Moncorvo > Ano da graça de 2020 > Taberna do Carró > Cabrito com feijão e vagens e cogumelo também ajuda a resistir os moncorvenses, garante o Paulo Salgado, nesta bela crónica que serve igualmente para ele (e a São) fazer a "prova de vida"...
Meus Caros Camaradas,
Moncorvo resiste; os Moncorvenses resistirão
Ao ler o belo trecho do Mário Beja Santos sobre Lisboa resiste[1], mas também nós resistiremos: Mil alegrias natalícias para todos vós, numa prosa escorrida, como é seu timbre, coberta de sentimentos e de intensas vivências, senti-me um pouco lisboeta, talvez o da arraia-miúda de Fernão Lopes, o do palaciano Eça, o do oriental Cinatti, também o do austero Herculano, o do criativo Garrett, o do imenso Pessoa bebendo o seu café e fazendo de poetas muitos, com os seus heterónimos, e revejo o Teatro Nacional onde o Tiago Rodrigues faz um papel de elevado nível, e ouço as castanhas quentes e boas cantadas pelo Carlos do Carmo, e relembro os bons malandros do Zambujal, e faço a subida, a pé, ao Castelo, e a ida à outra margem num cacilheiro com a minha mulher – decerto pouco é para quem vai a Lisboa pouquíssimas vezes e, quando passam três quatro dias, logo me apetece meter no alfa, de regresso. Cá em cima, depois e de novo, a necessidade de respirar Lisboa. Um provinciano é o que sou…
E vieram-me à ideia, em catadupa, tantas peripécias e tantas sensações e percepções. Com o Beja Santos, algumas de grande intensidade emotiva, as que tivemos na nossa deslocação ao Olossato em 1991, o reencontro do Mário com o Jaquité, o seu arqui-inimigo em Missirá – ali, num abraço, mais de vinte anos depois. Assistimos a este encontro, a minha mulher, Maria da Conceição, a minha filha, de quinze anos, a Paula, e eu…Inolvidável.
Dava um poema, para além do que já escreveu o Mário Beja Santos.
Mas hoje, como tentativa de resposta, falo de Torre de Moncorvo.
Torre de Moncorvo resiste. E os moncorvenses resistirão.
Encostados à Serra do Reboredo, hematítica e sobranceira, e protegidos pela igreja, monumental igreja, enriquecida por uma figueira que teima em manter-se na fachada, presa pelas raízes, matriz cuja história está prenhe de episódios, os moncorvenses ainda se passeiam e conversam na praça, a oval Praça.
Resistirão às manobras deste bitcho carêto (este vírus, assim lhe chamo em homenagem aos carêtos da aldeia de Podence), agora travestido, como resistiram às investidas dos castelhanos em tempos da crise de 1383-85, fazendo o mais belo alardo das tropas de João I, e como resistiram às migueladas contra os pedristas.
O que ajuda os moncorvenses? A releitura do poeta Campos Monteiro com os seus versos fora de moda e romances vários – ele, cujo busto espreita a Praça, poeta, romancista, médico, jornalista e político, a subir do Pocinho para riba.
Vista parcial do Castelo
Vista da Praça (na alturas das festas)
Igreja matriz
O que ajuda os moncorvenses? A releitura do poeta Campos Monteiro com os seus versos fora de moda e romances vários – ele, cujo busto espreita a Praça, poeta, romancista, médico, jornalista e político, a subir do Pocinho para riba.
Também a obra de Martins Janeira, um dos mais eminentes japonólogos e romancista.
Também, para mim, sobretudo, a poesia do grande jornalista Rogério Rodrigues, nosso conterrâneo, com quem tive o privilégio de conviver e de trocar ideias tantas, e que, ele, o Lelo Brito e o Fernando Assis Pacheco construíram um excelente documento sobre a Vila.
Também relembrar os amigos que comigo andaram no Colégio Campos Monteiro, fundado por Ramiro Salgado em 1936, o primeiro colégio misto no distrito, porventura do País, não sei.
E o que nos ajuda mais? Sim, passear pela Vila, pela parte velha, mirar a porta do Castelo, o que foi a sinagoga, ir Rua da Misericórdia abaixo, e passar na Porta da Vila, espreitar a Casa da Roda, visitar o museu de fotografia, o museu de arte sacra. E, particularmente, a igreja da Misericórdia, medieval, imponente na sua singeleza. Volver ao centro, descendo as escadas do Castelo, caminhar até à igreja (que era para ser sé), entrar e ouvir o Nelson Campos contar a história do monumento nacional e, tendo vagar, dar uma espreitadela, demorada deve ser, para olhar a história do ferro no respectivo museu, que o mesmo historiador conta meticulosamente. Tempo de encher a ‘alma’.
Poeta Campos Monteiro no Largo do Castelo
Igreja - interior
Mas há mais, meus amigos: a partição da amêndoa, a visita ao museu da oficina vinária. Também é imperioso degustar as amêndoas cobertas da D. Dina (um dos 7 doces de Portugal) e, sendo hora do almoço, ficar pela Taberna do Carró ou ir ao Lagar. Tempo de temperar o corpo. Mens sana in corpore sano.
Partição da amêndoa
Fabrico manual da amêndoa coberta
Haverá tempo de, à tarde, subir à Serra do Reboredo e, junto à Santa Leocádia, avistar uma paisagem deslumbrante sobre o Vale da Vilariça, estendendo a vista até Bornes. Descansar a vista pelos lagos do Baixo Sabor é valiosa alternativa.Vista dos Lagos do Baixo Sabor
Um abraço. Quando puderdes, por ausência do bitcho carêto, vinde a Torre de Moncorvo. Sereis bem recebidos. Avisado, serei cicerone. E o Mário Beja Santos tirará, se lhe der a vontade, que dá, algumas fotos que emoldarão a sua prosa sobre esta Vila.
Entretanto, Boas Festas para todos. Neste ano de pandemia. E resiliência.
Paulo Salgado
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Notas do editor:
[1] - Vd. poste de 15 de dezembro de 2020 > Guiné 61/74 - P21647: Boas Festas 2020/21: Em rede, ligados e solidários, uns com os outros, lutando contra a pandemia de Covid-19 (8): Lisboa resiste, mas também nós resistiremos: Mil alegrias natalícias para todos vós (Mário Beja Santos, ex-Alf Mil)
Último poste da série de 27 de dezembro de 2020 > Guiné 61/74 - P21700: Boas Festas 2020/21: Em rede, ligados e solidários, uns com os outros, lutando contra a pandemia de Covid-19 (33): Desde o ar fresco do Círculo Polar Ártico... (José Belo, régulo da Tabanca da Lapónia)