Data - 31/12/2022, 17:35
Assunto - Um conto de Natal
Luís, meu caro camarada e amigo:
Muito obrigado, com algum atraso, peço desculpa, acho que ando fora da mãe, aparvalhado, sem inteligência, sem jeito, sem arte. Como eu, andarão muitos camaradas, transmontanos e não só. Elogio o teu esforço em reanimar tantas almas mortas, nelas me incluo, para reanimar o Blogue que criaste para todos e ao qual te tens dedicado tanto.
Querendo compensar, um pouco e mal, o teu esforço, envio-te tardiamente este texto, mal engendrado, e um pouco plagiado de outros de um tal Francisco Baptista, um provinciano que não consegue sair da sua aldeola transmontana.
Bom Ano para ti e para a tua simpática família. Podes não ter boas pernas mas continuas a ter boa cabeça. O Blogue e os camaradas da Guiné continuam a precisar dela. Um grande abraço.
PS - No texto poderás incluir este prefácio, se assim o entenderes, talvez o melhor.
"No fim de tudo, as flores murcham e morrem e as saudades também / "ne l fin de todo, as flores murchan i morren, las suidades tamien"
Francisco Baptista (Brunhoso, Mogadouro, Terrra de Miranda)
Saudades da lareira da casa da aldeia, com os toros de carrasco ou sobreiro, em brasa, os galhos de freixo e outra lenha miúda a fazer labaredas altas e coloridas, toda essa pintura quente, viva e bela, embala-me. Traz-me à memória os antepassados que conheci e outros que não conheci.
Suidades de la lume de la casa de l'aldé, culs tuoros de carrasco ó subreiro, an brasa, ls galhos de frezno i outra lenha miúda la fazer labaredas altas i queloridas, to essa pintura caliente, biba i guapa, ambala-me. Traç-me a a mimória ls antepassados que conheci i outros que nun conheci.
Saudades de um quadro à lareira, numa noite fria com o "lume" quase apagado, em cinzas e aquele meu avô velhinho (mais novo do que eu sou agora) a estendê-lo à procura de algumas brasas e o meu pai, que também gostava desse homem que não era pai dele, a sorrir com ar trocista.
Os meus sonhos de garoto dissipam-se ao ouvir e ler nos meios de comunicação social os relatos da meteorologia revoltada, com longos dias de seca, ondas de calor e de seca, incêndios, depois longos dias de chuva, inundações, derrocadas, temporais, ciclones, contra a natureza regulada por quatro estações, acompanharam o meu crescimento.
O passado vive comigo e traz-me também à memória os dois anos passados na Guiné, a combater por um Império sem futuro, havia duas estações, a estação seca e a época das chuvas, há algum tempo o meu amigo Cherno Baldé disse-me que estavam desreguladas.
Tento fugir da modorra que a chuva constante provoca, aliada à cor de chumbo dos dias que cai sobre nós como uma cortina escura. Os estudiosos e cientistas do clima e das suas alterações dizem que os erros cometidos pela ganância das grandes empresas e dos governos não poderão ser emendados nos próximos decénios pelo que todo este rol de calamidades, desgraçadamente vai sobrar para os nossos filhos e netos.
Tento fugir de la modorra que la chuba custante proboca , aliada a a quelor de chombo de ls dies que cai subre nós cumo ua cortina scura. Ls studiosos i cientistas de l clima i de las sues altaraçones dízen que ls erros cometidos pula ganáncia de las grandes ampresas i de ls gobiernos nun poderán ser emendados ne ls próssimos decénios pul que to este rol de calamidades, çgraçadamente bai sobrar pa ls nuossos filhos i nietos.
Por toda a Terra estes fenómenos atmosféricos e outros mais terríveis irão acontecer. A Terra, revoltada contra tantos maus tratos que os homens têm cometido contra ela que a poderá converter naquele Inferno assustador que os padres nas igrejas pintavam com as piores chamas e sofrimentos para amedrontar os cristãos pecadores. Tempo que as igrejas cristãs santificaram para consagrar a um Deus que se quis fazer homem para conhecer melhor a espécie humana.
Este tempo húmido e cinzento amarrota-nos a roupa e a alma. A minha alma está vazia, nua como a árvore sem folhas que vejo lá fora. Entre dias das festas de Natal, em alegres convívios familiares, com bons manjares, bacalhau, couves, rabanadas, sonhos, bolo-rei, peru, cabrito, e bom vinho caímos neste hiato de dias tristes e monótonos enquanto aguardamos que o Ano Novo nos faça renascer com o novo ciclo da Terra com outra vitalidade e entusiasmo do eterno retorno do Planeta Azul. É o tempo da celebração da festa dos rapazes e dos imortais que, confiantes no avanço da medicina, acreditam que nunca irão morrer.
Este tiempo húmido i cinzento amarrota-mos la roupa i l'alma. A mie alma stá bazie, znuda cumo l'arble sin fuolhas que beijo alhá fura. Antre dies de las fiestas de Natal, an alegres cumbíbios fameliares, cun buonos manjares, bacalhau, berças, rabanadas, suonhos, bolho-rei, peru, chibo, i bun bino caímos neste hiato de dies tristes i monótonos anquanto aguardamos que l Anho Nuobo ne ls faga renacer cul nuobo ciclo de la Tierra cun outra bitalidade i entusiasmo de l'eiterno retorno de l Planeta Azul. Ye l tiempo de la celebraçon de la fiesta de ls rapazes i de ls eimortales que, cunfiantes ne l'abanço de la medecina, acraditan que nunca eiran morrer.
Mas morremos, morremos todos os dias, enquanto crescemos , enquanto envelhecemos, mesmo quando a natureza se renova. Devemos morrer porque a Terra é limitada e não tem lugar para imortais. Sejamos lúcidos e solidários e aceitemos dar o lugar às gerações mais novas. O silêncio, a apatia, a melancolia, o cansaço de viver, ou a crença de algum Deus que suavize a nossa partida, que nos deem a lucidez e a coragem necessária. Com a promessa ou a ilusão de paraísos dos mares do sul, das ilhas encantadas ou do céu quando se pinta de azul, ou sem promessas ou ilusões encarando o nosso destino , com a naturalidade de quem viu os nossos antepassados regressar ao pó da Terra.
Mas morremos, morremos todos ls dies, anquanto crecemos , anquanto ambelhecemos, mesmo quando la natureza se renoba. Debemos morrer porque la Tierra ye lemitada i nun ten lugar para eimortales. Séiamos lúcidos i solidairos i aceitemos dar l lugar a las geraçones mais nuobas. L siléncio, l'apatie, la melancolia, l cansaço de bibir, ó la fé d'algun Dius que suabize la nuossa partida, que ne ls den la lucideç i la coraige neçaira. Cula promessa ó l'eiluson de paraísos de ls mares de l sul, de las ilhas ancantadas ó de l cielo quando se pinta d'azul, ó sin promessas ó eilusones ancarando l nuosso çtino , cula naturalidade de quien biu ls nuossos antepassados regressar al pó de la Tierra.
No fim de tudo, que a todos nos espera, as flores murcham e morrem, as saudades também.
Felicidades para todos em 2023 , a felicidade é um estado de espírito, ao alcance de todos, os crentes, os não crentes, os pobres, os ricos, os sábios e os ignorantes.
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(*) Vd. poste de 24 de dezembro de 2022 > Guiné 61/74 - P23911: Conto de Natal (25): Quando o pobre do Garrinchas teve o privilégio de fazer de São José e consoou com a Nossa Senhora e o Menino Jesus (Uma pequena obra-prima de Miguel Torga, do livro "Novos Contos da Montanha, 1ª ed., 1944)
(**) Último poste da série > 30 de dezembro de 2022 > Guiné 61/74 - P23932: Boas festas 2022/23 (13): E o nosso coeditor jubilado Virgínio Briote saiu-se com esta...