O Jorge algures em África: um homem entre homens... Fonte: © Africanidades (2006) (com a devida vénia...). O autor deste blogue é membro da nossa tertúlia e mantém connosco uma política, mutuamente vantajosa, de troca de serviços, de ideias, de afectos e de roncos...
Foto alojada no álbum de Luís Graça > Guinea-Bissau: Colonial War. Copyright © 2003-2006 Photobucket Inc. All rights reserved.
Para quem chegou agora ao blogue e/ou à nossa caserna virtual, o Jorge Neto (aliás, Rosmaninho, em auto-homenagem à sua costela alentejana) é um branco, um tuga (não sei se ele gosta do termo), da nova geração - e que portanto não fez a guerra colonial, como nós-, que vive e trabalha em Bissau, e que dá voz (e imagem) aos guineenses que a não têm.
Há uns meses atrás (1), eu disse-lhe que continuava a apreciar (e a invejar) o seu trabalho como jornalista independente, lúcido, sensível e corajoso e sobretudo o seu blogue, o seu Africanidades (que agora mudou de poiso)... (Eu penso que ele é também mais coisas, como professor, formador...).
Continuo a pensar que o nosso Jorge (e mais um punhado de gente heróica e solidária, como o Pepito ou o Paulo Salgado) continua a fazer mais pela língua de todos nós, pela lusofonia, pela cultura portuguesa, e pela amizade luso-guineense do que todos os burocratas do Ministério dos Negócios Estrangeiros, de cá e de lá, juntos e atirados aos jacarés do Rio Corubal... Dir-me-ão que é uma hipérbole, uma caricatura, uma metáfora... Seja. A verdade é que eu continuo a ser fã do Jorge, o nosso Alecrim & Rosmaninho em terras da Guiné...
Não resisto, por isso, a roubar-lhe, de tempos a tempos, um cheirinho daquelas terras por onde passámos nos nossos verdes anos (ou onde deixámos os nossos verdes anos)... Hoje transcrevo um saborosíssimo texto que ele postou, no seu blogue, no dia 1 de Maio de 2006, sob o título Buracos e Decibéis...
O Jorge não é um coleccionador do anedótico e do exótico, é um cidadão do mundo que ama sobretudo a aventura humana e que é capaz de se emocionar com o quotidiano dos homens e mulheres que (sobre)vivem em países tão belos e tão precários como a Guiné-Bissau... Conhecedor de África como poucos jovens da sua geração, não mete todos os africanos, povos e países, no mesmo saco da globalização pós-modernista, sendo capaz de fazer juízos diferenciais como este: "Na Guiné-Bissau admirei-me com o civismo (em geral acima da média africana) com que grande parte dos condutores locais conduz os seus veículos"...
Acho que esta é uma também boa dica, para a reflexão e a acção dos nossos camaradas e amigos que se preparam dentro de dias - no dia 17 - para partir para a Guiné (estou a pensar mais concretamente no Carlos Fortunato e no José Bastos) (2)... Enfim, é também uma pequena achega às valiosas dicas que o Vitor Junqueira, outro andarilho e amigo da Guiné e dos guineenses, já aqui nos deixou (3)... Mais dicas de outros tertulianos serão bem-vindas.
PS - Poder-me-ão acusar de paternalismo e de estar a projectar no Jorge - que eu, por infelicidade, ainda não conheço pessoalmente - os fantasmas, as culpas, as frustações, as expectativas e as ilusões da geração da guerra colonial (ou do Ultramar, como queiram)... Até pode ser, mesmo que ele, coitado, não tenha costas tão largas para arcar com tremenda responsabilidade... Mas não é isso: sendo da geração pós-colonial, só tendo conhecido a Guiné pós-independência, o Jorge está naquele país por vontade própria e em missão de paz, como paisano... E se acaso eu o invejo, é apenas porque ele substituiu a G-3 pelo portátil, a máquina digital e o gravador... Como eu gostaria de ter estado nessa situação em 1969/71!...
2. Buracos e decibéis
por Jorge Neto (aliás, Jorge Rosmaninho)
Fazendo por alto a soma do conta-quilómetros pessoal em transportes públicos africanos, calculo que a coisa se situe entre os 10 e os 15 mil. A estes ainda poderei juntar cerca de 10 mil quilómetros, palmilhados no conforto de veículos próprios, alugados ou emprestados.
Horas a fio de estrada. Incontáveis esperas sonolentas em paragens de pó e gasóleo (aqui um carro só anda depois de a lotação estar completa). Cansaço acumulado em estradas pavimentadas a buracos. Avarias na berma, pedidos de boleia à sombra de embondeiros. Furos. Um despiste e uma ressurreição, no Niassa, Moçambique, quando alguns companheiros de viagem morreram abalroados por um camião. Tinha deixado o local minutos antes.
No Zimbabué, cretinocracia habitada por gente com fome, decadentes autocarros mostraram-me um país de capim dourado e elefantes. No centro e norte de Moçambique visitei o paraíso em oxidados machimbombos e trôpegas chapas (as de caixa aberta e as históricas Toyota Hiace). Nas sept places [sete lugares] senegalesas (as também históricas carrinhas Peugeot 504) provei o sabor de um país bonito, recheado de gente oportunista. As neuf places [nove lugares] mauritanas (as mesmas Peugeot, mas com dois passageiros mais que no vizinho Senegal) fizeram-me voar, literalmente, pelas areias do deserto. Nos autocarros estufa (sem janelas ou ar-condicionado) do tórrido Mali desfiz-me em suor, procurando o sul do Sahara. Na Guiné-Bissau admirei-me com o civismo (em geral acima da média africana) com que grande parte dos condutores locais conduz os seus veículos.
No fim de tantas viagens aprendi uma máxima que guardarei para sempre no livro das errâncias por estradas africanas: aqui (como em todo o continente), um transporte público pode não ter faróis, piscas, seguro, chapa de matrícula ou travões, mas tem, de certeza, um potente rádio de colunas roufenhas a debitar decibéis e a desfazer, desta forma, a angústia de longas jornadas a consumir buracos. No interior de uma candonga todos se abanam, não ao som dos acordes, mas ao sabor das covas da estrada. Também poucos falam, que o condutor sempre faz questão de mostrar a potência das roufenhas colunas que adornam o veículo. A foto e o som do interior de uma candonga guineense para ver e ouvir em baixo. Boa Viagem! Boa Viagem!
__________
Notas de L.G.:
(1) Vd. post de 15 de Maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCLV: Ajudar os guineenses a fazer o luto (Luís Graça / Jorge Neto)
(2) Vd. post de 15 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1177: Encontro da Ameira: foi bonita a festa, pá... A próxima será no Pombal (Luís Graça)
(3) Vd. post Guiné 63/74 - P1255: Dicas para o viajante e o turista (1): A experiência e o saber do Vitor Junqueira
Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
Mostrar mensagens com a etiqueta Jorge Neto. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta Jorge Neto. Mostrar todas as mensagens
quarta-feira, 8 de novembro de 2006
quinta-feira, 27 de julho de 2006
Guiné 63/74 - P998: Antigos combatentes: sem pernas, sem braços mas com memória (Jorge Neto)
Com a devida vénia > Excerto do Africanidades, o blogue do nosso amigo Jorge Neto , agora em férias (e possivelmente contactável em Évora, dentro de dias; hoje ainda estava na Mauritânia; todos nós lhe desejamos um bom regresso a casa e umas retemperadoras férias):
18 de Julho de 2006 > ESQUECIDOS PARA SEMPRE
Cerca de 40 antigos combatentes guineenses do exército português juntaram-se à saída do aeroporto para tentar colocar algumas questões a Cavaco Silva e José Sócrates. Instado pela imprensa a comentar a situação destes homens, José Sócrates limitou-se a dizer que não tinha reparado neles. Vistas curtas, para o que não interessa. Ao fim da tarde, quando Vítor Constâncio anunciou o bom desempenho económico do país, Sócrates ouviu perfeitamente e fez questão de comentar!
O problema dos antigos combatentes africanos nunca será resolvido, para vergonha de quem é português e pouco pode fazer para ajudar estes homens que ainda hoje vivem sem pernas, braços... mas com memória. O passado não se apaga nem se esquece. Por muito que os políticos tentem.
Texto e foto: © Jorge Neto (2006)
segunda-feira, 15 de maio de 2006
Guiné 63/74 - P755: Ajudar os guineenses a fazer o luto (Luís Graça)
Guiné-Bissau > Africanidades, blogue do Jorge Neto > Um tuga, da nova geração, um alentejano, que não fez a guerra colonial, que vive e trabalha em Bissau, e que dá voz (e imagem) aos guineenses que a não têm... Aqui, as crianças a caminho da escola. "25.4.06. Nós vamos à escola...e para além do caderno levamos o banco, para nos sentarmos!"... Que maravilhas, a foto e a legenda! Esta é a Guiné que queremos também a ajudar a construir...
Foto: © Jorge Neto (2006 (com a devida vénia, amigo...)
Mensagem enviada ao Jorge Neto:
Meu caro Jorge (1):
Continuo a apreciar (e a invejar...) o teu trabalho como jornalista independente, lúcido, sensível e corajoso e sobretudo o teu Africanidades, que muito nos ajuda a (re)construir uma certa ideia da Guiné, de hoje e de ontem... Tu fazes mais pela nossa cultura portuguesa e sobretudo pela lusofonia do que todos os burocratas do MNE [Ministério dos Negócios Estrangeiros] juntos e atirados ao Rio Corubal...
Desculpa-me a minha incursão pelos teus sonhos, ou melhor, a minha intempestiva intromissão, com os meus pesadelos atávicos, pela bolanha dos teus sonhos... Mas acho que, juntos, podemos de algum modo contribuir para que os velhos irãs da floresta da Guiné-Bissau se acalmem...
Quando fores para os lados de Bambadinca e do Xime, peço-te que procures almas penadas como o do Abibo Jau, o Jamanca e tantos outros, que foram meus camaradas de armas e que, enquanto guinéus, apostaram no cavalo errado (2)... Um dia destes, se fores para aqueles lados, para a região leste, procura saber notícias deles... Tal como fizeste como o Seni Candé, quando foste ao Cantanhez.
Um grande chicoração para ti.
PS - Estive há dias no teu chão e na tua terra. O Alentejo, rouxo, verde e amarelo, estava esplêndido. Tal como na Páscoa, em Abril, quando lá estiveste e fizeste umas belíssimas fotos que publicaste no teu blogue... E a tua Évora, cada vez mais menina e moça... Enfim, sabes que a beleza é um estado de espírito. Mas tu devias de gostar de atravessar o teu Alentejo no mês de Maio (3)...
Luís
2. Resposta do Jorge;
Olá Luís,
Obrigado pelo e-mail e pelas elogiosas palavras. Ainda este fim-de-semana passei por Bambadinca, mas só de passagem. Um dia que passe com tempo pararei e perguntarei por essas pessoas.
A situação dos antigos combatentes é de lamentar. Vamos tentar, devagarinho, alertar consciências. O problema é sensível e antigo, mas não pode ser esquecido. Sinto vergonha de ser português, quando encontro homens como o Seni [Candé], a viver como vivem!
Espero que as forças para continuar com a Blogueforanada continuem, pois tornou-se um espaço de referência para questões ligadas aos antigos combatentes e à guerra colonial (e não só)! Ainda um dia o veremos em livro, ou, se as editoras persistirem em não abrir as pestanas para certas realidades, concerteza vê-lo-emos citado em trabalhos de investigação, pois ele é uma fonte a não descurar no estudo do que foi a nossa passagem por África.
Um abraço,
JN
____________
Notas de L.G.
(1) Mensagem enviada no seguimento de uma outra, que mandei, sábado, 13 de Maio, ao resto da tertúlia, e que dizia basicamente o seguinte:
"Amigos e camaradas: A barra hoje está pesada... Temos que despejar o saco...Só quero lembrar que na nossa tertúlia ninguém censura ninguém: somos a mais plural das casernas de todas as tropas do mundo... Aqui só é proibido proibir... Eu bem gostaria de pôr a falar os guineenses... Talvez o nosso amigo Lepoldo, o historiador, o nosso doutor, queira dar uma achega... O meu muito obrigado ao José Carlos Mussá Biai, o nosso menino do Xime... Os teus olhos de criança já viram demasiadas coisas (más) na vida... Obrigado ao António Duarte, ao Hugo, a todos os demais tertulianos que também são capazes de falar destas merdas que nos atormentam... Obrigado também ao João Tunes, pela sua brutal franqueza... Confesso que hoje estou deprimido: levei um murro algures, no corpo e na alma, não sei onde... Vou beber um copo... Luís".
(2) Vd post de 12 de Maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCXLIX: O fuzilamento do Abibo Jau e do Jamanca em Madina Colhido (J.C. Bussá Biai)
(3) Também escrevo no Blogue-fora-nada ... E Vão Dois. E às vezes sobre o Alentejo > vd. post de 14 de Maio de 2006 > Blogantologia(s) II - (26): Às vezes este país quase perfeito e sem mácula
terça-feira, 21 de março de 2006
Guiné 63/74 - P627: Para compreender o conflito de Casamança (Jorge Neto)
Guiné-Bissau > "A população da zona fronteiriça de S. Domingos, norte da Guiné-Bissau, está a fugir da região. Os confrontos que ocorreram na madrugada e manhã de hoje [17 de Março de 2006] entre os rebeldes separatistas do sul do Senegal (MFDC) e as forças guineenses estão a fazer aumentar a apreensão no norte do país" (JN)...
Mais uma vez, a população guineense - as mulheres, as crianças, os velhos, os mais pobres e os mais indefesos - têm de fugir das suas casas, por causa das rivalidades dos senhores da guerra... Infelizmente, na origem deste conflito estão causas remotas ou condições antecedentes a que os governos portugueses e franceses da época colonial, que (re)desenharam regiões inteiras a régua e esquadro, não serão alheios (LG)...
Com a devida vénia: Fonte: Africanidades, blogue do nosso amigo Jorge Neto, membro da nossa tertúlia:
17.3.06 > Conflito de Casamança
Os confrontos entre forças guineenses e rebeldes de Casamança são cíclicos. Acontecem sempre que o Exército da Guiné tem a dirigi-lo alguém hostil à guerrilha, como acontece neste momento. Tagmé Na Wai, chefe de Estado Maior General das Forças Armadas da Guiné-Bissau tem um passado de lutas com o movimento rebelde.
Mas nem sempre foram hostis as relações entre as autoridades guineenses e a guerrilha. A Guiné já foi um dos principais fornecedores de armamento ao Movimento das Forças Democráticas de Casamança (MFDC). Diversos relatórios de política internacional asseguram que foi o tráfico de armamento de Bissau para a região do sul do Senegal que despoletou a guerra civil que opôs Nino Vieira a Ansumane Mané.
A guerrilha casamancence reclama, no essencial, a independência do território; um pedaço de terra do tamanho do Alentejo, encravado entre a Gâmbia e a Guiné-Bissau.
O movimento surgiu em 1982 pela mão de um ex-padre católico. Os diversos acordos de paz assinados desde há 24 anos não conseguiram colocar fim ao conflito mais antigo da África Ocidental e um dos mais antigos de toda a África.
Na sua actuação, os rebeldes servem-se da permeabilidade da fronteira da Guiné com o Senegal. Os guerrilheiros usam este facto e o isolamento da região, para fugir às autoridades dos dois países. Por detrás da disputa do território de Casamança há questões económicas: a costa marítima possui importantes reservas petrolíferas. Mas há também questões culturais: os casamancences não se assumem como senegaleses porque desde logo falam outras línguas, o djola, língua étnica, e o crioulo, herança da passagem portuguesa por ali até finais do século 19.
Jorge Neto
Mais uma vez, a população guineense - as mulheres, as crianças, os velhos, os mais pobres e os mais indefesos - têm de fugir das suas casas, por causa das rivalidades dos senhores da guerra... Infelizmente, na origem deste conflito estão causas remotas ou condições antecedentes a que os governos portugueses e franceses da época colonial, que (re)desenharam regiões inteiras a régua e esquadro, não serão alheios (LG)...
Com a devida vénia: Fonte: Africanidades, blogue do nosso amigo Jorge Neto, membro da nossa tertúlia:
17.3.06 > Conflito de Casamança
Os confrontos entre forças guineenses e rebeldes de Casamança são cíclicos. Acontecem sempre que o Exército da Guiné tem a dirigi-lo alguém hostil à guerrilha, como acontece neste momento. Tagmé Na Wai, chefe de Estado Maior General das Forças Armadas da Guiné-Bissau tem um passado de lutas com o movimento rebelde.
Mas nem sempre foram hostis as relações entre as autoridades guineenses e a guerrilha. A Guiné já foi um dos principais fornecedores de armamento ao Movimento das Forças Democráticas de Casamança (MFDC). Diversos relatórios de política internacional asseguram que foi o tráfico de armamento de Bissau para a região do sul do Senegal que despoletou a guerra civil que opôs Nino Vieira a Ansumane Mané.
A guerrilha casamancence reclama, no essencial, a independência do território; um pedaço de terra do tamanho do Alentejo, encravado entre a Gâmbia e a Guiné-Bissau.
O movimento surgiu em 1982 pela mão de um ex-padre católico. Os diversos acordos de paz assinados desde há 24 anos não conseguiram colocar fim ao conflito mais antigo da África Ocidental e um dos mais antigos de toda a África.
Na sua actuação, os rebeldes servem-se da permeabilidade da fronteira da Guiné com o Senegal. Os guerrilheiros usam este facto e o isolamento da região, para fugir às autoridades dos dois países. Por detrás da disputa do território de Casamança há questões económicas: a costa marítima possui importantes reservas petrolíferas. Mas há também questões culturais: os casamancences não se assumem como senegaleses porque desde logo falam outras línguas, o djola, língua étnica, e o crioulo, herança da passagem portuguesa por ali até finais do século 19.
Jorge Neto
domingo, 5 de março de 2006
Guiné 63/74 - P590: A pensão do Seni Candé (Hugo Moura Ferreira)
1. Mensagem do Hugo Moura Ferreira, de 24 de Fevereiro de 2006
Meus amigos:
Tal como lhes tinha dito que ia fazer, visitei o Arquivo Geral do Exército, tentando encontrar algo relacionado com o Seni Candé, ou mesmo o seu processo individual.
Como eles ali não têm nada digitalizado, por enquanto no que se refere às PU (Províncias Ultramarinas), não foi possível pesquisar nada. Muito menos quanto à hipótese de ele ter adquirido aqui outros nomes por erro de registo.
Assim ali o que me disseram foi para que tentasse saber os nomes do pai e da mãe, já que com a data de nascimento apenas (10 de Fevereiro de 1947) não seria também possível.
Assim, para dar continuidade ao que me propus fazer queria pedir a ajuda, caso seja possivel, do Jorge Neto que talvez localmente consiga obter essa informação.
Ficarei a aguardar qualquer notícia para poder dar continuidade, embora nos pareça difícil alterar a situação.
No meu caso, só no FIM de todas as tentativas é que as classificarei de infrutíferas ou não. Mas até lá...um abraço.
Moura Ferreira
2. Resposta anterior do Jorge Neto, de 10 de Fevereiro de 2006:
Caros tertulianos,
Pelas informações que consegui apurar não podemos fazer muito pelo Seni Candé (2), pelo menos para já. Parece que em 1982 o governo português passou para o governo guineense a responsabilidade do pagamento das pensões de reforma, invalidez, etc., dos antigos combatentes que haviam lutado no lado luso. Como devem imaginar, depois de 1982 nunca mais ninguém recebeu nada. Em troca, Portugal perdoou a dívida à Guiné-Bissau.
Assim sendo, actualmente a responsabilidade pelo pagamento das pensões a estes homens é do Estado guineense. Ao longo do fim-de-semana irei ainda estabelecer mais um contacto para averiguar tudo isto.
Só a título de curiosidade!... O homem faz anos hoje. Estive a ouvir as gravações outra vez e apercebi-me que nasceu a 10/02/47.
Um bom fim-de-semana,
JN (Africanidades)
__________
(1) Vd. posts de:
8 de Fevereiro de 2006 > Guiné 63/74 - DVI: As (des)venturas de Seni Candé (Jorge Neto)
10 de Fevereiro de 2006 > Guiné 63/74 - DXVI: O Seni Candé da minha CCAÇ 6 (Moura Ferreira)
(2) Vd. post de 9 de Fevereiro de 2006 > Guiné 63/74 - DX: O abandono do Seni Candé (Zé Neto)
Meus amigos:
Tal como lhes tinha dito que ia fazer, visitei o Arquivo Geral do Exército, tentando encontrar algo relacionado com o Seni Candé, ou mesmo o seu processo individual.
Como eles ali não têm nada digitalizado, por enquanto no que se refere às PU (Províncias Ultramarinas), não foi possível pesquisar nada. Muito menos quanto à hipótese de ele ter adquirido aqui outros nomes por erro de registo.
Assim ali o que me disseram foi para que tentasse saber os nomes do pai e da mãe, já que com a data de nascimento apenas (10 de Fevereiro de 1947) não seria também possível.
Assim, para dar continuidade ao que me propus fazer queria pedir a ajuda, caso seja possivel, do Jorge Neto que talvez localmente consiga obter essa informação.
Ficarei a aguardar qualquer notícia para poder dar continuidade, embora nos pareça difícil alterar a situação.
No meu caso, só no FIM de todas as tentativas é que as classificarei de infrutíferas ou não. Mas até lá...um abraço.
Moura Ferreira
2. Resposta anterior do Jorge Neto, de 10 de Fevereiro de 2006:
Caros tertulianos,
Pelas informações que consegui apurar não podemos fazer muito pelo Seni Candé (2), pelo menos para já. Parece que em 1982 o governo português passou para o governo guineense a responsabilidade do pagamento das pensões de reforma, invalidez, etc., dos antigos combatentes que haviam lutado no lado luso. Como devem imaginar, depois de 1982 nunca mais ninguém recebeu nada. Em troca, Portugal perdoou a dívida à Guiné-Bissau.
Assim sendo, actualmente a responsabilidade pelo pagamento das pensões a estes homens é do Estado guineense. Ao longo do fim-de-semana irei ainda estabelecer mais um contacto para averiguar tudo isto.
Só a título de curiosidade!... O homem faz anos hoje. Estive a ouvir as gravações outra vez e apercebi-me que nasceu a 10/02/47.
Um bom fim-de-semana,
JN (Africanidades)
__________
(1) Vd. posts de:
8 de Fevereiro de 2006 > Guiné 63/74 - DVI: As (des)venturas de Seni Candé (Jorge Neto)
10 de Fevereiro de 2006 > Guiné 63/74 - DXVI: O Seni Candé da minha CCAÇ 6 (Moura Ferreira)
(2) Vd. post de 9 de Fevereiro de 2006 > Guiné 63/74 - DX: O abandono do Seni Candé (Zé Neto)
quarta-feira, 8 de fevereiro de 2006
Guiné 63/74 - P489: As (des)venturas de Seni Candé (Jorge Neto)
Olá, Luís,
Junto envio um texto com quatro ficheiros sonoros acerca de um guineense que lutou do lado português. A estória de Seni Candé é muito interessante, a meu ver. Pena é que ele fale um mau português.
Se vir que tem interesse publique no Blogueforanada. Eu, no Africanidades, irei usar apenas a quarta parte.
O texto que se segue vai já editado, com tags para os ficheiros e tudo. É só fazer copy & paste (e as alterações que achar por bem fazer).
Um abraço,
Jorge Neto
Seni Candé, iludido pelo destino (entrevista e sonorização por Jorge Neto)
Guiné-Bissau >Parque Natural do Cantanhez > 2006 > Seni Candé, à direita na imagem
Se ainda fossem necessárias provas como a guerra colonial deixou memórias, Seni Candé seria uma delas. Este guineense defendeu a bandeira de Portugal na guerra colonial e, pode dizer-se, esteve do lado errado da luta. Assim que as tropas portuguesas bateram em retirada, Seni foi perseguido pelo PAIGC. Preso por duas vezes, escapou à morte refugiando-se na vizinha Gâmbia.
Hoje é guia de ocasião no Parque Natural do Cantanhez, no sul da Guiné-Bissau. Com onze filhos, sem emprego certo e uma casa miserável, Seni alimenta a esperança de um dia conseguir uma pensão do Estado português:
- Na embaixada de Portugal em Bissau não sabem do meu caso, mas assim que souberem pagam-me... É só eu ir lá! - O destino ilude Seni. O Estado português nunca pagará o braço direito que lhe roubou. Muito menos o resto, a dívida moral que tem para com ele (e tantos outros Senis espalhados pelas ex-colónias).
Nestes registos, Seni Candé,[nascido em 10 de Fevereiro de 1947] explica, num português que exige paciência (muita!), como entrou no exército verde-rubro [e chegou a 1º cabo, nº 397/65, CCAÇ 6]. Diz ainda com uma ponta de orgulho: "Sou um combatnte português". Fala dos oficiais que ficaram na sua sua memória,e que um dia, "se tiver saúde", ainda vai procurar a Portugal. Avalia, por fim, a coragem dos soldados portugueses, desde os açoreanos aos lisboetas (aqui se fica a saber quem eram os mais valentes).
Antes do fim, Seni relembra duas canções daquele doloroso tempo e uma passagem pela metrópole quando, à conta de um braço cortado, foi evacuado de avião [em 1969]. O Intendente, o Martim Moniz e a Trafaria fizeram as delícias deste homem que continua a acreditar que um dia voltará a ganhar o equivalente aos 775 Escudos que auferia na altura [e que faziam dele um homem "muito rico"].
2. Comentário de L.G.:
2.1. Instruções - Ligar o som... O carregamento de cada ficheiro pode levar algum tempo... Tenham alguma paciência... Mas estes quatro excertos da entrevista do Seni Candé, feitos pelo Jorge Neto, valem bem a pena!...
2.2. Este homem, o Seni Candé, de apelido tipicamente fula, que começou como caçador nativo, teve "três louvores de guerra" (em Novembro de 1968 e já em 1974, capturou três armas), ficou sem braço, decepado por uma roquetada (creio que em 3 de Junho de 1969), esteve na Metrópole em convalescença nesse ano e, tanto quanto eu percebi, esteve na CCAÇ 3493 (Mansambo e Cobumba) - refere o nome de vários capitões, incluindo o do nosso camarada de tertúlia, o Manuel Cruz - e na CCAÇ 6... É como se eu estivesse a ouvir os meus queridos nahrros da CCAÇ 12...
É a primeira vez que inserimos este tipo de ficheiros (de som) no nosso blogue. No seu conjunto, constituem um documento, pungente, de destroçar o coração!... A verdade é que nós abandonámos miseravelmente estes homens!
Estou profundamente agradecido ao Jorge pela sua sensibilidade e talento em saber tocar nestas feridas de guerra (que também nos doem, e de que maneira!).... Mesmo assim, admirem, amigos e camaradas de tertúlia, a serenidade com que este homem, o Candé, relata a sua vida de luta ao lado dos tugas, sem um queixume, sem uma reivindicação, com uma voz doce, com orgulho e... com uma grande saudade! Vejam como ele recorda o dia, em Cufar, em que viu, mais uma vez a morte á sua frente, com a CCAÇ 6 a sofer 5 mortos e 25 feridos... mas era "preciso coragem" para salvar os camaradas... Vejam como ele fala dos seus amigos portugueses e de Portugal!... Confesso que fiquei muito sensibilizado...
PS - O Sousa de Castro acaba de me confirmar e corrigir: " Luís, quando o Candé refere CCAÇ 3493 deve querer dizer CART 3493, pertencente ao BART 3873 que saiu de Mansambo para Cobumba em Março 1973. A CART 3494 substituiu a CART 3493 em Mansambo que estava no Xime. Era de facto o Manuel Cruz , o CMDT da CART 3493".
Primeira parte [Da CCAÇ 6 aos ajustes de contas do PAIGC, em 1975: fuzilamento do pai, do régulo e mais 5 pessoas da tabanca]
(Duração: 4.09mn)
Powered by Castpost
Segunda parte [Opinião sobre os combatentes portugueses, incluindo vários capitães / Referência à CCAÇ 3493 que veio de Mansambo para Cobumba, em Abril de 1973]
(Duração: 5.03m)
Powered by Castpost
Terceira parte [Evocando a Lisboa de 1969/70,as bajudas do Intendente e do Bairro Alto... quando era "muito rico"]
(Duração: 4.04m)
Powered by Castpost
Quarta parte [CCAÇ 6, Operação em Cufar, 5 mortos e 25 feridos / As nossas canções: Periquito vai no mato.../ Elisa, á-u-é, Elisa, á-u-á... ]
(Duração: 6.02m)
Powered by Castpost
Junto envio um texto com quatro ficheiros sonoros acerca de um guineense que lutou do lado português. A estória de Seni Candé é muito interessante, a meu ver. Pena é que ele fale um mau português.
Se vir que tem interesse publique no Blogueforanada. Eu, no Africanidades, irei usar apenas a quarta parte.
O texto que se segue vai já editado, com tags para os ficheiros e tudo. É só fazer copy & paste (e as alterações que achar por bem fazer).
Um abraço,
Jorge Neto
Seni Candé, iludido pelo destino (entrevista e sonorização por Jorge Neto)
Guiné-Bissau >Parque Natural do Cantanhez > 2006 > Seni Candé, à direita na imagem
Se ainda fossem necessárias provas como a guerra colonial deixou memórias, Seni Candé seria uma delas. Este guineense defendeu a bandeira de Portugal na guerra colonial e, pode dizer-se, esteve do lado errado da luta. Assim que as tropas portuguesas bateram em retirada, Seni foi perseguido pelo PAIGC. Preso por duas vezes, escapou à morte refugiando-se na vizinha Gâmbia.
Hoje é guia de ocasião no Parque Natural do Cantanhez, no sul da Guiné-Bissau. Com onze filhos, sem emprego certo e uma casa miserável, Seni alimenta a esperança de um dia conseguir uma pensão do Estado português:
- Na embaixada de Portugal em Bissau não sabem do meu caso, mas assim que souberem pagam-me... É só eu ir lá! - O destino ilude Seni. O Estado português nunca pagará o braço direito que lhe roubou. Muito menos o resto, a dívida moral que tem para com ele (e tantos outros Senis espalhados pelas ex-colónias).
Nestes registos, Seni Candé,[nascido em 10 de Fevereiro de 1947] explica, num português que exige paciência (muita!), como entrou no exército verde-rubro [e chegou a 1º cabo, nº 397/65, CCAÇ 6]. Diz ainda com uma ponta de orgulho: "Sou um combatnte português". Fala dos oficiais que ficaram na sua sua memória,e que um dia, "se tiver saúde", ainda vai procurar a Portugal. Avalia, por fim, a coragem dos soldados portugueses, desde os açoreanos aos lisboetas (aqui se fica a saber quem eram os mais valentes).
Antes do fim, Seni relembra duas canções daquele doloroso tempo e uma passagem pela metrópole quando, à conta de um braço cortado, foi evacuado de avião [em 1969]. O Intendente, o Martim Moniz e a Trafaria fizeram as delícias deste homem que continua a acreditar que um dia voltará a ganhar o equivalente aos 775 Escudos que auferia na altura [e que faziam dele um homem "muito rico"].
2. Comentário de L.G.:
2.1. Instruções - Ligar o som... O carregamento de cada ficheiro pode levar algum tempo... Tenham alguma paciência... Mas estes quatro excertos da entrevista do Seni Candé, feitos pelo Jorge Neto, valem bem a pena!...
2.2. Este homem, o Seni Candé, de apelido tipicamente fula, que começou como caçador nativo, teve "três louvores de guerra" (em Novembro de 1968 e já em 1974, capturou três armas), ficou sem braço, decepado por uma roquetada (creio que em 3 de Junho de 1969), esteve na Metrópole em convalescença nesse ano e, tanto quanto eu percebi, esteve na CCAÇ 3493 (Mansambo e Cobumba) - refere o nome de vários capitões, incluindo o do nosso camarada de tertúlia, o Manuel Cruz - e na CCAÇ 6... É como se eu estivesse a ouvir os meus queridos nahrros da CCAÇ 12...
É a primeira vez que inserimos este tipo de ficheiros (de som) no nosso blogue. No seu conjunto, constituem um documento, pungente, de destroçar o coração!... A verdade é que nós abandonámos miseravelmente estes homens!
Estou profundamente agradecido ao Jorge pela sua sensibilidade e talento em saber tocar nestas feridas de guerra (que também nos doem, e de que maneira!).... Mesmo assim, admirem, amigos e camaradas de tertúlia, a serenidade com que este homem, o Candé, relata a sua vida de luta ao lado dos tugas, sem um queixume, sem uma reivindicação, com uma voz doce, com orgulho e... com uma grande saudade! Vejam como ele recorda o dia, em Cufar, em que viu, mais uma vez a morte á sua frente, com a CCAÇ 6 a sofer 5 mortos e 25 feridos... mas era "preciso coragem" para salvar os camaradas... Vejam como ele fala dos seus amigos portugueses e de Portugal!... Confesso que fiquei muito sensibilizado...
PS - O Sousa de Castro acaba de me confirmar e corrigir: " Luís, quando o Candé refere CCAÇ 3493 deve querer dizer CART 3493, pertencente ao BART 3873 que saiu de Mansambo para Cobumba em Março 1973. A CART 3494 substituiu a CART 3493 em Mansambo que estava no Xime. Era de facto o Manuel Cruz , o CMDT da CART 3493".
Primeira parte [Da CCAÇ 6 aos ajustes de contas do PAIGC, em 1975: fuzilamento do pai, do régulo e mais 5 pessoas da tabanca]
(Duração: 4.09mn)
Powered by Castpost
Segunda parte [Opinião sobre os combatentes portugueses, incluindo vários capitães / Referência à CCAÇ 3493 que veio de Mansambo para Cobumba, em Abril de 1973]
(Duração: 5.03m)
Powered by Castpost
Terceira parte [Evocando a Lisboa de 1969/70,as bajudas do Intendente e do Bairro Alto... quando era "muito rico"]
(Duração: 4.04m)
Powered by Castpost
Quarta parte [CCAÇ 6, Operação em Cufar, 5 mortos e 25 feridos / As nossas canções: Periquito vai no mato.../ Elisa, á-u-é, Elisa, á-u-á... ]
(Duração: 6.02m)
Powered by Castpost
quinta-feira, 2 de fevereiro de 2006
Guiné 63/74 - P477: O segredo do Mário Dias, ex-sargento comando
1. Pedi para os amigos e camaradas de tertúlia lerem, comentarem e divulgarem o segredo que o Mário Dias aceitou partilhar connosco… Comentei que a nossa tertúlia se orgulhava de de ter um camarada como o Mário… Os comentários não se fizeram esperar...
2. Do Virgínio Briote:
Luís, eu não te dizia que o Mário é de facto uma mais valia? Foi meu instrutor nos comandos e foi um tipo que me marcou estes anos todos. Para mim foi uma referência! Ele não te contou, mas encontrou-se uns anos depois com o Domingos Ramos de armas na mão, cada um do seu lado, claro. E no meio dos tiros e dos apitos, acabaram por se verem!
O Blogue-Fora-Nada está rico, ganhou muito com a entrada em cena do Teixeira, enfermeiro, médico, um amigo daquelas gentes. E do capitão Neto. Que pontas de lança o fora-nada arranjou. Tens material para arrumar, por locais, por datas, eu sei lá. Uma obra que vai necessitar de um grupo de trabalho e que desde já me ofereço para colaborar no que for preciso.
Parabéns pelo excelente blogue!
Um abraço,
vb
3. Do Carlos Marques dos Santos:
Luís: Em resposta só me apetece dizer que a guerra não era nossa, se bem que a vivessemos todos os dias. Era daqueles que nunca estiveram, viveram ou perceberam a realidade.
Há, concerteza, muitas destas situações, vividas e não descritas oficalmente, como já tive ocasião de referir em anteriores entradas no Blogue.
Um abraço ao Mário Dias, através deste espaço importantíssimo que faz, efectivamente, a HISTÓRIA VIVIDA e REAL.
Uma lembrança ainda para os COMBATENTES IN.
Verticalidade é uma palavra e uma postura que se vai perdendo.
Um Abraço do CMS
4. Do João Tunes:
Caro Luís,
Fiquei siderado de encantamento com a história do Mário Dias. O texto dele vale uma guerra (ou seja, explica a guerra, até no seu absurdo, mais a humanidade que pode habitar a desumanidade maior). Parabéns aos dois. Espero que um e outro não levem a mal a minha transcrição no meu blogue Água Lisa (5).
Continências.
João Tunes
... O João escreveu estas duas linhas (belíssimas) de introdução ao relato do encontro do Mário com o Domingos: "O que pode acontecer a dois amigos a quem a guerra, tendo sido a arte da guerra que os fez amigos, os faz reencontrar face-to-face, de armas na mão, para matar ou morrer, com as contas trocadas entre o nós e os outros? Tudo. O melhor e o pior. Até isto (o sublime):" (segue-se um excerto do texto do Mário)
5. Do Leopoldo Amado:
Caro Luís,
Gostaria de ler essa história mas acontece que não sei em que site a mesma foi publicada.
Um abraço,
Leopoldo Amado
6. Do Albano Costa:
Fiquei paralizado ao ler esta história, do Mário Dias. Eu já fui para a guerra muito mais tarde, quase no fim, por isso acho que nunca passaria por uma estória assim, mas que foi um marco muito bonito na vida dos dois, aí isso foi!?...
Ó Mário, e tu tinhas essas memórias guardadas só para ti... não, não faças mais uma maldade dessas, conta-nos as tuas estórias, são estas coisas que é preciso passar cá para fora!... Só assim é que a guerra acaba de vez. Eu falo na guerra psicológica que ainda continua na mente de muito camaradas nossos e deles que estivemos inseridos nela.
Eu sempre pensei que, com todas a atrocidades que se fizeram, nunca houve nem da parte dos turras nem dos tugas a ideia de matar, mas claro sempre ia acontecendo, assim como sempre achei que a Guiné não era nossa.
Quanto à linha dura do PAIGC, isso não te preocupes:os camaradas e amigos do Domingos Ramos ao lerem, até vão aproveitar para contar também as estórias deles, e que bom que era.
O meu obrigado ao Mário Dias pela homenagem que prestou ao Domingo Ramos, de que os guineenses devem sentir-se orgulhosos.
Luís, o Mário precisa de ver os nossos encontros na Guiné com elementos do PAIGC, para lá ir prestar a sua homenagem ao seu amigo, empresta o DVD, para ele ver.
Um abraço,
Albano Costa
7. Do Jorge Neto (Africanidades):
UMA ESTÓRIA DE GUERRA E DE RESPEITO
Não é ficção, aconteceu na Guiné-Bissau em plena guerra de libertação (ou colonial, como lhe queiram chamar). Dois amigos (Domingos Ramos, hoje herói nacional) e Mário Dias (comando do exército português) lutavam em campos opostos. Um dia encontraram-se em plena mata e respeitaram-se, como amigos (e inimigos) que eram. A estória chega via BLOGUEFORANADA e demonstra como até na guerra o respeito e a amizade são duas armas poderosíssimas. Vale a pena ler. AQUI.
2. Do Virgínio Briote:
Luís, eu não te dizia que o Mário é de facto uma mais valia? Foi meu instrutor nos comandos e foi um tipo que me marcou estes anos todos. Para mim foi uma referência! Ele não te contou, mas encontrou-se uns anos depois com o Domingos Ramos de armas na mão, cada um do seu lado, claro. E no meio dos tiros e dos apitos, acabaram por se verem!
O Blogue-Fora-Nada está rico, ganhou muito com a entrada em cena do Teixeira, enfermeiro, médico, um amigo daquelas gentes. E do capitão Neto. Que pontas de lança o fora-nada arranjou. Tens material para arrumar, por locais, por datas, eu sei lá. Uma obra que vai necessitar de um grupo de trabalho e que desde já me ofereço para colaborar no que for preciso.
Parabéns pelo excelente blogue!
Um abraço,
vb
3. Do Carlos Marques dos Santos:
Luís: Em resposta só me apetece dizer que a guerra não era nossa, se bem que a vivessemos todos os dias. Era daqueles que nunca estiveram, viveram ou perceberam a realidade.
Há, concerteza, muitas destas situações, vividas e não descritas oficalmente, como já tive ocasião de referir em anteriores entradas no Blogue.
Um abraço ao Mário Dias, através deste espaço importantíssimo que faz, efectivamente, a HISTÓRIA VIVIDA e REAL.
Uma lembrança ainda para os COMBATENTES IN.
Verticalidade é uma palavra e uma postura que se vai perdendo.
Um Abraço do CMS
4. Do João Tunes:
Caro Luís,
Fiquei siderado de encantamento com a história do Mário Dias. O texto dele vale uma guerra (ou seja, explica a guerra, até no seu absurdo, mais a humanidade que pode habitar a desumanidade maior). Parabéns aos dois. Espero que um e outro não levem a mal a minha transcrição no meu blogue Água Lisa (5).
Continências.
João Tunes
... O João escreveu estas duas linhas (belíssimas) de introdução ao relato do encontro do Mário com o Domingos: "O que pode acontecer a dois amigos a quem a guerra, tendo sido a arte da guerra que os fez amigos, os faz reencontrar face-to-face, de armas na mão, para matar ou morrer, com as contas trocadas entre o nós e os outros? Tudo. O melhor e o pior. Até isto (o sublime):" (segue-se um excerto do texto do Mário)
5. Do Leopoldo Amado:
Caro Luís,
Gostaria de ler essa história mas acontece que não sei em que site a mesma foi publicada.
Um abraço,
Leopoldo Amado
6. Do Albano Costa:
Fiquei paralizado ao ler esta história, do Mário Dias. Eu já fui para a guerra muito mais tarde, quase no fim, por isso acho que nunca passaria por uma estória assim, mas que foi um marco muito bonito na vida dos dois, aí isso foi!?...
Ó Mário, e tu tinhas essas memórias guardadas só para ti... não, não faças mais uma maldade dessas, conta-nos as tuas estórias, são estas coisas que é preciso passar cá para fora!... Só assim é que a guerra acaba de vez. Eu falo na guerra psicológica que ainda continua na mente de muito camaradas nossos e deles que estivemos inseridos nela.
Eu sempre pensei que, com todas a atrocidades que se fizeram, nunca houve nem da parte dos turras nem dos tugas a ideia de matar, mas claro sempre ia acontecendo, assim como sempre achei que a Guiné não era nossa.
Quanto à linha dura do PAIGC, isso não te preocupes:os camaradas e amigos do Domingos Ramos ao lerem, até vão aproveitar para contar também as estórias deles, e que bom que era.
O meu obrigado ao Mário Dias pela homenagem que prestou ao Domingo Ramos, de que os guineenses devem sentir-se orgulhosos.
Luís, o Mário precisa de ver os nossos encontros na Guiné com elementos do PAIGC, para lá ir prestar a sua homenagem ao seu amigo, empresta o DVD, para ele ver.
Um abraço,
Albano Costa
7. Do Jorge Neto (Africanidades):
UMA ESTÓRIA DE GUERRA E DE RESPEITO
Não é ficção, aconteceu na Guiné-Bissau em plena guerra de libertação (ou colonial, como lhe queiram chamar). Dois amigos (Domingos Ramos, hoje herói nacional) e Mário Dias (comando do exército português) lutavam em campos opostos. Um dia encontraram-se em plena mata e respeitaram-se, como amigos (e inimigos) que eram. A estória chega via BLOGUEFORANADA e demonstra como até na guerra o respeito e a amizade são duas armas poderosíssimas. Vale a pena ler. AQUI.
quinta-feira, 6 de outubro de 2005
Guiné 63/74 - P211: Os sitiados de Guileje (João Tunes)
João António Tunes, Alferes Miliciano de Transmissões. Andou, de 1969 a 1971, por vários sítios da Guiné (não diz com quem...): Pelundo, Teixeira Pinto, Catió, Guileje, Bissau...
© João Tunes (2005)
Texto do João Tunes:
Obrigado, Jorge (1), pela informação. Vivi uma pequena parte (mas marcante e bem) da odisseia de Guiledje (2). Como o quartel estava sob a jurisdição do batalhão sedeado em Catió (assim como Gadamael e Cacine), eu tinha de lá ir uma vez por mês (ficando lá,uma semana) para ver como estavam as transmissões e mudar as cifras das mensagens e esperar por transporte de regresso a Catió. Porque, é claro que só lá chegava e de lá vinha por via aérea. E enquanto lá estava era "sempre a assoar". E julgo que em nenhum outro lugar da Guiné se sofreu tanto a intensidade e a impotência da guerra.
Excelente ideia a deste projecto a que, julgo, devemos dar todo o apoio. E bem me parece merecido que, pelo que se passou em Guiledje, se concentre neste projecto o apoio de todos os que combateram na Guiné (independentemente da localização que lhes calhou em sorte), construindo aí um memorial aos que de um e outro lado se pegaram com armas na mão. Melhor será que uns andarem às voltas com Mansoa, outros com Bula, outros com Pelundo, outros com...
Em tempos, Abril de 2004, coloquei um post em que recordo algumas sensações sobre Guiledje e que me permito transcrever.
Abraços para todos.
João Tunes
Guiné-Bissau > Foto aérea do antigo aquartelamento de Guileje (c. 1973)
© AD - Acção para o Desenvolvimento (2005)
Um voo com muita valentia, por João Tunes (Blogue Bota Acima, 7 de Abril de 2004)
O Tenente Aviador Aparício, lenço azul ao pescoço e ar de quem está meio cá meio lá, entre a terra e o céu, aterra a Dornier (3) na pista de terra batida de Catió. Quando encontra o primeiro militar que o foi receber, diz-lhe, rindo-se:
- Então, aqui come-se e bebe-se? - Claro que havia. Havia sempre para o Tenente Aparício.
O aviador é levado, de jipe, ao bar de oficiais e são-lhe servidas as melhores iguarias disponíveis, acompanhadas de cervejas bem geladas. Sabia-se do voo que já era, aliás, aguardado ansiosamente há vários dias. Os aviadores eram sempre recebidos como VIPs na messe de oficiais do batalhão de Catió, lugar que, na maior parte do ano, só tinha ligações com o exterior pelo ar. O aterrar de um avião ou de um heli era sempre motivo especial e que comportava a emoção de confirmar que Catió existia no mapa.
Entre todos os aviadores em serviço na Guiné, o marado do Tenente Aparício era o mais festejado e o mais bem-vindo. Não por ser marado mas por ser o mais marado de todos, tanto que era o único que se dispunha a aterrar de Dornier em Guileje. E Guileje era a posição mais martirizada e mais isolada da área de intervenção do batalhão e em toda a Guiné. Por causa disso, a tropa encaixava bem as risadas sem motivo e uma ou outra frase desconexa que ia largando, pelo valor único que ele representava para o batalhão e para o pessoal de Guileje.
Após meia hora a descansar, a comer e a beber, o Tenente Aparício ajeitou o lenço azul e levantou-se:
- Vamos a isto -, disse com os olhos a brilharem. Se era o único que aterrava em Guileje, aquele era o sítio onde ele mais gostava de ir. Cada viagem era uma aventura. E o Aparício adorava aventuras.
Carregado o correio, medicamentos, algumas peças e acessórios, tudo em quantidade limitada por causa do pouco peso que a aeronave podia transportar, o Tenente Aparício despediu-se. E mandou-me subir. Naquele dia eu ia ser seu companheiro de viagem até Guileje.
- Vamos a isto -, repetiu, repetindo também uma nova risada.
João Tunes, "sempre fardado": ontem de verde-rubro, hoje de vemelho, de águia ao peito...
© João Tunes (2005)
Ia para passar uma semana em Guileje, como fazia quase todos os meses, para tratar de problemas com as transmissões e trocar os códigos das cifras da criptografia. E, daquela vez, seria companheiro de viagem do Tenente Aparício. E uma ida a Guileje era sempre uma emoção, pelo risco e por rever os camaradas martirizados e isolados bem junto da fronteira com a Guiné-Conacri. Para mais, com o aviador mais marado da Guiné.
O aviador conduziu a aeronave com os jeitos e o ar de condutor habituado a uma estrada de todos os dias. E ia sempre a rir. De repente, a janela da Dornier do meu lado salta e desaparece. O ar entra em turbilhão e faz esvoaçar toda a papelada solta. O aviador riu-se ainda mais. Como tendo achado que aquele incidente só ia tornar mais insólita e mais típica aquela viagem e ainda dava para gozar com a cara azulada da preocupação do seu companheiro inquieto e que duvidava que, sem janela, aquela geringonça se pudesse aguentar no ar. O aviador comentou, contendo o riso:
- Eu bem disse na Base que essa merda estava mal apertada, mas não faz mal, o avião não cai, ficamos é com as ideias mais frescas.
A viagem decorreu, num regalo de vista sobre as matas luxuriantes de verde intenso como era típico do sul da Guiné, permanentemente atravessadas por enormes e serpenteantes cursos de água. Sempre a sobrevoar uma zona controlada pelo PAIGC. É que, no sul, tirando os quartéis isolados e sitiados de Catió, Guileje, Gadamael e Cacine, todos sob o comando militar de Catió, a zona era inteiramente controlada por guerrilheiros. Estes, só eram contrariados no seu domínio pelo exército português através de bombardeamentos aéreos, fogo de artilharia e surtidas temporárias das forças especiais. E isto durou até o PAIGC receber os mísseis dos soviéticos, porque, a partir daí, todos os aviadores se recusaram a voar no sul. Mas isso foi mais tarde (4), já o Aparício de lá tinha saído. Voar, naquela zona, era um desafio permanente às clássicas antiaéreas e havia que confiar na divina providência ou coisa do género. Naquela viagem, o risco era o costume, a beleza da paisagem idem, só a ventania dentro da cabine estava fora da rotina.
As palmeiras da periferia do quartel de Guileje perfilaram-se na frente da Dornier. À frente delas, distinguia-se o que parecia ser um quartel em estado degradado e meio despedaçado com uma bandeira portuguesa comida pelo sol e rota nos cantos, içada no meio dos casinhotos. O avião fez uma rápida volta de reconhecimento, rasou as copas das palmeiras, baixou repentinamente de altitude na clareira entre o palmeiral e o quartel, apontou o nariz direito a uma espécie de campo de futebol em terra batida, aterrou num movimento brusco e parou a poucos metros de uma carcaça de outra antiga Dornier que, antes, não tinha conseguido parar a tempo e se espatifara contra o muro do quartel. Era este risco permanente de as aeronaves imitarem a sua irmã espatifada que levava a que todos os camaradas do Aparício se recusassem a aterrar em Guileje. Mas ele preferia aquela viagem sobre todas as coisas na vida. Há homens para tudo, é o que vale aos abandonados pela sorte.
Indolentemente, alguns soldados montaram segurança à Dornier. Sem dirigirem palavra aos recém-chegados. Rostos fechados, olhares distantes e desinteresse ostensivo. O Tenente Aparício não queria sair do avião pois tinha de regressar a Bissau enquanto era dia. Só deu tempo para descer e tirar a carga destinada a Guileje. A guarda estava montada, G3 carregadas ao ombro, nada mais. Nenhum oficial ou graduado apareceu e os soldados da guarda não falavam. Disse alto e com bom som:
- Então não descarregam as vossas coisas? Porra, pelo menos, tirem o vosso correio.- Nada de reacção. Tivemos de ser, eu e o Aparício, que resolvemos o impasse mandando com os embrulhos e o saco do correio para o chão da pista, para que a Dornier pudesse regressar vazia.
Os militares em Guileje queriam lá saber das peças e dos acessórios. Inclusive, não mostravam qualquer interesse em ler as cartas dos familiares. Queriam lá saber da família. Ali, naquele sítio, nada interessava. Se calhar, já nem estavam interessados em sair dali. Talvez porque achassem que já não eram pessoas mas ratos metidos dentro de uma ratoeira, destinados a apanhar porrada, só apanhar porrada.
O Tenente Aviador Aparício regressou a Bissau sem a janela do lado direito. Que se lixasse o raio da janela.
- Talvez tenha acertado na cabeça do Nino -, disse com voz sumida. E levantou voo rumo a Bissau. Sem se rir. Talvez porque achasse que tinha visto, não uma companhia de militares portugueses, mas sim um bando de humanóides sem vontade de viver.
Enclausurados dentro do quartel, morteirada todos os dias em cima, com baixas quando iam buscar água a um quilómetro, comendo com uma perna fora da mesa para se atirarem para uma vala quando a primeira granada caísse, os militares de Guileje sentiam-se mais perto de outra vida que da vida vivida.
Os que não estavam malucos por lá andavam perto. Saudável, mesmo saudável, não havia quem servisse de amostra. O único divertimento era juntarem-se à volta de um bidão cheio de água do pântano que trazia meia dúzia de peixes minúsculos, dobrarem alfinetes, amarrá-los a uma linha, meterem uma côdea de pão em cada alfinete e tentarem pescar os ínfimos peixes. Cada um que apanhava um peixito, contava alto o seu score de pescador e voltava a deitar o peixe para dentro do bidão antes que morresse e o jogo tivesse de acabar por falta de motivo. E ali estavam horas naquilo, só se ouvindo, uma vez por outra, uma voz dizer oito, ou cinco, ou dez. No fim, nem o campeão se interessava por dizer que tinha sido ele a ganhar o concurso de pescaria. Em Guileje, ninguém se atrevia a dizer que ganhava o quer que fosse. Ali, a sensação era que só se perdia.
Perguntei pelo Alferes Médico Gouveia, pândego como poucos e meu companheiro inseparável na viagem de vinda no Niassa.
- Já cá não mora-, foi a resposta seca que obtive.
Só muito mais tarde me explicaram a sorte do meu amigo médico. O Alferes Médico Gouveia, quando foi destacado para Guileje, declarou toda a companhia em baixa psiquiátrica e requereu a sua substituição imediata.
- Está tudo maluco -, afirmou com a sua autoridade de médico. Ninguém lhe passou cartão. Ao fim de estar três meses em Guileje, o Alferes Médico teve autorização para ir passar férias a Portugal. Quando chegou a Bissau, exigiu que uma auto-metralhadora fosse disponibilizada para o levar à pista para embarcar no avião da TAP. Oficiais amigos conseguiram arranjar maneira de lhe fazer a vontade. E foi dentro de um blindado ligeiro que o Alferes Médico Gouveia se aproximou da escada de acesso ao avião pousado na pista civil de Bissau. Saiu do blindado, subiu a escada do avião, no cimo voltou-se, fez uma continência para a linha do horizonte e embarcou. Não regressou. Durante as férias, foi visto por uma junta médica e considerado inapto para o serviço militar. E safou-se de mais Guileje e de mais Guiné. Estava mais maluco que os malucos que ele não conseguira evacuar.
Muitas vezes mais haveria de fazer companhia ao Tenente Aviador Aparício, nos seus voos aventureiros pelos céus da Guiné. Mas a sensação de voar sem janela, essa nunca se repetiu. Repetia-se, isso sim, o resto: o aviador ria-se, sem jeito nem propósito, até chegar a Guileje, voltava sempre calado e de rosto fechado. Mas, continuava a ser o único que aterrava uma Dornier na pista de Guileje. Enquanto esteve na Guiné, ninguém quis disputar o título de aviador mais marado que pertencia, com todo o direito, ao Tenente Aviador Aparício.
____________
Notas de L.G.
(1) Jorge Neto. vd. post anterior, com a data de hoje > Guiné 63/74 - CCXXXI: Projecto Guileje... ou o triunfo da vida sobre a morte
(2) Dornier DO-27. Segundo a página do João Gil, dedicada a "algumas aeronaves militares usadas na Guerra Colonial em Moçambique" (T-6, Do-27, Fiat g-91, Noratlas, etc.), a Dornier DO-27 "foi o primeiro avião feito na Alemanha (Oeste) depois da Grande Guerra, seguindo o mesmo conceito do Fieseller Storch. Foram manufacturados 628, e tanto teve uso civil como militar". Citando como fonte a FAP, o autor diz que "os aviões Do 27, de que a Força Aérea teve 133 exemplares nas versões A3 e A4, começaram a ser recebidos em 1961", tendo sido "adquiridos para operação no Ultramar, em missões de transporte ligeiro, evacuação sanitária e reconhecimento armado, para o que eram equipados com lança foguetes".
Ainda segundo a mesma fonte, eis algumas das especificações do Dornier DO-27:
Motor: 270 hp;Envergadura: 12,00 m; Comprimento; 9,54 m; Altura: 3,28 m; Superfície Alar: 19,40 m2; Peso vazio: 983 Kg; Peso equipado: 1570 Kg; Velocidade máxima: 250 km/h; Raio de acção; 870 km; Razão de subida: 198 m/min; Tecto de serviço: 5500 m; Tripulação: 1 + 5. Ver ainda página, em inglês, dedicada ao DO27
(3) Guiledje ou Guileje ? Perguntei ao Ciberdúvidas da Língua Portuguesa qual é a grafia correcta. No tempo dos tugas, escrevia-se Guileje. Hoje, os guineenses e os cooperantes portugueses na Guiné-Bissau tendem a escrever Guiledje (ou até Guiledge). Em que é que ficamos ? Aguardo a resposta.
(4) Abril de 1973
© João Tunes (2005)
Texto do João Tunes:
Obrigado, Jorge (1), pela informação. Vivi uma pequena parte (mas marcante e bem) da odisseia de Guiledje (2). Como o quartel estava sob a jurisdição do batalhão sedeado em Catió (assim como Gadamael e Cacine), eu tinha de lá ir uma vez por mês (ficando lá,uma semana) para ver como estavam as transmissões e mudar as cifras das mensagens e esperar por transporte de regresso a Catió. Porque, é claro que só lá chegava e de lá vinha por via aérea. E enquanto lá estava era "sempre a assoar". E julgo que em nenhum outro lugar da Guiné se sofreu tanto a intensidade e a impotência da guerra.
Excelente ideia a deste projecto a que, julgo, devemos dar todo o apoio. E bem me parece merecido que, pelo que se passou em Guiledje, se concentre neste projecto o apoio de todos os que combateram na Guiné (independentemente da localização que lhes calhou em sorte), construindo aí um memorial aos que de um e outro lado se pegaram com armas na mão. Melhor será que uns andarem às voltas com Mansoa, outros com Bula, outros com Pelundo, outros com...
Em tempos, Abril de 2004, coloquei um post em que recordo algumas sensações sobre Guiledje e que me permito transcrever.
Abraços para todos.
João Tunes
Guiné-Bissau > Foto aérea do antigo aquartelamento de Guileje (c. 1973)
© AD - Acção para o Desenvolvimento (2005)
Um voo com muita valentia, por João Tunes (Blogue Bota Acima, 7 de Abril de 2004)
O Tenente Aviador Aparício, lenço azul ao pescoço e ar de quem está meio cá meio lá, entre a terra e o céu, aterra a Dornier (3) na pista de terra batida de Catió. Quando encontra o primeiro militar que o foi receber, diz-lhe, rindo-se:
- Então, aqui come-se e bebe-se? - Claro que havia. Havia sempre para o Tenente Aparício.
O aviador é levado, de jipe, ao bar de oficiais e são-lhe servidas as melhores iguarias disponíveis, acompanhadas de cervejas bem geladas. Sabia-se do voo que já era, aliás, aguardado ansiosamente há vários dias. Os aviadores eram sempre recebidos como VIPs na messe de oficiais do batalhão de Catió, lugar que, na maior parte do ano, só tinha ligações com o exterior pelo ar. O aterrar de um avião ou de um heli era sempre motivo especial e que comportava a emoção de confirmar que Catió existia no mapa.
Entre todos os aviadores em serviço na Guiné, o marado do Tenente Aparício era o mais festejado e o mais bem-vindo. Não por ser marado mas por ser o mais marado de todos, tanto que era o único que se dispunha a aterrar de Dornier em Guileje. E Guileje era a posição mais martirizada e mais isolada da área de intervenção do batalhão e em toda a Guiné. Por causa disso, a tropa encaixava bem as risadas sem motivo e uma ou outra frase desconexa que ia largando, pelo valor único que ele representava para o batalhão e para o pessoal de Guileje.
Após meia hora a descansar, a comer e a beber, o Tenente Aparício ajeitou o lenço azul e levantou-se:
- Vamos a isto -, disse com os olhos a brilharem. Se era o único que aterrava em Guileje, aquele era o sítio onde ele mais gostava de ir. Cada viagem era uma aventura. E o Aparício adorava aventuras.
Carregado o correio, medicamentos, algumas peças e acessórios, tudo em quantidade limitada por causa do pouco peso que a aeronave podia transportar, o Tenente Aparício despediu-se. E mandou-me subir. Naquele dia eu ia ser seu companheiro de viagem até Guileje.
- Vamos a isto -, repetiu, repetindo também uma nova risada.
João Tunes, "sempre fardado": ontem de verde-rubro, hoje de vemelho, de águia ao peito...
© João Tunes (2005)
Ia para passar uma semana em Guileje, como fazia quase todos os meses, para tratar de problemas com as transmissões e trocar os códigos das cifras da criptografia. E, daquela vez, seria companheiro de viagem do Tenente Aparício. E uma ida a Guileje era sempre uma emoção, pelo risco e por rever os camaradas martirizados e isolados bem junto da fronteira com a Guiné-Conacri. Para mais, com o aviador mais marado da Guiné.
O aviador conduziu a aeronave com os jeitos e o ar de condutor habituado a uma estrada de todos os dias. E ia sempre a rir. De repente, a janela da Dornier do meu lado salta e desaparece. O ar entra em turbilhão e faz esvoaçar toda a papelada solta. O aviador riu-se ainda mais. Como tendo achado que aquele incidente só ia tornar mais insólita e mais típica aquela viagem e ainda dava para gozar com a cara azulada da preocupação do seu companheiro inquieto e que duvidava que, sem janela, aquela geringonça se pudesse aguentar no ar. O aviador comentou, contendo o riso:
- Eu bem disse na Base que essa merda estava mal apertada, mas não faz mal, o avião não cai, ficamos é com as ideias mais frescas.
A viagem decorreu, num regalo de vista sobre as matas luxuriantes de verde intenso como era típico do sul da Guiné, permanentemente atravessadas por enormes e serpenteantes cursos de água. Sempre a sobrevoar uma zona controlada pelo PAIGC. É que, no sul, tirando os quartéis isolados e sitiados de Catió, Guileje, Gadamael e Cacine, todos sob o comando militar de Catió, a zona era inteiramente controlada por guerrilheiros. Estes, só eram contrariados no seu domínio pelo exército português através de bombardeamentos aéreos, fogo de artilharia e surtidas temporárias das forças especiais. E isto durou até o PAIGC receber os mísseis dos soviéticos, porque, a partir daí, todos os aviadores se recusaram a voar no sul. Mas isso foi mais tarde (4), já o Aparício de lá tinha saído. Voar, naquela zona, era um desafio permanente às clássicas antiaéreas e havia que confiar na divina providência ou coisa do género. Naquela viagem, o risco era o costume, a beleza da paisagem idem, só a ventania dentro da cabine estava fora da rotina.
As palmeiras da periferia do quartel de Guileje perfilaram-se na frente da Dornier. À frente delas, distinguia-se o que parecia ser um quartel em estado degradado e meio despedaçado com uma bandeira portuguesa comida pelo sol e rota nos cantos, içada no meio dos casinhotos. O avião fez uma rápida volta de reconhecimento, rasou as copas das palmeiras, baixou repentinamente de altitude na clareira entre o palmeiral e o quartel, apontou o nariz direito a uma espécie de campo de futebol em terra batida, aterrou num movimento brusco e parou a poucos metros de uma carcaça de outra antiga Dornier que, antes, não tinha conseguido parar a tempo e se espatifara contra o muro do quartel. Era este risco permanente de as aeronaves imitarem a sua irmã espatifada que levava a que todos os camaradas do Aparício se recusassem a aterrar em Guileje. Mas ele preferia aquela viagem sobre todas as coisas na vida. Há homens para tudo, é o que vale aos abandonados pela sorte.
Indolentemente, alguns soldados montaram segurança à Dornier. Sem dirigirem palavra aos recém-chegados. Rostos fechados, olhares distantes e desinteresse ostensivo. O Tenente Aparício não queria sair do avião pois tinha de regressar a Bissau enquanto era dia. Só deu tempo para descer e tirar a carga destinada a Guileje. A guarda estava montada, G3 carregadas ao ombro, nada mais. Nenhum oficial ou graduado apareceu e os soldados da guarda não falavam. Disse alto e com bom som:
- Então não descarregam as vossas coisas? Porra, pelo menos, tirem o vosso correio.- Nada de reacção. Tivemos de ser, eu e o Aparício, que resolvemos o impasse mandando com os embrulhos e o saco do correio para o chão da pista, para que a Dornier pudesse regressar vazia.
Os militares em Guileje queriam lá saber das peças e dos acessórios. Inclusive, não mostravam qualquer interesse em ler as cartas dos familiares. Queriam lá saber da família. Ali, naquele sítio, nada interessava. Se calhar, já nem estavam interessados em sair dali. Talvez porque achassem que já não eram pessoas mas ratos metidos dentro de uma ratoeira, destinados a apanhar porrada, só apanhar porrada.
O Tenente Aviador Aparício regressou a Bissau sem a janela do lado direito. Que se lixasse o raio da janela.
- Talvez tenha acertado na cabeça do Nino -, disse com voz sumida. E levantou voo rumo a Bissau. Sem se rir. Talvez porque achasse que tinha visto, não uma companhia de militares portugueses, mas sim um bando de humanóides sem vontade de viver.
Enclausurados dentro do quartel, morteirada todos os dias em cima, com baixas quando iam buscar água a um quilómetro, comendo com uma perna fora da mesa para se atirarem para uma vala quando a primeira granada caísse, os militares de Guileje sentiam-se mais perto de outra vida que da vida vivida.
Os que não estavam malucos por lá andavam perto. Saudável, mesmo saudável, não havia quem servisse de amostra. O único divertimento era juntarem-se à volta de um bidão cheio de água do pântano que trazia meia dúzia de peixes minúsculos, dobrarem alfinetes, amarrá-los a uma linha, meterem uma côdea de pão em cada alfinete e tentarem pescar os ínfimos peixes. Cada um que apanhava um peixito, contava alto o seu score de pescador e voltava a deitar o peixe para dentro do bidão antes que morresse e o jogo tivesse de acabar por falta de motivo. E ali estavam horas naquilo, só se ouvindo, uma vez por outra, uma voz dizer oito, ou cinco, ou dez. No fim, nem o campeão se interessava por dizer que tinha sido ele a ganhar o concurso de pescaria. Em Guileje, ninguém se atrevia a dizer que ganhava o quer que fosse. Ali, a sensação era que só se perdia.
Perguntei pelo Alferes Médico Gouveia, pândego como poucos e meu companheiro inseparável na viagem de vinda no Niassa.
- Já cá não mora-, foi a resposta seca que obtive.
Só muito mais tarde me explicaram a sorte do meu amigo médico. O Alferes Médico Gouveia, quando foi destacado para Guileje, declarou toda a companhia em baixa psiquiátrica e requereu a sua substituição imediata.
- Está tudo maluco -, afirmou com a sua autoridade de médico. Ninguém lhe passou cartão. Ao fim de estar três meses em Guileje, o Alferes Médico teve autorização para ir passar férias a Portugal. Quando chegou a Bissau, exigiu que uma auto-metralhadora fosse disponibilizada para o levar à pista para embarcar no avião da TAP. Oficiais amigos conseguiram arranjar maneira de lhe fazer a vontade. E foi dentro de um blindado ligeiro que o Alferes Médico Gouveia se aproximou da escada de acesso ao avião pousado na pista civil de Bissau. Saiu do blindado, subiu a escada do avião, no cimo voltou-se, fez uma continência para a linha do horizonte e embarcou. Não regressou. Durante as férias, foi visto por uma junta médica e considerado inapto para o serviço militar. E safou-se de mais Guileje e de mais Guiné. Estava mais maluco que os malucos que ele não conseguira evacuar.
Muitas vezes mais haveria de fazer companhia ao Tenente Aviador Aparício, nos seus voos aventureiros pelos céus da Guiné. Mas a sensação de voar sem janela, essa nunca se repetiu. Repetia-se, isso sim, o resto: o aviador ria-se, sem jeito nem propósito, até chegar a Guileje, voltava sempre calado e de rosto fechado. Mas, continuava a ser o único que aterrava uma Dornier na pista de Guileje. Enquanto esteve na Guiné, ninguém quis disputar o título de aviador mais marado que pertencia, com todo o direito, ao Tenente Aviador Aparício.
____________
Notas de L.G.
(1) Jorge Neto. vd. post anterior, com a data de hoje > Guiné 63/74 - CCXXXI: Projecto Guileje... ou o triunfo da vida sobre a morte
(2) Dornier DO-27. Segundo a página do João Gil, dedicada a "algumas aeronaves militares usadas na Guerra Colonial em Moçambique" (T-6, Do-27, Fiat g-91, Noratlas, etc.), a Dornier DO-27 "foi o primeiro avião feito na Alemanha (Oeste) depois da Grande Guerra, seguindo o mesmo conceito do Fieseller Storch. Foram manufacturados 628, e tanto teve uso civil como militar". Citando como fonte a FAP, o autor diz que "os aviões Do 27, de que a Força Aérea teve 133 exemplares nas versões A3 e A4, começaram a ser recebidos em 1961", tendo sido "adquiridos para operação no Ultramar, em missões de transporte ligeiro, evacuação sanitária e reconhecimento armado, para o que eram equipados com lança foguetes".
Ainda segundo a mesma fonte, eis algumas das especificações do Dornier DO-27:
Motor: 270 hp;Envergadura: 12,00 m; Comprimento; 9,54 m; Altura: 3,28 m; Superfície Alar: 19,40 m2; Peso vazio: 983 Kg; Peso equipado: 1570 Kg; Velocidade máxima: 250 km/h; Raio de acção; 870 km; Razão de subida: 198 m/min; Tecto de serviço: 5500 m; Tripulação: 1 + 5. Ver ainda página, em inglês, dedicada ao DO27
(3) Guiledje ou Guileje ? Perguntei ao Ciberdúvidas da Língua Portuguesa qual é a grafia correcta. No tempo dos tugas, escrevia-se Guileje. Hoje, os guineenses e os cooperantes portugueses na Guiné-Bissau tendem a escrever Guiledje (ou até Guiledge). Em que é que ficamos ? Aguardo a resposta.
(4) Abril de 1973
Guiné 63/74 - P210: Projecto Guileje (1): o triunfo da vida sobre a morte (Luís Graça)
Guiné- Bissau > Antigo aquartelamento de Guiledje (2005). Na foto, vêm-se dois guineenses, de nome Abubacar Serra e José Filipe Fonseca, que são associados da AD e os grandes dinamizadores do Projecto Guileje.
© AD - Acção para o Desenvolvimento (2005)
© AD - Acção para o Desenvolvimento (2005)
Notícias do nosso amigo Jorge Neto (um tertuliano de fresca data, e que trabalha, vive e sobrevive em Bissau).
Boa tarde a todos,
Boa tarde a todos,
Recebi na caixa de correio informação sobre uma ONG [Organização Não-Governamental]guineense que tem um projecto de reabilitação/restauro do histórico quartel de Guiledje [na região de Tombali, no sudoeste, na fronteira com a Guiné-Conacri].
Se alguém tiver interesse em conhecer o projecto bem como ver algumas fotos do que era e do que é, aqui fica o link.
http://www.adbissau.org/projectoguiledje.php
Para as fotos:
http://www.adbissau.org/fotos_guiledje.php
Cumprimentos
Jorge Neto
2. Comentário de Luís Graça:
Acabei de ler o documento, em formato.pdf, de seis páginas, intitulado "Guiledje, ideias para um projecto de reabilitação". Gostei, desde logo da citação: "Salvaguardar a memória é a única forma da vida triunfar sobre a morte". Mais do que uma citação, é um programa de acção!
Li e fiquei entusiasmado com as ideias apresentadas, a sua fundamentação, a sua metodologia de acção. E disse logo cá para mim mesmo: Ora aqui está um projecto à nossa medida, à medida destes ex-combatentes da guerra colonial da Guiné e dos demais amigos desta tertúlia.
Sinto que podemos fazer alguma coisa de concreto para viabilizar este projecto. Para já, podemos divulgá-lo e dá-lo a conhecer em Portugal. Penso que é um projecto, de grande interesse (histórico, cultural, económico, social e ambiental) para os guineenses, mas também para nós. Daqui uns anos os nossos netos e bisnetos irão aprender, na escola, onde ficava Guileje e discutir a sua importância para dois países que hoje se tratam como irmãos: Portugal e a Guiné-Bissau...
Guileje vai figurar, seguramente, nos manuais de história tal como Alcácer Quibir, ou outras batalhas que ficaram no nosso imaginário e marcaram o nosso destino. E o mesmo se passará com os netos e os bisnetos dos homens e das mulheres que lutaram pela independência da Guiné-Bissau, de armas na mão, e que cercaram o quartel de Guileje, de 18 a 22 de Maio de 1973 (Op Amilcar Cabral), até ao seu abandono pelos portugueses (1).
Guileje foi, a par de Madina do Boé (Fevereiro de 1969), um dos poucos aquartelamentos (não falo de destacamentos...) que os portugueses tiveram que abandonar, devido à pressão militar do PAIGC (que desde Março de 1973 já dispunha de mísseis terra-ar).
Guine > Guileje > Dois militares portugueses, junto ao Obus 140, em 1970 e 1971. Segundo informação do Carlos Schwarz, fundador e director executivo da AD, "a fotografia junto do Obus 140 foi-me dada por um militar português que lá esteve entre 70 e 71, na CCAÇ 2617, de nome Abílio Alberto Pimentel da Assunção, que é um dos 2 militares". A esta companhia deve-se ter seguido a CCAV 8350 (1972/73), uma unidade constituída essencialmente por soldados açorianos.
© AD - Acção para o Desenvolvimento (2005)
As consequências político-militares desta vitória da guerrilha foram enormes: (i) a partir de Agosto de 1973, está em marcha, em Bissau, o movimento que levará os militares ao poder, em Lisboa, a 25 de Abril de 1974; (ii) a 24 de Setembro é proclamada unilateralmente pelo PAIGC, nas colinas do Boé, a independência da Guiné e Cabo Verde, imediatamente reconhecida por mais de sete dezenas de países de todo o mundo.
Hoje há um projecto de desenvolvimento integrado para a região, incluindo a recuperação e a reabilitação do antigo quartel do Guiledje e da sua envolvente, a criação de um museu e de um centro de documentação, a par da criação do Parque Transfronteiriço do Cantanhez.
A iniciativa é de uma ONG, com sede em Bissau, que acaba de celebrar os seus 14 anos de trabalho em prol do "desenvolvimento justo e solidário". Trata-se da de AD-Acção para o Desenvolvimento, associação sobre a qual se pode saber mais, consultando o seu sítio.
Aqui fica, para já, o registo do meu apreço por este projecto que pode vir a não passar do papel, mas que à partida nos toca e sensibiliza a todos... O entusiasmo, a mobilização, o lobbying e a capacidade de realização ficam para outra fase. Para já deixem-nos sonhar, fazer flashback, voltar a ver o filme de trás para a frente e de frente para trás... Deixem-nos salvaguardar a memória dos portugueses e dos guineenses que viveram momentos dramáticos em Guileje... para que a vida saia vitoriosa, triunfando desta vez sobre a morte. Lá como cá.
Reproduzo, com a devida vénia, duas das fotos que ilustram o sítio do Projecto Guiledje, com conhecimento ao webmaster da página da AD a quem, desde já, agradeço.
Numa das fotos há dois guineenses (que tanto podem ser os autores deste projecto, como os antigos combatentes do PAIGC que participaram na batalha de Guileje: Braima Djassi e Roberto Quessangue, nomes referidos no site, sendo o último o presidente da Assembleia Geral da própria ONG), junto aos restos do brasão da Companhia de Cavalaria que defendia Guileje: a CCAV 8350, (19)72/74, Piratas de Guileje (as inscrições são perfeitamente legíveis na foto inserida na página da supracitada ONG)...
Na outra foto há dois militares portugueses, em 1970 ou 1971, junto ao obuz 140 mm, que equipava o aquartelamento.
______
(1) Sobre a batalha de Guileje, vd. post de 2 de Julho de 2005 > Guiné 69/71 - XCI: Antologia (6): A batalha de Guileje e Gadamael
Se alguém tiver interesse em conhecer o projecto bem como ver algumas fotos do que era e do que é, aqui fica o link.
http://www.adbissau.org/projectoguiledje.php
Para as fotos:
http://www.adbissau.org/fotos_guiledje.php
Cumprimentos
Jorge Neto
2. Comentário de Luís Graça:
Acabei de ler o documento, em formato.pdf, de seis páginas, intitulado "Guiledje, ideias para um projecto de reabilitação". Gostei, desde logo da citação: "Salvaguardar a memória é a única forma da vida triunfar sobre a morte". Mais do que uma citação, é um programa de acção!
Li e fiquei entusiasmado com as ideias apresentadas, a sua fundamentação, a sua metodologia de acção. E disse logo cá para mim mesmo: Ora aqui está um projecto à nossa medida, à medida destes ex-combatentes da guerra colonial da Guiné e dos demais amigos desta tertúlia.
Sinto que podemos fazer alguma coisa de concreto para viabilizar este projecto. Para já, podemos divulgá-lo e dá-lo a conhecer em Portugal. Penso que é um projecto, de grande interesse (histórico, cultural, económico, social e ambiental) para os guineenses, mas também para nós. Daqui uns anos os nossos netos e bisnetos irão aprender, na escola, onde ficava Guileje e discutir a sua importância para dois países que hoje se tratam como irmãos: Portugal e a Guiné-Bissau...
Guileje vai figurar, seguramente, nos manuais de história tal como Alcácer Quibir, ou outras batalhas que ficaram no nosso imaginário e marcaram o nosso destino. E o mesmo se passará com os netos e os bisnetos dos homens e das mulheres que lutaram pela independência da Guiné-Bissau, de armas na mão, e que cercaram o quartel de Guileje, de 18 a 22 de Maio de 1973 (Op Amilcar Cabral), até ao seu abandono pelos portugueses (1).
Guileje foi, a par de Madina do Boé (Fevereiro de 1969), um dos poucos aquartelamentos (não falo de destacamentos...) que os portugueses tiveram que abandonar, devido à pressão militar do PAIGC (que desde Março de 1973 já dispunha de mísseis terra-ar).
Guine > Guileje > Dois militares portugueses, junto ao Obus 140, em 1970 e 1971. Segundo informação do Carlos Schwarz, fundador e director executivo da AD, "a fotografia junto do Obus 140 foi-me dada por um militar português que lá esteve entre 70 e 71, na CCAÇ 2617, de nome Abílio Alberto Pimentel da Assunção, que é um dos 2 militares". A esta companhia deve-se ter seguido a CCAV 8350 (1972/73), uma unidade constituída essencialmente por soldados açorianos.
© AD - Acção para o Desenvolvimento (2005)
As consequências político-militares desta vitória da guerrilha foram enormes: (i) a partir de Agosto de 1973, está em marcha, em Bissau, o movimento que levará os militares ao poder, em Lisboa, a 25 de Abril de 1974; (ii) a 24 de Setembro é proclamada unilateralmente pelo PAIGC, nas colinas do Boé, a independência da Guiné e Cabo Verde, imediatamente reconhecida por mais de sete dezenas de países de todo o mundo.
Hoje há um projecto de desenvolvimento integrado para a região, incluindo a recuperação e a reabilitação do antigo quartel do Guiledje e da sua envolvente, a criação de um museu e de um centro de documentação, a par da criação do Parque Transfronteiriço do Cantanhez.
A iniciativa é de uma ONG, com sede em Bissau, que acaba de celebrar os seus 14 anos de trabalho em prol do "desenvolvimento justo e solidário". Trata-se da de AD-Acção para o Desenvolvimento, associação sobre a qual se pode saber mais, consultando o seu sítio.
Aqui fica, para já, o registo do meu apreço por este projecto que pode vir a não passar do papel, mas que à partida nos toca e sensibiliza a todos... O entusiasmo, a mobilização, o lobbying e a capacidade de realização ficam para outra fase. Para já deixem-nos sonhar, fazer flashback, voltar a ver o filme de trás para a frente e de frente para trás... Deixem-nos salvaguardar a memória dos portugueses e dos guineenses que viveram momentos dramáticos em Guileje... para que a vida saia vitoriosa, triunfando desta vez sobre a morte. Lá como cá.
Reproduzo, com a devida vénia, duas das fotos que ilustram o sítio do Projecto Guiledje, com conhecimento ao webmaster da página da AD a quem, desde já, agradeço.
Numa das fotos há dois guineenses (que tanto podem ser os autores deste projecto, como os antigos combatentes do PAIGC que participaram na batalha de Guileje: Braima Djassi e Roberto Quessangue, nomes referidos no site, sendo o último o presidente da Assembleia Geral da própria ONG), junto aos restos do brasão da Companhia de Cavalaria que defendia Guileje: a CCAV 8350, (19)72/74, Piratas de Guileje (as inscrições são perfeitamente legíveis na foto inserida na página da supracitada ONG)...
Na outra foto há dois militares portugueses, em 1970 ou 1971, junto ao obuz 140 mm, que equipava o aquartelamento.
______
(1) Sobre a batalha de Guileje, vd. post de 2 de Julho de 2005 > Guiné 69/71 - XCI: Antologia (6): A batalha de Guileje e Gadamael
quinta-feira, 29 de setembro de 2005
Guiné 63/74 - P202: Operação Guiné-Bissau 2006 (2)
Mensagem do Jorge Neto, enviada de Bissau à 1.51h da madrugada de hoje:
Caro Luís [Graça]e João [Tunes]:
Os agradecimentos pelas palavras elogiosas publicaram-se no blog [Africanidades: vd. post com data de hoje > Pegar de caras os fantasmas do colonialismo e da guerra do Ultramar].
Quanto ao restante, estou disponível para ajudar a preparar essa viagem. O que for preciso da minha parte é só pedir. Com uma condição. Imagino que uma vez cá, queiram dar uma volta pelos locais onde passaram. Bom, têm que me deixar ir convosco para fazer a reportagem. Se não houver lugar na cabine do 4x4 posso ir mesmo lá atrás, na caixa, onde viajam as galinhas! Eu garanto que ainda não sofro das costas.
Em resposta à provocação do João, devo dizer que o pior da viagem por terra é mesmo a Guiné-Bissau, onde as vias rodoviárias não são estradas com buracos, mas sim buracos com estrada. Sofrem mais as costas nessa centena de quilómetros que nos 4900 restantes. No entanto eu percebo essa preocupação. Venha lá de avião que a malta pede ao presidente Nino para disponibilizar a banda e ir esperar-vos ao aeroporto!
Quanto a colaborações no Blogue-Fora-Nada, dentro das minhas possibilidades tentarei. Como disse no post de agradecimento (vide AFRICANIDADES) não percebo nada de guerras. Talvez consiga de vez em quando uma ou outra foto de quartéis. Tiradas à socapa que nessas coisas de "Segurança de Estado" os militares guineenses continuam muito briosos. Pode o quartel ser um amontoado de tijolos sem telhado que se veja, mas se o turista tira o retrato está em apuros.
Um abraço e uma vez mais obrigado
Jorge Neto
Caro Luís [Graça]e João [Tunes]:
Os agradecimentos pelas palavras elogiosas publicaram-se no blog [Africanidades: vd. post com data de hoje > Pegar de caras os fantasmas do colonialismo e da guerra do Ultramar].
Quanto ao restante, estou disponível para ajudar a preparar essa viagem. O que for preciso da minha parte é só pedir. Com uma condição. Imagino que uma vez cá, queiram dar uma volta pelos locais onde passaram. Bom, têm que me deixar ir convosco para fazer a reportagem. Se não houver lugar na cabine do 4x4 posso ir mesmo lá atrás, na caixa, onde viajam as galinhas! Eu garanto que ainda não sofro das costas.
Em resposta à provocação do João, devo dizer que o pior da viagem por terra é mesmo a Guiné-Bissau, onde as vias rodoviárias não são estradas com buracos, mas sim buracos com estrada. Sofrem mais as costas nessa centena de quilómetros que nos 4900 restantes. No entanto eu percebo essa preocupação. Venha lá de avião que a malta pede ao presidente Nino para disponibilizar a banda e ir esperar-vos ao aeroporto!
Quanto a colaborações no Blogue-Fora-Nada, dentro das minhas possibilidades tentarei. Como disse no post de agradecimento (vide AFRICANIDADES) não percebo nada de guerras. Talvez consiga de vez em quando uma ou outra foto de quartéis. Tiradas à socapa que nessas coisas de "Segurança de Estado" os militares guineenses continuam muito briosos. Pode o quartel ser um amontoado de tijolos sem telhado que se veja, mas se o turista tira o retrato está em apuros.
Um abraço e uma vez mais obrigado
Jorge Neto
quarta-feira, 28 de setembro de 2005
Guiné 63/74 - P196: Good moooooooorning, Guinea-Bissau!
Blogue Africanidades
© Jorge Neto (2005)
Texto de Luís Graça:
Meu caro tuga, Jorge Neto:
Não tenho o prazer de te conhecer pessoalmente, mas o teu blogue fala por ti. Para já os meus parabéns pelas tuas Africanidades. Tu mantens a ponte (tensa e frágil) com estes gajos que por enquanto estão, trabalham, vivem, comem e dormem, neste lado do bem-bom do mundo, com vistas largas para o resto do universo... Alguns dormem mal, porque ainda são capazes de pensar nos dois mil milhões de homens, mulheres e crianças que (sobre)vivem nos subterrâneos do planeta, com menos de dois dólares de rendimento por dia...
Ontem reencaminhei para os meus colegas da saúde pública, umas chapas, daquelas de encher o olho do turista globalizado, sobre o nosso planeta, a nossa casa, lindíssima. Eu fico sempre de pé atrás com estas coisas, sobretudo pelo branqueamento que é feito, escondendo o sujo e o feio que é o outro lado da nossa casa. Daí ter escrito, em nota de pé de página, a acompanhar o reencaminhamento do ficheiro com as ditas imagens:
- Não sei se a nossa casa, o nosso planeta azul, é lindíssimo ou apenas lindo… De dentro, é difícil ser imparcial e objectivo. Há partes da casa que são deslumbrantes. Outras são vulgares … e muitas delas transfomaram-se em salas dos horrores, sem esquecer o sótão dos pesadelos… Dito isto, desfrutem destas paisagens da nossa casa. Há poetas e fotógrafos que cuidam do nosso bem-estar. Alguns deles são peritos em dar um toque especial às coisas. It’s magic!... Cada vez precisamos mais de magia… até para construir uma nova cultura da saúde pública. Eu sei que estas coisas roubam tempo (o vosso, o meu) e espaço (dos nossos já obsoletos PC) mas isto também ajuda, espero, a limpar a vista, parafraseando um melómano, meu conhecido, que tem o saudável hábito de ir ouvir ao vivo, todos os anos, a orquestra filarmónica de Berlim… “para limpar o ouvido” (sic).
Nas tuas Africanidades não fazes batota: a tua Guiné não é só o postal ilustrado dos rápidos do Saltinho ou do paraíso perdido dos Bijagós... Também és capaz de nos tirar o sono!
Escrevo-te também pela simples razão de que o teu nome apareceu num blogue que eu animo, o Blogue-Fora-Nada, pensado originalmente para eu cultivar as minhas blogarias de luxo e matar o vício da escrita e da comunicação... E que acabou por transformar-se num jornal de caserna de uns tantos pobres diabos, como eu e outros camaradas (literalmente camaradas, no sentido etimológico do termo), que ainda não conseguiram exorcizar os fantasmas da guerra (colonial) da Guiné (ou da guerra do ultramar, para manter o pluralismo ideológico e semântico)...
Convenhamos que o caso é de psiquiatria, mas como eu costumo dizer fica mais barato blogar do que ir à consulta do stresse pós-traumático de guerra do meu amigo Afonso de Albuquerque, no Hospital Psiquiátrico Júlio de Matos. Em resumo, puseram-te ao barulho e vão-te mandar um emissário, de seu nome Paulo Salgado, que por acaso foi meu aluno, por uns dias, de um curso de especialização em administração hospitalar nos já idos anos de 1982, quando eu ainda era um simples prelector convidado da Escola Nacional de Saúde Pública...
Sem te conhecer (e conhecendo os teus escritos e as tuas fotos só de relance), escrevi sobre ti uma pequena nota d pé de página: "[Jorge Neto:] O autor do blogue Africanidades, cooperante em Bissau. Possível contacto em Bissau, de acordo com uma sugestão do João Tunes, para uma possível viagem de retorno àquelas terras, para matar saudades e não só... Este blogue é obrigatório para quem quiser conhecer a realidade da África de hoje, e em particular a Guiné-Bissau. Excelente documentação fotográfica. Um tuga que conhece e ama a África. Podem contactá-lo, ao Jorge Neto, por e-mail. Façam uma primeira visita ao seu blogue".
Sei que não tens nada para vender, no sentido material e mercantil do termo, pelo que não entendas este paleio como publicidade comercial (e muito menos enganosa), feita por interposta pessoa. Trocando amabilidades, ficas convidado a visitar o nosso Blogue-Fora-Nada e, inclusive, a escrever para ele.
É que infelizmente, para nós e para os nossos amigos da Guiné-Bissau, a guerra não acabou em 1974... Ainda não acabou. Nós temos contas a ajustar com aquela guerra. E para os guineenses, há outras batalhas a travar e outra guerra, ainda mais importante, para ganhar. Uma guerra que tem de ser ganha por todos, eles e nós. E sobretudo por estes djubis, estas crianças, que tu nos mostras na foto que eu tomei a liberdade de aqui reproduzir, com a devida vénia.
Boa saúde, bom trabalho, Jorge!
Subscrever:
Mensagens (Atom)