Depois de doze anos de luta encarniçada, o Furriel Magalhães Ribeiro arreia a bandeira de Portugal em Set 1974, em Mansoa. Foto de Magalhães Ribeiro.
Diz-se que, em 1963, aquando de uma visita de uma delegação do PAIGC à República Popular da China, Amílcar Cabral (2), depois de ter ouvido uma canção de Xiao He, terá dito que gostaria que fosse ele, Xiao He, o compositor a fazer uma música similar para inspirar a população da Guiné a alcançar a independência.
Um guerrilheiro hasteia a bandeira da Guiné-Bissau, em Mansoa. Foto de Magalhães Ribeiro.
Usando música africana como inspiração, Xiao He compôs a música, que depois da Independência em 1974, se viria a tornar o Hino da Guiné-Bissau.
Sol, suor e o verde e mar,
Séculos de dor e esperança:
Esta é a terra dos nossos avós!
Fruto das nossa mãos,
Da flor do nosso sangue:
Esta é a nossa pátria amada.
CORO
Viva a pátria gloriosa!
Floriu nos céus a bandeira da luta.
Avante, contra o jugo estrangeiro!
Nós vamos construir
Na pátria imortal
A paz e o progresso!
Nós vamos construir
Na pátria imortal
A paz e o progresso!
Paz e o progresso!
Ramos do mesmo tronco,
Olhos na mesma luz:
Esta é a força da nossa união!
Cantem o mar e a terra
A madrugada e o sol
Que a nossa luta fecundou.
CORO
Viva a pátria gloriosa (...) (1)
__________´
Nota de vb:
(1) Fonte: World Statesmen.org
Letra de Amílcar Lopes Cabral
Musica de Xiao He
(2)No seu livro Crónica da Libertação, Luís Cabral atribui a si a paternidade de tal iniciativa descrevendo em pormenor os passos que deu para obter de Xiao He "as propostas de partituras para o Hino do Partido e para o Hino dos Trabalhadores, acompanhadas de uma fita magnética com o registo das respectivas interpretações" (pgs 225, 226)
Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
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sexta-feira, 7 de dezembro de 2007
domingo, 2 de dezembro de 2007
Guiné 63/74 - P2324: (Ex)citações (1): Um pouco de humor de vez em quando também nos faz bem (Henrique Matos)
Na foto, à esquerda: Dois primatas em Guileje... O maior é o nosso amigo e camarada J. Casimiro Carvalho, ex- Fur Mil Op Esp, dos Piratas de Guileje (CCAV 8350, Dez 1972/Mai 1973). Na nossa Tabanca Grande não queremos ninguém como o macaco da justiça: cego, surdo e mudo...
Foto: © José Casimiro Carvalho (2007). Direitos reservados.
1. Mensagem do Albano Costa (Guifões, Matosinhos):
Caros Luís Graça e co-editores
É só para fazer uma pequena rectificação, sobre a foto do post P2321: o colega que está na foto não é o Zé Teixeira, mas sim um outro colega, de nome Carlos Azevedo... Ele esteve em Bedanda, em 1970/72, não faz parte da Tabanca Grande, mas vive na mesma freguesia do Zé Teixeira.
O Blogue cada vez está mais interessanto, bem hajam.
Um abraço
Albano Costa
2. Mensagem do editor, L.G.:
Zé: Está esclarecido o mistério do tuga... Gostei da tua prosa. Como viste, publiquei-a de imediato.
3. Mensagem do Zé Teixeira (Matosinhos):
Certo, Luís. O blogue é um espaço aberto onde toda a gente deve expor as suas ideias. A dinâmica do próprio blogue se encarregará de fazer as correcções devidas. Foi o que eu tentei fazer de imediato. Podes crer que fiquei chocado, embora compreenda que para quem presumivelmente não esteve na guerra criasse outas expectativas.
Abraço fraternal do
J.Teixeira
4. Comentários, já publicado, ao post P2323:
Henrique Matos:
Contrariamente à opinião do Zé Teixeira, que respeito, confesso que até me diverti bastante a ler o apontamento de Manuel Trindade sobre o Hino de Gandembel, pois estou convencido que se tratou duma paródia e apenas se destinava ao Beja Santos. Um pouco de humor de vez em quando também nos faz bem.
Luís Graça:
Leiam o que escrevi no post 2205, de 23 de Outubro último:
A bianda, o tacho, a comes-e-bebes, o rancho, além do álcool, era talvez a principal preocupação do tuga na Guiné... O supremo luxo era um bifinho com batatas fritas e ovo a cavalo, em Bissau, Bafatá, Nova Lamego, regado com vinho verde ou com umas bazucas...
Veja-se, nos nossos cancioneiros, como o fantasma da fome, a pulsão da comida (e da bebida), inspirava os nossos poetas e humoristas de caserna. É apenas uma amostra... Também deveria fazer parte de qualquer filme-documentário sobre o quotidiano das NT, nos buracos (aquartelamentos e destacamentos) em que vivia... Esta também é outra face da guerra. Talvez um dia alguém a consiga passar para o grande écrã. Como diz o Jorge Cabral, a 'nossa' guerra não teve apenas duas faces, era um verdadeiro caleidoscópio...
Eu acrescentaria mais o seguinte: aguentámos tudo o que havia a aguentar - para além do razoável e às vezes até do humano - com estoicismo, com valentia, com galhardia, com 'sangue, suor e lágrimas', sem dúvida, mas também com muito humor (negro, às vezes)...
Henrique Matos< 5. Ver também o comentário do Joaquim Mexia Alves (Monte Real, Leiria):
A minha primeira reacção foi igual à do Zé Teixeira e confesso que essa reacção ainda não me abandonou. Sou uma pessoa de humor, julgo eu, e gosto do humor, como se poderá ver por algumas coisas que escrevi. Não sou no entanto apologista de que tudo serve para o humor, e há coisas que tocam tão profundamente as nossas vidas, sobretudo ao nível dos sentimentos, que devem ser respeitadas por todos.
Posto isto, desvalorizo o assunto, não lhe dando importância, pois me parece a melhor forma de com ele lidar. Ao que percebi, o Manuel Trindade não pertence à Tertúlia nem esteve na guerra em África, por isso não pode perceber como certas coisas doem e não é com humor deste que cicatrizam, mas enfim, tudo bem.
A minha pergunta, que coloco aos nossos comandantes é: Será boa politica a intervenção de pessoas que não tendo vivido a guerra, aqui querem opinar sobre ela, seja de que maneira for, com humor ou sem humor? Não poderá perder-se um pouco a identidade da Tertúlia?
Abraço camarigo do
Joaquim Mexia Alves
Guiné 63/74 - P2323: Um insulto aos heróis de Gandembel (Zé Teixeira)
1. Mensagem de Zé Teixeira (ex-1.º Cabo Enf da CCAÇ 2381, Buba, Quebo, Mampatá e Empada , 1968/70, actualmente residente em Matosinhos, bancário, reformado, um homem bem disposto que tem por alcunha, entre os escuteiros, de que é dirigente, o Esquilo Sorridente; é, além disso, um dos nossos antigos e proactivos membros da nossa tertúlia) (1):
Meus caros amigos [editores]:
Agradecia que retirassem ao meu nome da foto humorística em Ponte Balana ano 2000, só porque não se trata da minha pessoa. Apesar de ter voltado à Guiné, foi em 2005 e não tive oportunidade de ir a Balana, muito menos, como é compreensível ir lá de propósito arriar o calhau.
Sobre os comentários do Sr. Manuel Trindade (2), lamento a sua pobre imaginação em reduzir a canção ou hino de Gandembel a uma música pimba, no sentido depreciativo que lhe dá, que eu considero, no mínimo humor de mau gosto, logo desprezível..
Não creio que tenha vivido em situações de guerra, caso contrário entenderia facilmente que a reacção da nossa gente às situações difíceis que lhe apareciam pela frente, passado o sofrimento que tantas vezes era atroz, pelos perigos que tinha de enfrentar, pelos camaradas feridos e em sofrimento, pelos amigos que nos deixavam para sempre; a reacção, no combate ao medo que nos ficava na alma e entorpecia os sentimentos e a mente era cantando quantas vezes (na caserna do Zé Soldado), com uma bazuca [cerveja] a mais, coisas alegres que recordávamos da nossa terra, já existentes ou recriando-se piadelicamente os acontecimentos sofridos.
Não eram hinos a contar a heroicidade, esses ficam para os mais letrados ou doutores chamados Trindade, eram estórias reais. E essas é merecem ser escritas e contadas aos vindouros, não os hinos heróicos que mistificam a realidade.
Eu que não vivi Gandembel, mas visitei em tempo de guerra, integrado nas colunas que lhe levavam uma réstia de esperança do mundo e sentia a poucos quilómetros o horror do seu sofrimento, com ataques de dia e de noite (3). Eu, que ao chegar lá, senti a Parada a ser varrida por uma rajada inimiga em pleno dia e não me limpou o sarampo, porque um conterrâneo meu, ali estacionado, me gritou ao longe, encostado a um abrigo, Foge daí!. Eu entendo bem a linguagem e a mensagem do seu hino, talvez escrito por um jovem com a 4ª classe (linguagem da altura). O hino pretende contar a sua história.
A alimentação, o tal feijão era que muitas vezes havia para comer. Não merece ser reduzido a confundido com situações de flatulência/ canhoadas e morteiradas, porque estas eram reais e traziam a morte. Eu também vivi situações destas. Em Buba, por exemplo e a CCAÇ 2317 também lá estava, uma temporada em que a alimentação era feijão com amostras de chispe ao meio dia e amostras de chispe com feijão à noite, ou então arroz com marmelada.
Os abrigos de madeiras eram reais, construídos com suor, perigos, lágrimas de saudade, lágrimas de medo. O cimento foi amassado com sangue dos camaradas que deixaram lá a vida
Reduzir isto a música pimba, é um insulto aos camaradas de Gandembel.
J.Teixeira
Esquilo Sorridente
2. Comentário de L.G.:
(i) As minhas sinceras desculpas pelo lapso, em relação à legenda da fotografia em causa. Os neurónios do meu PC já andam a ficar baralhados. De facto, em Novembro de 2000, em Ponte Balana, não podias ser tu, porque não tens o dom da ubiquidade. Tratava-se de um dos camaradas do grupo do Albano Costa. Já rectifiquei a legenda...
(ii) Quanto à tua indignação... entendo-a, compreendo-a e aceito-a... Mas, como sabes, no nosso blogue não há tabus nem censura (editorial): a intenção do Manuel Trindade (que eu não conheço pessoalmente) não era de insultar os nossos camaradas de Gandembel/Ponte Balana, nem de menosprezar o seu hino...
A tua reacção é saudável e ajuda a compreender melhor o nosso comportamento quotidiano nos buracos onde vivíamos (!)...
_____
Notas de L.G.:
(1) Vd. post de 14 de Março de 2006 > Guiné 63/74 - DCXXVI: O meu diário (Zé Teixeira) (fim): Confesso que vi e vivi
(2) Vd. post de 1 de Dezembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2321: Humor de caserna (3): Hino de Gandembel: hino de guerra ou música pimba ? (Manuel Trindade)
(3) Vd. post de 25 de Setembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2129: Quero depositar um ramo de flores em Gandembel (José Teixeira)
Meus caros amigos [editores]:
Agradecia que retirassem ao meu nome da foto humorística em Ponte Balana ano 2000, só porque não se trata da minha pessoa. Apesar de ter voltado à Guiné, foi em 2005 e não tive oportunidade de ir a Balana, muito menos, como é compreensível ir lá de propósito arriar o calhau.
Sobre os comentários do Sr. Manuel Trindade (2), lamento a sua pobre imaginação em reduzir a canção ou hino de Gandembel a uma música pimba, no sentido depreciativo que lhe dá, que eu considero, no mínimo humor de mau gosto, logo desprezível..
Não creio que tenha vivido em situações de guerra, caso contrário entenderia facilmente que a reacção da nossa gente às situações difíceis que lhe apareciam pela frente, passado o sofrimento que tantas vezes era atroz, pelos perigos que tinha de enfrentar, pelos camaradas feridos e em sofrimento, pelos amigos que nos deixavam para sempre; a reacção, no combate ao medo que nos ficava na alma e entorpecia os sentimentos e a mente era cantando quantas vezes (na caserna do Zé Soldado), com uma bazuca [cerveja] a mais, coisas alegres que recordávamos da nossa terra, já existentes ou recriando-se piadelicamente os acontecimentos sofridos.
Não eram hinos a contar a heroicidade, esses ficam para os mais letrados ou doutores chamados Trindade, eram estórias reais. E essas é merecem ser escritas e contadas aos vindouros, não os hinos heróicos que mistificam a realidade.
Eu que não vivi Gandembel, mas visitei em tempo de guerra, integrado nas colunas que lhe levavam uma réstia de esperança do mundo e sentia a poucos quilómetros o horror do seu sofrimento, com ataques de dia e de noite (3). Eu, que ao chegar lá, senti a Parada a ser varrida por uma rajada inimiga em pleno dia e não me limpou o sarampo, porque um conterrâneo meu, ali estacionado, me gritou ao longe, encostado a um abrigo, Foge daí!. Eu entendo bem a linguagem e a mensagem do seu hino, talvez escrito por um jovem com a 4ª classe (linguagem da altura). O hino pretende contar a sua história.
A alimentação, o tal feijão era que muitas vezes havia para comer. Não merece ser reduzido a confundido com situações de flatulência/ canhoadas e morteiradas, porque estas eram reais e traziam a morte. Eu também vivi situações destas. Em Buba, por exemplo e a CCAÇ 2317 também lá estava, uma temporada em que a alimentação era feijão com amostras de chispe ao meio dia e amostras de chispe com feijão à noite, ou então arroz com marmelada.
Os abrigos de madeiras eram reais, construídos com suor, perigos, lágrimas de saudade, lágrimas de medo. O cimento foi amassado com sangue dos camaradas que deixaram lá a vida
Reduzir isto a música pimba, é um insulto aos camaradas de Gandembel.
J.Teixeira
Esquilo Sorridente
2. Comentário de L.G.:
(i) As minhas sinceras desculpas pelo lapso, em relação à legenda da fotografia em causa. Os neurónios do meu PC já andam a ficar baralhados. De facto, em Novembro de 2000, em Ponte Balana, não podias ser tu, porque não tens o dom da ubiquidade. Tratava-se de um dos camaradas do grupo do Albano Costa. Já rectifiquei a legenda...
(ii) Quanto à tua indignação... entendo-a, compreendo-a e aceito-a... Mas, como sabes, no nosso blogue não há tabus nem censura (editorial): a intenção do Manuel Trindade (que eu não conheço pessoalmente) não era de insultar os nossos camaradas de Gandembel/Ponte Balana, nem de menosprezar o seu hino...
A tua reacção é saudável e ajuda a compreender melhor o nosso comportamento quotidiano nos buracos onde vivíamos (!)...
_____
Notas de L.G.:
(1) Vd. post de 14 de Março de 2006 > Guiné 63/74 - DCXXVI: O meu diário (Zé Teixeira) (fim): Confesso que vi e vivi
(2) Vd. post de 1 de Dezembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2321: Humor de caserna (3): Hino de Gandembel: hino de guerra ou música pimba ? (Manuel Trindade)
(3) Vd. post de 25 de Setembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2129: Quero depositar um ramo de flores em Gandembel (José Teixeira)
sábado, 1 de dezembro de 2007
Guiné 63/74 - P2321: Humor de caserna (3): Hino de Gandembel: hino de guerra ou música pimba ? (Manuel Trindade)
Guiné-Bissau > Região de Tombali > POnte Balana > Novembro de 2000 > Um tuga, um homem de calças na mão...na Ponte Balana, antigo destacamento de Gandembel, ao tempo da CCAÇ 2317 (Abril de 1968/Janeiro de 1969). O motivo foi um ataque de... formigas carnívoiras!
Foto: © Albano Costa (2006) (1)
1. Chegou até nós através da Caixa de Correio do Beja Santos... É uma apreciação humorística, bem humorada, irreverente, quiçá iconoclástica, do Hino de Gandembel, ou pelo menos de uma das suas versões musicais... O Beja Santos e o seu amigo ou colega de trabalho, o amanuense Manuel Trindade, não levam porventura a mal que a mensagem (em princípio, privada) seja partilhada a nível da caserna ou até da Tabanca Grande...
Ora aqui está uma questão apropriada para o feriado (patriótico) de hoje, primeiro de Dezembro (e para a próxima sondagem): O Hino de Gandembel (2) não era esperado que fosse algo de muito guerreiro, feroz, marcial ? Se sim, a versão que nos chega, não passa de uma paródia da guerra, tipo guerra [de 1908] do Raul Solnado (3)...
Eis a opinião do Manuel Trindade, que presumimos ser um assíduo leitor/visitante do nosso blogue... Embora ele seja um paisano, e um jovem - comparado connosco, os cotas que fizeram a guerra da Guiné, e a avaliar pelo estilo da sua escrita : escreve k7pirata em vez de cassete pirata - a sua intervenção merece, pela irreverência, frescura, verve e originalidade, um tratamento aparte na nossa caserna... Vai para a secção, não dos Perdidos & Achados, mas do Humor (4)... Além disso, com os agradecimentos dos editores.
Naturalmente que gostaríamos, a seguir, de ouvir a opinião dos guerreiros de Gandembel/Balana, a começar pelo nosso venerando Idálio Reis...
2. Mensagem de Manuel Trindade:
Dr. Beja Santos,
Pensava que ia ouvir um hino (2) e sai-me uma coisa quase pimba... pimba.
A coisa poderia estar numa “k7pirata” e poderia passar no bailarico da colectividade.
Gostei das alusões ao feijão e coisas afins, conectado com wc (white chapel), que em Gandembel talvez não fosse tão branca quanto isso, se é que era branca...
No entanto existem pistas na letra que permitem estabelecer uma conexão entre feijão, wc, morteirada e canhoada, o que deixa antever problemas de...flatulência.
Ainda por cima o intérprete fala em abrigos de madeira (nos clássicos filmes norte-americanos dos “rapazes da vaca” o abrigo de madeira distava uns metros da habitação, salvaguardando-a dos efeitos... da feijoada).
Ainda pensei que no final teríamos um grito bélico, másculo (um exercício do tipo da selecção de râguebi da neozelandesa), do género: urra, urra/Gandembel/ao turra/arrancar a pele... Mas não! A coisa em vez de terminar com a dignidade que se impõe, termina em desfalecimento, ou seja o som vai baixando até deixar de se ouvir.
Dr. Beja Santos, impõe-se um novo hino para Gandembel. Espero que não leve a mal este exercício deste pobre amanuense.
Um abraço,
Manuel Fidalgo
Centro Europeu do Consumidor
Direcção-Geral do Consumidor
Lisboa
______
Notas dos editores:
(1) Vd. post e 6 de Junho de 2006 > Guiné 63/74 - P850: O Álbum fotográfico do Albano Costa (2): a Ponte Balana (Gandembel)
(2) Vd. post de 1 de Dezembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2319: Hino de Gandembel: interpretação de António Almeida (CCAÇ 2317, Gandembel/Balana, 1968/69)
(3) Vd. os seguintes posts:
Raul Solnado, Wikipédia
SPA - Sociedade Portuguesa de Autores > As mil faces de Raul Solnado > As gargalhadas que ganharam a guerra, entrevista de Raul Solnado, por Artur Queiroz
(...) "Raul Solnado é um actor de mil faces mas foi com as gargalhadas que se impôs como uma figura mítica do espectáculo. E quando a guerra colonial era sagrada e indiscutível, ele pôs Portugal a rir-se de uma guerra sem sentido, uma rábula que foi o seu maior êxito de sempre." (...)
A - Foi por isso que em plena guerra colonial pôs Portugal a rir à gargalhada com a sua versão da guerra?
RS - Aquela rábula tem um início anterior à guerra. Eu fui a Madrid e vi o Miguel Gila representar o texto. Fiquei logo apaixonado pela rábula porque o non sense é o tipo de humor que mais me toca.Comprei o disco, traduzi o texto mas guardei-o, não por temer a censura mas porque tinha dúvidas que as pessoas gostassem daquilo.
A - E quando é que a sua guerra saiu da gaveta?
RS - Foi já no início da guerra em Angola. Eu fui com o Humberto Madeira - um cómico fabuloso - à quermesse do Nacional da Madeira, na Quinta da Vigia, um sítio lindíssimo onde agora está instalado o Governo Regional. Num mês fizemos 45 espectáculos e lá para o fim sentimos que era preciso refrescar o repertório. Disse ao Humberto Madeira que gostava de fazer a guerra, talvez as pessoas gostassem. Ele apoiou-me e avancei. Nessa noite o público riu-se tanto que pediu bis. Foi ali que começou o sucesso da minha guerra...
A - Quais eram as suas dúvidas em relação ao texto?
RS - Não era em relação ao texto, mas ao gosto do público, hoje as pessoas riem melhor que naquela altura. Eu não sabia se um texto non sense ia funcionar. Os cómicos têm sempre essa dúvida. Uma piada leva duas horas a ser construída e depois desaparece como um fósforo. É ao contrário dos cantores que quanto mais cantam um tema, mais ele se populariza e ganha notoriedade.
A - A estória da sua ida à guerra começou na Madeira e depois alastrou a que palcos?
RS - Mal cheguei a Lisboa fui fazer um espectáculo no ringue de patinagem de Oeiras e o êxito foi igual ao da Madeira. Na altura ia fazer a revista "Bate o Pé" e fiquei com a certeza de que a rábula não ia falhar.
A - Mas aí já tinha que submeter o texto à comissão de censura...
RS - Pois, e era uma censura visual e de texto, por isso eu tinha um grande receio que não passasse. O Nelson de Barros, grande jornalista e o maior autor de revistas que conheci, disse-me que mandávamos o texto como sendo para o personagem Cantinflas, uma rábula que tinha feito no teatro Apolo. Quando o texto veio aprovado, ninguém queria acreditar. O problema era a censura visual.
A - Como funcionava essa comissão de censura visual?
RS - No ensaio geral, cinco ou seis censores viam o espectáculo. Depois diziam que era preciso tapar um umbigo, descer umas saias, coisas assim. No Carnaval só se podia dizer merda uma vez por sessão. Como eu não ia vestido de Cantinflas, estava receoso que a rábula fosse cortada. Mas estes textos de non sense têm de ser bem compreendidos, caso contrário não funcionam. E eu disse aquilo a uma velocidade tal que nem eu próprio percebi o que dizia. Os censores também não perceberam e, no final, um deles disse-me que estava tudo aprovado mas deu-me um conselho: olhe lá, não faça aquilo da guerra, não tem piada nenhuma! E eu disse-lhe que era obrigado a fazer mas que então só fazia aquilo na estreia. Como já sabia o que vinha a seguir, pedi à Valentim de Carvalho que gravasse aquilo na estreia e lançasse o disco. Depois era impossível travar a rábula. Os censores ficaram baralhados com o Cantinflas! (...)
(4) Vd. post de:
26 de Novembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2304: Humor de caserna (2): Welcome to Mansambo, a melhor colónia de férias do ano de 1968 (Torcato Mendonça / Luís Graça)
23 de Outubro de 2007 > Guiné 63/74 - P2205: Humor de caserna (1): A sopa nossa de cada dia nos dai hoje (Luís Graça / António Lobo Antunes)
Foto: © Albano Costa (2006) (1)
1. Chegou até nós através da Caixa de Correio do Beja Santos... É uma apreciação humorística, bem humorada, irreverente, quiçá iconoclástica, do Hino de Gandembel, ou pelo menos de uma das suas versões musicais... O Beja Santos e o seu amigo ou colega de trabalho, o amanuense Manuel Trindade, não levam porventura a mal que a mensagem (em princípio, privada) seja partilhada a nível da caserna ou até da Tabanca Grande...
Ora aqui está uma questão apropriada para o feriado (patriótico) de hoje, primeiro de Dezembro (e para a próxima sondagem): O Hino de Gandembel (2) não era esperado que fosse algo de muito guerreiro, feroz, marcial ? Se sim, a versão que nos chega, não passa de uma paródia da guerra, tipo guerra [de 1908] do Raul Solnado (3)...
Eis a opinião do Manuel Trindade, que presumimos ser um assíduo leitor/visitante do nosso blogue... Embora ele seja um paisano, e um jovem - comparado connosco, os cotas que fizeram a guerra da Guiné, e a avaliar pelo estilo da sua escrita : escreve k7pirata em vez de cassete pirata - a sua intervenção merece, pela irreverência, frescura, verve e originalidade, um tratamento aparte na nossa caserna... Vai para a secção, não dos Perdidos & Achados, mas do Humor (4)... Além disso, com os agradecimentos dos editores.
Naturalmente que gostaríamos, a seguir, de ouvir a opinião dos guerreiros de Gandembel/Balana, a começar pelo nosso venerando Idálio Reis...
2. Mensagem de Manuel Trindade:
Dr. Beja Santos,
Pensava que ia ouvir um hino (2) e sai-me uma coisa quase pimba... pimba.
A coisa poderia estar numa “k7pirata” e poderia passar no bailarico da colectividade.
Gostei das alusões ao feijão e coisas afins, conectado com wc (white chapel), que em Gandembel talvez não fosse tão branca quanto isso, se é que era branca...
No entanto existem pistas na letra que permitem estabelecer uma conexão entre feijão, wc, morteirada e canhoada, o que deixa antever problemas de...flatulência.
Ainda por cima o intérprete fala em abrigos de madeira (nos clássicos filmes norte-americanos dos “rapazes da vaca” o abrigo de madeira distava uns metros da habitação, salvaguardando-a dos efeitos... da feijoada).
Ainda pensei que no final teríamos um grito bélico, másculo (um exercício do tipo da selecção de râguebi da neozelandesa), do género: urra, urra/Gandembel/ao turra/arrancar a pele... Mas não! A coisa em vez de terminar com a dignidade que se impõe, termina em desfalecimento, ou seja o som vai baixando até deixar de se ouvir.
Dr. Beja Santos, impõe-se um novo hino para Gandembel. Espero que não leve a mal este exercício deste pobre amanuense.
Um abraço,
Manuel Fidalgo
Centro Europeu do Consumidor
Direcção-Geral do Consumidor
Lisboa
______
Notas dos editores:
(1) Vd. post e 6 de Junho de 2006 > Guiné 63/74 - P850: O Álbum fotográfico do Albano Costa (2): a Ponte Balana (Gandembel)
(2) Vd. post de 1 de Dezembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2319: Hino de Gandembel: interpretação de António Almeida (CCAÇ 2317, Gandembel/Balana, 1968/69)
(3) Vd. os seguintes posts:
Raul Solnado, Wikipédia
SPA - Sociedade Portuguesa de Autores > As mil faces de Raul Solnado > As gargalhadas que ganharam a guerra, entrevista de Raul Solnado, por Artur Queiroz
(...) "Raul Solnado é um actor de mil faces mas foi com as gargalhadas que se impôs como uma figura mítica do espectáculo. E quando a guerra colonial era sagrada e indiscutível, ele pôs Portugal a rir-se de uma guerra sem sentido, uma rábula que foi o seu maior êxito de sempre." (...)
A - Foi por isso que em plena guerra colonial pôs Portugal a rir à gargalhada com a sua versão da guerra?
RS - Aquela rábula tem um início anterior à guerra. Eu fui a Madrid e vi o Miguel Gila representar o texto. Fiquei logo apaixonado pela rábula porque o non sense é o tipo de humor que mais me toca.Comprei o disco, traduzi o texto mas guardei-o, não por temer a censura mas porque tinha dúvidas que as pessoas gostassem daquilo.
A - E quando é que a sua guerra saiu da gaveta?
RS - Foi já no início da guerra em Angola. Eu fui com o Humberto Madeira - um cómico fabuloso - à quermesse do Nacional da Madeira, na Quinta da Vigia, um sítio lindíssimo onde agora está instalado o Governo Regional. Num mês fizemos 45 espectáculos e lá para o fim sentimos que era preciso refrescar o repertório. Disse ao Humberto Madeira que gostava de fazer a guerra, talvez as pessoas gostassem. Ele apoiou-me e avancei. Nessa noite o público riu-se tanto que pediu bis. Foi ali que começou o sucesso da minha guerra...
A - Quais eram as suas dúvidas em relação ao texto?
RS - Não era em relação ao texto, mas ao gosto do público, hoje as pessoas riem melhor que naquela altura. Eu não sabia se um texto non sense ia funcionar. Os cómicos têm sempre essa dúvida. Uma piada leva duas horas a ser construída e depois desaparece como um fósforo. É ao contrário dos cantores que quanto mais cantam um tema, mais ele se populariza e ganha notoriedade.
A - A estória da sua ida à guerra começou na Madeira e depois alastrou a que palcos?
RS - Mal cheguei a Lisboa fui fazer um espectáculo no ringue de patinagem de Oeiras e o êxito foi igual ao da Madeira. Na altura ia fazer a revista "Bate o Pé" e fiquei com a certeza de que a rábula não ia falhar.
A - Mas aí já tinha que submeter o texto à comissão de censura...
RS - Pois, e era uma censura visual e de texto, por isso eu tinha um grande receio que não passasse. O Nelson de Barros, grande jornalista e o maior autor de revistas que conheci, disse-me que mandávamos o texto como sendo para o personagem Cantinflas, uma rábula que tinha feito no teatro Apolo. Quando o texto veio aprovado, ninguém queria acreditar. O problema era a censura visual.
A - Como funcionava essa comissão de censura visual?
RS - No ensaio geral, cinco ou seis censores viam o espectáculo. Depois diziam que era preciso tapar um umbigo, descer umas saias, coisas assim. No Carnaval só se podia dizer merda uma vez por sessão. Como eu não ia vestido de Cantinflas, estava receoso que a rábula fosse cortada. Mas estes textos de non sense têm de ser bem compreendidos, caso contrário não funcionam. E eu disse aquilo a uma velocidade tal que nem eu próprio percebi o que dizia. Os censores também não perceberam e, no final, um deles disse-me que estava tudo aprovado mas deu-me um conselho: olhe lá, não faça aquilo da guerra, não tem piada nenhuma! E eu disse-lhe que era obrigado a fazer mas que então só fazia aquilo na estreia. Como já sabia o que vinha a seguir, pedi à Valentim de Carvalho que gravasse aquilo na estreia e lançasse o disco. Depois era impossível travar a rábula. Os censores ficaram baralhados com o Cantinflas! (...)
(4) Vd. post de:
26 de Novembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2304: Humor de caserna (2): Welcome to Mansambo, a melhor colónia de férias do ano de 1968 (Torcato Mendonça / Luís Graça)
23 de Outubro de 2007 > Guiné 63/74 - P2205: Humor de caserna (1): A sopa nossa de cada dia nos dai hoje (Luís Graça / António Lobo Antunes)
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