Eram as armas que iam decidir o conflito?
Em 1974, a grande maioria do povo português desejava a continuação da guerra?
Entre os militares estacionados na Guiné a contestação era cada vez mais aberta. E às claras. Em Março de 1974, algumas unidades dispersas pelo território receberam uma mensagem assinada pelo Ten Cor Banazol, em nome do “Movimento de Resistência das Forças Armadas”, apelando à rebelião e programando uma operação de retracção do dispositivo militar para o mês de Maio próximo...estou a citar o então Capitão J. Golias.
E, depois do 25 de Abril, o grande público veio a saber que o governo de então já não pensava de maneira muito diferente. Marcello Caetano tinha enviado a Londres o diplomata José Villas-Boas para uma reunião com dirigentes do PAIGC (Victor Saúde Maria, Silvino da Luz e Gil Fernandes), reunião que ocorreu entre 25 e 26 de Março e na qual ficou agendada novo encontro para 5 de Maio seguinte...
vb
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A Guerra estava militarmente perdida?
Troca de correspondência entre dois antigos comandantes do Pel Caç 52
1. Mensagem do Mexia Alves para o Beja Santos, c/c à Tertúlia, em 25 de Maio de 2008
Meu caro Mário Beja Santos, Luís Graça, co-editores e camaradas amigos
Claro que tenho de meter a colher!
Julgo, salvo o erro, que até fui eu quem despoletou um pouco esta polémica quando há uns meses atrás, a propósito de uns postes colocados no blogue afirmei que lá por se repetir permanentemente que "a guerra estava militarmente perdida", isso não se transformaria numa verdade, que não é de facto, a meu ver.
Aliás, esta frase, "a guerra estava militarmente perdida", começou de inicio por referir-se às três frentes de Angola, Moçambique e Guiné, mas perante a evidência da mesma não corresponder à verdade, passou a referir-se exclusivamente à Guiné, o que repito, a meu ver, também não corresponde à verdade.
Que fique bem entendido, mais uma vez, que não desejei a guerra, não a desejo e que o melhor que aconteceu foi a mesma ter acabado e a Guiné ser hoje um país independente apesar de todas as suas dificuldades.
Vou tentar responder ao Mário, com amizade e camaradagem, servindo-me do seu texto.
1 -
A segunda tem a ver com aquilo que eu designo por patamares mínimos da elevação no debate. Por exemplo, recuso-me a entrar no terreno do denegrimento no tocante aos quadros do PAIGC que não viviam permanentemente em território português. Além do mais, é deslustroso num blogue como o nosso onde intervêm guineenses que tem uma pátria cimentada pela luta desses guerrilheiros. Citando Beja Santos.
Não fui eu quem dissertei sobre o assunto mas parece-me Mário, que estás a colocar intenções de denegrimento onde elas não existem.
Não é uma realidade que a maior parte dos quadros do PAIGC não viviam em território da Guiné?
Julgo que o contexto em que tal foi afirmado, servia para dizer que, não havia verdadeiramente território ocupado pelo PAIGC com estruturas suficientes para aí se manterem esses quadros em contraposição aos quadros portugueses que estavam instalados nas suas unidades de quadrícula, ocupando território e defendendo-o.
Não é colocado em causa o valor extraordinário desses homens por quem nutrimos todo o respeito, podendo até afirmar, julgo eu, sem medo de errar muito, que respeito mais eu o Nino Vieira e o seu passado, que muitos guineenses provavelmente.
2 -
A terceira tem a ver com o facto de eu não vir buscar adesões, não pertenço a nenhuma maioria ou minoria, não procuro claques nem cliques. No que estou errado, o Graça Abreu torna a verdade inequívoca. E eu dar-lhe-ei razão, ainda estou em muito boa idade de rever conceitos. Citando Beja Santos
Esta não percebo! Que eu saiba ninguém procura claques ou cliques, mas sim discutirmos saudavelmente um assunto que nos diz respeito.
Se alguém concorda com uns e com outros é normal e é bom o que não significa que haja "partidos" ou "exércitos de opinião".
Por mim estou sempre pronto a dar a mão à palmatória.
3 -
A quarta prende-se com uma comunicação fraterna que é devida entre nós: não embarco em demagogias de querer associar o que penso ter sido o colapso militar da Guiné e a luta dos soldados portugueses, que nunca minimizei e em tal terreno não aceitarei insinuações, seja de quem for. Postas estas ressalvas, avanço para o primeiro apontamento. Citando Beja Santos
Ó meu caro Mário, parece que gostas de rotular as coisas, afastando tu mesmo essa tal comunicação fraterna ao colocares intenções onde elas não existem.
Claro que sei não ser essa a tua intenção, mas também não é a minha com certeza.
Ninguém afirmou que minimizaste a luta dos soldados portugueses, nem tal me passa pela cabeça, mas ao afirmares que a guerra estava perdida militarmente o que é que julgas que os soldados portugueses que lá estiveram pensam?
Estiveram na guerra, nada lhes foi dado em contrapartida, e para além disso até somos quase proscritos nesta sociedade!
Se agora para além do mais lhes dizemos, ou nos dizemos, que perdemos a guerra, o que nos resta?
E o problema é que tal corresponde à verdade!
E agora o resto:
Baseias-te muito em livros, documentos, etc. e apenas te quero lembrar, (e disso sabes muito mais do que eu), que a quantidade de livros sobre a guerra, a politica e por aí fora, a seguir ao 25 de Abril, são às centenas, para não dizer mais, e que em muitos casos, se opõe totalmente nas suas conclusões.
Sabemos também, não sou só eu que o afirmo, que as informações recebidas em Lisboa, se calhar até em Bissau, não correspondiam muitas vezes á verdade, por isso, documentos, etc, embora sirvam de estudo não são muitas vezes totalmente credíveis.
Marcelo Caetano decide, pelos vistos, propor negociações para estabelecer um cessar-fogo que levasse à independência da Guiné e isso para ti significa que a guerra estava perdida!
Porquê? Então o homem não poderia estar a perceber o rumo da história?
Repara como de algum modo é incoerente aquilo que referes:
O diplomata ia a Londres como representante pessoal do Ministro dos Negócios Estrangeiros propor uma oferta de independência à Guiné-Bissau, a troco de um cessar-fogo, e o PAIGC não aceita tal proposta porque prefere continuar na luta armada até á "derrota das forças portuguesas", continuando a morrerem não só portugueses mas também guineenses?
Que lógica tem isto?
A proposta terá sido essa?
Pois se o 25 de Abril tinha como fim primeiro, diga-se o que se disser, acabar com a guerra, não era normal que fossem feitos todos os esforços para alcançar um cessar-fogo onde a guerra era realmente mais difícil e intensa?
Toda a gente sabia, e tu também cá estavas, que não seria possível mandar mais soldados para África a seguir ao 25 de Abril, porque o povo a isso se opunha, por isso o que havia a fazer era conseguir o mais rapidamente possível um cessar fogo que colocasse um fim à guerra.
Onde é que isto significa que a guerra estivesse perdida?
Aliás em Angola não se podia pedir um cessar-fogo numa guerra que já praticamente não existia.
Diz-nos tu, por favor, que posições perdemos nós, já que o afirmas novamente.
Digo-te eu que as "tuas" bolanhas cultivadas do teu tempo, já não o estavam no meu, para além de outras coisas, pelo que a tua prestação e dos teus pares, foi bem conseguida, pois levou a uma forte diminuição da guerra naquelas zonas.
Meu caro Mário, claro que a situação era caótica!
Pois se todas as intervenções politicas, e nessa altura as intervenções dos militares eram todas politicas, apontavam para a independência, para o fim da guerra a qualquer preço, como querias tu que soldados, furriéis, alferes que estavam contra a sua vontade numa guerra, estivessem moralizados ou lhes apetecesse sequer morrer por algo que estava já decidido?
A compra de armamento nunca seria feita por canais diplomáticos, sabe-lo bem, e quando foram precisas AK47 para a "invasão de Conakry" elas foram compradas sem grandes problemas.
Não encontrarás obviamente documentos sobre essas compras ou possíveis compras.
Mas à gente que o sabe muito bem, posso te afirmar!
Carlos Fabião conhecia a Guiné como ninguém? E Alpoim Calvão, e Almeida Bruno, e Manuel Monge e por aí fora?
Sabemos bem com quem Carlos Fabião estava alinhado!
Meu caro Mário, eu falo-te do que acontecia no terreno, ou pelo menos naquele que eu calcorreei, e aí meu caro amigo "a guerra não estava perdida militarmente".
Continuaremos para a semana, ou calar-me-ei e darei espaço a outros, mas é fácil perceber que esta polémica não dará grandes resultados.
Terá pelo menos um bem importante: leva-nos a falar de coisas que a alguns, como eu, ainda incomodam e vai exorcizando fantasmas, para utilizar uma expressão muito em voga.
Recebe um abraço amigo do
Joaquim Mexia Alves
Mexia Alves, Beja Santos e Henrique Matos, três dos antigos Comandantes do Pel Caç Nat 52, no lançamento do "Diário da Guiné" do Mário Beja Santos.
2. E a resposta do M. Beja Santos:
Meu nunca assaz louvado penúltimo comandante do Pel Caç Nat 52,
Sabia muito bem que a polémica contaria contigo. Saúdo que venhas meter a colher, tanto por razões afectivas como civilizacionais (sempre pobrezinho, gosto de gente bem educada e aprecio o teu aprumo no trato). Vamos sinteticamente aos quatro pontos que abordas.
1 - Todos sabíamos onde vivia Amílcar Cabral, sabíamos que os dirigentes do PAIGC não tinham condições para viver dentro da Guiné. Tal como o general Bettencourt Rodrigues não podia viver em Madina do Boé. Os guerrilheiros viviam nas suas bases que nós atacávamos com tropas especiais ou com Exército.
O facto de a maior parte dos quadros do PAIGC não viver em território da Guiné só prova que vivíamos em guerrilha. Não tira nem adianta à supremacia militar de ambas as partes.
Já lá vão mais de 30 anos, parece-me de mau gosto repetirmos os chavões da propaganda da Emissora Oficial da Guiné.
2 - O Graça Abreu referiu por duas vezes que tem do seu lado a maioria das opiniões, eu não venho à procura de maioria nenhuma, não venho pedir aplausos, venho pedir que me responsabilizem pelo o meu argumentário, pretendo explicar porque é que sou levado a supor que a guerra, antes do pedido de cessar-fogo decidido pelo Governo de Marcello Caetano, estava militarmente perdida na Guiné (repito na Guiné).
3 - Juro que não sei o que é que os militares portugueses, a combater na Guiné, no seu todo, pensam sobre a minha afirmação de que a guerra estava ali militarmente perdida.
Nenhum deles, que eu saiba, podia comprar ou manusear armas compatíveis com o Strella.
Os MIG já estavam em Conacri, havia quarenta pilotos do PAIGC em preparação. As nossas chefias militares sabiam. O Governo também.
Na continuação da polémica, irei abordar esta semana as relações entre a Administração Nixon e o Governo de Marcello Caetano, no período dramático de Outubro de 1973.
Prometeram o Red Eye, a resposta possível ao Strella, nunca cumpriram. Em é que os militares portugueses na Guiné podem ser responsabilizados por esta situação?
A que propósito é que eles têm que sofrer com o desfecho da guerra quando perdemos a paridade ou a supremacia? Tu não te lembras do banzé que houve na Europa e na NATO quando os soviéticos colocaram os SS-20 e SS-21 na fronteira do mundo ocidental? A resposta foram os mísseis cruzeiro, depois foi a vez dos soviéticos gritarem aqui d'el rei...
4 - Num dos próximos testemunhos, vamos pôr o Rui Patrício a falar. E não só: iremos ouvir as doutas opiniões acerca da redução de quartéis em pontos nevrálgicos da Guiné. Quanto à compra de armas, mesmo que estivéssemos em condições de comprar equipamento na candonga (Mirage, mísseis...) já não tínhamos dinheiro.
Mete isso na cabeça: no 1ª trimestre de 1974 a inflação chegou aos 30%. O Champalimaud pediu ao Spínola para intervir, os capitalistas perceberam que a usura colonial chegara ao fim.
Não sei se respondi a tudo, Amizade não me falta. Pergunta mais.
Um abraço do Mário
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Notas:
1. adaptação dos textos da responsabilidade de vb.
2. Artigos relacionados em
28 de Maio > Guiné 63/74 - P2893: A guerra estava militarmente perdida? (10): Que arma era aquela? Órgãos de Estaline? (Paulo Santiago)
27 de Maio de 2008 > Guiné 63/74 - P2890: A guerra estava militarmente perdida? (9): Esclarecimentos sobre estradas e pistas asfaltadas (Antero Santos, 1972/74)
25 de Maio > Guiné 63/74 - P2883: A guerra estava militarmente perdida ? (8): Polémica: Colapso militar ou colapso político? (Beja Santos)
22 de Maio de 2008 > Guiné 63/74 - P2872: A guerra estava militarmente perdida ? (5): Uma boa polémica: Beja Santos e Graça de Abreu
15 de Maio de 2008 > Guiné 63/74 - P2845: A guerra estava militarmente perdida ? (4): Faço jus ao esforço extraordinário dos combatentes portugueses (Joaquim Mexia Alves)
13 de Maio de 2008 > Guiné 73/74 - P2838: A guerra estava militarmente perdida ? (3): Sabia-se em Lisboa o que representaria a entrada em cena dos MiG (Beja Santos)
30 de Abril de 2008 > Guiné 63/74 - P2803: A guerra estava militarmente perdida ? (2): Não, não estava, nós é que estávamos fartos da guerra (António Graça de Abreu)
17 de Abril de 2008 > Guiné 63/74 - P2767: A guerra estava militarmente perdida ? (1): Sobre este tema o António Graça de Abreu pode falar de cátedra (Vitor Junqueira)