Guiné > Região do Oio > K3 > Um abrigo em construção...
Foto: © Ernesto Duarte (2014). Todos os direitos reservados. [Edição: LG]
1. Mensagem de Ernesto Duarte [ex-fur mil. CCAÇ 1421/BCAÇ 1857, Mansabá, 1965/67],
Data: 19 de Abril de 2014 às 21:29
Assunto: um abrigo em construção
Boa noite, Luís
Já passaram 49 anos e eu continuo a arrepiar-me, e em vez de ter sonhos tenho pesadelos, ainda hoje não sei muito bem o que é dormir, dormir considerado normal! Só que as forças vão faltando e vão aparecendo alguns problemas!
Chegados à Guiné, mais propriamente a Mansoa, a nossa primeira saída, se é que se pode chamar, ao que supostamente fomos fazer, uma saída!
Na estrada Mansoa-Bissorã, uma auto metralhadora tinha sido atingida com uma granada anticarro, restou o esqueleto!
Corridos poucos dias, ida para Mansabá, com armas e bagagens, muita bagagem, penso que todos nós só tínhamos um pensamento, é na próxima curva que vem aí a nossa granada!
Com o tempo interiorizámos três ou quatro coisas:
(i) Que tínhamos sempre medo, e que a fuga teria que ser sempre para a frente, nunca voltar as costas;
(ii) Que de dentro do mato era muito difícil disparar uma bazuca, um roquete, assim como os célebres morteiros 120;
(iii) Depois do primeiro tiro tínhamos a ideia que conseguíamos controlar as coisas.
Era de uma tensão de rebentar os nervos a um santo, o espaço de tempo que mediava entre o ouvir a granada sair e o cair! Não valia a pena nos mexermos, porque nunca ninguém tinha uma ideia onde ela ia cair!
Os morteiros 120 começaram a ser utilizados, quando fazíamos os golpes de mão, depois do primeiro tiro o nosso poder de fogo era superior, e quando eles se calavam ouvia-se o disparar do morteiro, que supostamente estaria regulado para a zona que eles ocupavam, ou zona por onde tínhamos feito a aproximação!
Rapidamente atirávamos as granadas incendiárias e íamos como se fossemos atrás deles, flectindo depois em ângulo recto e lá tínhamos sempre uma bolanha para passar!
Eles faziam três, quatro morteiradas, mais tarde soubemos que era-lhes muito difícil o disparar de dentro da floresta e o terreno não tinha consistência para o prato, aparelho de pontaria, etc.
Onde apanhámos com maior eficácia, mas também para aí uma meia dúzia de tiros, foi em Morés!
Os deuses decidiram a nosso favor porque os tiros caíram na bolanha e perderam eficácia! Era uma granada pesada foi muito para o fundo, mas esses estavam bem apontados, ou casualidade.
Os abrigos de Mansoa, se os tinha não me lembro, os de Cutia eram do modelo da fotografia, os de Mansabá mais tipo trincheira clássica, os de Manhau, de Banjara e K3 eram iguais mais pormenor menos pormenor. Farim também não me lembro como eram!
Todos nós, mesmo as chefias dizendo maravilhas de aquilo, tínhamos consciência, que se caísse uma granada na frente, próximo da vigia, que as hipóteses eram nulas e se uma dos 120 caísse em cima que aquilo não aguentava!
Boa noite, Luís
Já passaram 49 anos e eu continuo a arrepiar-me, e em vez de ter sonhos tenho pesadelos, ainda hoje não sei muito bem o que é dormir, dormir considerado normal! Só que as forças vão faltando e vão aparecendo alguns problemas!
Chegados à Guiné, mais propriamente a Mansoa, a nossa primeira saída, se é que se pode chamar, ao que supostamente fomos fazer, uma saída!
Na estrada Mansoa-Bissorã, uma auto metralhadora tinha sido atingida com uma granada anticarro, restou o esqueleto!
Corridos poucos dias, ida para Mansabá, com armas e bagagens, muita bagagem, penso que todos nós só tínhamos um pensamento, é na próxima curva que vem aí a nossa granada!
Com o tempo interiorizámos três ou quatro coisas:
(i) Que tínhamos sempre medo, e que a fuga teria que ser sempre para a frente, nunca voltar as costas;
(ii) Que de dentro do mato era muito difícil disparar uma bazuca, um roquete, assim como os célebres morteiros 120;
(iii) Depois do primeiro tiro tínhamos a ideia que conseguíamos controlar as coisas.
Era de uma tensão de rebentar os nervos a um santo, o espaço de tempo que mediava entre o ouvir a granada sair e o cair! Não valia a pena nos mexermos, porque nunca ninguém tinha uma ideia onde ela ia cair!
Os morteiros 120 começaram a ser utilizados, quando fazíamos os golpes de mão, depois do primeiro tiro o nosso poder de fogo era superior, e quando eles se calavam ouvia-se o disparar do morteiro, que supostamente estaria regulado para a zona que eles ocupavam, ou zona por onde tínhamos feito a aproximação!
Rapidamente atirávamos as granadas incendiárias e íamos como se fossemos atrás deles, flectindo depois em ângulo recto e lá tínhamos sempre uma bolanha para passar!
Eles faziam três, quatro morteiradas, mais tarde soubemos que era-lhes muito difícil o disparar de dentro da floresta e o terreno não tinha consistência para o prato, aparelho de pontaria, etc.
Onde apanhámos com maior eficácia, mas também para aí uma meia dúzia de tiros, foi em Morés!
Os deuses decidiram a nosso favor porque os tiros caíram na bolanha e perderam eficácia! Era uma granada pesada foi muito para o fundo, mas esses estavam bem apontados, ou casualidade.
Os abrigos de Mansoa, se os tinha não me lembro, os de Cutia eram do modelo da fotografia, os de Mansabá mais tipo trincheira clássica, os de Manhau, de Banjara e K3 eram iguais mais pormenor menos pormenor. Farim também não me lembro como eram!
Todos nós, mesmo as chefias dizendo maravilhas de aquilo, tínhamos consciência, que se caísse uma granada na frente, próximo da vigia, que as hipóteses eram nulas e se uma dos 120 caísse em cima que aquilo não aguentava!
O primeiro tiro que deram no primeiro ataque ao K3, de noite, acertaram com uma granada anticarro numa viatura, que com a ajuda da gasolina do depósitos só ficou uns restos do chassi!
Aconteceu que nesses ataques, ainda com os abrigos em construção, a foto é do meu abrigo acabado, puseram dentro do arame dúzias de granadas. Atiravam granadas muito velhas que não rebentaram, mas era contando com os rebentamentos por simpatia. Mas tal como em Cutia, Manhau e Banjara, não acertaram uma, excepto a da viatura.
No K3 não se ouvia a saída dos canos porque havia umas LDM no rio Farim que faziam fogo para as laterais, era mesmo guerra adulta.
Eu daquele abrigo via em frente a chama das Costureiras e servia-me de uma Manelica 8mm, ponta redonda, dos meus caçadores nativos! Fazia tiro instintivo e aquilo causava grandes estragos, passava um morro baga-baga com uma facilidade espantosa. Eu disparava e os caçadores carregavam!
No meu tempo, por falta de apontadores que deveriam ter, por ser difícil disparar do mato, por serem armas de tiro curvo, o aproximarem-se só lhes trazia desvantagens e por aquilo a que chamamos sorte, não acertaram nenhuma, depois, depois não sei!
O nosso grande inimigo foram as minas! Levantámos muitas mas também rebentaram muitas!
No meu tempo ainda não se falava muito em canhões sem recuo!
Mando-te uma foto do referido abrigo numa fase ainda da construção!
Aconteceu que nesses ataques, ainda com os abrigos em construção, a foto é do meu abrigo acabado, puseram dentro do arame dúzias de granadas. Atiravam granadas muito velhas que não rebentaram, mas era contando com os rebentamentos por simpatia. Mas tal como em Cutia, Manhau e Banjara, não acertaram uma, excepto a da viatura.
No K3 não se ouvia a saída dos canos porque havia umas LDM no rio Farim que faziam fogo para as laterais, era mesmo guerra adulta.
Eu daquele abrigo via em frente a chama das Costureiras e servia-me de uma Manelica 8mm, ponta redonda, dos meus caçadores nativos! Fazia tiro instintivo e aquilo causava grandes estragos, passava um morro baga-baga com uma facilidade espantosa. Eu disparava e os caçadores carregavam!
No meu tempo, por falta de apontadores que deveriam ter, por ser difícil disparar do mato, por serem armas de tiro curvo, o aproximarem-se só lhes trazia desvantagens e por aquilo a que chamamos sorte, não acertaram nenhuma, depois, depois não sei!
O nosso grande inimigo foram as minas! Levantámos muitas mas também rebentaram muitas!
No meu tempo ainda não se falava muito em canhões sem recuo!
Mando-te uma foto do referido abrigo numa fase ainda da construção!
Quantas cavadelas, quantas pazadas de terra!
Um abraço,
Ernesto
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Nota do editor:
Último poste da série > 13 de novembro de 2013 > Guiné 63/74 - P12287: Memórias de Mansabá (30): Um nunca acabar de recordações (Ernesto Duarte)