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segunda-feira, 4 de novembro de 2024

Guiné 61/74 - P26113: Coisas & loisas do nosso tempo de meninos e moços (31): o terror do "exame de admissão" (à escola técnica e/ou ao liceu) (Joaquim Costa, "Crónicas de paz e guerra", 2024, excerto, pp. 207/209)


Joaquim Costa (na foto à esquerda, quando miúdo): 

(i) ex-fur mil at armas pesadas inf, CCAV 8351, "Tigres do Cumbijã" (Cumbijã, 1972/74); 

(ii) membro da Tabanca Grande desde 30/1/2021, com mais de 7 dezenas de referências no blogue;

 (iii) engenheiro técnico (ISEP - Instituto Superior de Engenharia do Porto), foi professor do ensino secundário, tendo-se reformado como diretor da escola secundária de Gondomar: 

(iv) minhoto, de Vila Nova de Famalicão, vive em Rio Tinto, Gondomar, e adora o Alentejo;

 (v) tem página no Facebook;  e, por fim, e não menos importante,  

(vi) perdeu recentemente a sua querida Isabel;

 (vii) e vai lançar o seu livro "Crónicas de paz e guerra", no próximo dia 9 do corrente, sábado, às 15:00 na Biblioteca Municipal de Gondomar (*)


1.  É o relato, sucinto mas magistral, além de bem-humorada, do que era o terror, no nosso tempo de meninos e moços (**), o dia do exame de admissão ao liceu (na capital de distrito, neste caso em Braga) ou de admissão ao ensino técnico (na sede concelho, Vila Nova de Famalicão).  

O autor, Joaquim Costa, fez os dois exames, com 11 anos, em 1961 (já a guerra colonial tinha "rebentado em Angola", sobrando para a ele, mais tarde, a da Guiné, em 1972/74).  

Acabaria por entrar no ensino técnico, no ano letivo de 1961/632. 

No excerto que selecionámos, interessa-nos a primeira parte do seu depoimento, as peripécias que viveu antes de poder entrar no curso de montadores eletricistas (na sede de concelho da sua terra natal) e depois na Escola Industrial do Infante Dom Henrique, no Porto, e finalmente no Instituto Industrial do Porto (hoje, Instituto Superior de Engenharia do Porto / Instituto Politécnico do Porto). Com a tropa, pelo meio...

Enfim, um percurso escolar muito semelhante ao que muitos de nós trilhámos: recorde-se, em todo o caso, que não havia ensino técnico em todas as sedes de concelho e o ensin0 liceal era para uma minoria relativamente privilegiada, funcionando apenas nas capitais de distrito.

E ainda foi do tempo da Mocidade Portuguesa, enquanto frequentou  a escola técnica, durante 4 anos:

 "Aos sábados de manhã, equipado de calções e camisola branca com o emblema das cinco quinas ao peito, lá ia ele, contrariado, para atividades da Mocidade Portuguesa. Marchar 'contra os canhões' e cantar o seu hino: 'Lá vamos cantando e rindo, levados, levados sim'..."  (pp-. 209/210).



O terror do "exame de admissão" (à escola técnica ou ao liceu) 

por Joaquim Costa
 

Sete anos feitos,  lá vai ele conhecer a D. Natália (a fera!), carregando a sacola de serapilheira devidamente equipada: livro da primeira classe, lousa, “riscotes”, uma tabuada e uma pequena almofada de trapo velho para limpar a lousa depois de lhe cuspir.

Tal como na cateques,  as raparigas que faziam o percurso para a escola com ele, aqui desapareciam e só as voltava a ver no regresso a casa.

Aos onze anos, da sua sala, apenas ele foi para explicações para casa de uma outra professora para fazer o exame de admissão à escola técnica.

Foi na casa desta simpática professora que viu, pela primeira vez, a beleza de um pavão abrindo as suas penas coloridas em leque.

Foi também aqui que viu em direto, na televisão, a colocação da última parte do arco da Ponte da Arrábida. Meio país dizia que a “coisa” ia acabar no rio. Foi um dia em que o povo se encheu de orgulho dos seus engenheiros.

No final,  foi convidado a fazer uma redação sobre o acontecimento já que a professora tinha uma convicção muito forte que ia ser o tema do exame.

Mais convicto que a professora,  acabou por memorizar a sua redação que esta classificou de Muito Bom.

A sua convicção era tão forte que “despejou” tudo no exame sem olhar ao que lhe era pedido: foi quase ao lado, já que o pedido era uma redação sobre os Descobrimentos. Mas a redação comparava os dois extraordinários feitos!

A professora estava toda entusiasmada. Não tinha dúvidas que, depois dos dois meses de explicações, o rapaz se ia safar.

Chegado o dia, logo pela manhãzinha, ainda o galo não tinha cantado, já sua mãe lhe vestia o fato que o pai tinha mandado fazer, por medida, ao alfaiate da terra. Tudo novo: fato, camisa, gravata e sapatos. Até o cão fadista estava espantado.

Lá vai ele apanhar a carreira para a vila, metido num colete de forças, completamente desconfortável, transpirando por todos os poros e com os pés a moerem-lhe.

Chegou à vila com tonturas e enjoado, acabando mesmo por vomitar sujando o impecável fato, pois foi a primeira vez que andou de camioneta. Da vila só conhecia a feira, percurso que sempre fez a pé com a sua mãe.

Lá o levaram até ao ginásio da Escola, com dezenas de alunos sentados, e com ar de assustados, cada um na sua mesa devidamente equipada com uma pena e um tinteiro.

Uma velha professora e mal-encarada coloca na sua frente uma folha de papel,  indicando o sítio onde devia colocar o seu nome e número do bilhete de identidade.

Já com o suor a cair-lhe na folha de papel e com as mãos a tremerem, lá tentou entender-se com a pena e o tinteiro para cumprir a tarefa que lhe foi imposta.

Vai com a pena ao tinteiro e começa a tarefa. Por muito que carregasse na pena a tinta não corria.

Começou a ficar atrapalhado já que se tinha apercebido que todos tinha acabado a tarefa e ele ainda não tinha começado.

Nova ida ao tinteiro e nada. Começa a abanar a pena para ver se a tinta corria. Correu tipo ketchup, acabando por borratar toda a folha. Logo tentou limpar pelo que, obviamente, a inutilizou .

Chamou a velha e mal-encarada professora que, ao ver todo aquele estardalhaço, ainda ficou mais velha e mais feia com a cara toda vermelha de raiva. Contudo,  lá mandou limpar a mesa, tendo-lhe entregado uma nova folha e uma nova pena que felizmente deixava a tinta correr.

A prova, depois de todos estes percalços, não podia ter corrido pior.

No final, já aliviado de toda aquela odisseia, lá contou à professora o desastre que foi a sua prova. Ele estava aliviado e feliz por tudo ter acabado, mas a sua professora estava muito triste, tendo-lhe mesmo corrido uma lágrima pelo seu lindo rosto.

A professora não se resignou e convenceu o seu pai que acompanhasse um outro aluno das explicações, com familiares em Braga, a fazer o exame de admissão aos liceus. Ele e o pai acederam mais por respeito à professora, já que estava fora de hipótese, com onze anos, ir estudar para Braga. Na altura só havia Liceus nas capitais de distrito.

Lá foi ele numa de passeio, com uma roupinha lavada e mais confortável, numa “carrimpana” do pai do seu amigo até Braga, vencendo as voltas de macada onde toda a gente vomitava.

A sua professora ficou maravilhada com o seu desempenho.

Entretanto saíram os resultados e para surpresa sua e da professora tinha entrado na escola técnica. Ainda hoje não sabe os resultado do exame de admissão ao liceu. (...)

(Seleção, revisão / fixação de texto, título: LG)

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Fonte: Excerto de: "O sistema de ensino antes do 25 de Abril de 1974: caso prático. In: Joaquim Costa - "Crónicas de paz e guerra", Rio Tinto, Lugar da Palavra Editora, 2024, pp. 207/209 (Com a devida autorização do autor...)


Também disponível, a história na íntegra, na página do Facebool > Joaquim Costa > 13 de março de 2024, 11:46 > O sistema de ensino antes do 25 de abril de 1974: caso prático

Capa do livro de Joaquim Costa - "Crónicas de paz e guerra: o Minho a Tombali (Guiné)... e o Porto Por perto". Rio Tinto: Lugar da Palavra Editora, 2024, 221 pp, il. (+ de 80 fotos)


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Notas do editor:

(*) Vd.poste de 31 de outubro de 2024 > Guiné 61/74 - P26098: Lembrete (48): Biblioteca Municipal de Gondomar, sábado, dia 9 de novembro de 2024, lançamento do livro "Crónicas de Paz e Guerra" (2014, 221 pp.; posfácio de Mário Beja Santos)

quarta-feira, 9 de fevereiro de 2022

Guiné 61/74 - P22980: Blogoterapia (301): Que será feito do "Caboiana", o menino órfão que deixámos em Teixeira Pinto? (Ramiro Jesus, Fur Mil Cmd, 35ª CCmds, Teixeira Pinto, Bula e Bissau, 1971/73)

Teixeira Pinto - O Fur Mil CMD Ramiro Jesus com o "Caboiana" ao colo

 
Foto (e legenda): © Ramiro Jesus (2022).Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Mensagem do nosso camarada Ramiro Jesus (ex-Fur Mil Comando da 35.ª CComandos, Teixeira Pinto, Bula e Bissau, 1971/73), com data de 8 de Fevereiro de 2022:

Boa-tarde, camaradas.

Por estes dias, ao ler o Cherno Baldé, avivou-se-me a memória, tantas vezes repetida nas últimas cinco décadas, acerca de uma criatura especial, das muitas de que me tenho lembrado, depois da minha passagem e regresso da Guiné.

Pois é, como todos que por ali passámos, e apesar das condições em que o fizemos - que não eram propriamente de confraternização com os seus naturais - houve sempre alguém daquela população civil ou outros militares e para-militares com os quais cada um de nós foi convivendo e que, em cada caso, ao deixá-los, foi criada em cada um de nós (julgo eu) uma certa carga nostálgica, agravada pelos desenvolvimentos posteriores à passagem de soberania. 

No meu caso, recordo muitos dos que pertenceram às três Companhias de Comandos Africanos, tantos deles cujos nomes fui encontrando nos jornais, que foram relatando o fim trágico a que foram sujeitos logo depois da independência e outros que, tendo escapado aos fuzilamentos, às vezes ainda aparecem em algumas reportagens.

Mas há um caso muito especial, como disse inicialmente, que me veio à memória com mais vigor: é o Caboiana, que me acompanha na pobrezinha foto que anexo.

Pois é, este menino, de que ninguém sabia o nome e nem ele (por ser bebé), era um "prisioneiro" de guerra, que nos foi entrgue pela Companhia - a 26.ª CC - que rendemos em Teixeira Pinto, e que o tinha trazido de uma operação na Caboiana (uma daquelas zonas que o PAIGC chamava libertadas), em que a pobre mãe, com ele, tinha caído numa emboscada em que perdeu a vida. 

Quando, em Fevereiro de 1973, deixámos aquela terra, deixámo-lo também a ele. Pergunto-me então:

Quem o terá criado?
Que nome lhe terão dado?
Como terá sido a sua vida?
Onde estará agora?
E... sei lá mais o quê?!

Nada sei. E sinto uma espécie de angústia.

Um abraço
Ramiro Jesus
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Nota do editor

Último poste da série de 25 DE JANEIRO DE 2022 > Guiné 61/74 - P22939: Blogoterapia (300): O tempo passa, mas as suas marcas ficam (António Eduardo Ferreira, ex-1.º Cabo CAR da CART 3493)

terça-feira, 10 de março de 2020

Guiné 61/74 - P20720: (De)Caras (147): O que é feito destes 'putos-soldados' da CART 11 e da CCAÇ 12 ? (Valdemar Queiroz)


Guiné > Região de Bafatá > Contuboel > CIM - Centro de Instrução Militar > Março de 1969 > Recruta dos futuros soldados das futuras CART 11 e da CCAÇ 12 > Samba Baldé (Cimba), nº mec 82110969... Futuro Ap Metr Lig HK 21, 3º Gr Com 3º Gr Comb [Comandante: alf mil inf 01006868 Abel Maria Rodrigues [, bancário reformado, Miranda do Douro], 1ª secção [fur mil at inf Luciano Severo de Almeida, já falecido]...  De origem fula.


Guiné > Região de Bafatá > Contuboel > CIM - Centro de Instrução Militar > Março de 1969 > Recruta dos futuros soldados das futuras  CART 11 e da CCAÇ 12 > Salu Camara, nº mec 82103469. Provavelmente de origem futa.fula. Integrou a CART 11.


Guiné > Região de Bafatá > Contuboel > CIM - Centro de Instrução Militar > Narço de 1969 > Recruta dos futuros soldados das futuras  CART 11 e da CCAÇ 12 >  Sori Baldé, nº mec 82111069,  De origem futa. Integrou a CCAÇ 12, como sold at inf. Pertenceu O 4 º Gr Comb [, comandante: alf mil  at cav  10548668 José António G. Rodrigues, já falecido, vivia em Lisboa], 3º secção [1º Cabo 00520869 Virgilio S. A. Encarnação, vive em Barcarena]... [O Valdemar Queiroz identifica-o, erradamente, como sendo o Tijana Jaló, esse sim, devia pertencer à CART 11, mas com outro nº mecanográfico... Estou bem recordado do Sori Baldé, um dos meus soldados, quando estive no 4º Gr Comb.]


Guiné > Região de Bafatá > Contuboel > CIM - Centro de Instrução Militar > Março de 1969 > Recruta dos futuros soldados das futuras CART 11 e da CCAÇ 12 > Mamadu Jaló, nº mec 821179669, De origem futa. Integrou a CCAÇ 12, como sold arvorado. . Pertenceu ao 1 º Gr Comb 3ª secção [, fur mil at inf 19904168 António Manuel Martins Branquinho, reformado da Segurança Social, Évora, já falecido]


Guiné > Região de Bafatá > Contuboel > CIM - Centro de Instrução Militar > 1º trimestre de 1969 > Recruta dos futuros soldados das futuras CART 11 e da CCAÇ 12 > Alceine Jaló, nº mec 82114669, De origem futa ou futa-fula. Pertenceu à CART 11.

Fotos (e legendas): © Valdemar Queiroz (2020). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


Guiné > Zona leste > Região de Bafatá > Contuboel > CIM - Centro de Instrução Militar  > c. março / abril de 1969 > CART 2479 / CART 11 (1969/70) > > O Valdemar Queiroz, com os recrutas Cherno Baldé, Sori Baldé e Umarau Baldé (que irão depois para a CCAÇ 2590 / CCAÇ 12).

Estes mancebos aparentavam ter 16 ou menos anos de idade. Eram do recrutamento local. Os da CCAÇ 12 eram fulas, oriundos do chão fula e em especial dos regulados do Xime, Corubal, Badora e Cossé.

Foto (e legenda): © Valdemar Queiroz (2014). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Mensagem do Valdemar Queiroz [ex-fur mil, CART 2479 / CART 11, Contuboel, Nova Lamego, Canquelifá, Paunca, Guiro Iero Bocari, 1969/70]


Data: terça, 5/11/2019, 23:22

Assunto: O que será feito dos 'Putos-Soldados' do CIM de Contuboel

O que será feito dos 'Putos-Soldados'?

Passaram 50 anos que muitos 'putos' foram chamados prá tropa e receberam instrução militar em Contuboel-

Alguns apresentaram-se descalços, com as suas roupas usadas habituais e notava-se que eram muito jovens, mas diziam que tinham 18 anos.

Soube-se mais tarde que houve situações de recrutamento forçado, mas na maioria apareceram com vontade ser soldados. 'Manga de ronco' e 'manga de patacão' que lhes iria acontecer.

Não sabemos, eu não sei nem me lembro de contarem, como foram contactados e por quem (régulo/chefe de tabanca), e se lhes foi dito que iriam ser soldados para entrarem directamente na guerra, que eles já tão bem conheciam.

Não sei se vieram assentar praça, como um serviço militar obrigatório se tratasse, com a diferença de serem ainda menores, ou como uma espécie de voluntariado forçado (ideias de Spínola a fazer lembrar o recrutamento de crianças pelos nazis no final da guerra?).

E assim se formaram a CART.11 e a CCAÇ.12.

Também não soubemos se queriam ser soldados para fazerem guerra contra os 'bandidos' ou para ajudar (como já acontecera em séculos anteriores) os portugueses na guerra contra, neste caso, o PAIGC que queria a independência da Guiné.

Mas, a guerra acabou. Felizmente a guerra acabou.

Os 'putos-soldados' deixaram de ser soldados do Exército Português e passaram, automaticamente, à peluda da sua desgraça. Muitos houve que fugiram para não serem sumariamente executados, muitos outros não tiveram essa sorte e foram assassinados, os restantes resignaram-se voltando, já homens, às suas tabancas para serem o que já tinham sido. Foi sempre assim quando acabam as guerras.

E passados 50 anos o que será feito daqueles que conseguiram sobreviver?

Os que eram mais jovens devem ter, agora, 66/67 anos de idade. O que será feito deles?

Julgo que eram todos Fulas e maioritariamente eram das regiões de Gabu/Piche, os da CART.11, ou de Bambadinca/Xime, os da CCAÇ.12.

O Alceine Jaló era do meu Pelotão, casou-se muito novo com uma bajuda (Saco ou Taco?) e levou-a com ele para Guiro Iero Bocari. As mulheres e os filhos dos nossos soldados também dormiam connosco nas valas e aí aguentavam quando havia ataques à tabanca.

O que será feito deles?

Gostava muito de saber deles e peço um favor muito especial ao nosso grande amigo Cherno Baldé de tentar saber se eles ainda são vivos.

Como curiosidade com os 'putos', havia quatro soldados arvorados, e frequentavam a escola de cabos, em cada Pelotão sendo a escolha feita entre eles e um da nossa escolha. Dos quatro do meu Pelotão o da nossa escolha recaiu no Saliu Jau por ser impecável, mas deu algum recusa por parte dos restantes por o considerarem 'ser djubi mesmo pra cabo'.

Valdemar Queiroz

PS - Anexo fotos de alguns 'putos-soldados' , falta a do Umaru Baldé, talvez o 'puto mais puto', e que me foi oferecida quando estive com ele na Amadora.


2. Resposta do editor Luís Graça:

Valdemar, folgo em saber de ti... E obrigado pela tua "lembrança"... Reconheço estes putos ou pelo menos três, os que pertenceram à CCAÇ 12, e que fizeram a guerra comigo (*)...

Quanto ao Umaru Baldé [c. 1953-2004), o "menino de sua mãe", tens aqui uma foto dele, à direita... Ele tem mais de vinte referências no nosso blogue. 

Soldado do recrutamento local, nº 82115869, tirou a recruta e a especialidade no CIM de Contuboel. Foi exímio apontador de morteiro 60, soldado arvorado e depois 1º cabo at inf  da CCAÇ 12 (1969-1972), no 4º Gr Comb,  3ª secção [, comandada pelo fur mil 11941567 António Fernando R. Marques: DFA, vive em Cascais, empresário reformado, membro da nossa Tabanca Grande].

O Umaru Baldé [, que era de Dembatacpo ou Taibatá, tendo sido  recrutado em 12/3/1969], foi depois colocado,em 1972,  em Santa Luzia, Bissau, no quartel do Serviço de Transmissões, onde ficou até ao fim da guerra. Conheceu, em mais de metade da vida, a amargura e a solidão do exílio. Veio morrer a Portugal, no Hospital do Barro, Torres Vedras. Contou apenas com o apoio e a ajuda de alguns dos seus antigos camaradas de armas.

Valdemar: se me mandaste,  em tempos, este material que agora se publica , ficou para aí na "picada"... Vá temos falado sobre este tema, que nos é caro, a nós os dois (**).

Afinal, fomos instrutores destes putos, no CIM de Contuboel e eles estiveram sob as nossas ordens na guerra, tu na região de Gabu, setor de Nova Lamego, eu na  região de Bafatá, setor L1 (Bambadicna) Foram extraordinários soldados e grandes camaradas, estes "meninos-soldados" (***).

Vamos ver se alguém mais se recorda destes nossos putos, "meninos de sua mãe", parafraseando o título de um extraordinário, pungente, poema de Fernando Pessoa.

3. Aproveito para reproduzir aqui um comentário meu que já tem 14 anos, sobre  "a lista dos Baldés" da CCAÇ 12, e que volto a subscrever: eram 100 os "baldés", que foram integrados na CCAÇ 2590 / CCAÇ 12, muitíssimos poucos estarão vivos hoje, talvez menos de 5%  (****):

(...) É também um pequeno, modestíssimo, gesto de elementar justiça para com aqueles guineenses que lutaram ao nosso lado, que fizeram parte da CCAÇ 12 e, portanto, da nova força africana com que sonhou Spínola e que tanto atemorizou o PAIGC. Infelizmente, uma parte deles (quantos, exactamente?) já não hoje estarão vivos. Uns foram fuzilados, como o Abibo Jau (...), outros terão morrido de morte natural, que a sua esperança de vida era muito menor que a nossa, em 1969...

Eu estou à vontade para publicar esta lista: sempre critiquei a africanização da guerra da Guiné, embora longe de imaginar que, no dia seguinte à nossa retirada, começasse a caça aos traidores, aos contra-revolucionários, aos mercenários, aos colaboracionistas... 


Em 1969, ainda estava vivo o Amílcar Cabral e eu admirava-o, intelectualmente... Achava que na Guiné, depois da independência, tudo seria diferente, e não aconteceriam os ajustes de contas que se verificaram noutras revoluções ou guerras civis, na Rússia, na China, na Espanha franquista, na França depois da libertação, etc. Pobre de mim, ingénuo...

Mas, por outro lado, também fui cúmplice da sua integração no nosso exército: mesmo sendo de da especialidade de armas pesadas, e não fazer parte formalmente de nenhum dos quatro grupos de combate da CCAÇ 12, participei em muitas das operações em que estes participaram, fui testemunha da sua coragem e do seu medo, dormi com eles nas mais diversas situações, incluindo nas suas tabancas... Foram meus camaradas, em suma.

Soldados ex-milícias, a maior parte com experiência de combate, os nossos camaradas guineenses da CCAÇ 12 (originalmente, CCAÇ 2590), eram oriundos do chão fula e em especial dos regulados do Xime, Corubal, Basora e Cossé, com excepção de um mancanhe, oriundo de Bissau.

“Todos falam português mas poucos sabem ler e escrever", lê-se na história da CCAÇ 12 (O que só verdade, 21 meses depois de os termos conhecido e instruído em Contuboel, em junho e julho de 1969). Foram incorporados no Exército como voluntários, acrescentou o escriba, para branquear a insustentável situação dos fulas, condenados a aliarem-se aos tugas. (...)

___________



(***) Último poste da série > 12 de fevereiro de  2020 > Guiné 63/74 – P20644: (De) Caras (119): Um pequeno texto, cuja essência teve o BLOGUE na sua concepção (António Matos)

domingo, 29 de julho de 2018

Guiné 61/74 - P18878: (D)o outro lado do combate (35): a doutrina do PAIGC no recrutamento de jovens combatentes para as suas fileiras (Jorge Araújo)



Citação: (1963-1973), "Jovens recrutados pelo PAIGC durante a instrução militar", CasaComum.org, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_43870 (2018-7-20), com a devida vénia.


Citação: (1963-1973), "Jovens recrutados pelo PAIGC durante instrução militar", CasaComum.org, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_43874 (2018-7-20), com a devida vénia.


Citação: (1963-1973), "Jovens da Milícia Popular do PAIGC", CasaComum.org, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_43128 (2018-7-20), com a devida vénia.




Jorge Alves Araújo, ex-Furriel Mil. Op. Esp./RANGER, CART 3494 
(Xime-Mansambo, 1972/1974); coeditor do nosso blogue


GUINÉ: (D)O OUTRO LADO DO COMBATE > A DOUTRINA DO PAIGC NO RECRUTAMENTO DE [JOVENS] COMBATENTES PARA AS SUAS FILEIRAS



1. INTRODUÇÃO


A propósito da existência de crianças/meninos-soldados, tema apresentado nos últimos dois postes - P18855 e P18858 - (*), não acredito que haja alguém neste nosso planeta, mesmo que se considere pouco informado, que possa afirmar desconhecer este fenómeno, tantos são os exemplos [imagens] que frequentemente nos chegam dos países, ou das regiões, onde se desenvolvem conflitos armados.

Com outras palavras, mas com igual sentido do parágrafo anterior, partilho convosco a reflexão do Doutor Fernando Nobre, autor do prefácio do livro «Meninos Soldados», do jornalista e professor americano Jimmie Briggs, editado pela Caleidoscópio em 2008, pp. 224 [obra que se encontra esgotada]. Diz ele: 


"Este livro tenta aprofundar a nossa compreensão para este terrível fenómeno que tem aumentado dramaticamente nas últimas décadas. Retrata o uso de crianças como soldados nos conflitos armados, tanto pelos governos como por guerrilhas militares em diversos lugares do mundo: Ruanda, Colômbia, Sri Lanka, Uganda e Afeganistão. As crianças são vítimas das maiores atrocidades e contam, na primeira pessoa, o que são obrigadas a fazer e o sofrimento por que passam às mãos destes grupos. A grande força do livro recai na forma como histórias das crianças são usadas para ilustrar o problema das meninos-soldados: como são recrutadas – incluindo recrutamento voluntário, rapto, coerção, etc. Expõe também as deficiências no sistema das Nações Unidas para evitar situações como estas.


"Falar das crianças-soldados é falar de uma das novas formas de escravatura e de um dos maiores insultos à consciência e ética humanas. É falar também do profundo sentimento de horror e de medo em que vivem estas crianças – os rapazes como carne picada para as metralhadoras e as minas; as meninas como carne para sexo em permanente disposição – quase sempre raptadas às suas pobres e indefesas famílias ou fugidas da sua miséria, da sua falta de esperança, da sua orfandade de pais e de humanidade". (Dr. Fernando Nobre).


De referir, como nota biográfica, que Fernando Nobre nasceu em Luanda em 1951. aí permanecendo até 1964, ano em que foi viver para o Congo Belga. Em 1967 mudou-se para a Bélgica onde se licenciou e doutorou em Medicina como especialista em Cirurgia-Geral e Urologia na Universidade Livre de Bruxelas. Iniciou a sua vida profissional no Serviço de Cirurgia-Geral e Urologia do Hospital Universitário de Bruxelas, tendo lecionado, como assistente, as disciplinas de Anatomia e Embriologia.

Também na Bélgica iniciou a sua colaboração com os Médicos Sem Fronteiras, de que foi membro e administrador. Regressado a Portugal, fundou em 1984 a Assistência Médica Internacional (AMI), organização não-governamental. Através da AMI participou como cirurgião em mais de duzentas e cinquenta missões de estudo, coordenação e assistência humanitária em cerca de setenta países. É professor catedrático convidado da Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa, e noutras universidades privadas [Fonte: https://pt.wikipedia.org/wiki/Fernando_Nobre, com a devida vénia].


Fonte: https://www.emaze.com/@ATCZQIR, com a devida vénia


2. A DOUTRINA DO PAIGC NO RECRUTAMENTO DOS SEUS [JOVENS] COMBATENTES


Recordo, neste ponto, que utilizei uma imagem (com mais de quatro décadas) de um menino-soldado-menino, do álbum do médico holandês Dr. Roel Coutinho, para enquadrar "A logística nas evacuações dos feridos do PAIGC na Frente Norte: um itinerário até ao hospital de Ziguinchor (Senegal)", título dado à narrativa do P18848. Para melhor conhecer este processo, ou a filosofia que o suporta, segui em frente na busca de novos elementos. (**)

A fonte privilegiada continuou a ser a «Casa Comum – Fundação Mário Soares» e o vasto espólio existente nos arquivos de Amílcar Cabral (1924-1973). A consulta foi, com efeito, bem-sucedida, pois aí encontrámos, escrito em francês, um questionário (ultra secreto) estruturado com 17 (dezassete) perguntas [e um outro com as respostas], em que a primeira é: «modo de recrutamento dos combatentes», com a seguinte classificação:

"Pasta: 07069.111.003. Título: Questionário destinado ao PAIGC sobre o modo de recrutamento dos seus combatentes. Assunto: Questionário destinado ao PAIGC sobre o modo de recrutamento dos seus combatentes. Data: s.d. Observações: Doc. incluído no dossier intitulado Relações com a Guiné-Conacri / Senegal 1960-1970. Fundo: DAC – Documentos Amílcar Cabral. Tipo Documental: Documentos". 

2.1. RESPOSTAS AO QUESTIONÁRIO (ULTRA SECRETO) DESTINADO AOS GOVERNOS DA GUINÉ-CONACRI E SENEGAL

[com tradução do francês da nossa responsabilidade]


1. - Modo de recrutamento dos Combatentes?

R. – Os combatentes são recrutados nas diferentes zonas constantes na organização territorial do nosso Partido. "Tomamos o pulso" [sinalizamos], no seio da maioria do campesinato, militantes do Partido.

2. – Qual é a idade mínima dos Combatentes?

R. – 17 a 35 anos.

3. – Eles são militantes ou simpatizantes do PAIGC?

R. – Militantes.

4. – Qual é o nível de formação política dos Combatentes?

R. – O nível político é variado. Mas a quase totalidade dos combatentes-militantes devem conhecer muito bem os objectivos do nosso Partido, preocupados com o Partido e com África, e estarem conscientes quanto à natureza particularmente difícil da nossa luta de libertação nacional. Um grande Partido de militantes, camponeses e operários, recebem uma preparação política nas bases do Partido.

5. – Qual é o nível de formação física dos Combatentes?

R. – Habituados ao trabalho do campo, os combatentes são no geral muito bem constituídos. Aqueles que frequentam regularmente as bases militares do Partido recebem uma preparação física para a luta.

6. – Qual é o nível intelectual mínimo dos Combatentes?

R. – O nosso país herdou do colonialismo uma percentagem de 99% de analfabetos e a maioria que teve a oportunidade de aprender a ler está concentrada nas cidades. Esta situação está presente no seio dos nossos combatentes.

7. – Que nível é preciso dar aos Combatentes?

R. – O nível de um combatente de base, poderá utilizar armas ligeiras. 

8. – Que especialidades é preciso ensinar?

R. – Armamento pesado, anti-aéreas, reparação de armas, mecânico militar, telecomunicações e de outras consideradas necessárias.

9. – No final do estágio pretendem utilizar os Combatentes numa Unidade existente ou isoladamente?

R. – Os combatentes serão preparados de modo a serem incorporados no nosso Exército Popular que, com os guerrilheiros e as milícias populares, formam as Forças Armadas Revolucionárias do Povo (FARP). O exército regular utilizará, no entanto, as tácticas da guerrilha, em coordenação com os outros elementos das FARP.

10. – Efectivos a formar em cada estágio?

R. – 500 homens, correspondente a uma secção do nosso exército popular.

11. – Número de estágios por ano?

R. – No mínimo dois estágios, se o efectivo for de 500, ou três estágios se for de 250.

12. – Gostariam de propor um programa de instrução de base e de especialidade?

R. – Nós gostaríamos de discutir oportunamente este assunto com os nossos irmãos guineenses [Guiné Conacri]. Tendo em conta a experiência referente às lutas de libertação nacional, bem conhecidas dos nossos irmãos guineenses, estamos contudo convencidos que os problemas não encontrarão dificuldades.

13. – Gostariam de separar os quadros militares e políticos nos Centros (Professores, Intérpretes)?

R. – Nós preferimos não dividir os quadros da luta pelos centros. Em caso de necessidade, nós o faríamos por um número reduzido de centros. Mas estamos convencidos que os professores guineenses são suficientes para preparar os nossos combatentes, porque eles estão sempre em contacto com a direcção do Partido.

14. – Qual é a base da alimentação dos Combatentes?

R. – Arroz, peixe, carne, óleo de palma e amendoim.

15. – Em zona operacional, o Combatente recebe uma remuneração? Quanto?

R. – Não. 

16. – No centro de instrução deve receber uma remuneração?

R. – Não. Poder-lhe-ia ser, eventualmente, atribuído um subsídio para o tabaco [em folha] ou cigarros. 

17. – Como encaram a participação das mulheres na luta?

R. – A mulher pode assumir as funções que estejam ao nível da sua capacidade em cada caso concreto. As mulheres já participaram várias vezes nos nossos combates. Elas estão, na maioria das vezes, incluídas nas milícias populares, na polícia, nas tarefas de combatentes-enfermeiras, etc.


2.2. DOCUMENTOS ORIGINAIS


.Citação: (s.d.), "Questionário destinado ao PAIGC sobre o modo de recrutamento dos seus combatentes", CasaComum.org, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_41566 (2018-7-20), com a devida vénia.



Citação: (s.d.), "Respostas ao questionário sobre o modo de recrutamento dos combatentes do PAIGC", CasaComum.org, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_41571 (2018-7-20), com a devida vénia.

Obrigado pela atenção.

Um forte abraço de amizade com votos de muita saúde.

Jorge Araújo.

21JUL2018.
___________

Notas do editor:

(*) Vd. postes de:

quarta-feira, 18 de julho de 2018

Guiné 61/74 - P18855: (De) Caras (113): "Meninos-soldados" ? Os do PAIGC, os da CCAÇ 12...



Foto nº 1 > Wikimedia Commons > ASC Leiden > Coutinho Collection > C40 > Walk from Candjambary to Sara > Guinea-Bissau > Military escort with rifle during trip [Militar – criança-soldado? – do PAIGC, armado de Kalashnikov (AK-47), durante uma escolta]. (*)

Foto de Roel Coutinho (1974),  da série PAIGC Military, Guinea-Bissau, Coutinho Collection 1973-1974 (com a devida vénia...).



Foto nº 2 > Guiné > Zona leste > Região de Bafatá > Contuboel > 1969 > CART 2479 / CART 11 (1969/70) > > O Valdemar Queiroz, com os recrutas Cherno, Sori e Umarau Baldé  (que irão depois para a CCAÇ 2590 / CCAÇ 12). Estes mancebos aparentavam ter 16 ou menos anos de idade. Eram do recrutamento local.

Foto (e legenda): © Valdemar Queiroz (2014). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Estas duas fotos podem querer sugerir que tanto o PAIGC como nós usámos "crianças" na guerra... Pontualmente ? Em maior ou menor escala ?

Eu, o Valdemar Queiroz, o António Marques e outros camaradas que integram a nossa Tabanca Grande, que estivemos a dar instrução, entre abril  e julho de 1969 (eu só entre junho e julho de 1969),  a mancebos que depois foram integrar as futuras CART 11 / CCAÇ 11 e CCAÇ 12, sabíamos da existência de "djubis", de idade mal definida, recrutados com 16 anos ou menos anos de idade, "meninos de sua mãe" que depois se fizeram bravos soldados... 

Comentei, por outro lado, que achava estranho que um médico europeu, holandês, como o dr. Roel Coutinho, embora jovem e em "missão humanitária", não se tenha percebido, em 1973 e 1974, da utilização de meninos-soldados por parte do PAIGC (, pelo menos em escoltas militares, na evacuação de feridos...) e não tenha alertado para (ou  denunciado) esse facto... 

Em Contuboel, no Centro de Instrução Militar de Contuboel, também nenhum de nós se "apercebeu" dessa situação, ou "apercebeu-se" mas não lhe deu importância... Afinal, com mais meia dúzia de anos, nós também éramos "meninos.de sua mãe", à espera do batismo de fogo... Os nossos soldados do recrutamento local não tinham cédula pessoal nem bilhete de identidade, como era normal na África colonizada pelos europeus... Confiávamos nos recrutadores, nos régulos e nos chefes de posto... EmPortugal, nas Forças Armadas Portugueses só se aceitavam voluntários com a idade legal mínima de 16 anos....

O militar da foto nº 1, armado de Kalash, é uma criança, um adolescente!...O nosso editor Jorge Araújo ainda pôs um ponto de interrogação...   Infelizmente é uma situação em todas as guerras, e ainda hoje,  em especial em África... Naquela época, nós fechámos os olhos a casos como o do Umaru Baldé (**) e outros (o Cherno, o Sori...) e o PAIGC terá feito  o mesmo... Tudo o que vinha à rede era peixe... Ou, como diz o nosso povo, "o trabalho do menino é pouco, mas quem não o aproveita é louco",,,  (LG) (***)
_____________

Notas do editor:

(*) Vd. poste de 15 de julho de 2018 > Guiné 61/74 - P18848: (D)o outro lado do combate (34): A logística nas evacuações dos feridos do PAIGC na Frente Norte: um itinerário até ao hospital de Ziguinchor (Jorge Araújo)

(**) Vd. poste de 26 de setembro de 2016 > Guiné 63/74 - P16525: (In)citações (100): As outras cartas da guerra... Do Umaru Baldé, da CART 11 e CCAÇ 12, para o Valdemar Queiroz (Parte I): "Filho único e menino, minha mãe chorou quando, em 12 de março de 1969, alferes me foi buscar a Dembataco para defender a pátria portuguesa"


[Carta sem data nem local, tem a foto do Umaru Baldé ao canto superior esquerdo]

AMOR NUNCA ACABA

Amor nunca acaba,
ninguém esquece dos passados ceja [seja] bem ou de mal,
eu me lembro de dia 12 de março de [19]69, quando foi [fui]
chamado para [a] vida militare [militar] Portugues[a]. 


Na verdade eu tinha pouco[s] anos de idade e eu era
único filho de o meu pai, e na verdade minha Mamãe
revoltou[-se], disse que eu não tenho [tinha] idade para ir na guerra, mas a pena [é que] Alferes que tinha vindo para nos levar, não podia ouvir esta revolta, Alferes disse-nos todos somos Portugueses, saímos [de] muito longe para defender [a] Pátria Portuguesa, antão [então], para povo saber que [em] Portugal não há raça nen [gente] de cores, todos [todo] cidadadão tem que ir cumprir serviço militar português.

Minha mamãe chorou, disse ai, meu Deus, tenho meu filho único
que vai me deixar para ir morrer na guerra. 

Esta data era[foi] dia  de tristeza i [e] lágrimas para [o] povo de Demba Taco e Taibatá, na  verdade ficámos até às 4 horas das tarde [até] entramos no [bas] viaturas militares para Bambadinca.

Eu com a pouca idade que eu tinha, o que podia fazer ? Todo como homem, que sou, quando foi [fui] na recruta [em Contuboel], foi [fui] o melhor apontador de morteiro 60 [...] Depois,  na especialidade foi [fui] levado para mesmo na primeira companhia [que] foi na CCAÇ 2590 [/] CCAÇ 12] onde nunca esqueço [o] sufrimento [sofrimento] que sofri para [pela]
Minha Pátria Portuguesa, na Guiné Portuguesa.

Na verdade, [em] dois anos e alguns meses que fez [fiz] como operacional, fez [fiz] 78 operações no mato do Xime, [na] zona do Xitole e até [em] Medina [Madina] do Boé, ao lado de Ganjadude [Canjadude]. Na minha companhia,  durante dois anos só sofremos 5 soldados [mortos], 4 pretos e um vranco [branco].
Depois fui transferido para Bissau como primeiro cabo, onde fui colgado [colocado] no comando das transmissões [, quartel de Santa Luzia,] até ao fim de[da] guerra em 1974. [...]




(***) Último poste da série > 13 de julho de  2018 > Guiné 61/74 - P18843: (De) Caras (115): O João Rocha (1944-2018), em Bissau e em Brá, nos primeiros tempos do BCAÇ 2852 (Bambadinca, 1968/70) (Fernando Calado)

sexta-feira, 25 de novembro de 2016

Guiné 63/74 - P16759: O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande (107): meninos do Xime: a Sene Sancó era minha prima porque a irmã mais nova da minha mãe era madrasta dela e a tia dela (irmã mais nova do pai dela) era minha madrasta (José Carlos Mussá Biai, engenheiro florestal, Lisboa)



1. Mensagem do José Carlos Mussá Biai, "menino do Xime" em 1970, hoje engenheiro florestal radicado em Lisboa, membro da nossa Tabanca Grande desde a primeira hora:

Data: 25 de novembro de 2016 às 13:39

Assunto: fotos de José Nascimento e Domingos Fonseca

Olá, Luís, viva
Foto nº 1

O pai da minha prima Sene Soncó, chamava-se Ansu Soncó, nunca foi picador, era mais ou menos da idade do meu pai.

O meu pai tinha um irmão (do mesmo pai e mãe),  de nome Mancaman,  e um primo-irmão (os pais é que são dois irmãos) com o mesmo nome. Foi este último que era picador, o Mancaman Biai.

A Sene era minha prima porque a irmã mais nova da minha mãe era madrasta dela e a tia dela (irmã mais nova do pai dela) era minha madrasta.

O meu irmão que casou com ela era o Fodé Biai,  o primeiro a contar da direita para esquerda nesta foto do Domingos Fonseca [foti nº 1].

Um abraço e bom fim de semana,
Zé Carlos

Foto nº 2 

2. Pergunta anterior do editor:

Zé Carlos:
O pai da tua prima Sené Sancó era o picador e guia que aparece na foto [nº 2]? Se sim, era o teu tio Mancaman Biai ? Ou a Sene era tua prima pelo lado materno, da tua mãe? Donde lhe vinha o apelido Sancó? E qual dos teus irmãos casou com ela ? [oto nº 1]... 

quarta-feira, 23 de novembro de 2016

Guiné 63/74 - P16754: O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande (106): meninos do Xime: numa foto de 1970, do José Nascimento, da CART 2520, vejo agachada a minha prima Sene Soncó, que depois viria a casar com um irmão meu que cumpriu serviço militar em Farim... Infelizmente, ambos já faleceram (José Carlos Mussá Biai, engenheiro florestal, Lisboa)


 Foto nº 1 A >  Guiné > Zona leste > Setor L1 >  Ao centro, a menina Sene Soncó



Foto nº 1 > Guiné > Zona leste > Setor L1 > Xime > CART 2520 > c. 1970 > Da esquerda paar a direita, de pé, fur Renato Monteiro, um dos picadores e o fur José Nascimento... Em baixo, "meninos do Xime", entre os quais a menina Sene Soncó, prima e cunhada do nosso amigo José Carlos Mussá Biai, que podia perfeitamente estar nesta foto, já que vivia nessa  altura no Xime...

 [O Zé Carlos é membro, da primeira hora, da nossa Tabanca Grande, vive hoje em Portugal onde se formou em engenharia florestal, trabalhando na Direção-Geral do Território (DGT), Direção de Serviços de Informação Cadastral (DSIC), Divisão de Cadastro Geométrico da Propriedade Rústica (DCG), Rua Artilharia Um, nº 107, 1099 - 052 Lisboa, tel. 21 381 96 00].


Foto (e legenda): © José Nascimento (2016). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]




Foto nº 2 > Guiné-Bissau > Região de Bafatá > Xime > 1/10/2006 > Os "minos do Xime", na escola primária, mais de 35 anos depois...


Foto nº 3 > Guiné-Bissau > Região de Bafatá > Xime > 1/10/2006 >  Rua principal


Foto nº 4 > Guiné-Bissau > Região de Bafatá > Xime > 1/10/2006 > Grupo de antigos combatentes que estiveram ao lado das NT durante a guerra colonial...Entre eles, dois irmãos e um primo do José Carlos Mussá Biai, membro da nossa Tabanca Grande.. (*)


Fotos (e legendas): © Domingos Fonseca  / AD - Acção para o Desenvimento, Bissau (2006). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Mensagem do nosso amigo, natural do Xime. José Carlos Mussá Biai, com data de hoje

Olá,  Luís, viva

Mais uma vez fui surpreendida pela riqueza deste nosso Blog. (**)

Nesta fotografia tirada pelo camarada José Nascimento,  da CART 2520, vejo agachada a minha prima Sene Soncó, que depois casou com um irmão meu que cumpriu serviço militar em Farim. (***)

Ambos, infelizmente já faleceram. Sene há poucos anos e o meu irmão faleceu no dia 27 de julho de 2016, vítima de alergia a um medicamento qualquer que lhe foi receitado no hospital.


Um abraço,

Zé Carlos

_________________

Notas do editor:

(*) Vd. poste de 20 de janeiro de 2006 > Guiné 63/74 - P441: Estou emocionado (J.C. Mussá Biai)

(...) Estou emocionado!...

 (...) As fotos falam por si. Os locais por onde brinquei, onde dei alguns mergulhos... Melhor, ainda as pessoas que me viram nascer, que cuidaram de mim e com quem partilhei refeições, angústias e alegrias. Estou a referir-me aos meus irmaõs mais velhos (sim, meus irmãos de sangue) e de um primo-irmão dos quais lhe falei.

Os meus irmãos são, Fodé Biai, o primeiro a contar da direita para a esquerda e Bacar Biai, o segundo na mesma ordem e Malam Mané, o quarto, dos que estão de pé.

O Fodé e o Malam cumpriram o serviço militar em Farim e depois Bissau, sendo o Malam depois transferido para Bambadinca. O Bacar sempre esteve em Xime.

(...) O curioso de tudo isso, quem tirou as fotografias é um colega meu, o Domingos Fonseca, trabalhei junto com ele na Escola do Ensino Básico Preparatório Amizade Guiné Bissau - Suécia, em Bissau. Ele leccionava a língua portuguesa e eu matemática, antes de ele ir tirar o curso de engenheiro técnico agrário na Argélia. Estive com ele no ano 2000 em São Domingos onde ele estava como responsável de AD." (...)