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terça-feira, 28 de janeiro de 2025

Guiné 61/74 - P26436: A extinção dos Conselhos Administrativos dos batalhões de reforço no CTIG (Virgílio Teixeira, ex-alf mil SAM, Chefe do CA, BCAÇ 1933 (Nova Lamego e São Domingos, 1967/69) - II (e última) Parte



Foto nº 3 > Guiné > Região de Cacheu > São Domingos Guiné > 22 de fevereiro de 1969 > Local e cena de ‘fuga’. Pista de São Domingos.  Pista, cobertura de passageiros, torre de controlo, avião Dornier dos TAGP, o jipe  que me transportou, o jipe do Comandante, o jipe  do administrador de Posto, outras viaturas, e personagens do filme.


Foto nº 4 >  Guiné > Região de Cacheu > São Domingos > 22 de fevereiro de 1969 > A avioneta DO – Dornier dos TAGP, levanta voo em ‘fuga’, a caminho de Bissau... Local, pista de São Domingos...


Foto nº 5 > Guiné > Região de Cacheu > São Domingos > 22 de fevereiro de 1969 > Uma vista aérea do aquartelamento. Pode ver-se a pista, as instalações do Comando e CCS, as instalações da CART 1744, a última vista geral que eu foquei, ambígua, nostálgica, com muito stress.



Foto nº 6> 
Guiné > Bissalanca > 28 de fevereiro de 1969 > Local e cena da ‘fuga’: aeroportoo de  Bissalanca. Na placa da pist, à esquerrda,  pode ver-se um avião da TAP, Boeing 707, e  à direita a sala de embarque.



Foto nº 7 > O Avião TAP B707, algures ao largo do Senegal, nos céus de África, em 28 de fevereiro de 1969. Pode ver-se a Asa do Avião, o Mar azul a terra de areia branca, talvez, costa do Senegal.


Foto nº 8 > Lisboa > Aeroporto da Portela > 29 de junho de 1968 > A minha chegada (no primeiro período de férias).  A minha família. Eu levo uma grande mala, ao lado a minha mãe com um saco de documentos da TAP, atrás a minha irmã Filomena com uma mala branca, e no final de tudo a minha namorada Manuela.
 



Foto nº 12 > Porto > Ponte da Arrábida > 17 de junho de 2019, 17h35 >  A subida às entranhas da Ponte da Arrábida - 65 metros, 162 escadas, 18 andares


Fotos (e legendas): © Virgílio Teixeira (2025). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guine]


A EXTINÇÃO DOS CONSELHOS ADMINISTRATIVOS (CA)  DOS BATALHÕES DE REFORÇO (BR) 
NO CTIG - II (e última) Parte (*)

por Virgílio Teixeira, ex-alf mil SAM, BCAÇ 1933 
(Nova Lamego e São Domingos, set 67 / ago 69)



Virgílio Teixeira, Vila do Conde, 
ex-alf mil SAM, Chefe do CA,
 BCAÇ 1933 
(Nova Lamego e São Domingos,
 set 67 / ago 69)
 



IV – A MINHA FUGA DE SÃO DOMINGOS


... Tenho de ir de férias antes do encerramento das contas! 

Começo logo a pensar que tenho de arranjar forma de ir de férias ainda no 1º trimestre de 1969. Não posso ficar ali e não sei quando e como vou encerrar tudo, começo a imaginar coisas e a o filme começa a desenhar-se.

Fui preparando tudo sem dar nas vistas, em janeiro ainda fui a Bissau entregar as contas na Chefia
Chefia de Serviço de Contabilidade e Administração   de Contabilidade, e ainda deu para mais uns passeios a Safim, Nhacra, mergulhos na piscina e saborear uns petiscos até arranjar boleia num Dakota.




Foto nº 2 -Bilhete de avião, emitido pelos TAGP - Transportes Aéreos da Guiné Portuguesa, com data de 22/2/1969. Viagem São Domingos-Bissau, em Dornier. Valor: 224$00.


Em fevereiro de 1969 estou a planear as minhas férias. Marquei junto da secretaria que depois ia a despacho do comandante. Veio assinada a autorização, agora sei que ele nem sabia o que estava a assinar.

Marquei a viagem na TAP, era a 26 de fevereiro, depois nos TAGB, comprei o bilhete, tudo isto passava pelo nosso Sargento e representante do batalhão em Bissau. Já tenho os bilhetes e está tudo pago (Foto 2).

E vou realmente de férias, mas as cenas que se seguem fazem lembrar o ambiente de tensão no filme "Casablanca" entre Bogart e Ingrid Bergman (10).


V – UMA SEMANA À ESPERA DA SAIDA

Foi uma semana de ansiedade, como se compreende, dado se tratar de um "fugitivo", mesmo que legalizado, andei várias vezes a consultar o QG – Pessoal, para saber se estava tudo bem.

Eu não me lembro exatamente de tudo por razões que são evidentes, estava sempre à espera que fossem ter comigo à messe de Santa Luzia, para me apresentar no QG.

Hoje sei o que isso é, sofrer por antecipação, por isso tentei distrair-me após ir prestar as contas do mês findo na Chefia do Serviço de  Contabilidade, e por lá andei, tinha lá vários colegas do Porto, e se houvesse alguma coisa eles diziam.

No dia do embarque, ou no dia anterior, entregam-me a Guia de Marcha ou de autorização de saída, não sei bem como era.

Este pesadelo durou até à hora de fecharem as portas do avião da TAP. Finalmente estou no céu e mais ninguém me pode impedir de gozar as minhas férias (Foto 6)

A viagem corre normalmente. Já estou na costa de África, bonitas paisagens que já antes tinha visto mas não as apreciei como agora (Foto 7).

Mais à frente sobrevoamos a Costa da Mauritânea, areia e mar sm fim, lugar especial para uma grande idade e um resort de luxo.  E estamos em Portugal, já vi tudo desde o Algarve até Lisboa, os contornos do Sul até Lisboa, já antes vistos e não apreciados. 

Hoje ironicamente lembro-me, embora sem justificação, daquele colega de bordo no UIGE, que o vieram buscar na hora da partida.

E assim cheguei a Lisboa, lá estava a minha namorada com a minha irmã casada e o meu cunhado, que acompanharam a minha Manuela, porque a sua mãe não deixava a menina ir sozinha. Tenho uma foto, mas não sei delas, andam por aí perdidas (Foto nº 8) (a minha primeira licença de férias, em 29 de junho de 1968).

E com surpresa vejo que está tudo diferente, o ambiente pesado. Durante o voo aconteceu um tremor de terra, que não senti no avião, como é natural, era o dia 28fev69. Falou-se muito mas eu estava noutra onda.



Eu e a Manela, Porto,
Praia da Foz, julho de 
1968

VI – AS MINHAS FÉRIAS DE LICENÇA MILITAR


As férias passam rápido, não tendo tempo a perder, tenho de aproveitar os tempos livres.

A minha namorada estava a trabalhar, não tinha férias nessa época, aproveitei para tirar partido máximo dos 35 dias que tinha pela frente.

Não sendo este um assunto importante para tratar aqui, resta-me lembrar que no dia 18 de março de 1969, pedi a minha namorada em casamento, e ofereci-lhe um anel com a inscrição da data, ficamos portante noivos...e até hoje.

E no dia 4 de abril regressei à minha guerra, com saudades, mas passou rápido, tinha uma tarefa muito importante pela frente.

VII – O FECHO DE CONTAS DO MEU BATALHÃO

Quando regressei ao CTIG, i no dia 5 de abril de 1969, fui apresentar-me ao QG, e logo me informaram 
que devia seguir para o ‘600’ ( era um quartel onde estacionavam as companhias que faziam a segurança do QG).  Nessa altura estava lá a fechar as contas também o meu amigo do Porto, o alferes Ruas, do BCAÇ 1911. Passou-me o testemunho com uma guia de entrega de material, uma burocracia totalmente inútil, deviam pensar que ia trazer as mesas de trabalho para casa (Foto 9).


Foto nº 9 > Guia de entrega de material do BCAÇ 1911 à comissão liquidatária do BCAÇ 1933: uma mesa,  5 cadeiras (!)...


Durante as minhas férias todos o arquivo e material deixado em S. Domingos, encontrava-se lá num pequeno cubículo que me destinaram. Estava lá a aguardar-me apenas um furriel amanuense, e um cabo escriturário do CA.

Não deixo de registar que todos os meus bens pessoais não foram devolvidos para a minha nova sede, ficou tudo, incluindo uma motorizada Honda que nunca mais a vi. Também tinha outra em Bissau na nossa arrecadação, e também lá ficou sem ser entregue a minha arma G3 e cartucheiras, bem como muita farda militar e civil. 

Ainda pensei que um dia me vinham acusar de ter desviado o material de guerra, e ainda hoje continuo a pensar o que teria sido feita à minha G3, só pode ter sido entregue por alguém no depósito de armas.

Ficaram, pelo menos à guarda de um elemento do CA, os meus três caixões carregados de bebidas que fui juntando ao longo da comissão, um espólio de se tirar o chapéu. Viria a recebê-lo no RAL 1 de V.N. de Gaia, uns meses depois. Intacto.

Agora estava mais perto da Chefia de Contabilidade para eventuais dúvidas, que parece não tive, nem foram precisas. Não levou muito tempo, trabalhei arduamente no meu trabalho e funções e acabei tudo ainda em 10 de maio de 1969. E tudo aprovado.

No dia 9 de maio, porque sobrou das contas apenas $50 centavos (!), tive de o ir depositar no Banco Nacional Ultramarino em Bissau, em nome da Comissão Liquidatária do BCAÇ1933, com sede no SPM 4568 (Foto 10).



Foto nº 10 > Comprovativo do depósito de 50 centavos (!), no BNU, em Bissau, em nome da comissão liquidatária do BCAÇ 1933. com data de 9 de maio de 1969.


E finalmente a 10 de maio de 1969 faço a entrega formal de toda a documentação, livros, arquivos e demais papelada na Chefia de Contabilidade, dentro dos caixotes fechados e lacrados, sendo tudo aprovado e finda a minha função no CTIG. Entregue com a Guia dessa data, em duas folhas, numeradas 
(Foto 11)(Vd. Nota 10).







Foto nº 11 > Lista da documentação entregue pela comissão liquidatária do BCAQÇ 1933 â Chefia do Serviço de Contabilidade e Administração do QGCTIG, Santa Luzia

E assim fiquei "desempregado", estava livre para regressar, mas o Comando do Batalhão entendeu que devia de regressar junto com os restantes. Colocaram-me nos Adidos para gerir não sei quê, talvez o sector da alimentação que nada sabia sobre isso.

Depois meti baixa ao Hospital Militar 241, fui para a Psiquiatria, estive internado cerca de 15 dias, no mês de maio de 1969, e depois passei à medicina internma.  

Acabei por ter alta, colocaram-me no CA dos Adidos em Brá, como adjunto do CC do CA, e por aí fiquei até ao dia do meu embaque.

___________

Nota final:

Isto é o resumo desta actividade, desta minha missão no CTIG.

Espero ter contribuido de algum forma para um cabal esclarecimento desta guerra que poucos conhecem, mas agora poderão perceber um pouco mais. Assim desejo, pois este trabalho levou-me um mês de pesquisa de tanta coisa de que já nem eu me lembrava.

Notas de rodapé que anexei, poderão ser extensos, mas são esclarecedores quer para os leitores quer para mim.

Foi um trabalho que nunca tinha feito sobre nenhum tema em particular. Obrigado por tudo

©  Virgílio Teixeira (2025)

(Revisão / fixação de texto: LG)


21 de janeiro de 2025
_______________


 Notas do autor:


(10) A adrenalina sobe, e nesse período ainda faço a viagem louca de Sintex para Susana e Varela, já aqui transcrita, tudo para não me encontrar com o Coronel Renato Xavier,   o novo comandante do meu batalhão.

Chega o dia 22 de fevereiro, da minha viagem na DO dos TAGB.

O coração bate apressado, e penso lá comigo:

– E se o comandante não assina a Guia de Marcha?

Faz-me lembrar o outro que vieram buscar ao Uíge na hora da partida . Não tinha nada a recear, estava tudo legal do meu ponto de vista.

Manhã cedo vou ao gabinete do comandante, digo para o que vou ali, e levo a Guia de Marcha que o tenente Godinho da Secretaria me deu. Acho que nem leu e assinou de cruz. Eram umas 8 horas da manhã.

Tenho o saco com algumas coisas, deixo tudo, exceto uma das minhas camaras Konica.

A outra fica entregue a uma das pessoas do meu CA, para tirarem umas fotos da minha saída e quando já fosse no ar na avioneta DO.

Passado uns tempos, não sei quanto tempo, mas pareceu-me uma eternidade, ouço a avioneta a fazer-se à pista, e como eu todos ouvem, incluindo o comando.

Apanho um jipe e chego a tempo de fotografar a chegada da DO, bonita, parecia um pássaro às cores. Era a minha imaginação. A DO está no seu ponto de paragem, o piloto não desliga os motores, descarregam os sacos de correio e pouco mais. Despeço-me de alguns companheiros e estou pronto para entrar na DO (foto 3)

Cumprimento o piloto, um profissional da aviação civil, já conhece tudo pois faz muitas viagens destas, uma vez pelo menos estive na pista com ele, noutra situação. Estou eufórico e preocupado e com razão!

Vejo a chegar a alta velocidade e no meio do pó que deixava para trás, um jipe que trava com todas as ganas junto à DO. Era o comandante Xavier!

A seguir há um diálogo de loucos que ainda hoje me lembro tantas vezes. Dirige-se a mim, e pergunta logo:

– Para onde vai? 

O piloto já se apercebeu que não me vai levar para Bissau. Respondo que vou para Bissau e depois para a Metrópole, gozar as férias a que tenho direito. 

– Não pode ir !!! – diz ele com os olhos esbugalhados.

– Eu tenho a Guia de Marcha que o meu comandante assinou há pouco.

– Não interessa, é preciso fechar e encerrar as contas, conforme Nota do QG.

– Mas agora já tenho aqui a avioneta dos TAGB para me levar já paguei e também já paguei o transporte na TAP.

– Não interessa, não pode sair daqui!

Isto é uma eternidade em 5 minutos, palavra puxa palavra e eu disse que tenho de ir. Meto um pé dentro do habitáculo, ele agarra-me o braço, já não sei bem o que mais se passou.

O piloto manda um aviso com os motores a trabalhar e a poeirada no ar.

– Tenho de levantar voo agora  
– e vira-se para mim como a dar-me um sinal, "ou sai ou entra". 

A atitude que tomo é a normal, o Xavier agarra mais o braço, a seguir eu dou-lhe um empurrão e ele larga o braço. Entro. As portas fecham. O piloto dá meia volta e faz-se à pista. E num espaço pequeno arranca e levanta, já estou no ar (Foto 4).

Bato uma chapa lá de cima – a ultima visão de São Domingos   
–, não se vê a cara do Xavier. Vou a caminho e começa novo pesadelo (Foto 5).

– E se depois de chegar a Bissau, quando me for apresentar no QG e têm lá um rádio a pedir a minha suspensão de embarque e até uma detenção?

Afinal era um "fugitivo legal", e assim acaba esta estória "cabraliana", aquilo a que chamei de "A minha fuga de S.Domingos".

Isto mais parece um filme da fuga dos 6 presos de Alcochete! Ou as fugas do Papillon naquele livro e filme inolvidável. Ambos verdadeiros.


(11)  Neste período ainda fui muito útil a dois colegas meus da mesma função.

O já falado Ruas,  do BART 1911, que não conseguia fechar as suas contas por ter dinheiro em excesso, e pediu-me se podia dar uma ajuda:  o saldo foi transferido para o meu CA que foi colmatar eventuais faltas. 

O problema eram as verbas de pensões que sobravam, dos militares
que morrem, dos feridos e evacuados e tudo se perde na confusão, não há informática, é tudo à mão, o que torna tudo mais difícil. O fecho de contas não pode ser aceite, com saldos em aberto que não se sabe a quem pertence. Ele lá resolveu tudo e embarcaram ainda em maio.

Também acontece o mesmo com o meu homónimo do BCAV 1915, o tal que fomos render em Nova Lamego, era o alferes Fragateiro, que nunca nos relacionámos bem, talvez por causa da passagem de testemunho em outubro de 1967. Apesar disso vejo algumas fotografias em Bissau na 5ª REP, juntamente com outros, mas nunca fomos amigos.

Apesar disso também o safei no 600, ele soube do Ruas que tinha resolvido comigo os seus problemas, e ele vem ao meu encontro pedir o mesmo. Feito tudo da mesma forma e ele sem sequer me agradeceu,  embarcou também em maio, e assim o meu Batalhão ficou a ser o mais antigo no CTIG. 

Para terminar esta saga, não deixo de lamentar que,. passados tantos anos depois de chegar, venho a encontrá-lo nos Centros de Saúde à porta das salas do médico, ele era, portanto, delegado de propaganda médico, no Porto, e quase não falávamos, aliás nunca falámos da Guiné. Mal-agradecido. 

Também soube pelo meu adjunto, e amigo do Instituto Comercial do Porto, o furriel Pinto Rebolo, já falecido, que ele não ia à bola comigo, não sei ainda quais são os seus motivos, mas julgo que ficou mal na fotografia e só veio embora com o seu batalhão devido à minha ajuda, ou entáo por não ter seguido estudos superiores (complexos...).

O Pinto Rebolo estava na mesma atividade que o Fragateiro, delegado de propaganda médica, e encontravam-se sempre nos mesmos locais. Mais tarde o Pinto formou-se em Direito, foi advogado e tinha escritório próprio na Rua de Camões onde o visitei várias vezes, mas também o encontrava em Vila do Conde. 

Depois como a advocacia não dava o que ele queria, deixou de exercer e continuou na propaganda médica até se reformar. Morava no Porto, mesmo perto da minha casa, de solteiro, ao redor do Regimento de Engenharia 2, do Vale Formoso, vindo a falecer por graves problemas devido ao seu excesso de peso que sempre teve. Era conhecido na vida académica do Porto, como o Pinto Rebola (e bola).

(12) Neste periodo andei primeiro perdido por Bissau, eu já não tinha o meu poder, senti-me abandonado e sem motivações para continuar a trabalhar.

Todo o pessoal, quer do meu CA quer de outros Batalhões, foram colocados noutros serviços fixos do CTIG.

A minha primeira tarefa foi nos Adidos, foi um tempo terrivel, ali passavam todos os militares, marados, apanhados do clima, doentes do Hospital, os que chegavam de férias e os que partiam, os que chegavam em rendição individual, tudo ia parar àquele chamado "Depósito",

O primeiro dia que me calhou de Oficial de Dia, era um mundo de cerca de 1000 militares que entravam e saiam, assisti como era normal ao primeiro rancho do almoço.

Quando dou por ela, estava tudo aos gritos, protestando contra o rancho. Atiram-se para cima das mesas e pontapeteiam tudo, estava a acontecer aquilo a que se chamava um levantamento de rancho, não num quartel da metrópole mas no ambiente de loucos na Guiné.

Fico sem saber o que fazer, não estava preparado para isso, mas não desanimo, embora estivesse  como o burro no meio da ponte. Com a ajuda de alguém menos protestativo, lancei o grito do Ipiranga, e pedi a todos que não me arranjassem problemas, pois não tinha solução para os seus legitimos protestos.

Não faço ideia do que era a comida nem as razões do protesto, penso hoje que naturalmente era um modo de os militares vindos do mato de fazerem chegar o seu grito de revolta sobre tudo e todos. Mas eu não tinha nada a ver com isso, estava ali chegado e caído de paraquedas.

As hostes acalmaram e correu tudo bem até final, mas o inevitável "susto" ficou... E  ainda teria outro no terceiro ou quarto dia de viagem no Uíge a caminho da liberdade perdida .

Foi assim que arranjei forma de juntar alguns outros problemas de saúde (oftalmologia, estomtologia...),.  acabando por dar baixa na Psiquiatria, com base numa "cura de sono". 

E era verdade, não conseguia dormir, não por medo, mas devido aos milhões de baratas que pululavam por aquelas barracas de madeira cheias de fendas e aqueles repugnantes bichos passearem por cima de nós. Ficou marcada esta passagem, eu não tinha instalações adequadas à minha situação, ficava nas barracas comuns. Por isso algumas vezes ficava em Santa Luzia no Biafra, sempre era tudo mais seleccionado. E outras vezes ia para o Grande Hotel de Bissau, para junto do Spinola e afins.

Quando tive alta, fui parar como adjunto no CA do Quartel dos Adidos, função que me recusei aceitar quando fico nomeado para CC do CA dos Adidos, que pela fama era um caso bicudo, pois a maioria dos que ali exerceram esta função nunca regressava dentro dos prazos, pois as suas contas eram complicadas com os movimentos de entradas e saidas e processamento das verbas de alimentação em particular. Pois como todos os que passaram por alí sabem que uma percentagem razoável não tinha as refeiçóes nos Adidos pois comiam em restaurantes de
Bissau, e estas refeiçoes que não se faziam, eram na mesma debitadas.

Alguém de dizia que era um bom lugar para ganhar muito dinheiro, é natural, mas eu queria era regressar à minha parvónia.

No CA dos Adidos ajudei alguma coisa o CC, mas não era responsável pelo todo, e por ali fiquei até final da comissão.

Mas permanecia sempre como um Oficial do BC1933, a única unidade que tive no CTIG, a titulo de emprestado.

Regressei em 10 agosto 1969, recebi o titulo de passagem à disponibilidade, assinado pelo Comandante do RI15, com data de 1 de Setembro de 69, dizendo que... "passa à disponibilidade a partir de 2 amanhã (dia 2 de setembro)".

Ainda usei o meu cartão em diversos actos miitares até ao dia da sua extinção.

Pronto, eu por cá ando... Aproveito para explicar que mandei uma foto,  a última (nº 12), que apanhei por aí, diz respeito a uma aventura que fiz ainda nos anos da pandemia e antes do problema oncológico.

É uma subida na Ponte da Arrábida, por baixo do tabuleiro, no Arco que liga o Porto a Gaia. É um negócio turístico, e eu passei por lá e aproveitei.

Foi uma aventura para mim, já tinha 78 anos pelo menos, vinha de uma rota de fotografias que fui fazer ao Bairro do Aleixo, no Porto - o maior bairro de consumo e tráfego de droga que existia. (...) Depois saí para a marginal do Douro, percorrendo quilómetros a pé, e dei com aquela subida do arco e não resisti. Estava demasiado cansado mas a adrenalina não me abandonou. Foi um espetáculo impressionante. Não tenho fotos lá de cima, deixei os operadores cá em baixo com a camara para me fotografarem.

É tudo muito seguro, a probabilidade de cair cá abaixo é quase nula. Coisas da vida que não voltam a acontecer mais.

Neste periodo andei meses a fotografar o Porto e as suas entranhas, que nunca tinha visto. Fiz mais de 10 mil fotos.

PS - O meu pedido de desculpas pela extensão do depoimento...

©  Virgílio Teixeira (2025)

(Revisão / fixação de texto: LG)

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Nota do editor:

(*) Último poste da série > 27 de janeiro de 2025 > Guiné 61/74 - P26434: A extinção dos Conselhos Administrativos dos batalhões de reforço no CTIG (Virgílio Teixeira, ex-alf mil SAM, Chefe do CA, BCAÇ 1933 (Nova Lamego e São Domingos, 1967/69) - Parte I

sexta-feira, 12 de outubro de 2018

Guiné 61/74 - P19093: Efemérides (291): Faz hoje 51 anos: 12 de outubro de 1967, o dia em que eu morri....Por outro lado, sou o "único culpado" do suicídio do ex-alf mil, madeirense, Gouveia (Mário Gaspar, ex-Fur Mil At Art, MA, CART 1659, Gadamael e Ganturé, 1967/68)



Fotocópia da folha da caderneta militar, página 5,  do Mário Gaspar... onde foi averbada a sua morte, supostamente ocorrida em 12 de outubro de 1967.


Fotocópia da folha da caderneta militar, do Mário Gaspar, correspondente à página das "ocorrências extraordinárias", onde é de novo referida a sua  morte...

Fotos (e legendas) : © Mário Gaspar (2018). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]

1. Mensagem, de hoje, às 5h35, do Mário Gaspar, ex-fur mil at art, minas e armadilhas, CART 1659, Gadamael e Ganturé, 1967/68; e, como ele gosta de lembrar, Lapidador Principal de Primeira de Diamantes, reformado; e ainda cofundador e dirigente da associação APOIAR; tem mais de. uma centena de referências no nosso blogue]

Caros Camaradas,


Que interesse têm os portugueses de saberem que existiu uma Guerra Colonial? Já basta o “Aquecimento Global”, que nem sequer sabemos ao certo o que é, ainda para cúmulo essa guerra onde os nossos pais ou avôs combateram. Pois vou narrar-lhes aquilo que me sucedeu, talvez em Agosto, no período das férias de 1969.

– Foi precisamente no dia 12 de Outubro de 1967 que morri (*). Não sei como! Se por doença: paludismo; matacanha; outra.
– Mas o que é isso do paludismo ou matacanha? Compreendia antes se fosse da saudade!
– Esquece!

Morri, curiosamente só tive conhecimento de tal, no dia do meu casamento. Inicialmente fiquei preocupado, quando o Padre na Igreja de São João de Brito disse:
 – Estou a casar o morto vivo!
– Se morreste, não compreendi essa, estás aqui, e vivo… Como a sardinha da Costa!Sorri e tudo se sumiu como espuma!

Pois no dia que me desloco à Sacristia para levantar a Certidão de Casamento, recordei aquele episódio rocambolesco na Igreja. Parei no topo da escadaria e abri a sinistra Caderneta Militar que deixara para que fossem feitas as alterações necessárias:  data do casamento e mudança de residência.

Primeira surpresa. Leio, esfregando os olhos:  "Baixa de Serviço: – por falecimento a 12 de Outubro de 1967!" ... Algumas páginas a seguir: "Morto a 12 de Outubro".

Tudo sem explicações: quem o fez tinha plena consciência daquelas asneiras, podia no mínimo ressalvar esta «morte», uma mentira cruel,  e um Padre que tinha a obrigação de fazer menos comentários.

Verdade é que ia caindo na escadaria e rebolado até ao “passeio português”. Tinha consciência que da tropa podia esperar um pouco de tudo, agora matarem um combatente com tinta parker azul permanente…

Tive de saber o que estava por detrás daquela historieta.

Nas férias em Agosto dirigi-me ao Quartel mobilizador,  o Regimento de Artilharia de Costa (RAC), em Oeiras. Encontrava-se na Secretaria o Major (julgo ser ainda Major), o oficial que me colocara de Serviço no último domingo que tinha a oportunidade de estar com a Família antes de embarcar para a Guiné.

Quando lhe dei para as mãos a Caderneta logo me arrependi. Leu e disse:
– Que mal faz estar aqui dado como morto?
 Ao senhor pouco ou nada importa!

Interrompi-o ao escrever na Caderneta com uma bic azul e outra vermelha.
– Mas você não pode, nem deve fazer emendas ou ressalvas. Nesse caso as rasuras faço eu. Não tem o direito.

Tirei-lhe a Caderneta das mãos. Tinha sublinhado de um lado e fez uma ressalva.

Tratei-o mal, chamando a atenção àquilo que me fizera colocando-me no domingo anterior à partida de Serviço:
– Sargento de Dia ao Regimento!

Ninguém aceitou fazer esse Serviço por mim por ameaça a todos que de algum modo fizessem esse Serviço, inclusive eu pagava bem.

Passado algum tempo desloquei-me ao Departamento do Arquivo Geral do Exército que funcionava no antigo Quartel na Avenida de Berna e nos dias de hoje emprestado à Universidade NOVA de Lisboa. Segundo consta,  o imóvel foi vendido, esse quantitativo serve para o Fundo dos Combatentes.

Interessa neste caso a explicação sobre a minha morte. Logo que disse a razão da minha ida , s três indivíduos riram. Entreguei a Caderneta e logo vi segurar uma pasta, diferente das outras, estava toda agrafada. Disse:
– Vi que tenho toda a razão: morri a 12 de Outubro de 1967!

O Sargento tirou os agrafos – eram os três Sargentos – e referiu logo:
– Olhem,  este camarada era nosso vizinho na Guiné!

Disse-me junto ao balcão:
– Aquele estupor esteve comigo em Guileje e o outro do canto era de Mejo.

Curioso, estivemos todos juntos. Respondi:
– Agora estou a reconhecê-los, estivemos mais de uma vez a comer juntos.

Referiram estar tudo na ordem, com o inconveniente de estar registado na Caderneta. Não compreendiam a razão do Major em Oeiras ter feito esta gatafunhada. Ninguém o autorizou.

Ainda fui a Programas de Rádio; dei entrevistas para jornais e fui a dois Programas de televisão. Um deles, da Fátima Lopes.


 

Lisboa > Belém > Forte do Bom Sucesso > Memorial aos Mortos do Ultramar >  c. 2018 > O Mário Gaspar aponta os nomes dos seus camaradas  António Lopes Costa, soldado, e Victor Correia Pestana, furriel, mortos em acidente com arma de fogo, em 12 de outubro de 1967, perto de Ganturé, junto à fronteira com a República da Guiné-Conacri.  (**)


Fotos (e legendas) : © Mário Gaspar (2018). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


Talvez tivesse algo a ver com esta asneira, terem morrido o meu Amigo, vítima do rebentamento de uma granada armadilhada, o Furriel Miliciano Vítor José Correia Pestana, de Abitureiras, Santarém e o Soldado António Lopes da Costa, de Cerva, Vila Real. Ambos mortos por acidente, um acidente, e grande, era estarmos na guerra.

Quando gozei férias fui entregar à Família do Vítor pequenos utensílios que lhe pertenciam. Como o Vítor falasse muito no Mário, trataram-me como sendo o filho, primo, etc.. Custou-me imenso. Como tivessem morrido num período em que não estava, fui verificando não me terem narrado tudo sobre ambas as mortes, por saberem sermos muito amigos. A razão de tal é termos cumprido grande parte do Serviço Militar juntos.

Um dia insisti com um camarada que a chorar pelo telemóvel contou. A CART 1659 iniciou uma patrulha até à fronteira com o fim de montarem armadilhas, o que foi feito. Esta patrulha era sempre no mesmo sentido, nunca no contrário nem regresso pelo mesmo lado.

O Alferes Gouveia que comandava, já na fronteira deu ordens para regressarem pelo mesmo trajecto da ida e o Vítor Pestana referiu ter feito o croqui mas no sentido da ida, não possuía pontos de referência no sentido contrário. Insistiu o Alferes, eram ordens. O Costa disse ao Furriel que o acompanhava, os dois avançaram. Pára o Pestana, olhando para os pés. Não podia escapar e lançou-se sobre a granada armadilhada que rebenta. O Costa fica encostado a uma árvore, parecia descansar, nem sequer sinais de ter atingido, estava morto. O Pestana tinha braços e pernas seguros do restante corpo por linhas. No peito um buraco. Estava vivo. Ainda chegou vivo a Gadamael Porto e foi visto pelo Médico do Batalhão que se encontrava perto.

O Pestana pedia, e por favor, aos Furriéis Milicianos, que lhe dessem um tiro na cabeça. Morreu. Tive só conhecimento da sua morte ao regressar de licença. A história que me contam é sobre o local das mortes e das ordens que recebeu.

Todas as vezes que via o Alferes Luís Alberto Alves de Gouveia, olhava-o bem nos olhos e dizia:
– Você matou o Pestana e o Costa!

Ele nunca me respondeu. Anos depois, encontrei-me com o Capitão Miliciano de Infantaria Manuel Francisco Fernandes de Mansilha, [,nosso antigo comandante,]  que me informou:
– O Gouveia suicidou-se na Ilha da Madeira. Lançou-se ao mar de um penhasco!

Respondi-lhe:
– Sou o único culpado.

______________

Notas do editor:

(*) Último poste da série > 28 de julho de 2018 > Guiné 61/74 - P18875: Efemérides (290): 4 de Julho – dia da Rainha Santa Isabel – o Dia do Serviço de Administração Militar (António Tavares, ex-Fur Mil SAM)

(**) Vd. postes de:


4 de outubro de  2015 > Guiné 63/74 - P15197: História de vida (41): Regressei a 6/11/1968 e casei-me a 29/6/1969, com uma das minhas madrinhas de guerra...Soube pelo padre que a tropa me tinha dado como morto... (Mário Gaspar,ex-Fur Mil At Art, MA, CART 1659, Gadamael e Ganturé, 1967/68)

segunda-feira, 13 de janeiro de 2014

Guiné 63/74 - P12579: Recordações de um "Zorba" (Mário Gaspar, ex-Fur Mil At Art, MA, CART 1659, Gadamael e Ganturé, 1967/68) (7): Adenda á minha história de "morto-vivo"


Fotocópia da página 5 da caderneta militar  do Mário Gaspar onde se pode ler no final: "Baixa de serviço em 12/10/1967  por Falecimento  b)" [ que é a chamada para outra página e onde está escrito "Sem efeito"].




1. Mensagem do Mário Gaspar, com data de ontem


Data: 12 de Janeiro de 2014 às 21:11
Assunto: Dado como Morto


Camaradas da Tabanca Grande

Como me foi solicitado, envio um texto em Anexo, em que desenvolvo mais o sucedido com a minha morte anunciada  – e tornada pública para a Família e Amigos  – no dia do meu casamento. Tudo isto é anedótico, mas dói e magoa. Não se faz isto a ninguém.

O camarada, também da Tabanca Grande, ex Furriel Miliciano de Atirador de Artilharia, e Especialista de Explosivos de Minas e Armadilhas, Mário Vitorino Gaspar n.º 03163264, que fez a sua Comissão de Serviço no «Cu do Mundo», como costumava escrever nas cartas e aerogramas em lugar de Ganturé ou Gadamael Porto. Isto claro para os amigos, para os familiares tínhamos de ser uns autênticos aldrabões, utilizando frases como "isto é uma maravilha", "estou bem", "parece estar de férias" e outras. Além de termos de matar para sobreviver, éramos uns mentirosos e não cumpríamos quaisquer dos mandamentos. 

As fotos que tirávamos - pelo menos acontecia comigo - sem armas, de calções, tronco nu e chinelos. Muitas vezes à civil. Para ser mais simples: - só trazia calções e chinelos, nem cuecas vestia, até que um dia o Major Médico que nos visitava às vezes, obrigou-me a usar cuecas sobre riscos de arranjar uma doença que podia parecer-se comigo.
Um  forte abraço

Mário Vitorino Gaspar


2. Nota adicional em relação ao documento (página 5 da caderneta militar) acima reproduzido

    
 Consta na minha "Caderneta Militar", e no meu "Processo Individual" – de que possuo uma cópia – que morri na Guiné a 12 de Outubro de 1967.

Só tive conhecimento das mortes do Furriel Miliciano nº 04412863, Vítor José Correia Pestana, natural da freguesia de Abitureiras, concelho e distrito de Santarém e do Soldado nº 00131466 António Lopes da Costa, natural de Cerva, concelho de Ribeira de Pena e distrito de Vila Real, em Bissau após o regresso de gozo de licença na Metrópole de 35 dias, entre Setembro e Outubro de 1967.

Ninguém me havia informado do acontecimento anteriormente. Encontrava-me junto do Hotel Portugal, após o desembarque em Bissau, quando ouvi alguém gritar pelo meu nome. Tratava-se de um camarada da CART 1659, que tinha sido evacuado para o Hospital Militar de Bissau.

Perguntou-me se sabia o que tinha sucedido. Interroguei-o, e disse-me terem morrido numa patrulha o Furriel Miliciano Pestana e o Soldado Costa, que estavam no destacamento de Ganturé.

______________

Nota do editor:

quinta-feira, 9 de janeiro de 2014

Guiné 63/74 - P12563: Recordações de um "Zorba" (Mário Gaspar, ex-Fur Mil At Art, MA, CART 1659, Gadamael e Ganturé, 1967/68) (6): Soube, em Lisboa, no dia do meu casamento (29/6/69), da minha morte, em combate, ocorrida a 12/10/67, conforme averbamento na caderneta militar...




Fotocópia da folha da caderneta militar do Mário Gaspar... onde foi averbada a sua morte, supostamente ocorrida em 12 de outubro de 1967



1. O Mário Gaspa[, ex-Fur Mil At Art e Minas e Armadilhas da CART 1659, Gadamael e Ganturé, 1967/68}, já aqui referiu um facto insólito, o averbamento da sua morte, na cadern eta militar (*)... Junta agora uma fotópia dessa página (**). Recorde-se aqui a história:



(...) Foram surgindo cada vez mais encontros com o IN, a Operação Reparo (Ago 67) e Operação Remate (Set 67), ambas no “corredor de Guileje"; a 12 de outubro de 67 morreram numa Patrulha, através do rebentamento de um engenho explosivo, o Furriel Miliciano n.º 04412863 Vitor José Correia Pestana – Especialista de Explosivos de Minas e Armadilhas, natural freguesia de Abitureiras, concelho de Santarém e distrito de Santarém  –  e o Soldado N.º 00131466 António Lopes da Costa, natural de Cerva, Concelho de Ribeira de Pena e Distrito de Vila Real.

Fui entregar alguns dos haveres do Pestana que tinham ficado na Secretaria, à sua família na sua terra natal – Abitureiras, que tem uma rua com o seu nome. 

No dia 12 de outubro de 67 não estava com ele, e tenho pena. Quando tive conhecimento que morrera encontrava-me de licença, e só me deram a informação quando à minha chegada a Bissau. Curioso é que no dia 29 de Junho de 69, no dia do meu casamento, na igreja de São João de Brito, em Lisboa, o padre diz:
– Estou a casar o morto vivo!.

Fiquei admirado por aquilo que ouvira. Dias depois volto à igreja para receber a minha Caderneta Militar, que me tinha sido solicitada pelo sacristão para os averbamentos. E como nunca a tinha folheado, tentei-me e abri. Nela está impresso Baixa de Serviço: Por Falecimento e mais à frente onde é narrado o meu percurso militar, diz: Morto a 12 de outubro. Nas linhas de cima consta 1967, portanto fui dado como morto no dia das mortes do Pestana e do Costa, e só não informaram a minha família da minha morte porque me encontrava de licença. 

Reclamei e não obtive uma resposta que me convencesse. (...)

______________

Notas do editor:


(*)  Vd. poste de 8 de dezembro de 2013 > Guiné 63/74 - P12412: Tabanca Grande (413): Mário Vitorino Gaspar, ex-Fur Mil Art, MA da CART 1659 - Zorba (Gadamael e Ganturé, 1967/68)

quinta-feira, 25 de julho de 2013

Guiné 63/74 - P11868: Blogoterapia (233): A Bem da Nação!... A Medalha Comemorativa das Campanhas das Forças Armadas Portuguesas, Guiné 1968/70... (António Azevedo Rodrigues, Comando de Agrupamento 2957, Bafatá, 1968/70)


Medalha [, à direita,] Comemorativa das Campanhas das Forças Armadas Portuguesas, Guiné 1968/70,  que foi entregue ao António Azevedo Rodrigues, de Vila Nova de Fanalicão.

Foto: © António Azevedo Rodrtigues (2011). Todos os direitos reservados


1. Mensagem do nosso camarada António Azevedo Rodrigues,  ex-1º. cabo, Comando de Agrupamento 2957 (Bafatá, 1968/70), com data de 17 do corrente:


Amigos, ao fim de 3 longos anos de cartas, mails, telefonemas e mais requerimentos (*) (**), eis que o carteiro não precisou de tocar duas vezes, pois sou eu quem estou à espera que ele chegue com a missiva... 

Estava a contar ter de fazer uma almoçarada para receber o tal galardão pelos serviços prestados à Nação Portuguesa, mas como um soldado não conta como um almirante nem como um mercenário, não me foi concedido ser condecorado com as honras militares, como me havia sido indicado. Teria de me deslocar a uma unidade militar o mais perto de minha residência para aí me ser entregue o reconhecimento. 

Mas não,  fui informado que teria de me deslocar 800 km para ir a Lisboa receber, vejam bem que tão grande medalha o Estado Português me envia!... Ora, eu  recuso-me a  deslocar-me a Lisboa depois de ter uma unidade militar em Braga, Póvoa de Varzim e DE ter pertencido ao D.R. Braga...

Por outras medalhas já vistas no Facebook entregues a outros combatentes,  o que tenho a  dizer é que o Estado Português está mesmo em decadência,  estas medalhas são o espelho de quem comanda as Forças Armadas da Nação, que nada tem a ver com as de há 45 anos, sim há 45 anos estava eu a preparar as malas para seguir para a Guiné, para Bafatá... o que aconteceu a 9 Novembro 1968... 

A bem da Nação... que me obrigou a perder 3 anos da minha juventude. Hoje o carteiro me entregou a medalha... mas esta não é a tal de cortiça que pensei ir receber...

António Azevedo Rodrigues
Delães - Vila Nova de Famalicão

____________

Notas do editor:

(**)
Anexo - Requerimento a preencher e enviar ao Arquivo Geral do Exército (Estrada de Chelas, 1949-010 Lisboa)

EXMO SENHOR GENERAL CHEFE DO ESTADO MAIOR DO EXÉRCITO


(nome)______________________________________________________, (estado civil) _____________, filho de ___________________________________ e de ________________________________________________, residente em (morada actual)__________________________________________________________ (código Postal)_________-______ (localidade)______________, nascido a (data) ______________, na freguesia de ________________, concelho de _____________________, portador do Bilhete de Identidade nº _______________, de (data de emissão) ______________ do Arquivo de Identificação de ______________, tendo cumprido serviço militar de (data de incorporação) ___________________, até (data de disponibilidade) _________________, tendo sido agraciado com a Medalha Comemorativa das Campanhas.

Consequentemente vem requerer a V. EXª que lhe seja feita entrega física da Medalha Comemorativa das Campanhas nos termos do artº 46 do Dec. Lei 316/2002 de 27 de Dezembro. 

Pede deferimento 


(localidade), _____________ de _____________ de 2009-00-00 

_________________________________ 

(assinatura)

terça-feira, 2 de novembro de 2010

Guiné 63/74 - P7211: (Ex)citações (103): Quando um homem tem de se conter para não partir a louça... (Manuel Reis)

1. Comentário de Manuel Reis [, foto à esquerda, Guileje, 1973], com data de 30 de Outubro passado, ao poste P7195, do Joaquim Mexia Alves:


Grande Camarigo:

De acordo com o teu texto.  Fez-me recordar a carta que recebi este semana do Exército Português para ir prestar declarações sobre um camarada, que viveu comigo o tempo de guerra em Guileje e Gadamael, e que sofre de STRESS PÓS-TRAUMÁTICO DE GUERRA.

Há feridas que nunca se curam, se arrastam pelo tempo, sem que para tal as entidades responsáveis façam algo para melhorar a situação: olham para o lado e assobiam.

Este amigo desloca-se ao serviço de Psiquiatria no Centro de Saúde anexo ao Hospital Militar, desde 1986, e os serviços continuam a complicar-lhe a vida no que respeita à ajuda que precisa e merece.

Confessou-me que só a compreensão da mulher e da família mais próxima tem impedido um desenlace mais trágico. Há momentos em que a vida, para ele, deixa de fazer sentido.

Já devo ter sido solicitado para este tipo de declarações mais de 30 vezes, mas agora foi grande a surpresa. Desde 1986 não tiveram tempo nem disponibilidade para resolver um problema, de fácil visibilidade, que se apresenta com contornos de um certo dramatismo.

No dia 9 de Novembro lá me apresentarei, no Regimento de Artilharia Anti-Aérea nº1, para tentar ajudar o amigo e camarada Victor Santos. Terei de me conter, para não partir a louça, já que isso mexe com o meu estado de espírito, as minhas feridas estão controladas mas não debeladas. Como diz o Mexia Alves, a cauterização por vezes é lenta e difícil.

Nestes processos é fundamental a ajuda familiar, mas os convívios e as trocas de ideias sobre experiências vividas em guerra, com os nossos amigos e camaradas, constituem um óptimo complemento no acalmar das dores.

Um abraço amigo.

Manuel Reis
____________

Nota de L.G.:

Último poste desta série > 24 de Outubro de 2010 > Guiné 63/74 - P7171: (Ex)citações (102): Sensatez e rigor no Nosso Blogue (Manuel Marinho / José Belo)

quinta-feira, 31 de janeiro de 2008

Guiné 63/74 - P2493: Estórias de Guileje (6): Eurico de Deus Corvacho, meu capitão (Zé Neto † , CART 1613, 1966/68)

Guiné > Região de Tombali > Guileje > CART 1613 (1967/68)> Um secretaria improvisada, com um telheiro assente em duas palmeiras... Álbum fotográfico de José Neto (1929-2007). Embora ele não nos tenha deixado legendas, não nos parece que o Cap Corvacho esteja neste grupo, segundo informação do Cor Art, na reforma, Nuno Rubim, que é do curso a seguir ao dele (LG).

Guiné > Região de Tombali > Guileje > CART 1613 (1967/68)> O grande momento do dia, a distribuição do correio, a chegada dos aerogramas que vinham da Metrópole, através do SPM - Serviço Postal Militar, com notícias dos entes queridos e dos amigos (O aerograma, na Guiné, era também conhecido por bate-estradas...) (LG)


Guiné > Região de Tombali > Guileje > CART 1613 (1967/68)> Alguns dos quadros da companhia, vestidos com trajes fulas... Presume-se que fosse uma brincadeira de Carnaval... Dois militares parodiam a PM- Polícia Militar... O Cap Corvalho pode ser o terceiro a contar da esquerda, pelo menos ostenta é alguém que ostenta as divisas de capitão. "Aqui de certeza é o Corvacho, um bom amigo", garante-me o Nuno Rubim ... (LG).


Guiné > Região de Tombali > Guileje > CART 1613 (1967/68)> O então 2º Sargento José Neto, vestido com traje fula... (LG).


Fotos: © Luís Graça & Camaradas da Guiné (2007). (Fotos do José Neto † , reeditadas por Albano Costa). Direitos reservados.


1. Texto, da autoria do saudoso Cap José Neto (1929-2007), que exerceu funções de 1º Sargento na CART 1613 (São João, Brá, Guileje, Bula, 1966/68), sob o comando do Cap Eurico Corvacho (1)


O Capitão de Artilharia Eurico de Deus Corvacho
por José Neto

Fixação, revisão do texto e subtítulos: L.G.

Creio que é esta a primeira vez que alguém traz ao blogue uma figura concreta dum comandante da campanha da Guiné. Não se trata dum vulgar panegírico, que seria natural nas palavras do seu primeiro-sargento, mas sim duma homenagem devida ao Homem que transformou e comandou a CART 1613/BART 1896, desde 25 de Dezembro de 1966 até duas semanas depois de 9 de Setembro de 1968.


(i) A tragédia da noite de Natal de 1966, em São João, em que o Cavaco matou o comandante da companhia, o Alf Art, graduado em Capitão, Fonseca Ferraz

Inicialmente, na orgânica do Batalhão, o Cap Corvacho era o oficial mais antigo no seu posto e desempenhava as funções Oficial de Pessoal e Reabastecimento.

Na nossa primeira noite de Natal, com pouco mais de um mês de Guiné, em São João, um soldado nosso matou, a tiros de G3, o comandante da companhia (2).

No dia 25 de Dezembro [de 1966] vieram dois helis com oficiais que indagaram, investigaram, fotografaram e regressaram a Bissau sem o Cap Corvacho, que ficou a comandar, interinamente, a companhia.

Eu já tinha lidado com ele em Brá, pois foi o oficial instrutor dum processo disciplinar que exigi ao comandante, na iminência de ser punido por uma infracção de trânsito - excesso de velocidade da viatura que me transportava - apenas em face da participação dum furriel da PM e dum sistema de detecção de velocidade discutível.

O Cap Corvacho (que tinha o curso de Polícia Militar) levou as suas averiguações até ao mínimo pormenor e concluiu – e assim o exarou no final do processo – que a minha ordem ao condutor (não dada, mas assumida) de ultrapassar uma camioneta do BENG [Batalhão de Engenharia] que travou ao ver a patrulha da PM, foi a adequada para evitar a possível colisão, e o excesso de velocidade assinalado pelo aparelho, 12 Km/hora (62-50) em nenhum momento pôs em perigo a circulação na faixa contrária.

Estas conclusões não foram do agrado do comandante. Atirou o processo para as mãos do Capitão e ordenou-lhe que reformulasse os autos porque me queria punir.

O Corvacho voltou a pôr o processo em cima da secretária do comandante e disse-lhe que a única solução era ele nomear um oficial (teria de ser o 2º comandante) para lhe instaurar, a ele Capitão, outro processo, este por desobediência, porque se negava, terminantemente, a alterar uma vírgula que fosse no que ali estava escrito.

Este gesto valeu-lhe a inscrição na lista dos coirões mal-amados do comandante, onde já figuravam, desde fins de Maio, a 2ª Companmhia de Instrução do RAP 2 (mais tarde CART 1613) no seu todo, o seu falecido comandante e este vosso modesto escriba.

O primeiro acto de comando do Capitão Corvacho foi mandar formar a companhia. A sua breve alocução resumiu-se a:
- Estou aqui para vos comandar até à chegada do novo comandante que há-de vir da Metrópole. Enquanto esta situação se mantiver vou exigir-vos o máximo e dar-vos todo o meu apoio. A minha primeira exigência fica já aqui: O que se passou esta noite foi uma tragédia que, contada e recontada, pode vir a sofrer deturpações que em nada favorecem a companhia. Por isso não vos peço que esqueçam, mas sim que não alimentem as coscuvilhices de Bissau e acho que a melhor resposta que podemos dar aos curiosos é: Isso é um assunto interno da companhia, ponto final.

Mandou destroçar e convocou os oficiais e sargentos para uma reunião. Disse-nos que queria o pessoal o mais ocupado possível. Que fossem à lenha, que fossem jogar a bola, que fossem banhar-se na praia, e que o resto do programa de treino operacional era para cumprir no duro.
Depois chamou-me à parte e fomos dar uma volta para conhecer o quartel – eu tinha chegado ali na véspera, pois tinha ficado em Brá a tratar da papelada e pedi para ir passar o Natal com os “meus rapazes” – e a nossa conversa andou à volta da situação algo calamitosa em que se encontrava o sector da alimentação com os desvarios que o Furriel vaguemestre tinha apontado na reunião.

Ficou assente que eu não ia regressar a Bissau no dia 27, como estava previsto, e ficava em São João a fazer um balanço e pôr um pouco de ordem no sector administrativo enquanto ele ia tentar tirar a pele ao pessoal até fazer deles uns combatentes de verdade.


(ii) Uma inédita manifestação de soldados, em apoio ao novo Comandante


Em princípios de Janeiro de 1967, a CART 1613 que regressou a Brá para ficar como companhia de intervenção à ordem do Comando-Chefe, era outra.

Entretanto chegou a Bissau o oficial nomeado para comandar a companhia, o Capitão de Artilharia Lobo da Costa, e gerou-se um pandemónio dos diabos.

Eu nunca tinha visto, nem achava possível, uma manifestação de soldados. Mas o que é certo é que, por organização espontânea, a minha tropa foi postar-se frente ao gabinete do comando do batalhão a gritar:
- O nosso comandante / é o capitão Corvacho.

Com a voz embargada pela comoção, o Capitão Corvacho disse-lhes:
- Vocês não sabem o que me estão a pedir… mas fico na companhia. Vou trocar as funções com o vosso novo comandante. Ponham- se a andar.

Toda a companhia, desde o Básico ao Alferes mais antigo, compreendeu aquela decisão do Homem que trocava o sossego da Messa e da Gestetner (máquinas dactilográficas e policopiadoras) pela terrível G3.


(iii) Uma postura do anti-herói

Seguiu-se um período de cerca de quatro meses de vai e volta. A companhia, aquartelada em Brá, era mandada para os mais diferentes pontos do território, andava por lá dez, quinze dias, e voltava estoirada, mas com um sentimento de dever cumprido cuja expressão máxima era o uso, em qualquer dos uniformes, do Lenço Verde que nos tinha calhado em sorte ainda em Viana do Castelo (todas as companhias do batalhão tinham o seu, de cores diferentes).

Foi numa dessas operações, na área de Pelundo/Jolmete, zona de responsabilidade dum Batalhão de Cavalaria sediado em Teixeira Pinto, que a CART 1613 mais se notabilizou, tendo o comandante do BCAV atribuído ao Cap Corvacho um extenso louvor que deu origem à condecoração com a Medalha de Cruz de Guerra de 2ª Classe.

Ironicamente, saliento que o meu Capitão tinha a postura característica do anti-herói que o cinema nos impinge e afinal a Pátria consagrou-o como Herói.

E para adensar a narrativa acrescento que o Cap Corvacho estava, nessa altura, em litígio com as chefias militares, porque no dia em que completou oito anos de serviço como oficial, requereu, ao abrigo do EOE (Estatuto do Oficial do Exército), a sua passagem ao escalão de Complemento (milicianos) desligando-se assim da actividade militar.

Com torneados e floreados, foi-lhe indeferida a pretensão. Só eu e poucos graduados tínhamos conhecimento desta faceta.

Este revés provocou-lhe uma imensa raiva interior, mas em nada buliu na sua condição de militar e o pessoal continuou a seguir o seu capitão até às profundezas do inferno se tal fosse necessário e a cantar, quase como hino, “Eles comem tudo/Eles comem tudo/Eles comem tudo/E não deixam nada" - a canção Os Vampiros do Zeca Afonso, proibida no Chiado e arredores, mas difundida em alto som em Guileje, onde morámos e combatemos cerca de um ano.

Podia terminar aqui a minha narrativa. Porém, falta esclarecer o motivo porque, no princípio, eu escrevo os limites temporais do seu comando entre 25 de Dezembro de 1966 e 9 de Setembro de 1968 e mais duas semanas.


(iv) Enfrentando a burocracia militar, no fim da comissão

O dia 9 de Setembro de 1968 foi o do embarque de regresso da CART 1613. Nessa altura nós ainda andávamos às voltas com a liquidação das três cargas de materiais à nossa responsabilidade. Uma deixada em Colibuia para entregar a quem aparecesse; outra entregue aos nossos substitutos de Guilege, cheia de falta isto, falta aquilo; e a última, a de Buba e destacamentos de Nhala e Chamarra. Até das Mauser entregues à população em auto defesa éramos responsáveis sem nunca as termos visto.

Perante a situação de eu ir ficar sozinho com 124 (cento e vinte e quatro) autos de ruína, extravio, etc. em curso, e alguns a elaborar, pois o reles 1º sargento das cargas, na Bolola, tinha o prazer sádico de ir descobrir mais uma ficha que não estava a zero e chapar-ma na cara, em face disto, dizia, o Capitão Corvacho resolver adoecer e faltar ao embarque.

Usando a sua influência junto dos seus conhecidos (por sorte o chefe do Serviço de Material tinha sido seu condiscípulo na Academia Militar) em dez ou onze dias coleccionámos os carimbos, vistos e despachos para, posteriormente, ficar tudo a zero, com algum ressabiamento do reles da Bolola.

Duas semanas depois o Niassa voltou e levou o meu Capitão.

Eu fiquei até meados de Outubro, dependente do fecho de contas do CA (Conselho Administrativo) do BART 1896 nas quais a minha (conta da CART 1613) estava incluída.

Este, embora descrito a traços largos e descoloridos, foi o Capitão de Artilharia Eurico de Deus Corvacho, ainda hoje o meu Capitão. O seu envolvimento no 25 de Abril de 1974 e período subsequente [em que nomeadamente foi brigadeiro graduado em 1975, tendo estado à frente da região Militar do Norte], considerado, por muitos, algo controverso, para mim foi absolutamente coerente, não obstante o meu modo de ver possa não coincidir com o meu modo de ser.

Nos dias que correm o meu Capitão emprega a sua enorme coragem na luta contra uma doença grave. No passado dia 4 de Junho de 2005, amparado pelo nosso grande amigo Dr. Joaquim de Oliveira Martins, o ex-Alferes Médico do Batalhão que preferia estar connosco em Guileje em vez da ainda calma Buba, não deixou de ir almoçar a Braga com os seus homens. Vi muitos ex-soldados a disfarçar os soluços ao verem a dificuldade de locomoção do Homem que, nos seus imaginários, era o primeiro a avançar lá longe nas matas da Guiné.

José Afonso da Silva Neto


Comentários:

Gostei muito de ler esta memória. Ela confirma a excelente opinião que tenho de Corvacho, que conheci e com quem conversei muita vez depois do 25 de Abril, nas décadas de 70 e 80 mas de quem deixei de ter notícias há muitos anos. Foi com tristeza que li que não se encontra bem de saúde. Se me puder facultar algum contacto dele ou da família, ficar-lhe-ia agradecido.

Raimundo Narciso, 2/24/2006.

Embora conhecesse o relato aqui descrito, contado na primeira pessoa, não posso deixar de ficar emocionado com a forma como é retratado o meu pai. Cumpre-me informar a todos os seus camaradas de que, mais uma vez com muita coragem, continua a sua luta contra a doença.

Estou contactável pelo e-mail e_corvacho@netcabo.pt

Eurico C. Corvacho, 1/29/2008

3. Comentário de L.G.:

Os nossos camaradas da Guiné que estão hoje em sofrimento, devido a doença prolongada, merecem a nossa solicitude, compaixão, solidariedade, amizade, camaradagem... Lembrá-los enquanto estão vivos é a maior homenagem que podemos fazer-lhes. Daí eu ter decidido recuperar este texto, já antigo, publicado na 1ª série do nosso blogue pelo nosso patriarca Zé Neto que continua, também ele, bem presente na nossa memória.

Peço ao seu filho, Eurico C. Corvalho, que transmita ao seu pai e nosso camarada as nossas saudações bloguísticas. Um grande Alfa Bravo da nossa Tabanca Grande. Aqueles de nós que forem proximamente a à Guiné-Bissau e a Guileje levarão a incumbência de lhe fazer uma pequena homenagem a ele, ao Zé Neto e aos demais camaradas da valorosa CART 1613.

Vd. outros postes desta série Estórias de Guileje (3).

_____________________

Notas dos editores:

(1) Vd. poste de 23 de Fevereiro de 2006 > Guiné 63/74 - DLXXVI: O meu capitão, o capitão Corvacho da CART 1613 (1966/68) (Zé Neto)


(2) Vd. poste de 11 de Fevereiro de 2006 > Guiné 63/74 - DXXI: Memórias de Guileje (Zé Neto, 1967/68) (7): Francesinho e Cavaco, o belo e o monstro

(...) O Soldado Condutor Auto Rodas José Manuel Vieira Cavaco abateu a tiro o primeiro comandante da companhia, Alferes de Artilharia, graduado em Capitão, Fausto Manteigas da Fonseca Ferraz, na noite de 24 para 25 de Dezembro de 1966 (Natal), no aquartelamento de S. João, frente a Bolama, onde a unidade se encontrava em treino operacional (...).

(...) O Cavaco foi condenado, em Bissau, no Tribunal Militar, a uma pena de vinte e três anos de prisão maior, a cumprir em estabelecimento penal adequado na Metrópole. O Zé Neto nunca mais o vi, mas teve "notícias de que o rapaz não cumpriu nem metade da pena".(...)


(3) Vd. postes anteriores:

30 de Janeiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2492: Estórias de Guileje (5): Os nossos irmãos artilheiros Araújo Gonçalves † e Dias Baptista † (Costa Matos / Belchior Vieira)

29 de Janeiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2489: Estórias de Guileje (4): Com os páras, na minha primeira ida ao Corredor da Morte (Hugo Guerra)

27 de Janeiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2483: Estórias de Guileje (3): Devo a vida a um milícia que me salvou no Rio Cacine, quando fugia de Gandembel (ex-Fur Mil Art Paiva)

23 de Janeiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2473 - Estórias de Guileje (2): O Francesinho, morto pela Pátria (Zé Neto † )

14 de Janeiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2437: Estórias de Guileje (1): Num teco-teco, com o marado do Tenente Aparício, voando sobre um ninho de cucos (João Tunes)