicionamentos divergentes na crise bissau-guineense. Estes factores contribuíram, seguramente, para o reforço dessas posições, mas não as engendraram Todavia, os dados essenciais do problema eram, a nosso ver, do foro estritamente político: para Paris, tratava-se de um motim contra a autoridade legítima estabelecida – ou seja, uma rebelião contra um presidente eleito - , logo tinha de ser debelado e, ao longo do tempo, esta posição não oscilou; para Lisboa, partindo inicialmente do mesmo pressuposto, assumiu, de seguida, uma “política essencialmente realista”, como refere Zeverino (vd. p. 87), tendo em conta a situação no terreno, a problemática dos refugiados e a mediação entre as partes em conflito e, há que sublinhá-lo com toda a frontalidade, aproximando-se das posições rebeldes, até porque o regime “ninista”, apesar da democraticidade aparente, era, sob múltiplos aspectos, condenável. Logo, oscilou. Consequentemente, os factores apontados por Zeverino contribuem apenas para alicerçar opções e posições políticas de fundo pré-existentes ou em fase de formação.

A adesão precipitada da Guiné-Bissau ao franco CFA, sem medidas de acompanhamento macro-económicas, foi, como releva Zeverino, nefasta. A má gestão, a inépcia, o sobre-endividamento, o sufoco financeiro, a manifesta incapacidade para debelar a pobreza endémica do país, o ciclo impiedoso do sub-desenvolvimento sem solução de saída, que caracterizaram os governos de Saturnino Costa e de Carlos Correia (deste em menor medida), faziam igualmente parte da receita para o desastre e contribuíram com a sua quota-parte para o levantamento militar. A problemática económico-financeira é, porém, tratada com alguma ligeireza. A nosso ver, merecia maior atenção por parte do autor. Por outro lado, não se pode meter no mesmo saco as adesões à zona franco e à Francofonia, bem como, as pressões externas dos países limítrofes francófonos, ou seja no capítulo das causas económicas (ou económico-financeiras) do levantamento. A adopção do franco CFA insere-se claramente nesta esfera, a francofonia no âmbito politico-cultural, as pressões externas no contexto das relações externas. Misturar alhos com bugalhos induz-nos em erros e confusões desnecessárias.

Estamos inteiramente de acordo que a intervenção militar estrangeira, do Senegal e da Guiné-Conakry, suscitou uma espontânea e muito viva reacção nacionalista por parte da população da Guiné-Bissau. Trata-se, sem sombra para quaisquer dúvidas, de uma questão sócio-política de primeira grandeza e que marcou de forma perene a guerra civil naquele país africano. Todavia, no âmbito social outras questões de grande relevância deveriam ter sido abordadas, pois constituíam problemas estruturais que estão na raiz do levantamento militar e que continuam, ainda hoje, por resolver. Referimo-nos às clivagens entre as velhas e novas gerações de militares (os que fizeram a “luta” e os que não lutaram porque eram ainda crianças ou nem sequer eram nascidos), aos veteranos de guerra, abandonados e votados à marginalização social; e last but not least ao problema étnico, que o autor, de todo em todo, não aborda (sabendo-se, por exemplo, que o grosso dos contingentes das fileiras das Forças Armadas é constituído pela etnia balanta – cerca de 2/3 – um grupo relegado a um estatuto subalterno na sociedade e que “Nino” Vieira, na fase final da guerra, em desespero de causa foi recrutar jovens papeis e bijagós, os “aguentas” , como guarda pretoriana do regime). Aliás, retomando o tema da fissura entre velhas e novas gerações entendemos que se trata de um problema sociológico de fundo e que não se circunscreve apenas ao âmbito castrense, pois afecta horizontalmente toda a sociedade bissau-guineense. Ora, tudo ponderado, para uma obra com pretensões académicas, estas omissões no capítulo social são graves. Finalmente, o autor não aborda e devia ter abordado como causas próximas do conflito as razões de ordem pessoal que levaram Ansumane Mané a revoltar-se contra o seu amigo de sempre e companheiro de luta “Nino” Vieira. E esta questão não é despicienda, como se sabe.

Como tese de dissertação possui alguns méritos, mas com a devida vénia, em nossa opinião, fica aquém das naturais expectativas que se depositam num projecto desta natureza. Mister é reconhecer, porém, que foi escrita e apresentada escassos 4 anos após os acontecimentos, portanto, de certo modo, ainda “a quente.” De qualquer forma apresenta alguns factos marcantes do período em causa e algumas pistas interessantes que permitem interpretar a história recente da Guiné-Bissau.
____________

Notas de CV:

(*) Vd. poste anterior de 20 de Setembro de 2012 > Guiné 63/74 - P10411: Notas de leitura (406): O conflito político-militar na Guiné-Bissau (1) (Francisco Henriques da Silva)

Vd. último poste da série de 21 de Setembro de 2012 > Guiné 63/74 - P10416: Notas de leitura (407): O Corredor de Lamel - 68 Guiné 69 - de Guilherme Costa Ganança (Mário Beja Santos)

terça-feira, 12 de outubro de 2010

Guiné 63/74 - P7116: Recordações do Hoss (sold Sílvio Abrantes, CCP 121 / BCP 12, 1969/71) (5): O Soldado Para-quedista Folhas

1. Texto do Sílvio Fagundes de Abrantes (foto à direita):


Data: 27 de Setembro de 2010 23:51


Assunto: O Soldado Para-quedista Folhas (*)




No dia 22 de Agosto levantei-me por volta das 10 horas da manhã o que não é muito habitual da minha parte. Levanto-me e vou tomar banho, a minha esposa queria que eu fosse fazer um serviço, mas eu não lhe dei ouvidos e disse
- Queres vir comigo, é sem destino ?!
- Não - foi a resposta.
- O.K.,  não fiques zangada. 

Equipei-me, pego no carro e aí vai ele sem destino. Ando uns 200 metros,  pára e ligo a um amigo que estava de férias da França e pergunto se quer vir comigo. ´
- É sem destino - digo eu.

A resposta foi afirmativa. Espero um pouco por ele e penso no meu amigo Folhas, é hoje que o vou procurar a Coimbra e lá fui com o meu amigo. Almoçamos pelo caminho e seguimos viagem. Em Coimbra procurei a direcção de S. Martinho do Bispo. Encontro um senhor dos seus sessenta e tantos anos, que me diz conhecer o pessoal dali e não existir nenhuma família Folhas, mas sim numa terra cujo nome me varreu, lá sim, há muitos Folhas. 

Lá fui em direcção a Taveiro, entro na povoação encravada na serra, atravesso-a de um lado ao outro e não vejo alma viva. Páro a conversar com o meu amigo e companheiro para delinear uma estratégia e eis que alguém se aproxima e pergunta se precisamos de alguma coisa. Digo ao que vou e o senhor manda-me para um café, lá fui. Mais uma vez conto ao que vou e diz uma dos presentes para o outro:
- Ó pá, de pára-quedistas é contigo. 

Estou com a minha gente,  pensei, e estava, era um ex-pára-quedista, amigo do Folhas e colega de trabalho durante muitos anos.


O senhor que em S. Martinho do Bispo me enviou para esta terra tinha razão, o pai do Folhas era daqui, onde há muitos Folhas, só que casou em Coimbra, melhor em S. Martinho do Bispo.


O nosso ex-pára-quedista indica-me onde mora o Folhas e lá vou. Encontro o meu amigo entretido a fazer um galinheiro para uma vizinha, vá lá, nada de maus pensamentos,  suas más línguas. Mostro uma foto onde estamos os dois e pergunto à senhora se conhecia aquele patife [, vd. foto a seguir: o Folhas e o Hoss com a MG 42].
- Não,  reponde a dita senhora.

É lógico. Não nos conhecemos. Ele está magro,  como sempre, mas muito acabado. Não quer ouvir falar da tropa. Lá conversámos umas horas, onde me contou que até na prisão o meteram, por não ter feito nada, ainda hoje não sabe bem a razão. Eu perguntei se não seria o resto do 16 de Junho de 1970? (**)... Nada de concreto, talvez sim talvez não. 

Está um homem revoltado que nunca mais foi a Tancos embora já tenho sido convidado por diversos colegas, inclusive um ex- Coronel Pára-quedista. Nem mesmo esse o consegue levar. Vejam a revolta que este homem tem para com os seus ex-superiores (**). É preciso relembrar a esses senhores que se hoje têm altas patentes, melhores mordomias, foi à nossa custa, à custa do Folhas e de muitos outros FOLHAS, que estão traumatizados com a guerra e com o comportamento menos digno de certos oficiais e sargentos, que só se importavam com a carreira militar e se esqueceram de que estavam a lidar com homens. 

O Folhas não sabia da nossa decisão de enviar o dito oficial para fora do reino dos viventes. Ficou muito admirado. Disse desconhecer isso por completo. 
- Se fosse comigo esse homem hoje não estava vivo - respondo eu - , não tenhas a menor dúvida.

Esse trauma que o Folhas tem, felizmente não o afectou na vida civil, tem uma vida boa,  graças a Deus. Não precisou da tropa para viver dignamente.


Será que esses senhores não têm vergonha do que fizeram? Será que não são capazes de pedir desculpa pela porcaria que fizeram? Pelo menos uma palavra. Já ouvi um Coronel pára-quedista na reforma, claro, dizer que se encontrasse o Folhas lhe pedia desculpa, pelo menos isso já é de louvar. Mas falta outro dizer o mesmo, esse é que eu queria ouvir aqui neste sítio publicamente. Será capaz? Vamos esperar para ver.


Hoss

[ Revisão / fixação de texto / título: L.G.]
____________


Notas de L.G.:


(*) Último poste desta série > 2 de Agosto de 2010 > Guiné 63/74 - P6816: Recordações do Hoss (sold Sílvio Abrantes, CCP 121 / BCP 12, 1969/71) (4): A cabra do PIDE de Nova Lamego


(**) Vd. poste de  6 de Julho de 2010 > Guiné 63/74 - P6681: Recordações do Hoss (sold Sílvio Abrantes, CCP 121 / BCP 12, 1969/71) (3): Conclusão


(...) Conforme mencionei na 1.ª parte, houve um oficial que na emboscada  [, perto do Pelundo, em 16 de Junho de 1970,] saltou da viatura sem a G3 e pediu ao Folhas que lhe desse a dele, ao que este rejeitou. O oficial fez a vida negra ao Folhas o resto da comissão.


Passados uns meses e já em plena época das chuvas, fomos para um aldeamento na fronteira com o Senegal onde só havia um pelotão de obus. (...) 


Um dia saímos de manhã fazer uma operação de reconhecimento, chegámos todos molhados. À noite fomos em auxílio dum quartel do exército que estava a ser atacado, chegámos todo molhados. Na manhã seguinte o dito oficial manda formar a companhia de camuflado. Camuflado significa botas. Nós só tínhamos dois pares de botas e dois camuflados que estavam todos molhados. Então resolvemos formar em fato de treino uns, e outros de calções, a única coisa que tínhamos enxuto para vestir. Ao ver tal situação o dito oficial manda o Folhas sair da formatura, entra em discussão com ele e deu-lhe cobardemente duas bofetadas.

O Folhas passa-se da cabeça, e não era para menos, vai buscar a G3 com um carregador enfiado, pronta a disparar, corre atrás do oficial que se refugia na escola. Então eu e outros colegas fomos acalmar o Folhas, o que não foi nada fácil e conseguimos que nos desse a G3.

Passados poucos minutos reuniram-se alguns velhinhos da companhia e de cabeça quente ditamos a sentença ao nosso oficial. Decidimos que, se o dito oficial participasse do Folhas, deixaria de contar a 100% no efectivo das tropas Pára-quedistas, ou seja hoje não estaria no reino dos viventes. Por sorte não houve participação. 



Mas, digo com toda a honestidade, se fosse comigo não lhe perdoava. Ainda hoje pergunto o que é que me segurou em não concretizar a sentença, algumas vezes o tive na mira. O meu pai nunca me bateu.

Seria mais um morto em combate.  Esse grupo era composto por 3 MG, 2 Hk, 1 Degtariev e várias G3. (...)

terça-feira, 15 de setembro de 2009

Guiné 63/74 - P4953: (Ex)citações (45): Resposta ao Mário Fitas: Luís, deixa sair de vez em quando as G3...(Luís Graça)

Marvão > 20 de Agosto de 2009 > O stresse do ninho...


Foto: © Luís Graça (2009). Direitos reservados


Meu caro Mário (Fitas):

Estou-te a escrever, não a título pessoal mas como editor, condição em que fui interpelado, desafiado, irónica mas amavelmente, por ti. Vou tentar responder ao teu repto, se for capaz. E começo por citar as tuas palavras, desdobrando-as em três proposições:

(i) Luís desculpa, mas deixa sair de quando em vez a G3; (ii) Dá mais força ao Blogue; (iii) No 25 de Abril, as G3 tinham cravos! (Mário Fitas dixit)…

Dispensa-me de comentar, para já, à proposição nº 3 (que precisaria de mais tempo e vagar para ser analisada)... E vamos às duas primeiras e ao contexto em que as inseres...

Nós, editores, sabíamos que a confissão do Amílcar Ventura (AV) ia provocar sangue... Muitos camaradas não iriam ver e ouvir, impávidos e serenos, o AV a abrir a sua caixinha de Pandora (*)... O próprio mediu, até certo ponto (só até certo ponto), as consequências do seu acto. Não posso nem me compete saber quais são as suas motivações profundas, mas não acredito que nos tenha revelado o que revelou (o seu segredo...) por mero masoquismo, exibicionismo, bravata, provocação, humor negro, show-off, etc.... Não dou de barato a ideia que são insondáveis os mistérios da alma humana, como pretende a filosofia de senso comum, contra a qual tendo a estar de pé atrás... Mas, se é isso que ele, o AV, esperava, não tem que esperar pela demora: já tem mais de 50 comentários na caixa do correio, muitos deles a dar-lhe no toutiço…

Ao nosso camarada Amílcar (Ventura, de apelido, e que continua a ser nosso camarada, não se tendo transformado num dia para o outro em pária, que eu saiba ainda não foi proscrito, não foi expulso do blogue, independentemente das críticas – e algumas bem duras – de que já foi alvo, independentemente da natureza dos seus actos no passado, como nosso camarada, e que alguns já condenaram abertamente, em termos morais), ao AV, dizia, os editores pediram-lhe, esclarecimentos adicionais, nomes, números, datas, lugares... de modo a tornar mais verosímil ou, pelo menos, consistente a sua versão...

Infelizmente, não há testemunhas. Também se as houvesse, a história dos bidões de gasóleo dados à borla ao PAIGC seria porventura um segredo de Polichinelo...

É bom lembrar que o AV insistiu em publicar a sua confissão ou revelar o seu segredo , mesmo sabendo que os seus actos, no passado, podiam configurar um crime mais ou menos grave, à luz do Código de Justiça Militar então em vigor, quiçá até, um crime nefando, segundo alguns, o crime de traição, mesmo que o país não estivesse oficialmente em guerra nos últimos meses de 1973 e primeiros de 1974, período em que o Amílcar Ventura andou armado em Robim dos Bosques da Guiné, roubando – gasóleo - aos ricos, aos colonialistas, aos tugas, para o dar aos pobrezinhos, aos nacionalistas, aos revolucionários, aos guerrilheiros do PAIGC, com a cândida e alegada intenção de ‘apressar o fim da guerra’ e ‘salvar vidas’, de um lado e do outro…

Não sou jurista, constitucionalista, penalista... Mas talvez alguns camaradas do nosso blogue, juristas, especialistas em leis, homens do direito como o Jorge Cabral, o João Seabra, o Carlos Silva, o Álvaro Branquinho, o J.L. Mendes Gomes, etc. nos possam dar uma ajuda, para saber qual o enquadramento penal (disciplinar e criminal) em que o nosso ex-Furriel Mecânico Auto Amílcar Ventura, que fez questão em ir parar à Guiné (até meteu uma cunha!), poderia eventualmente incorrer, se tivesse o azar de ter sido apanhado com a boca na botija, neste caso, com a mangueira na mão a encher, de gasóleo, os depósitos das viaturas do PAIGC, estacionadas no Senegal, e que serviam para transportar tudo o que uma guerrilha precisa em tempo de guerra: armas, munições, géneros alimentícios, feridos, homens e suas bagagens, comissáris políticos, jornalistas estrangeiros, criancinhas e professores das escolas, etc., num contexto de guerra que não era bem de guerra, para o regime político de então, mas em que se matava e morria, de um lado e do outro, incluindo as populações, inocentes, que não queriam tomar partido por um lado ou pelo outro...

É uma mera curiosidade, própria dos seres humanos que são animais, primatas, curiosos, inteligentes e sociais: que desventura(s) aconteceria(m) ao Amílcar num caso destes ? Que ele apanhava uma porrada, isso não me admiraria… E, a propósito, não sei como funcionava a justiça militar, e nem qual era o seu grau de independência em relação ao poder político-militar naquela época...

Mas, mais do que isso, ao AV nunca lhe perdoariam os seus camaradas de então, caso ele quisesse (e pudesse) justificar-se em público na altura... A pior condenação é sempre a dos nossos pares, a proscrição decretada pelo nosso grupo, o banimento do nosso território, o exílio (físico ou simbólico)...

Mas também sabemos que, bem ou mal contada, a história do seu segredo tem mais folhetins que ele, por enquanto, não nos quis dar a conhecer em detalhe... Alega apenas que a sua motivação foi política... Isto é, há antecedentes que ele entendeu omitir e que eventualmente viriam esclarecer a questão: afinal, qual foi o móbil do crime, o que é que o levou a tornar-se um colaboracionista do PAIGC... (Ele promete vira a terreiro prestar escarecimentos adicionais sobre esta história...).

É sabido que muitos guineenses, nossos aliados - incluindo alguns soldados que foram meus amigos e camaradas - pagaram caro, com a vida ou a liberdade, sua colaboração com os tugas, tendo escolhido o lado errado da barricada... Tem acontecido sempre assim em todas as guerras, com os vencedores a fazerem ajustes de contas com aqueles dos seus que pactuaram com o inimigo... Neste caso, guineenses, de etnia fula e manjaca, por exemplo...

Quanto ao uso e abuso da G3 no blogue, que é a questão que me traz aqui (refiro-me à provocação, saudável, do nosso Furriel Mamadu, aliás, Mário Fitas): não sou cabo quarteleiro, não tenho as G3 à minha guarda, não posso nem quero gerir as tensões e as pulsões que elas despertam (as G3, as Kalash, as armas de guerra, em geral)…

Essa tarefa, se necessária e exequível, compete-nos a todos, e não apenas a mim e aos restantes editores…

Percebo o que queres dizer, Mário: precisamos de mais stresse no blogue, de mais pica, dá-nos mais força... E até um cheirinho a pólvora , a chegar-nos ao nariz, de vez em quando não nos faria mal... Concordo contigo e sempre defendi esse ponto de vista: precisamos, sim, é de pluralidade, diversidade, heterogeneidade, frontalidade, e até de conflitualidade (teórico-ideológica) nas abordagens, leituras , análises e interpretações dos factos, dos relatos, das histórias, ou seja, da matéria-prima que publicamos todos os dias no blogue...

Sou dos que pensam que, em quase tudo na vida, as nossas divergências não são necessariamente antagonismos... E aí estamos de acordo: no blogue não temos que pensar todos pela mesma cabeçorra (aliás, felizmente não há nenhuma, há muitas, e boas cabecinhas); temos é que pensar cada um pela sua...cabecinha. Ora isto não é sinónimo de sacar da G3, muito menos por dá cá esta palha...

Como se diz em inglês, stress is the spice of life, not the kiss of death… O stresse é o que dá pica à vida, mas não deve ser o beijo da morte… O stresse, de sinal negativo (distress, em inglês), mata, é um assassino silencioso; a G3 também mata, se a gente não a souber usar… Aliás, ela só serve para duas coisas: matar ou intimidar...

As polémicas - metaforicamente, em linguagem figurada, a G3 (em tiro a tiro ou em rajada) - se se sobrepuserem às nossas histórias, podem levar a situações de conflito irracional, disfuncional, patológico, negativo, gratuito, exacerbando as nossas diferenças, aumentando as nossas clivagens, levando em última análise ao disfuncionamento da nossa Tabanca Grande e do nosso blogue, à desorganização máxima, à entropia, e no limite à morte...


A morrer, o nosso blogue (e um dia vai morrer connosco, com esta geração que, como bem me lembra o Virgínio Briote, tem mais dez anos de vida social útil), que não seja de morte matada, em guerras fatricidas...


Tu mesmo sabes, meu caro Mário, por experiência própria, quais são algumas das consequências negativas dos conflitos em que já estiveste envolvido, nomeadamente quando estás num grupo, competindo com outro grupo e querendo a todo o custo impor a tua verdade, a tua versão, a tua idelologia, os teus valores, os teus princípios, a tua grelha de leitura do real, os teus óculos:

(i) Desencadeiam sentimentos, menos nobres, de frustração, hostilidade, negatividade, são um factor de distress, de ansiedade, de angústia, de medo, de sofrimento psíquico;

(ii) Fazem aumentar a pressão para a conformidade no grupo, reduzem a margem de liberdade individual, fomentam a intolerância;

(iii) Levam a um desvio de energia e de objectivos;

(iv) Fazem acentuar a recusa em cooperar, levando a acções de bloqueio;

(v) A comunicação tende a distorcer-se, fortalecendo a recusa em pactuar com o inimigo, aqueles gajos, aqueles filhos da mãe, aqueles isto e aquilo...

(vi) Levam-nos a perder o sentido da realidade (com a amplificação do conflito, há um efeito imparável de bola de neve, às tantas já ninguém sabe quem começou, quando se começou, por que é que se começou, qyem disse o quê a quem, etc.).

Aspectos positivos dos conflitos, incluindo as manifestações (abertas) das nossas divergências de pontos de vista ? Quando há clivagem entre dois grupos,

(i) Há um aumento do stresse de sinal positivo (eustresse), interesse, energia, criatividade, nos membros do grupo;

(ii) Reforç-se a identidade e a coesão do grupo;

(iii) Passa a haver maior motivação para o eficaz desempenho do grupo;

(iv) Alerta-nos para problemas críticos, ajuda a identificar novos problemas;

(v) Previnem-se conflitos mais graves;

(vi) É testado e reajustado o sistema de poder na organização, nos grupos...


G3 na Tabanca Grande ?

Como no faroeste da nossa infância, nas guerras dos índios e dos cow-boys, prefiro que sejam de pau ou que, no mínimo, fiquem à guarda do xerife enquanto a gente vai ao saloon beber um copo... A ter que esgrimir argumentos para defender os nossos pontos de vista, que o façamos com a cabeça e o coração, com a inteligência e a emoção, mas sempre com elevação e elegância... O que não tem nada a ver com conformismo, pensamento único, linguagem de pau, alinhamento ideológico, status quo, ortodoxia... Nem tem nada a ver com o politicamente correcto, o socialmente correcto, o eticamente correcto, etc. Como eu gosto de citar, há um provérbio popular que diz: "o dente morde na língua mas mesmo assim vivem juntos"...

Com um chicoração

Luís Graça

______________

Nota de L.G.:

(*) Vd. poste de 11 de Setembro de 2009 > Guiné 63/74 - P4936: O segredo de... (6): Amílcar Ventura: a bomba de gasóleo do PAIGC em Bajocunda...