Cópia do telegrama, emitido em 8 de fevereiro de 1970
1. Nos anos 60/70, durante a guerra do ultramar / guerra colonial, as famílias dos combatentes o que mais temiam era o fatídico telegrama a anunciar a desgraça de uma morte, em combate, acidente ou doença, ou de um desaparecimento, na sequência de uma operação, "lá longe onde o sol castiga(va) mais", a muitos milhares de quilómetros de casa...
O conteúdo do telegrama era seco, lacónico, impessoal, brutal... Como este que em tempos aqui reproduzimos:
Os mensageiros da desgraça não tinham sido treinados para dar notícias más. Era o carteiro, da vila ou da aldeia, ou de bairro, na cidade, conhecido de toda a gente, quem levava a casa a carta ou o aerograma do contentamento, mais frequente, mas também o telegrama, mais raro nessa época, e que, para os pobres, só podia ser de mau agoiro...
Um ou outro militar, por razões práticas e sobretudo de economia de tempo mandava de vez em quando à família uma mensagem telegráfica, tranquilizadora, a dizer que estava tudo bem... Ou a dar os parabéns por um aniversário. Ou que tinha chegado bem mas já estava cheio de saudades.
Um amigo meu, paraquedista, que esteve no Norte e depois no Leste de Angola, quando regressava à base em Luanda, passava pela estação dos Correios, e mandava para a família um telegramas SDS (ou "telegrama de saudação de texto fixo"), pré-codificado, um serviço criado em 1942 pelos CTT e depois atualizado em 1961 (**)-
Com o triunfo da Internet, o telegrama é um serviço que os Correios, em muitas partes do mundo, já não prestam ou que tende a desaparecer.
De qualquer modo, o telegrama, no ato de receção, era sempre algo que podia desencadear ansiedade ou até medo, pela incerteza do seu conteúdo, origem e motivo. E pior ainda quando o destinatário não sabia ler... Como é o caso desta história, de grande ternura, que aqui se (re)conta (***).
Foto (e legenda): © José Teixeira (2008). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar:Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]
2. O autor, José Teixeira, membro da nossa Tabanca Grande, desde praticamente a primeira hora (vd. poste P 350, de 14/12/2005) (****), não precisa de apresentações, tendo sido um dos criadores da Tabanca Pequena de Matosinhos.
O pretexto para esta reposição da estória nº 39, para além da celebração do Dia da Mãe, em 1 de maio de 2022, é a passagem do 18º aniversário do nosso blogue (*****).
Estórias do Zé Teixeira (39) > O medo do terrífico telegrama
Naquele dia 8 de fevereiro de 1970, uma mãe esquecida do quadragésimo oitavo aniversário preparava o almoço para os três filhos. Um quarto estava ausente na Guiné. Este, tinha feito 23 anos dois dias antes.
Era comum juntar-se a família no dia oito e cantarem-se os parabéns em duplicado. Apenas se mudavam as velas no bolo que aquela mãe, analfabeta, cozinhava com todo o carinho.
Seriam umas onze da manhã, quando o carteiro bateu à porta. Trazia um pequeno papel rectangular dobrado em quatro e tinha como destinatário o nome daquela mulher.
– D. Rita, assine aqui em como recebeu.
– Mas… eu não sei assinar –retorquiu aquela mãe, com o coração já em sobressalto.
Uma vizinha prontificou-se a assinar, a rogo. O carteiro foi-se embora e aquela mãe tremia de medo, com a mensagem que supunha vir dentro do malfadado papel.
– Ai que o meu filho morreu! – foi o seu primeiro pensamento.
Era comum juntar-se a família no dia oito e cantarem-se os parabéns em duplicado. Apenas se mudavam as velas no bolo que aquela mãe, analfabeta, cozinhava com todo o carinho.
Seriam umas onze da manhã, quando o carteiro bateu à porta. Trazia um pequeno papel rectangular dobrado em quatro e tinha como destinatário o nome daquela mulher.
– D. Rita, assine aqui em como recebeu.
– Mas… eu não sei assinar –retorquiu aquela mãe, com o coração já em sobressalto.
Uma vizinha prontificou-se a assinar, a rogo. O carteiro foi-se embora e aquela mãe tremia de medo, com a mensagem que supunha vir dentro do malfadado papel.
– Ai que o meu filho morreu! – foi o seu primeiro pensamento.
Largou os chinelos. Com o papel junto ao coração, desata a correr descalça, rua acima, até ao emprego da filha, a cerca de dois quilómetros.
Chega ao destino esbaforida e sem forças, as lágrimas correm-lhe pela face. Pede para lhe chamarem a filha. Queria ser ela a primeira a saber da sorte do seu filho.
Ao ver a filha ao longe grita:
– Ai, Lai, que o teu irmão morreu!
– Morreu nada, minha mãe.
– Morreu, morreu. Chegou agora o telegrama.
A filha abre o terrífico papel:
"PARABÉNS PELO SEU ANIVERSÁRIO". Assina: "Armanda".
– Oh minha mãe, então você não se lembra que faz hoje anos?! É um telegrama da Armanda, a namorada do seu filho, a dar-lhe os parabéns.
– É isso que diz aí?
– É minha mãe. É o que está aqui escrito.
– Graças a Deus!!!
Aquela mãe, era a minha mãe... E eu dou Graças a Deus por poder contar, hoje, esta pequena, mas verdadeira história.
Zé Teixeira
[Fixação / revisão de texto / título do poste: LG]
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Notas do editor:
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Notas do editor:
(*) 16 de julho de 2019 > Guiné 61/74 - P19983: (Ex)citações (354): Como é que a máquina burocrática do exército fazia chegar, à família, a notícia funesta da morte ou desaparecimento em combate de um militar ? O caso do sold at cav nº 711/65, José Henriques Mateus, desaparecido no rio Tompar, afluente do rio Cumbjiã, no decurso da Op Pirilampo, em 10/9/1966 (Jaime Silva, seu colega de escola, no Seixal, Lourinhã, ex-alf mil paraquedista, BCP 21, Angola, 1970/72)
(**) Vd, poste de 25 de julho de 2015 > Guiné 63/74 - P14931: Recortes de imprensa (74): Informação Oficial, publicada no jornal "A Província de Angola", sobre o desastre do Cheche aquando da travessia do Rio Corubal em 6 de Fevereiro de 1969 (José Teixeira / José Marcelino Martins)
(***) Vd. poste de 3 de dezembro de 2010 > Guiné 63/74 – P7373: Estórias do Zé Teixeira (39): O medo do terrífico telegrama (José Teixeira, ex-1.º Cabo Aux Enf)
(****) Vd. poste de 14 de dezembro de 2005 > Guiné 63/74 - P350: Tabanca Grande: A doença da sôdade (José Teixeira da CCAÇ 2381, Empada, 1968/70)