Fotocópia da folha da caderneta militar, página 5, do Mário Gaspar... onde foi averbada a sua morte, supostamente ocorrida em 12 de outubro de 1967.
Fotocópia da folha da caderneta militar, do Mário Gaspar, correspondente à página das "ocorrências extraordinárias", onde é de novo referida a sua morte...
Fotos (e legendas) : © Mário Gaspar (2018). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]
1. Mensagem, de hoje, às 5h35, do Mário Gaspar, ex-fur mil at art, minas e armadilhas, CART 1659, Gadamael e Ganturé, 1967/68; e, como ele gosta de lembrar, Lapidador Principal de Primeira de Diamantes, reformado; e ainda cofundador e dirigente da associação APOIAR; tem mais de. uma centena de referências no nosso blogue]
Caros Camaradas,
Que interesse têm os portugueses de saberem que existiu uma Guerra Colonial? Já basta o “Aquecimento Global”, que nem sequer sabemos ao certo o que é, ainda para cúmulo essa guerra onde os nossos pais ou avôs combateram. Pois vou narrar-lhes aquilo que me sucedeu, talvez em Agosto, no período das férias de 1969.
– Foi precisamente no dia 12 de Outubro de 1967 que morri (*). Não sei como! Se por doença: paludismo; matacanha; outra.
– Mas o que é isso do paludismo ou matacanha? Compreendia antes se fosse da saudade!
– Esquece!
Morri, curiosamente só tive conhecimento de tal, no dia do meu casamento. Inicialmente fiquei preocupado, quando o Padre na Igreja de São João de Brito disse:
– Estou a casar o morto vivo!
– Se morreste, não compreendi essa, estás aqui, e vivo… Como a sardinha da Costa!Sorri e tudo se sumiu como espuma!
Pois no dia que me desloco à Sacristia para levantar a Certidão de Casamento, recordei aquele episódio rocambolesco na Igreja. Parei no topo da escadaria e abri a sinistra Caderneta Militar que deixara para que fossem feitas as alterações necessárias: data do casamento e mudança de residência.
Primeira surpresa. Leio, esfregando os olhos: "Baixa de Serviço: – por falecimento a 12 de Outubro de 1967!" ... Algumas páginas a seguir: "Morto a 12 de Outubro".
Pois no dia que me desloco à Sacristia para levantar a Certidão de Casamento, recordei aquele episódio rocambolesco na Igreja. Parei no topo da escadaria e abri a sinistra Caderneta Militar que deixara para que fossem feitas as alterações necessárias: data do casamento e mudança de residência.
Primeira surpresa. Leio, esfregando os olhos: "Baixa de Serviço: – por falecimento a 12 de Outubro de 1967!" ... Algumas páginas a seguir: "Morto a 12 de Outubro".
Tudo sem explicações: quem o fez tinha plena consciência daquelas asneiras, podia no mínimo ressalvar esta «morte», uma mentira cruel, e um Padre que tinha a obrigação de fazer menos comentários.
Verdade é que ia caindo na escadaria e rebolado até ao “passeio português”. Tinha consciência que da tropa podia esperar um pouco de tudo, agora matarem um combatente com tinta parker azul permanente…
Tive de saber o que estava por detrás daquela historieta.
Nas férias em Agosto dirigi-me ao Quartel mobilizador, o Regimento de Artilharia de Costa (RAC), em Oeiras. Encontrava-se na Secretaria o Major (julgo ser ainda Major), o oficial que me colocara de Serviço no último domingo que tinha a oportunidade de estar com a Família antes de embarcar para a Guiné.
Quando lhe dei para as mãos a Caderneta logo me arrependi. Leu e disse:
– Que mal faz estar aqui dado como morto?
Ao senhor pouco ou nada importa!
Interrompi-o ao escrever na Caderneta com uma bic azul e outra vermelha.
– Mas você não pode, nem deve fazer emendas ou ressalvas. Nesse caso as rasuras faço eu. Não tem o direito.
Tirei-lhe a Caderneta das mãos. Tinha sublinhado de um lado e fez uma ressalva.
Tratei-o mal, chamando a atenção àquilo que me fizera colocando-me no domingo anterior à partida de Serviço:
– Sargento de Dia ao Regimento!
Ninguém aceitou fazer esse Serviço por mim por ameaça a todos que de algum modo fizessem esse Serviço, inclusive eu pagava bem.
Passado algum tempo desloquei-me ao Departamento do Arquivo Geral do Exército que funcionava no antigo Quartel na Avenida de Berna e nos dias de hoje emprestado à Universidade NOVA de Lisboa. Segundo consta, o imóvel foi vendido, esse quantitativo serve para o Fundo dos Combatentes.
Interessa neste caso a explicação sobre a minha morte. Logo que disse a razão da minha ida , s três indivíduos riram. Entreguei a Caderneta e logo vi segurar uma pasta, diferente das outras, estava toda agrafada. Disse:
– Vi que tenho toda a razão: morri a 12 de Outubro de 1967!
O Sargento tirou os agrafos – eram os três Sargentos – e referiu logo:
– Olhem, este camarada era nosso vizinho na Guiné!
Disse-me junto ao balcão:
– Aquele estupor esteve comigo em Guileje e o outro do canto era de Mejo.
Curioso, estivemos todos juntos. Respondi:
– Agora estou a reconhecê-los, estivemos mais de uma vez a comer juntos.
Referiram estar tudo na ordem, com o inconveniente de estar registado na Caderneta. Não compreendiam a razão do Major em Oeiras ter feito esta gatafunhada. Ninguém o autorizou.
Ainda fui a Programas de Rádio; dei entrevistas para jornais e fui a dois Programas de televisão. Um deles, da Fátima Lopes.
Lisboa > Belém > Forte do Bom Sucesso > Memorial aos Mortos do Ultramar > c. 2018 > O Mário Gaspar aponta os nomes dos seus camaradas António Lopes Costa, soldado, e Victor Correia Pestana, furriel, mortos em acidente com arma de fogo, em 12 de outubro de 1967, perto de Ganturé, junto à fronteira com a República da Guiné-Conacri. (**)
Fotos (e legendas) : © Mário Gaspar (2018). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]
Talvez tivesse algo a ver com esta asneira, terem morrido o meu Amigo, vítima do rebentamento de uma granada armadilhada, o Furriel Miliciano Vítor José Correia Pestana, de Abitureiras, Santarém e o Soldado António Lopes da Costa, de Cerva, Vila Real. Ambos mortos por acidente, um acidente, e grande, era estarmos na guerra.
Quando gozei férias fui entregar à Família do Vítor pequenos utensílios que lhe pertenciam. Como o Vítor falasse muito no Mário, trataram-me como sendo o filho, primo, etc.. Custou-me imenso. Como tivessem morrido num período em que não estava, fui verificando não me terem narrado tudo sobre ambas as mortes, por saberem sermos muito amigos. A razão de tal é termos cumprido grande parte do Serviço Militar juntos.
Um dia insisti com um camarada que a chorar pelo telemóvel contou. A CART 1659 iniciou uma patrulha até à fronteira com o fim de montarem armadilhas, o que foi feito. Esta patrulha era sempre no mesmo sentido, nunca no contrário nem regresso pelo mesmo lado.
O Alferes Gouveia que comandava, já na fronteira deu ordens para regressarem pelo mesmo trajecto da ida e o Vítor Pestana referiu ter feito o croqui mas no sentido da ida, não possuía pontos de referência no sentido contrário. Insistiu o Alferes, eram ordens. O Costa disse ao Furriel que o acompanhava, os dois avançaram. Pára o Pestana, olhando para os pés. Não podia escapar e lançou-se sobre a granada armadilhada que rebenta. O Costa fica encostado a uma árvore, parecia descansar, nem sequer sinais de ter atingido, estava morto. O Pestana tinha braços e pernas seguros do restante corpo por linhas. No peito um buraco. Estava vivo. Ainda chegou vivo a Gadamael Porto e foi visto pelo Médico do Batalhão que se encontrava perto.
O Pestana pedia, e por favor, aos Furriéis Milicianos, que lhe dessem um tiro na cabeça. Morreu. Tive só conhecimento da sua morte ao regressar de licença. A história que me contam é sobre o local das mortes e das ordens que recebeu.
Todas as vezes que via o Alferes Luís Alberto Alves de Gouveia, olhava-o bem nos olhos e dizia:
– Você matou o Pestana e o Costa!
Ele nunca me respondeu. Anos depois, encontrei-me com o Capitão Miliciano de Infantaria Manuel Francisco Fernandes de Mansilha, [,nosso antigo comandante,] que me informou:
– O Gouveia suicidou-se na Ilha da Madeira. Lançou-se ao mar de um penhasco!
Respondi-lhe:
– Sou o único culpado.
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Notas do editor:
(*) Último poste da série > 28 de julho de 2018 > Guiné 61/74 - P18875: Efemérides (290): 4 de Julho – dia da Rainha Santa Isabel – o Dia do Serviço de Administração Militar (António Tavares, ex-Fur Mil SAM)
(**) Vd. postes de:
4 de outubro de 2015 > Guiné 63/74 - P15197: História de vida (41): Regressei a 6/11/1968 e casei-me a 29/6/1969, com uma das minhas madrinhas de guerra...Soube pelo padre que a tropa me tinha dado como morto... (Mário Gaspar,ex-Fur Mil At Art, MA, CART 1659, Gadamael e Ganturé, 1967/68)