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sábado, 25 de julho de 2020

Guiné 61/74 - P21197: Os nossos seres, saberes e lazeres (403): Nadir Afonso, as invisíveis cidades geométricas, ao alcance da Matemática (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 13 de Maio de 2020:

Queridos amigos,
Há muito que desejava confrontar-me, olhos na tela, com a trajetória pictórica de Nadir Afonso, uma singularidade das Artes Plásticas portuguesas, um percursor do abstracionismo, após o trabalho pioneiro e o terreno desbravado por Amadeo de Souza Cardoso e Maria Helena Vieira da Silva, as figuras marcantes da rutura.
Nadir percorreu o mundo, era arquiteto, a profissão reflete-se na linha, na geometria, nas teorias estéticas que legou. Recebeu louvores da crítica, está patente em importantes museus, gerou muitas controvérsias, deixou-se ficar à parte de outros movimentos artísticos. E no entanto, quando contemplamos aquelas curvas e contracurvas, as espirais, as formas que se movimentam, aquelas cidades e aglomerados de que desconhecemos o nome, o contraste por vezes brutal entre os fundos brancos e as cores primárias, aqueles negros que parecem esbarrar com as cores luminosas, somos levados a questionar se Nadir Afonso não merece a nossa melhor atenção para todo este trabalho sobre as formas abstratas que alteraram a nossa maneira de olhar a Arte e de ver o mundo.

Um abraço do
Mário


Nadir Afonso, as invisíveis cidades geométricas, ao alcance da Matemática

Mário Beja Santos

Nadir Afonso (1920-2013), arquiteto, ensaísta, artista plástico, autor de teoria estética, ocupou um lugar ímpar na pintura portuguesa, gerou controvérsia por ter defendido que a Arte é puramente objetiva e regida por leis da Matemática, o seu pensamento estético foi posto por muitos em causa, ganhou ao longo da sua longa vida muitos adeptos e a crítica nem sempre foi benevolente com ele.
Esta exposição que visitei em janeiro de 2020 no Museu das Artes de Sintra centrava-se no Nadir Afonso a percorrer uma trajetória figurativa até ter encontrado os seus parâmetros próprios na abordagem abstrata. Como escreveu o crítico Bernardo Pinto Almeida no texto de abertura desta exposição, “A Arte da primeira metade do século XX, construiu-se na pintura tal como na escultura, através da persecução do imperativo: o de se encaminhar com vista a chegar até ao limite formal da abstração. Na verdade, de Kandinsky a Malévich, ou destes a Mondrian e aos da Bauhaus, poucos foram os artistas que não se sentiram desafiados a entrar por esse caminho que se tornou numa forma disciplinar para o programa modernista”. Será assim na Arte Portuguesa do século XX, primeiro pela mão genial de Amadeo, na década de 1930 continuada por Maria Helena Vieira da Silva, por outros caminhos Nadir Afonso e Fernando Lanhas, entrar-se-á depois num jardim labiríntico e metamórfico, o grupo KWY seguirá uma via bem distinta e outros que através do abstracionismo chegarão a outras correntes, como Júlio Pomar, Júlio Resende, Sá Nogueira, Paula Rego ou António Palolo.
Nadir era arquiteto de formação, trabalhou em ateliês de renome, em França e no Brasil, em Paris vai alinhar com outros artistas que apostavam na nova abstração europeia, daí uma certa fixação de Nadir pela arte ótica de um Vasarely, é a partir desse período que nunca mais a sua originalidade se perdeu, mesmo sujeita a diferentes ciclos de intervenção.





Tivemos poucos teóricos em Artes Plásticas. Houve um Joaquim Rodrigo que ficou convencido que deixara para a posteridade uma teoria da cor, Nadir foi incansável a escrever, era descrente de que a Arte fosse um ato de inspiração, antes de mais entravam em cena a observação, a perceção e a manipulação da forma. Um ano antes de partir, foi dado à estampa o livro Nadir Afonso conversa com Agostinho Santos, Âncora Editora, 2012. É categórico na entrevista: a geometria é a essência do absoluto; considerava-se um obcecado pela observação da forma, as formas são uma fonte de harmonia e de exaltação espiritual; a geometria é uma fonte de certeza, dirá o artista, mostra-nos até que ponto nos enganamos, porque, insistindo na contemplação, muitas vezes, reparamos que, de facto, nos enganámos. E dirá sem rebuço que a sua teoria estética tem por base o materialismo dialético. E diz, impávido e sereno, que “em certas obras acho que atingi o absoluto, principalmente na composição”.





Fixa-se em espalhar pelas telas cidades, muitas vezes sobre fundos brancos, são lugares do mundo com que nos confronta, há a sensação de que vamos ser engolidos ou que aquelas cores primárias assumem a forma de uma dança aos nossos olhos, como se aquele abstracionismo geométrico possuísse o dom do magnetismo. Será sempre assim ao longo das intensas décadas do seu trabalho, formas espiraladas, curvilíneas, disparando para uma espécie de infinito, noutros períodos do seu trabalho as espirais comungam com retas e linhas sinuosas, são mares ondulantes. Nos últimos anos do seu trabalho privilegia os fundos brancos, as formas côncavas e convexas, os polígonos, cores vivas que parecem amortecidas por traços negros, substanciais.



O leitor que procure Nadir Afonso no Google verá sempre referências ao seu trabalho nos ateliês de Le Corbusier e Oscar Niemeyer, nomes supremos e revolucionários da arquitetura. E aparecem os tais ciclos denominados, por exemplo, abstracionismo geométrico, período barroco, egípcio, indo por aí fora chega-se ao período fractal, à liberdade total que as linhas assumem, linhas que se justapõem para sugestionar metrópoles e o negro adquire uma nova harmonia, a certificar que estamos perante grandes aglomerados urbanos.




Em jeito de despedida, volta-se ao texto de Bernardo Pinto de Almeida: “Foi a sabedoria da idade e, com ela, o cada vez maior despreendimento para com a ideologia modernista e aquela razão de progresso histórico que ela queria exigir aos artistas, que levou Nadir a autorizar-se na liberdade de registar figurativas as cidades. É assim que elas começam, literalmente, a aparecer, saídas das anteriores composições abstratas realizadas ao longo da década de 60, que foi dominada nesta obra, neste mesmo período, pela invenção, ao mesmo tempo conceptual e formal, de que o próprio artista chamou Espacillimité, simultaneamente uma máquina e um processo”. Talvez assim se possa entender como o artista julgava ter atingido o absoluto. É evidente que um artista que se comenta deste modo, que consagra a geometria, que define a Arte por ser objetiva, acabou por ser exaltado e incompreendido, confessou não ter qualquer relação com o meio artístico, diz ter sentido que entre meio e a Arte existe um abismo, o meio artístico, disse, é o caos de interesses e confusões.
Apreciado ou ignorado, deixou obra vastíssima, não descurou a arte pública, a estação do metropolitano dos Restauradores está cheia das suas cores, da sua geometria, da sua objetividade.


Azulejaria de Nadir Afonso na estação do metropolitano dos Restauradores
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Nota do editor

Último poste da série de 18 de julho de 2020 > Guiné 61/74 - P21180: Os nossos seres, saberes e lazeres (402): Tapada da Ajuda: Obrigatório visitar e fruir (2) (Mário Beja Santos)