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sábado, 2 de janeiro de 2021

Guiné 61/74 - P21725: Os nossos seres, saberes e lazeres (431): De Trancoso para Santa Maria de Salzedas (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 7 de Setembro de 2020:

Queridos amigos,
É sacramental, chegado o mês de agosto, subir à Beira Alta, de Trancoso se pode cirandar entre primórdios da nacionalidade, sobretudo sentir a dimensão das atalaias para resistir ao hostil castelhano, intruso século fora. Um amigo dileto põe e dispõe quanto ao que se faz o dia inteiro, é sempre aprazível o orgulho com que mostra o que o seu terrunho e circunvizinhança oferece de esplendoroso.
Chega-se a Rio de Mel, e é aí que se dita a sentença das excursões do dia. Desta feita, S. João de Tarouca e Santa Maria de Salzedas, compraz ver com olhos de ver que obras não faltam e que os monumentos nacionais, outrora postergados ou praticamente desconhecidos, aparecem altaneiros e verdadeiros expoentes do turismo cultural.

Um abraço do
Mário


De Trancoso para Santa Maria de Salzedas

Mário Beja Santos

Todos os anos, chegada a época estival, com filha e neta em Pedrógão Pequeno, telefono ao meu dileto amigo Luís Rodrigues, cuja terra-berço é Rio de Mel, concelho de Trancoso, para marcar visita, ladeia-se a Serra da Estrela, passam-se dois túneis, anda-se à margem da Guarda, conferem-se as muralhas de Trancoso e segue-se por uma estrada de pedregulhos, que trazem à reminiscência a cultura megalítica, e entra-se na quinta, pela calada já está organizado um programa bem surpreendente, pode ser Numão, Sernancelhe, Almeida, descer ao Douro, milhentas são as hipóteses. Aqui chegados, no agosto pandémico de 2020, vem a notícia, desta feita o passeio será a S. João de Tarouca e a Santa Maria de Salzedas, já lá tivemos há um bom par de anos, tem havido e continuam as obras de restauro, há que comparar entre o pretérito e o presente. Tinha saudades deste reencontro, é uma amizade encetada em 1977, este engenheiro químico enveredou pela política dos consumidores e marcou presença, foi uma referência durante décadas na área da segurança dos consumidores, mexia-se à vontade entre os cosméticos e os produtos de limpeza, a normalização dos bens de consumo, saiu-lhe das mãos legislação de realce, ainda hoje vigente. Uma carreira de funcionário público exemplar, foi galardoado com uma condecoração da Ordem de Mérito. Saúdo-o aqui, ele não sabe que o apanhei à porta do mosteiro, agradeço-lhe o seu acolhimento modelar e a plena surpresa destas digressões culturais.


As obras deste mosteiro cisterciense arrancaram em 1168, a patrona foi a segunda esposa de Egas Moniz, neste território que era designado de Salzeda, estamos no concelho de Tarouca. A escolha do território obedecia à lógica da regra de Cister, incrustado num vale, com acesso direto a um curso de água, a ribeira de Salzedas, afluente do rio Varosa. Enquanto igreja medieval de planta em cruz latina, com três naves e transepto saliente, foi sagrada em 1225. A atenção do visitante é de andar à cata dos sinais desse tempo, alguma coisa se encontrou, e dentro da intervenção a que o mosteiro está a ser sujeito mostram-se colunas do passado, como se pode ver.

Interior da Igreja de Santa Maria de Salzedas

Como foi uso na vida destes templos religiosos, as alterações acabaram por tudo transformar, e Salzedas conheceu obras de vulto entre os séculos XVI e XVIII. Como se viu na primeira imagem, a atual fachada data dos finais do século XVIII, tem duas torres laterais adiantadas. Monumento nacional desde 1997, Salzedas tem conhecido benéficas intervenções, todas elas justificadas, guarda obras notáveis de Grão Vasco e porventura da sua oficina, possui retábulos excecionais deste grande artista, produzidos entre 1511 e 1515. A sacristia é um espanto, resta dizer que este conjunto monástico abarca a igreja e adjacências como o Claustro do Capítulo, a Sala do Capítulo, a botica, a cozinha e o refeitório, espraia-se por dois andares, há muito para ver e assim perceber a riqueza dos artistas que aqui intervieram, sobretudo Vasco Fernandes e Bento Coelho da Silveira.

Magnificência, riqueza e grande aparato na Sacristia de Santa Maria de Salzedas

Esplendor barroco não falta, mas quem aqui acaba de chegar elogia para si mesmo estas intervenções de conservação e salvaguarda, fizeram bem em integrar Salzedas na rede de monumentos do projeto turístico-cultural Vale do Varosa. E se valeu a pena comparar o que se viu anos atrás e o estado de conservação a que se chegou, mesmo sabendo que foi bem pesada para os monumentos nacionais a forma como se distinguiam as ordens monásticas em 1834, e daí, em jeito de despedida, olhar-se ao fundo para as instalações monásticas arruinadas, num profundo contraste com a recuperação a que se assiste na igreja e nos claustros. Vamos ver o que o futuro nos reserva. E bem hajas, meu querido amigo Luís Rodrigues, pela magnífica digressão a Salzedas.

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Nota do editor

Último poste da série de 26 de dezembro de 2020 > Guiné 61/74 - P21693: Os nossos seres, saberes e lazeres (430): Os primeiros Cistercienses de Vale Varosa: S. João de Tarouca (Mário Beja Santos)

sábado, 26 de dezembro de 2020

Guiné 61/74 - P21693: Os nossos seres, saberes e lazeres (430): Os primeiros Cistercienses de Vale Varosa: S. João de Tarouca (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 4 de Setembro de 2020:

Queridos amigos,
Aqui se reporta o primeiro itinerário cultural que alguém desenhou em Rio de Mel, concelho de Trancoso, era a primeira surpresa do dia, tudo se passaria em Vale Varosa, acontece que aqui se estivera uns bons anos antes, regressava-se para comparar.
É com manifesta alegria que se pode dizer que este país anda para a frente no respeito pelo seu património histórico, já vi este Mosteiro em pior estado, que não se duvide que é muitíssimo importante a sua visita, há vestígios da sua ligação à fundação da nacionalidade, a Ordem de Cister recebeu inúmeras doações e nos séculos XVII e XVIII aqui se construiu com pompa e não menos circunstância.
Deus permita que aqui se possa voltar dentro de alguns anos, para outra comparação ainda mais benfazeja.

Um abraço do
Mário


Os primeiros cistercienses de Vale Varosa: S. João de Tarouca

Mário Beja Santos

Toda esta digressão a Vale Varosa inicia-se em Rio de Mel, concelho de Trancoso, aqui vive um amigo dileto, um companheiro de trabalho durante décadas, instituiu-se o rito da visita anual, sempre surpreendente, abarca a cultura megalítica, paisagens frondosas, castelos que vêm da fundação da nacionalidade, aldeias históricas, templos religiosos classificados como monumentos nacionais, só em Rio de Mel é que conhecemos o itinerário, sempre surpreendente. E pomo-nos a caminho, estrada fora somos informados que vamos para Vale Varosa, primeiro o Mosteiro de S. João de Tarouca, depois amesendamos, de seguida segue-se para a ponte fortificada Ucanha, não há tempo para ir ao Convento de Santo António de Ferreirim, seguir-se-á o mosteiro de Santa Maria de Salzedas, regresso a Rio de Mel, a inevitável merenda, presunto, bacalhau e queijo, bons vinhos e doçaria. E regressaremos a Manteigas.
Muitos comentários no decurso da viagem, o que definha, o que floresce, o que estagna. E assim se chega a S. João de Tarouca, o primeiro Mosteiro Cisterciense implantado em Vale Varosa, data de 1140, é a nacionalidade na sombra tutelar de D. Afonso Henriques. Desse século XII há vestígios, a Ordem era rica e houve bons patronos ao longo dos séculos, daí as ampliações dos séculos XVII e XVIII, passou a ter dimensões colossais, com a extinção das ordens religiosas deu-se a pilhagem da pedra e é um verdadeiro mistério não se ter assaltado e desviado riqueza que vamos contemplar. Houve escavações arqueológicas entre 1998 e 2007, que abrangeu a igreja e as ruínas de dependências monásticas, é a empreitada que demorará muito tempo e que custará fortunas. Só que este monumento nacional justifica. Como vamos ver.
Começa a visita pela visualização de um belo vídeo e uma exposição de achados arqueológicos. A fachada da igreja comprova as profundas alterações dos séculos XVII e XVIII, à vista desarmada não se vê nada do século XII, as surpresas vêm no interior do templo.
Aqui sim, temos a sobriedade cisterciense recamada de azulejaria esplendorosa, belas madeiras, imagens valiosas, um Altar-Mor impressionante, gosta-se de toda esta harmonia, os corredores laterais abonam essa impressão, os ângulos das colunas são de cortar o fôlego. Ora vejam.
As Salas Capitulares, regra geral, dispõem de estadão, em contraste chocante com os princípios fundadores destas ordens mendicantes, que o foram enriquecendo ao longo dos séculos. É preciso contemplar longamente este tipo de luxo ostensivo para perceber como provocaram invejas brutais e animosidade das populações. Não se chegou por mero acaso à extinção das ordens religiosas em 1834, a despeito dos inenarráveis crimes culturais perpetrados.
Este quadro icónico de S. Pedro que viajou até à Europália de 1991 é de Gaspar Vaz e será também de Grão Vasco, há um outro aparentado em Viseu, é deste que eu mais gosto, não só pelo conjunto dentro da moldura, os aspetos aparentemente colaterais que deixam avantajar este padre da Igreja o primeiro Pontífice, assim imaginado séculos depois, com indumentárias daquela contemporaneidade, impressiona a força do olhar, a postura que marca a dignidade da função, a conjugação harmoniosa das explorações. É impressionante, só por ele vale a pena vir a S. João de Tarouca.
Quem aprecia escultura tem aqui espécimenes raros, releva destas composições barrocas o vigor da fé, espelhado na Mater Dolorosa, neste caso.
A azulejaria de S. João de Tarouca é de uma enorme riqueza. Surpreendente é este túmulo, dá-se a informação de que tem mais de 15 toneladas, grandiosidade não lhe falta, trata-se de D. Pedro Afonso, filho bastardo de D. Dinis, Conde de Barcelos, os pormenores escultóricos da caçada patentes na caixa tumular possuem uma dinâmica que nos deixa de boca aberta.

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Nota do editor

Último poste da série de 19 de dezembro de 2020 > Guiné 61/74 - P21661: Os nossos seres, saberes e lazeres (429): Recordações da casa dos espetros (Mário Beja Santos)