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segunda-feira, 7 de março de 2022

Guiné 61/74 - P23054: Memórias do Chico: Refugiado na sua própria terra durante a guerra civil de 1998/99: 200 km e oito dias de aflição, entre Bissau e Fajonquito (Cherno Baldé) - III (e última) Parte: 14-15 de junho de 1998, "lar, doce lar"...


Guiné > Região de Bafatá > Contuboel > Centro de Instrução Militar de Contuboel > CCAÇ 2479 / CART 11 (1968/69) > Um instruendo, de etnia fula, cuja identificação se desconhece (mas parece ser uma cara "familitar", a de futuro soldado da CCAÇ 12) ... A placa rodoviária assinala alguns das povoações, mais importantes, mais próximas, anorte: Ginani (17 km), Talicó (22 km), Canhamina (27 km), Fajonquito (30 km), Saré Bacar (39 km), Farim (96 km)...
 
Foto (e legeenda) © Renato Monteiro (2007). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


Guiné > Zona Leste > Região de Bafatá > Fajonquito > c. 1972/74 > Rua principal de Fajonquito. Foto do álbum do José Cortes, ex-Fur Mil At Inf (CCAÇ 3549, Fajonquito, 1972/74 

Foto (e legeenda) © José Cortes (2010). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


RECORDAÇÕES DA GUERRA DE BISSAU,
O CONFLITO POLITICO-MILITAR DE 7 DE JUNHO DE 1998


III (e Última) Parte - De 14 a 15 de junho de 1998:  
De Bafatá a Fajonquito


por Cherno Baldé (*)


8º dia, 14 de junho, domingo, Bafatá: recordações dos tempos de estudante e da OPAD - Organização Pioneiros Abel Djassi (1975/79)

Na tarde do dia 14 de junho de 1998, uma semana depois do inicio da guerra ( a 7 de junho), chegámos à cidade de Bafatá. E durante a viagem, para já, o único acontecimento de relevo tinha sido o facto do jovem condutor decidir voltar, ainda, até Nhacra antes de virar o rosto do camião para leste. 

Tive medo sim, por algum momento, por causa dos imprevistos e imponderáveis a que estava sujeito qualquer veículo equipado de motor e assente sobre um monte de ferralha e rodas de borracha. Se acontecesse alguma avaria ao camião seria uma grande desgraça para nós que voltávamos para trás depois de termos alcançado lugares seguros. 

Era uma aventura perigosa. Para me acalmar, dizia a mim mesmo que não havia razão para entrar em pânico e repetia isso várias vezes à minha consciência, mas sempre que olhava para as crianças o medo voltava a me invadir de novo.

Ao atravessarmos a ponte de Finete, perto de Bambadinca, entrámos na zona controlada pelos governamentais que, a acreditar naquilo que tínhamos visto no caminho, oferecia maior segurança as populações civis. Junto à ponte estava um destacamento de tropas da Guiné-Conacri e alguns tanques de guerra dissimulados no meio do arvoredo. Tudo novinho em folha. 

Depois de Bantandjan, finalmente, chegámos à cidade de Bafatá.

Mas antes, o camião atravessou a ponte sobre um braço do rio Geba, por onde corria a água turva carregada de material orgânico com que fertiliza as bolanhas nas suas margens, passou pela antiga fábrica de cerâmica, atravessou a rua Porto, passando pelo Liceu, o nosso velho Liceu onde está situado o memorial de Amílcar Cabral e foi parar no Bairro de Sintchã Bonódji, na saída para Gabú.

Sem contar com o número de pessoas que tinha afluído a esta cidade leste do país, fugindo da guerra de Bissau, não se notava qualquer diferença. Sim, Bafatá era ainda a mesma cidade de sempre, preguiçosamente estendida no dorso de um planalto meio adormecido que tínhamos deixado 27 anos atrás, quando partimos para continuar os estudos em Bissau (em 1979).

Esta cidade não será, certamente, a pior localidade da Guiné, mas para mim foi um inferno durante uns longos anos dos quais conservo uma péssima recordação dos tempos de estudante. Aqui, de rafeiro saído de um antigo quartel de brancos e filho querido de um lojeiro de uma pacata aldeia que, no fulgor da sua inocência, pontapeava o prato de farinha de milho que a avó lhe trazia à noite, tinha-se transformado num verdadeiro cão vadio. Nunca e em lugar algum tinha merecido tanto este animalesco cognome.

Lembrei-me de Boma (situada à frente do quartel), suas árvores frondosas e a água fresca das suas nascentes onde íamos esconder-se das brasas do calor que arrasavam os Bairros situados na parte mais elevada do planalto e a Ponte Nova e onde, também, íamos enganar a fúria das nossas fomes insaciáveis de estudantes sem tecto, fingindo estudar. 

O guarda da plantação de mangueiras e cajueiros nas profundezas de Boma cujo nome era Sekuel (1), nos conhecia de cor e deixava-nos assaltar a sua horta, na certeza de que não adiantava muito tentar impedir-nos. Era uma pessoa dotada de grande humanismo e de bom senso, vacilando entre as suas obrigações de guarda e os sentimentos de piedade para com crianças deserdadas. No princípio ainda tentou, mas rapidamente teria notado que, empurrados pela fome, a nossa insistência e capacidade de resistência eram fora do comum.

 Não tínhamos alternativa. Acabou por nos aceitar como se aceita a presença de animais roedores dentro da própria casa. De facto, durante mais de cinco anos, conseguimos sobreviver graças a nossa perícia em roubar e mendigar peixe e frutas, ora nos mercados ora nas hortas à volta da Cidade.

Foto à esquerda: OPAD - Organização Pioneiros Abel Djassi. Foto de perfil, página do Facebook (com a devida vénia...)


Ali estava Bafatá com os seus habitantes avaros e a sua juventude implacável que aceitava mal a invasão da mocidade mal fardada,  vinda das tabancas ao seu redor a quem apelidavam de mocidade treco (2). 

O certo é que, por qualquer razão, as nossas fardas destoavam sempre dos da cidade. Foi assim no tempo da mocidade portuguesa e foi assim com os pioneiros Abel Djassi. A farda era a mesma, mas a tonalidade das cores era sempre diferente. As meias, calções e sapatilhas não eram tão castanhos como se devia, a camisa era verde ou azul mas não tão verde ou azul como se devia e isto era motivo de chacota e de corre-corre entre os jovens incautos que tinham aceitado a aventura das paradas e acampamentos na cidade. Faziam-no de propósito, para se divertir.

Vindos de Contuboel, Gabú, Sonaco, Cossé, Pirada, Bajocunda, Paunca, Pitche, Bambadinca, Quebo, entre outras localidades, e abandonados numa cidade inospitaleira, o nosso bando era formado por jovens de todas as regiões, de todas as cores, com uma particularidade bem marcante. Todos tinham nascido e crescido com a guerra colonial e todos eram originários de antigos centros de aquartelamento de tropas portuguesas e muitos tinham aprendido as primeiras letras com soldados e oficiais portugueses.

Esta era, para todos os efeitos, a primeira geração formada nas escolas portuguesas dentro da comunidade Fula e talvez de todos os grupos étnicos (chamados gentílicos) na zona leste da Guiné-Bissau. 

A administração portuguesa só tardiamente (com o General Spínola), se tinha resolvido a seguir os conselhos de Teixeira Pinto, ainda no princípio do século XX, de criar escolas para os nativos em todos os postos militares, convencido que, a coragem e irredutibilidade do Guinéu estaria ao mesmo nível do seu obscurantismo (R. Pélissiér – História da Guiné).Mas, no fim, foram o PAIGC e a independência que colheram os louros da formação de quadros,  iniciada na década de 60 e acelerada a partir de 70.

Quando apanhavam um dos nossos durante os saques, os outros vinham em grupo ajudar o companheiro infeliz. Tínhamos regras a que éramos muito fieis, ajudar um ao outro e nunca faltar às aulas, com ou sem fome. Era a mesma lógica no enfrentar das situações de perigo e de necessidade. Roubar ou morrer de fome.


9º dia, 15 de junho, segunda feira, Fajonquito:  "lar, doce lar"...

A nossa estadia em Bafatá, não demorou muito, estávamos apressados. Dormimos uma noite e na manhã seguinte partimos para Fajonquito

Antes de partir, acompanhámos a Djenaba e as suas crianças a fim de apanharem o transporte que os conduziria até Bambadinca donde partiriam para a aldeia dos pais em Cacine, no sul do país. Despendi parte do meu dinheiro para os ajudar a alimentar-se durante o trajecto que seria, longo e, certamente, difícil nessa altura. (Distância Bambadinca-Cacine, 103 km).

Podia estar orgulhoso do meu trabalho, pois apesar das dificuldades, tinha conseguido tirar de Bissau duas famílias, ou seja,  10 pessoas. Também, já não restavam dúvidas que esta guerra iria durar. Foi com este pensamento que me despedi deles e da cidade de Bafatá, rumo à minha terra natal.

Engraçado, agora que estava a alguns quilómetros da minha tabanca, lembrei-me que o meu filho, nascido e criado na cidade, não sabia falar a nossa língua, como dizem os Fulas, era macaco que não sabia trepar

Também eu, alguns anos antes, não sendo filho de gente da cidade, quando me mudei para Bafatá, ainda não falava o crioulo. O meu filho fazia o percurso inverso num contexto e condições diferentes, porém, havia uma constante, era o mesmo país de sempre, a Guiné-Bissau como a Guiné de Cabo Verde, no desequilíbrio da balança, oscilando entre a guerra e a paz.
                                                                   
Bissau, de Junho a Dezembro de 2000
                                                                          
Cherno Abdulai Baldé
__________

Notas do autor:

(1) O sufixo el depois de qualquer nome na língua fula- Sekuel, Gadamael- Contuboel- significa pequenino e, logo, lindo. A beleza, entre os fulas, é algo intimamente associado ao que é pequeno, que não é grande.


5 de março de 2022 > Guiné 61/74 - P23050: Memórias do Chico: Refugiado na sua própria terra durante a guerra civil de 1998/99: 200 km e oito dias de aflição, entre Bissau e Fajonquito (Cherno Baldé) - Parte I: Bissau, 7-11 de junho de 1998

segunda-feira, 11 de maio de 2015

Guiné 63/74 - P14596: Agenda cultural (397): Comemorando o Dia da Europa mas também o fim da II Guerra Mundial... Reitoria da Universidade de Lisboa, 8/5/2015... Canção ("Refugee blues"), de W. H. Auden / David Mourão Ferreira, magistralmente dita pela jovem atriz Catarina Wallenstein


Cartaz do evento > Comemoração do Dia da Europa, na Reitoria da Universidade de Lisboa

1."A Europa continua a mostrar a sua incapacidade de resolver os problemas políticos e económicos que se agravam todos os dias. Nesse ambiente, apraz registar a resposta criativa de tantos artistas que todos os dias lançam pistas para o futuro".

Nesse sentido, o Instituto Europeu e o Instituto de Direito Económico Financeiro e Fiscal (IDEFF), da Faculdade de Direito (FD) da Universidade de Lisboa (ULisboa), decidiram comemorar o Dia da Europa (que se celebra a 9 de maio, um dia a seguir ao da celebreação do fim da II Guerra Mundial na Europa) (*) com um grande concerto na Aula Magna da Reitoria, no passado dia 8, pelas 21 horas.

O espectáculo que se prolongou por mais de 3 horas, com um público jovem entusiástico,   teve a  participação o Coro Juvenil da Universidade, e de jovens três músicos, de grande talento e irreverência:

Éme,
To Trips (Dead Combo)
B Fachada,

Houve ainda uma pssagem,breve pelo palco, de um "homem da casa", José Barata Moura (filósofo, professor universitário, antigo reitor da UL),  que, acampanhado da sua viola, cantou alguns dos seus  míticos temas, que ficaram nos nossos ouvidos de pais e filhos: "Olha a Bola, Manel", "Joana, Come a Papa", "Fungagá da Bicharada"... Curiosamente acabava de chegar do "Parque Jurássico" (leia-se, Lourinhã)...

Durante o concerto houve, igualmente, espaço para "outros criativos" como David Machado (Prémio de Literatura da União Europeia de 2015), Catarina Wallenstein e  Nuno Costa Santos, bem como jovens estudantes, que nos deram o seu testemunho sobre a Europa. É uma geração, "filha do Erasmus",  que já não conheceu as fronteiras (físicas, culturais e simbólicas) que nos dividiram s nós, europeus,   no passado... A nós, a nossa geração, e a geração dos nossos pais e avós... (**)



Lisboa, Reitoria da Universidade de Lisboa, 8 de maio de 2015 > Final da atuação do coro juvenil da Universidade de Lisboa




Vídeo (3' 04''). Alojado em You Tube / Luís Graça 


Reitoria da Universidade de Lisboa, 8 de maio de 2015 >  Comemoração do Dia da Europa.> A Nova Música da Velha Europa > A atriz Catarina Wallenstein (n. 1986) declamou um poema de H.W. Auden, traduzido por David Mourão Ferreira. Reproduz-se aqui um excerto com a devida vénia...

A poesia tal como a música faz parte do nosso riquissimo património comum europeu.  O nosso obrigado também,à Catarina, pela beleza, juventude, talento, generosidade e exercício de  cidadania que emprestou ao espetáculo. Espero que ela entenda este vídeo (amador) como um tributo... Foi feito  à distância, em condições técnicas necessariamente deficientes...

O poema "Canção", na tradução de David Mourão Ferreira, tem como título original em inglês "Refugee Blues", e foi publicado no outono de 1939. É um poema premonitório do Holocausto... que alguns ainda hoje continuam a negar, a minimizar ou a querer esqucer. Vídeo de Luís Graça (2015)


Canção

de H.W. Auden (1907-1973)
[trad. de David Mourão-Ferreira, poema repoduzido com a devida vénia] (***)




Dizem que esta cidade tem dez milhões de almas:
Umas vivem em mansões, outras em tugúrios;
Não há contudo lugar para nós, meu amor, 
não há contudo lugar para nós.

- Outrora tivemos uma pátria e pensávamos que isso era justo.
Olha o mapa, e ali a encontrarás.
Não mais podemos lá voltar, meu amor, 
não mais podemos lá voltar.

- O cônsul deu um murro na mesa e disse:
«Se não têm passaporte, estão oficialmente mortos.»
Mas nós ainda estamos vivos, meu amor, 
mas nós ainda estamos vivos.

- Aí em baixo, no adro da igreja, ergue-se um velho teixo:
Em cada primavera floresce de novo;
Velhos passaportes não podem fazê-lo, meu amor, 
velhos passaportes não podem fazê-lo.

- Fui a uma repartição; ofereceram-me uma cadeira;
Disseram-me polidamente para voltar no próximo ano;
Mas onde iremos hoje, meu amor, 
mas onde iremos hoje?

- Fomos a um comício público; o orador levantou-se e disse:
«Se os deixarmos aqui ficar, hão-de roubar-nos o pão de cada dia»:
Estava a falar de ti e de mim, meu amor, 
estava a falar de ti e de mim.

- Ouvimos um clamor que nem trovão retumbando no céu;
Era Hitler berrando através da Europa: «Eles têm de morrer!»
Oh, nós estávamos no seu pensamento, meu amor, 
nós estávamos no seu pensamento.

- Vimos um cachorro, de jaqueta apertada com um alfinete;
Vimos uma porta aberta e um gato a entrar;
Mas não eram judeus alemães, meu amor, 
não eram judeus alemães.

- Descemos ao porto e parámos no cais;
Vimos os peixes nadando como se fossem livres;
Apenas a dez pés de distância, meu amor, 
apenas a dez pés de distância.

- Passeámos por um bosque, havia pássaros nas árvores;
Não tinham políticos e cantavam despreocupados;
Não eram de raça humana, meu amor, 
não eram de raça humana.

- Sonhámos com um edifício de mil andares,
Com mil portas e com mil janelas;
Nenhuma delas era nossa, meu amor, 
nenhuma delas era nossa.

- Corremos à estação para apanhar o comboio expresso;
Pedimos dois bilhetes para a Felicidade;
Mas todas as carruagens estavam cheias, meu amor, 
mas todas as carruagens estavam cheias.

- Quedámo-nos numa grande planura com a neve a cair;
Dez mil soldados marchavam para cá e para lá,
À tua e à minha procura, meu amor, 
à tua e à minha procura. 

__________________

Notas do editor:

(*) Vd. sítio Comissão Europeia em Portugal:

(...) Porquê um Dia da Europa?

Quando, em 9 de maio de 1950, propôs à República Federal da Alemanha e aos outros países europeus que quisessem associar-se a criação de uma comunidade de interesses pacíficos, Robert Schuman realizou um acto histórico. Ao estender a mão aos adversários da véspera, não só apagava os rancores da guerra e o peso do passado como desencadeava um processo totalmente novo na ordem das relações internacionais, ao propor a velhas nações, pelo exercício conjunto das suas próprias soberanias, a recuperação da influência que cada uma delas se revelava impotente para exercer sozinha. Esta proposta de Robert Schuman, conhecida como "Declaração Schuman", é considerada o começo da criação do que é hoje a União Europeia. Na Cimeira de Milão de 1985, os Chefes de Estado e de Governo decidiram celebrar o dia 9 de maio como "Dia da Europa".

A Europa que, desde essa data, se constrói dia a dia representou o grande desígnio do século XX e uma nova esperança para o século que se inicia. A sua dinâmica nasce do projecto visionário e generoso dos pais fundadores saídos da guerra e animados pelo desejo de criar entre os povos europeus as condições de uma paz duradoura. Esta dinâmica renova-se sem cessar, alimentada pelos desafios que se colocam aos nossos países num universo em rápida e profunda mutação. Este imenso desejo de democracia e de liberdade fez cair o muro de Berlim, devolveu o controlo do seu destino aos povos da Europa Central e Oriental e hoje, com a perspectiva de próximos alargamentos que consagrem a unidade do continente, confere uma nova dimensão ao ideal da construção europeia.(...) 


(**) Último poste da série > 7 de maio de 2015 >  Guiné 63/74 - P14579: Agenda cultural (396): no 70º aniversário do final da II Guerra Mundial, uma sugestão iimperdível: três obras-primas do realizador de cinema italiano Roberto Rossellini: Roma, Cidade Aberta (1945), Paisá-Libertação (1946) e Alemanha, Ano Zero (1948)...Em cartaz, em cópias restauradas, em Lisboa (Espaço Nimas) e no Porto (Teatro do Campo Alegre)

(***) MOURÃO-FERREIRA, David - "W. H. Auden -- Canção" / David Mourão-Ferreira. In: Revista Colóquio/Letras. Tradução de Poesia, n.º 165, Set. 2003, p. 161-162.  [Original em imnglês "Refugee Blues", escrito em 1939]

quinta-feira, 12 de março de 2015

Guiné 63/74 - P14351: Blogoterapia (266): O Senhor M. Proust escreveu milhares de páginas "À la recherche du temps perdu"... Será que nós estamos escrevendo milhares de postes, à procura da juventude "perdida" na guerra? (Vasco Pires, ex-alf mil art. cmdt do 23º Pel Art. Gadamael, 1970/72)

1. Mensagem do nosso camarada Vasco Pires (ex-Alf Mil Art.ª, CMDT do 23.º Pel Art, Gadamael, 1970/72), com data de 11 de Março de 2015:

Pois é Luis, como dizia o meu avô, do alto da sua "sabedoria Bairradina": pela boca, morre o peixe, e tu "implacável" editor, te encarregaste da cobrança.

Vamos lá tentar então, mesmo sabendo que estou entrando "numa rua escura" ou ao menos mal iluminada.

Nós, da nossa geração, nascemos numa "ilha ".

Ao passo que no resto da Europa, tudo tinha sido destruído pela Segunda Guerra, - infra-estruturas, estruturas e superestruturas - neste nosso "Jardim à beira mar plantado" tudo continuava de pé.

Éramos também filhos da "Guerra fria", bombardeados pela propaganda dos dois lados.

Sabemos hoje que o nosso "Último Imperador ", tinha a "certeza" que Portugal não sobreviveria sem o "Império", a máquina de propaganda, alardeava que éramos um País multirracial e pluricontinental.

E lá fomos nós para outro Continente "dilatar a fé e o Império", erámos jovens inocentes na maioria, alguns de nós, nunca tínha visto o mar nem um comboio.

Alguns outros se achavam bem informados, porque ouviam a BBC ou a Rádio Moscovo.

Sei, havia também os "filhos" da República Velha, o meu avô era um deles, culpando os "Jesuítas" de todos os males da Nação.

Também não éramos (somos) Europeus, nem antropológica nem culturalmente, mais tarde nos convenceram do contrário, e vimos no que deu!

Enquanto todos os países coloniais negociavam a transição, nós fomos à guerra, guerra politicamente perdida "ab initio".

Pergunto eu então, o que eu tenho a ver com esse soldado largado nas "bolanhas" Africanas?

Ah, sim, entre eu hoje, e o jovem Soldado de Artilharia, há as memórias.

O Senhor M. Proust escreveu milhares de páginas "À la recherche du  temps perdu", será que nós estamos escrevendo milhares de postes, à procura da juventude "perdida" na guerra?

E as memórias, serão reprodução de vivências, ou construções mentais? Memória involuntária ou memória voluntária?

Nesta hora lembro a frase afixada na fachada da República Praquistão, na Coimbra de então: "Não sou eu nem o outro, sou algo de intermédio..." Mário de Sá-Carneiro.

Há sim muitas perguntas, mas (felizmente) temos o Blog à procura das respostas!

Forte abraço
VP
___________

terça-feira, 12 de março de 2013

Guiné 63/74 - P11244: Blogpoesia (328): Dos meus poemas de juventude (Cherno Baldé)

1. Mensagem do nosso irmão guineense Cherno Baldé, com data de 8 de Março de 2013: 

Caros amigos Luís e Carlos Vinhal,
Com os mais respeitosos cumprimentos a todos os Editores e Grã-Tabanqueiros da nossa bela e hospitaleira Tabanca Grande, envio algum material tirado do baú do meu tempo de estudante que pomposamente intitulei de poemas de juventude.
Claro que não custa muito adivinhar d´onde vem a inspiração.
Cherno Baldé


DOS POEMAS DE JUVENTUDE DE CHERNO BALDÉ:








Vd. último poste da série de 8 DE MARÇO DE 2013 > Guiné 63/74 - P11215: Blogpoesia (327): In Memoriam: A professora de Samba Culo, morta em 7/7/1967, de Kalash na mão (A. Marques Lopes)

terça-feira, 4 de outubro de 2011

Guiné 63/74 - P8856: Memórias do Chico, menino e moço (Cherno Baldé) (25): De Bissau a Kiev ou o percurso de um ex-rafeiro (Parte I) (Cherno Baldé)

1. Mensagem, de ontem, do nosso querido amigo e irmãozinho Cherno Baldé [, foto à esquerda, quando estudante em Kiev, em Maio de 1986]:


Caro amigo Luís Graça,

Juntamente, envio um texto de algumas páginas, onde transcrevo recordações do meu tempo de estudante em Bissau e das peripécias de uma viagem para estudos na ex-URSS.

Este texto também se enquadra, se concordarem, nas crónicas de memórias do Chico, menino e moço (*), versando um  ângulo diferente das crónicas anteriores a que os bloguistas, membros da nossa Tabanca Grande,  estarão habituados, mas tratando-se do mesmo estilo e da mesma vontade de informar, trocar impressões e de discutir ideias e paixões que me animaram desde o princípio, quando descobri, pela primeira vez,  os trilhos que me levaram à sombra deste poilão onde se abrigam alguns dos irreverentes soldados que outrora conheci e a que me juntei, por força do destino, nos aquartelamentos e nos campos de futebol improvisados, para viver alguns dos momentos mais divertidos da minha infância e que me marcaram para sempre, influenciando a minha forma de ser e de estar na vida, o trajeto de um antigo rafeiro que se fez homem da nossa atualidade emergente e global.

Se acharem que tem algum interesse para divulgação, dou o meu consentimento para publicarem conforme lhes convier.  

Um grande abraço deste vosso amigo e irmão,

Cherno Abdulai Baldé - Chico de Fajonquito.


2. DE BISSAU A KIEV OU O PERCURSO DE UM EX-RAFEIRO (Parte I)

por Cherno Baldé


(i) De Bafatá, a cidade de todos os sofrimentos, a Bissau onde  irá terminar, em 


Após cinco longos anos passados na cidade de Bafatá, em Setembro de 1979, o Chiquinho rumou para Bissau onde devia continuar os estudos. Do grupo de mais de cinquenta estudantes que com ele tinham vindo de Fajonquito e Contuboel, já não restavam, na corrida, mais do que cinco.

A viagem de Bafatá a Bissau já não se fazia de barco, como antigamente, mas por via terrestre, em autocarros de uma empresa pública (Silo Diata) que seguiam por uma estrada tortuosa penetrando o Óio pelas localidades de Banjara e passando depois por Mansabá e Mansoa, com as suas vendedeiras de sandes a enxamear a estrada de saída para Bissau. Nesta época de magras receitas, são muitas as famílias que vivem do labor fortuito destas incansáveis Bideiras de rua.

Mesmo se a euforia dos primeiros anos da independência ainda continuava a alimentar as nossas jovens esperanças, entretanto, muita coisa tinha mudado, pode-se dizer mesmo que, passados os primeiros cinco anos de independência, a auréola do partido libertador estava muito ofuscada. Tinham conseguido, em pouco espaço de tempo, relativo sucesso na industrialização do país, com fábricas e importantes investimentos em projetos agrícolas para experimentação e vulgarização de técnicas e variedades de arroz (DEPA’s), mas ao mesmo tempo, a fome que grassava nas cidades, apelidada por fome de Luís Cabral, ameaçava criar fissuras no novo e frágil edifício da construção da unidade nacional.

O governo, recusando-se a importar alimentos, apostava na capacidade da produção interna numa economia pequena, fraca e extrovertida caraterizada por uma baixa produtividade e com nível elevado de pobreza. Nessas condições, tratava-se de uma decisão politicamente bem justificada, mas economicamente mal aplicada cujas consequências imediatas serviriam de pretexto para o golpe militar de 1980 que tinha posto fim ao primeiro governo saído da independência.


(ii) De Bissau a Quinhamel: 

Em Bissau o Chiquinho encontrou o que não havia em Bafatá, sítios ideais para fugir da realidade e esconder-se da fome, chamavam-se bibliotecas. Foi nessa altura que ele deixou de ser o estudante aplicado, de caderno na mão, que sempre fora e passar a ser um rato de biblioteca, donde só saía para ir às aulas.

Adquiriu uma predileção especial na leitura de biografias de destacadas personalidades do mundo político, desde figuras sublimes e pacifistas onde pontilhavam o Mahatma Ghandi e Martin L. King, a algumas sulfurosas e místicas como Adolf Hitler ou do tipo subversivo e oportunista como Joseph Goebbels e Vladimir I. Lenine que, no fundo eram tão infelizes e solitários como ele próprio.

Quando terminava esta série, passava para os romances de Jorge Amado, vivendo os destinos trágicos dos seus personagens sui generis, tirados das favelas e praias de pescadores do nordeste brasileiro.

Dessas leituras deve ter cultivado, o Chiquinho, certa irreverência, sentido crítico e o pessimismo que ainda o caracterizam, assim como certa tendência para a evasão. Ele vivia no Bairro de Cupelum-de-Baixo em casa de um familiar, ex-combatente, e o sítio mais próximo era a embaixada da Líbia, na rua Pansau-Na-Isna, que liga o QG ao Hospital Simão Mendes, e onde metade do espólio era constituído por livros de Muahamar Kadhafi de conteúdo intragável mesmo para um aprendiz de revolução, ainda verde.

Em Junho de 1982, com o término do ensino secundário no liceu Kwame N’krumah (antigo Honório Barreto) de Bissau, tinha-se cumprido, finalmente, uma meta importante na sua vida que, alguns anos antes, não passava de um sonho longínquo. Tinha sido necessário percorrer um caminho bastante atribulado e consentir um enorme sacrifício pessoal. Fazer o 7° ano dos Liceus ou finalizar, como se dizia na altura, era um objetivo a que muito poucos jovens da sua geração e condição social podiam almejar.

Pensando agora no futuro, ele tinha feito um pedido no Ministério da Educação solicitando um lugar para lecionar como voluntário, condição que, em princípio todos deveriam preencher antes de pretender candidatar-se a bolsa de estudos para o exterior, mas a que, na verdade, alguns conseguiam esquivar-se, acedendo diretamente às bolsas para países da sua escolha. Eram todos iguais, mas uns eram mais iguais que outros. Mais que poder continuar os estudos, a sua maior expetativa residia, de facto, na possibilidade de poder voar para longe, conhecer outros países, outras gentes, outras bibliotecas.

(iii) Mais vale a sétima sorte do que o sétimo ano, diziam os vizinhos invejosos de Fajonquito

A seguir, ele aproveitou para visitar a família durante as férias grandes (de Agosto a Setembro) em Fajonquito. Na verdade tratava-se de uma visita de regozijo pessoal para acenar aos colegas o seu estatuto de finalista. Durante muitos anos tinha sonhado com este dia, imaginando os mais diversos cenários, como se o mundo fosse mudar com este trivial acontecimento. No fim, não só não aconteceu nada de especial, mas ainda teve que ouvir e engolir alguns ditos maldosos de colegas e de pais invejosos que diziam na sua cara preferir a sétima sorte em lugar do sétimo ano.

A sétima sorte, onde estava ela!?... O Chiquinho não sabia que o trabalho e o esforço pessoal pudessem dar a tal sétima sorte. Tratava-se de palavras ocas, carregadas de inveja e de mesquinhez de gente que era incapaz de fazer melhor. O seu pai, esse, estava feliz, imaginando poder contar em breve com a sua contribuição no sustento da numerosa família.

Quando voltou à capital já tinham feito a colocação sem contar com ele. Por preencher restavam somente alguns postos de escolas situadas em localidades pouco atrativas. Assim, ele teve que escolher entre uma escola de Susana e outra de Quinhamel. Sendo originário do leste, era a primeira vez que ouvia falar dessas duas localidades, pelo que se deixou guiar pela intuição e pela música da intonação. Escolheu Susana, bonito nome, e parecia-lhe estar a ver a aparência das meninas locais, susanamente lindas. Devia voltar no dia seguinte para as formalidades.

“Deus ki ta bana baka ki katen rabu” (É Deus quem afasta as moscas da vaca sem rabo), diz um provérbio guineense e foi o que aconteceu com ele. No dia seguinte já só restava uma única possibilidade, a de Quinhamel, alguém tinha ocupado o posto de Susana. Ainda bem. Só muito mais tarde saberia da sorte que acabava de ter. Nesse mesmo dia pegou na guia de marcha sem perder mais tempo e foi descobrir,  não muito longe de Bissau,  uma pequena vila adormecida à volta de palmeirais e cajueiros e pendurada nos dois lados da estrada entre Bissau e Pikin, nas margens do oceano atlântico.

No fundo, o local de afetação era-lhe indiferente desde que não se chamasse Bafatá, a cidade de todos os sofrimentos. Assim, Quinhamel ultrapassaria todas as suas expetativas. Tinha uma escola nova, construída e equipada pela cooperação sueca, um excelente ambiente de vida e camaradagem entre os educadores pouco educados que eles eram, longe dos rigores religiosos do chão fula e muçulmano onde o gesto mais banal era um sacrilégio, onde jovens ainda na flor da idade tinham que encher os ouvidos com sermões obscuros em que o último dos profetas distribuía lugares no cruzamento entre o fogo do inferno e a frescura da glória.

Em Quinhamel residiam meninas simpáticas vindas das localidades circunvizinhas. Os costumes locais, superficialmente tocados por uma igreja católica que o advento da independência colocara fora de jogo, eram muito brandos,  o que favorecia um convívio mais livre e saudável entre os jovens. Nos fins de semana ele voltava a Bissau para informar-se das notícias da família.

Aqui, de forma inesperada, ele começou a frequentar a missão católica local onde fez amizade com uma diocesana brasileira (Irma Beatriz) que lhe ensinava a arte de tocar violão com a Bíblia por baixo e, também, começou a colaborar nas atividades da Juventude do partido (JAAC) através de colegas que faziam parte da sua direção regional e, por esta via, circulava muito entre as aldeias da zona, integrando, por vezes, as comissões de redação no decorrer das conferências do partido que se organizavam todos os anos.

Se bem que colaborasse com a Juventude [do PAIGC], no seu forro íntimo, detestava o partido pelos crimes cometidos na sua terra natal e tinha guardada dentro de si a promessa de nunca integrar as suas fileiras. Estes encontros, já sem qualquer interesse político, eram momentos de verdadeiras orgias festivas onde as bebedeiras eram uma constante. Não era raro acontecer em plena reunião que grande parte dos distintos camaradas delegados estivesse a dormir numa boa, embalados pela monotonia dos discursos e pelo vinho de caju, abundante na região. Sem o saber, esta sua aparente adesão viria a ser importante para a obtenção da bolsa de estudos.

Dois anos mais tarde, o Chiquinho fez o pedido da bolsa para o estrangeiro, com boas referências da comissão regional da juventude de que fazia parte, ainda assim, só viria a ser atendido em 1985. Neste ano, ele fez parte do grupo de estudantes contemplados com bolsa de estudos para a URSS.

Depois de ter encabeçado durante muitos anos a sua lista de preferências, curiosamente, [a URSS] já não era o país que mais desejava, mas seria uma grande sorte se conseguisse partir. Durante alguns meses reinou a dúvida e a incerteza quanto à viagem, devido a informações contraditórias e às mudanças de última hora nas listas de bolseiros. Ele acreditava tratar-se da tal “sétima sorte” de que tanto ouvira falar na sua aldeia, durante as férias.

Pensando bem, havia muito tempo que convivia com ela, a sétima sorte, desde os dias em que ainda criança, armado com um simples bastão, seguia atrás de manadas de gado bovino em louca correria, fugindo das rajadas de vento carregadas de chuva, pelas bolanhas de Berecolon, zonas deixadas há muito para a gente do mato ou quando se pendurava escondido, nas traseiras de um velho Unimog que ia buscar água para a tropa em Contuboel, no rio Geba, a uma distância de 30 km, colocando o seu amigo Dias perante o facto consumado.


(Continua)

[Fixação / revisão de texto, L.G.]

________________
 
Nota do editor:
 
Último poste da série 23 de Março de 2011 > Guiné 63/74 - P7986: Memórias do Chico, menino e moço (24): Versos da juventude (Kiev, 1987/90; Bissau, 1990) (Cherno Baldé)


terça-feira, 4 de janeiro de 2011

Guiné 63/74 - P7553: O Mural do Pai Natal da Nossa Tabanca Grande (35): Boas Festas e Feliz Ano de 2011 (Patrício Ribeiro)

1. Em mensagem de 30 de Dezembro de 2010, o nosso amigo tertuliano Patrício Ribeiro, enviou-nos os seus votos de Boas-Festas e um Feliz Ano de 2011 para toda a Tabanca.

Como anexo, trazia estas duas fotos, que interpretei como símbolos de uma Nação com passado e futuro. Deve preservar o seu passado e apostar na juventude que fará dela uma Nação próspera. Graças aos seus meninos, a Guiné-Bissau é uma das nações mais jovens do mundo.

Dezembro de 2010 > Meninos Felupes da Tabanca de Iale-Varela. O futuro da Guiné-Bissau passa também por eles.

Dezembro de 2010 > Forte de Cacheu. Um passado a preservar.

Ao nosso tertuliano Patrício Ribeiro desejamos a continuação de uma boa estadia na Guiné-Bissau com muita saúde neste ano de 2011.
__________

Nota de CV:

Vd. último poste da série de 3 de Janeiro de 2011 > Guiné 63/74 - P7544: O Mural do Pai Natal da Nossa Tabanca Grande (34): Quem tem cu… tem continuação… (José Eduardo Oliveira - JERO)

quarta-feira, 6 de maio de 2009

Guiné 63/74 - P4288: Espelho meu, diz-me quem sou eu (1): Joaquim Mexia Alves




















Guiné > Três fotos do Alf Mil Op Esp J. Mexia Alves : uma na altura da partida (em finais de 1971); e duas, passados uns meses, em 1972, já no comando do Pel Caç Nat 52, uma tirada no Mato Cão, na margem direita do Rio Geba (Estreito) e outra numa visita a Bambadinca, sede do Sector L1, Zona Leste. O Mexia Alves esteve 24 meses no CTIG, de Dezembro de 1971 a Dezembro de 1973.

Recorde-se que o nosso camarada (ou camarigo, como ele prefere) pertenceu originalmente à CART 3492 (Xitole / Ponte dos Fulas), antes de ingressar no Pel Caç Nat 52 (Ponte Rio Udunduma, Mato Cão) e, por fim, na CCAÇ 15 (Mansoa). A CART 3492 pertencia ao BART 3873 (Bambadinca, 1971/74). O Pel Ca Nat 52 estava igualmente às ordens do comando do Sector L1 (*).


1. Mensagem de Joaquim Mexia Alves, com data de ontem:

Ao ler/ver o post 4280 do Magalhães Ribeiro, (Rangers...Ya!), veio-me à ideia uma nova série de postes muito simples, que até podiam nem ter texto.

Refiro-me a fotografias na partida para a Guiné em comparação com fotografias da chegada, ou de alguns meses passados no "teatro de operações", ("engalinho" com esta expressão).

Se acharem por bem, aqui vão três fotografias, uma da partida e duas passados uns meses no comando do Pel Caç Nat 52, uma no Mato Cão e outra numa visita a Bambadinca, sede do sectoir L1, Zona Leste. É escolher uma das duas do "depois".

Mais uma abraço camarigo do
Joaquim Mexia Alves


2. Comentário do L.G.:

Joaquim: Apoiado!... Até sugiro um título para a série: O que fizeram de nós... Ou: O que fizeram de ti, rapaz ? Ou então: Metamorfoses... Ou: (Trans)formações: Ou ainda: Tão meninos que nós eramos... Ou ainda: Espelho meu: Diz-me quem sou eu...

Que achas, Joaquim ? Eu prefiro o último... Na Guiné não me via ao espelho. Voltei a ver-me, no regresso, e não me reconheci... Aliás, a última barba que fiz, fi-la na Guiné, como eu costumo dizer, para explicar o estranho hábito, hoje obsoleto, fora de moda, de usar barba, desde Março de 1971...(Começou por pêra, ainda em Bambadinca, com o afrouxamento da disciplinar militar, fenómeno inexorável apesar dos esforços patéticos do senhor major Anjos de Carvalho, até se cansar de andar com o RDM em punho, ameaçando bichos e homens).

Na realidade, nos três anos de tropa e de guerra por que passámos, operou-se uma série de transformações: a nível físico, mental, psicológico, social, cultural... Muita coisa mudou nas nossas vidas... Umas mais visíveis (como o aspecto físico: emagrecemos, chegávamos a perder 1, 2 e 3 quilos em operações...), outras menos visíveis (como a sanidade mental)...

Os outros (amigos, pais, irmãos, namoradas, noivas, mulheres, colegas de trabalho...) foram os primeiros a dar conta, quando fomos de férias ou regressámos de vez, "sãos e salvos"... Só depois disso é passámos a olhar para o espelho...

Vamos pedir à malta para juntar as duas/três fotos do antes e do depois com uma uma "observação ao espelho".Façamos a nossa austoscopia (s. f., Exame ou auscultação de si próprio).

Quanto ao texto, gosto sempre de um legenda, mesmo que curta...

Um abraço. Luís


PS - Lembrei-me de um poema que há tempos publiquei no meu blogue de poesia, e que tomo a liberdade (ou a insensatez) de aqui reproduzir (com algumas alterações, a começar pelo título):

Abril 15, 2009 > Blogantologia(s) II - (78): A guerra como forma (heróica) de suicídio... altruista

De cordeiro a lobo, a metaformose

Quem terá sido o grafiteiro
(avant la lettre)
que escreveu:
"Em Mueda, os cordeiros que chegam,
são lobos que saem" ? (**)

É um pensamento que é válido
para todas as situações de guerra.
E a guerra é uma situação-limite.
Os jovens, quase imberbes,
os meninos de sua mãe
(como diria o grande Pessoa),
que chegam à frente de batalha,
ainda são cordeiros,
inocentes,
virgens,
imaculados...
O horror e a violência da guerra
irão transformá-los em lobos,
em duros,
em violentos,
em conspurcados...
Não necessariamente predadores,
assassinos,
criminosos...
(que é o estereótipo
que o ser humano ainda guarda
do pobre do lobo mau!)...

Mas há, seguramente, uma perda de inocência:
não foste para a Guiné
e vieste de lá impunemente,
igual...
Não eras mais o mesmo,
o expedicionário que partiu no Niassa,
e o veterano que regressou no Uíge.
Os teus amigos e familiares deram conta disso:
já não eras o mesmo,
nunca mais foste o mesmo...

Acho que é isto
que o inspirado autor do mural de Mueda quis dizer.
É claro que há também aqui
a dose habitual de bravata e de fanfarronice:
é uma frase de caserna para intimidar
os checas,
os piras,
os maçaricos,
os novatos...

Também os militares, profissão de risco,
têm a sua ideologia defensiva,
as suas crenças,
os seus talismãs,
os seus mesinhos
(usavam-nos os guerrilheiros
na Guiné,
em Angola,
em Moçambique,
não obstante a sua formação racionalista,
marxista-leninista,
dita revolucionária)...
A bravata e a fanfarronice,
além das praxes e do álcool,
ajudavam-nos, a todos nós,
a lidar com o medo,
as situações-limite,
o risco,
a morte,
o sofrimento, físico e moral,
a impotência,
o desespero…

Não há, nunca houve,
super-homens,
super-heróis:
há apenas deuses,
que inventámos,
à nossa imagem e semelhança,
e para quem transferimos
qualidades e defeitos humanos...
Deuses que inventamos todos os dias…
Precisamos dos mitos,
das lendas,
da efabulação,
do imaginário,
do pensamento mágico,
mesmo sob a roupagem (frágil e enganadora)
da ciência e da tecnologia.

Daniel Roxo deve ainda funcionar,
para os nostálgicos do paraíso perdido do apartheid
(Moçambique, Rodésia, África do Sul...),
como o Che Guevara
que também funciona, ainda,
como um ícone,
tanto para os jovens sem ideologia de hoje,
como para os cotas,
os seus pais e tios,
os velhos revolucionários românticos
que queriam, nos anos 60 e 70,
incendiar o mundo,
criando um, dois, três, muitos Vietnames!...

Há homens que são incapazes de deixar de combater...
Mesmo, no limiar da decadência física,
a adrenalina da guerra
é mais forte que a razão...
É um pulsão quase irresistível.
O que terá levado este
e outros compatriotas nossos
a alistar-se nas forças especiais
do regime racista da África do Sul
e a morrer em Angola
por uma pátria que não era a sua ?
Poderei perguntar o mesmo pelos cubanos
que morreram em Angola (mas também na Guiné).
Dir-me-ão que lutavam
por um mundo em que acreditavam,
por uma bandeira,
por uma causa que era a sua razão de vida,
e não apenas por um punhado de dólares,
como nos filmes do Oeste da nossa infância...
Mesmo os mercenários de guerra
não matam nem se deixam matar por dinheiro...
Pura e simplesmente recusam admitir
que estão velhos e acabados...
Sou céptico,
nem optimista nem pessimista:
o ser humano é motivacionalmente muito complexo
e manipulável
e moldável…
Creio que a guerra também pode ser viciante,
havendo homens que nela entram
e dela nunca mais saem...
A guerra pode ser uma forma (heróica) de suicídio...
altruista.

_________

Notas de L.G.:

(*) Da vasta e sempre apreciada colaboração de Joaquim Mexia Alves, aqui fica uma selecção:

7 de Setembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1056: Estórias avulsas (1): Mato Cão: um cozinheiro 'apanhado' (Joaquim Mexia Alves)

12 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1271: O cruzeiro das nossas vidas (1): O meu Natal de 1971 a bordo do Niassa (Joaquim Mexia Alves)

2 de Julho de 2007 > Guiné 63/74 - P1912: Um buraco chamado Mato Cão (Nuno Almeida, ex-mecânico de heli / Joaquim Mexia Alves, ex-Alf Mil, Pel Caç Nat 52)

25 de Julho de 2007 > Guiné 63/74 - P1997: Álbum das Glórias (22): O Alf Mil Pires, cmdt do Pel Caç Nat 63, em Mato Cão, na festa do meus 24 anos (Joaquim Mexia Alves)

15 de Outubro de 2007 > Guiné 63/74 - P2179: Fado da Guiné (letra original de Joaquim Mexia Alves)

19 de Dezembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2364: O meu Natal no mato (5): Mato Cão, 1972: Com calor, muito calor, e longe, muito longe do meu clã (Joaquim Mexia Alves)

13 de Março de 2008 > Guiné 63/74 - P2631: Dando a mão à palmatória (5): Recado para uma ida à Guiné (Joaquim Mexia Alves)

30 de Março de 2008 > Guiné 63/74 - P2701: Blogpoesia (10): Olhando para uma foto minha, no Mato Cão, ao pôr do sol, com o Furriel Bonito... (Joaquim Mexia Alves)

15 de Maio de 2008 > Guiné 63/74 - P2845: A guerra estava militarmente perdida ? (4): Faço jus ao esforço extraordinário dos combatentes portugueses (Joaquim Mexia Alves)

19 de Junho de 2008 > Guiné 63/74 - P2961: O Nosso III Encontro Nacional, Monte Real, 17 de Maio de 2008 (11): Às vezes dá-me umas saudades da Guiné... (J. Mexia Alves)

1 de Outubro de 2008 > Guiné 63/74 - P3261: Gloriosos Malucos das Máquinas Voadoras (7): o meu amigo e conterrâneo Jaime Brandão (J. Mexia Alves)

26 de Fevereiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3940: Sr. jornalista da Visão, nós todos fomos combatentes, não assassinos (2): J. Mexia Alves, ex-Alf Mil (Xitole, Mato Cão, Mansoa)

6 de Abril de 2009 > Guiné 63/74 - P4146: Parabéns a você (3): No dia 6 de Abril de 2009, ao camarigo Joaquim Mexia Alves, ex-Alf Mil Op Esp, Guiné 1971/73 (Editores)


(**) Vd. postes de:

6 de Julho de 2007 > Guiné 63/74 - P1928: Estórias de vida (3): Sérgio Neves, meu irmão: em Moçambique, o Mercenário, amigo do lendário Daniel Roxo (Tino Neves)

7 de Julho de 2007 > Guiné 63/74 - P1933: Questões politicamente (in)correctas (30): os cordeiros e os lobos de Mueda ou a adrenalina da guerra (Luís Graça)

6 de Agosto de 2007 > Guiné 63/74 - P2032: Estórias de vida (4): Ainda sobre o meu irmão, o Srgt Mil Sérgio Neves, que foi amigo em Moçambique de Daniel Roxo (Tino Neves)

24 de Setembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2127: Estórias de vida (5): Sérgio Neves, meu irmão, um homem bom (Tino Neves)

sexta-feira, 27 de abril de 2007

Guiné 63/74 - P1707: Um abraço de um amigo guineense que firma no Catió (Souleimane Silá)

Guiné > Região de Tombali > Catió > Álbum fotográfico de Vitor Condeço (ex-Furriel Mil, CCS do BART 1913, Catió 1967/69) > Quartel de Catió > 1968> Quartel, Foto 34 > "Fur Mil Condeço junto de um dos Obus de 14 cm, que iriam substituir os obuses de 8.8 cm [Fev 1968] ">... Uma pequena homenagem do nosso blogue a todos os naturais de Catió, com votos de que esta bela terra do sul da Guiné-Bissau não volte a conhecer os símbolos fálicos da guerra e da violência... (LG)

Foto e legenda: © Vítor Condeço (2007). Direitos reservados.


1.E-mail recebido em 31 de Março último, enviado por um visitante do nosso blogue, Souleimane Silá, guineense, natural de (ou residente em) Catió, presumivelmente a viver neste momento em Portugal.

Acabo de conhecer a vossa OBRA; não imagina como encantado estou!

No princípio desse mês comprei o meu 1º PC portátil para aprender a utilizar e me informar mais. Veja no que o destino me aponta!

Afinal, estava eu adormecido, mas espero acordar-me e colaborar convosco. Ensinem-me como poder tomar parte na vossa divulgação, a que me candidato compatrioticamente.

Um abraço do bissau-guineense, de Catió,

Souleimane Silá

Tm (351) 96 222 29 12

2. Comentário de L.G.:

Caro amigo:

Este é um blogue de antigos combatentes da guerra da Guiné, portugueses, mas também aberto aos antigos combatentes do PAIGC e, de um modo geral, a todos os amigos de Portugal e da Guiné-Bissau, de um lado e de outro - amigos portugueses da Guiné-Bissau ou amigos guineenses de Portugal. O que importa é que tenham em comum o interesse pela perservação da memória da guerra colonial ou da guerra de libertação (como der mais jeito dizer)...

As nossas regras (mínimas) de convívio constam duma página que se chama Tertúlia dos Amigos & Camaradas da Guiné. Como guineense que é, independentemente da geração a que pertence (imagino que não tenha idade para ter feito a guerra de 1963/74, sob a bandeira de um lado ou de outro), o Souleimane será bem vindo a este ciberespaço de convívio, de partilha, de memória e de lusofonia...

Um ciberabraço.

Luís Graça.

sábado, 24 de fevereiro de 2007

Guiné 63/74 - P1544: Quem conheceu o Furriel Mil Art Fernando J. G. Ribeiro, morto na picada de Binta-Farim em Julho de 1973? (Luís Graça)



Lisboa > Belém > Monumento aos Mortos do Ultramar > O Furriel Fernando Gaspar Ribeiro é um dos milhares nomes, gravados no mármore, que constam no impressionante memorial afixado nas muralhas do Forte do Bom Sucesso.

Foto: © Luís Graça (2007). Direitos reservados.

1. Mensagem de alguém que foi das relações de amizade de um camarada nosso, morto na Guiné, e que pretende saber mais pormenores sobre a sua vida e morte. Por razões de sigilo, transcrevo apenas uma parte do teor do mail que recebi (e que circulou internamente na nossa tertúlia):

Bom dia, Luís:

Fiquei muito contente por me ter escrito e então vou contar-lhe o que se passou: (....) O Fernando Ribeiro (...) foi para a Guiné, onde esteve 24 meses. Já depois dos 22 meses a que tinha direito, foi buscar mantimentos a algures, pois dizia que estava cansado de estar no mesmo sítio. Sei que no regresso, na picada entre Binta e Farim, uma mina rebentou (...).

(...) Agora com a Internet, eu vou pesquisando coisas de que gosto e esta foi uma delas: a guerra do ultramar (...).

(...) Num dos comentários, feito pelo João Tunes, a descrição dum acontecimento era esta: quando morre um camarada nosso é como se morresse uma parte do nosso coração, então quando um camarada que ia um carro, sentado em cima dum saco de areia ao lado do condutor, foi morto por uma mina, dizendo-nos:
- Estou fodido, foderam-me a vida e eu sei que não me safo, mas digam à Fulana Tal que estou a pensar nela (1).

(...) Tudo o que me possam dizer do Fernando Ribeiro, Furriel Miliciano de artilharia, eu agradecia (...) Faleceu em Julho de 1973 (2). Foi o único da companhia que não veio.

(...) Sei que esteve também em Bafatá, também perto do Rio Cacheu e chegou a estar mesmo na fronteira do Senegal (...) .

Agradeço a sua atenção por este caso (...).


2. Comentário do editor do blogue:

Fico sensibilizado por saber que o nosso blogue já chega a muitas partes e é lido até por muita gente que nunca esteve na Guiné, nem foi tropa: por exemplo, filhos de camaradas nossos que já morreram, outros familiares, ex-namoradas ... E há estórias de partir o coração... Há filhos a querer saber por onde andou o pai na Guiné... Em vida, lá em casa nunca se falava da Guiné... Por pudor, por respeito, por constrangimento... Entretanto, o pai morre precocemente, de doença ou de acidente... Há um pedaço da vida dele que passa a ser um buraco negro na memória de todos e de cada um, a nível da família...

Com culpa e lágrimas nos olhos, vem-me perguntar se os posso ajudar a encontrar um pista, um nome, uma unidade, uma terra, uma camarada.... Aconteceu-me hoje, por exemplo, com uma jovem enfermeira que me procurou, e cuja pai morreu há uns anos, de cancro no estômago... Ela era demasiada nova (15 anos) para puxar a conversa sobre a guerra e a Guiné... A mãe só o conheceu mais tarde, depois da desmobilização... A mala dele perdeu-se na viagem de regresso a casa... Não há fotos, não há aerogramas, não há memórias,traços da passagem do pai pela Guiné...

E agora aparece-me esta mulher a evocar um amigo que morreu na guerra... Confirmei que o Furriel Fernando [José Gaspar] Ribeiro morreu em combate em 15 de Julho de 1973... Dele não não sei mais nada. Mas espero que outros camaradas e amigos possam trazer mais algumas pistas. Ficarei feliz se pudermos ajudar esta e outras mulheres recuperar e a fortalecer as suas recordações de juventude... Não traremos de volta, infelizmente, o Fernando (ou qualquer outro dos nossos camaradas que morreram), mas pode ser que apareça alguém que o tenha conhecido, e nos diga algo mais sobre ele e as circunstâncias em que morreu...

Esta nossa visitante não nos pediu confidencialidade... Pelo contrário, teve a coragem de dar a cara e fazer um pedido (público) de ajuda. Entendi, no entanto, que ela não pode ser exposta, em termos mediáticos, e tem direito ao respeito pela sua privacidade e intimidade... Decido publicar o seu caso, sem a identificar, e recorrer à nossa tertúlia. As nossas melhoras saudações tertulianas para ela. E aqui fica a porta aberta para esta ou outras mulheres passarem também a fazer parte deste nosso grupo de amigos e camaradas da Guiné... Elas foram, afinal, as que ficaram na rectaguarda, amando-nos, rezando por nós, escrevendo-nos, animando-os à distância... (LG) .
___________

Notas de L.G.:

(1) Vd. post 21 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - CCCI: Morreu um soldado português no Afeganistão... (A. Marques Lopes / Afonso M.F. Sousa / João Tunes)

(2) Fernando José Gaspar Ribeiro, furriel do exército, morto em combate em 15 de Julho de 1973, natural de Condeixa-A-Nova, unidade mobilizadora: BII 17... Vd. Lista disponível, em formato pdf, no sítio do António Pires > Moçambique - Guerra Colonial > José da Silva Marcelino Martins > Militares que Tombaram em Campanha (1961-1974) > Guiné