Guiné > Região de Bafatá > Xitole > 1 de maio de 2013 > Antigas instalações das NT, agora edifício do "Comissariado da Polícia de Ordem Pública, Sector do Xitole".
Guiné > Região de Bafatá > Xitole > 1 de maio de 2013 > "Descer à fonte e beber da água do poço que o outro Silva, o básico, como foi identificado pelo Mamadu, ia esvaziando todos os dias, arrastando a água para o quartel".
Fotos (e legendas): © José Teixeira (2013). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: LG]
Parte VII > Encontros e reencontros no Xitole, em 1 de maio de 2013
Palmilhar religiosamente a terra onde estava localizado o quartel, tentando reencontrar as dimensões das casernas, outrora existentes. Calmamente. Saboreando passo a passo o tempo e o solo que pisava. Olhando com nostalgia para os vigorosos poilões que continuam a dar vida e sombra à tabanca. Olhos cravados nos rostos que se aproximam esperando lobrigar um sorriso conhecido, que o tempo não ousara apagar da sua mente.
Localizar os postos dos morteiros 81, eram dois. Um ali, o outro acolá, afirmava convicto.
As valas, salva vidas, cujos contornos ainda estão bem marcados no terreno baldio, onde outrora os corações batiam apressadamente e hoje são um pasto verdejante para alimento das pachorrentas cabras que deambulam perdidas entre as moranças.
O betão dos abrigos, nas extremidades do quartel que resistiu às intempéries e à malevolência dos vencedores. São hoje estranhos monumentos perdidos no tempo e no terreno para a juventude. São um perene testemunho das lutas de vida ou morte que ali se travaram.
A densa floresta que envolve a Tabanca do Xitole, com bandos de pássaros de linda penugem que em revoada se passeiam no céu azul numa algaraviada permanente, continua a guardar bem dentro de si os terríveis mistérios de vida e morte dos tempos da luta.
Guiné-Bissau > Bissau > Hotel Azarai > 30 de abril de 2013 > Um primeiro encontro inesperado com o passado
Guiné-Bissau > Região de Bafatá > Xitole > 1 de maio de 2013 > O regresso ao passado, à magia da tabanca do Xitole. O Francisco Silva junto ao que resta de um momnumento à CART 2413.
Guiné-Bissau > Região de Bafatá > Xitole > 1 de maio de 2013 > O Aliu do Xitole que reconheceu de imediato o Alfero “paraquedista” , o “Sirva”. Amena cavaqueira com o Aliu a falar do “Alfero Sirva”, "manga de bom pessoal"
Guiné-Bissau > Região de Bafatá > Xitole > 1 de maio de 2013 >O Aliu (antigo menino da messe dos sargentos) e o Francisco Silva
Fotos (e legendas): © José Teixeira (2013). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: LG]
Ainda em Bissau o primeiro encontro com o passado. Passeávamos pela antiga messe dos oficiais, numa viagem de regresso às origens no que hoje é um hotel de luxo – Hotel Azarai, quando um senhor bem vestido o encara de frente e provoca uma conversa. Era o Diretor de um instituto estatal.
Ao tempo, estudava em Bissau e passava as férias na tabanca natal. Pergunta-lhe de repente:
Você não era o Alferes paraquedista que esteve em tal parte?
Espanto geral do Francisco Silva, hoje médico no Hospital Amadora Sintra. De facto, era conhecido como o “alferes paraquedista”.
Seguiram-se os primeiros embates com a memória que restou do tempo vivido no Xitole, logo ali alimentados pelo cavalheiro bem vestido e continuaram na tarde do dia seguinte, naquele local sagrado: A Tabanca do Xitole.
Naquele peregrinar numa tarde em que o Sol se esqueceu de nós, as histórias de cada lugar reencontrado, guardadas com acuidade no sótão da sua mente, assaltam-lhe a memória presente e toldam-lhe o pensamento.
Memória alimentada pelo Mamadu Aliu, outrora o menino da messe dos sargentos, que identificou à primeira vista o “Alfero paraquedista”. Sempre ele, calmo e sereno, observador de ouvido atento, como no tempo em que comandava os seus soldados perdidos na selva da guerra.
Os ataques, as reações e os seus efeitos…
A história do “turra” que pretendia matar a sentinela. Para o efeito trazia consigo uma faca afiada nos dois gumes. Morreu com um tiro certeiro, mesmo ali à porta do abrigo, quando se preparava para exercer a sua nefasta ação. O trabalho que tiveram depois para se libertarem do corpo…
“guerra é guerra, meu ermon, como me disse o Braima Camará em 2008, meu inimigo de outros tempos.
A história do saariano apresentado ao Silva como um perigoso cubano. Ele tinha ligado tão pouco a esta cena do saariano, que a deixou escapar da memória, mas veio agora o menino da messe, o Aliu, recordar-lha com todos os pormenores e quanto o ficaram a admirar pelo seu acto. Contou ele que o Alfero paraquedista se apresentou junto do prisioneiro e lhe fez umas perguntas. Depois mandou que lhe dessem uma cerveja e o mandassem embora. O prisioneiro agradeceu, mas recusou, alegando que era muçulmano. Então o Silva ordenou que lhe dessem um sumo e deixou-o ir em paz. O Alfero Silva era uma boa pessoa…
A história do ataque sofrido, debaixo de uma terrível tempestade, sem resposta pronta, com muitas granadas a rebentar dentro do quartel. O estrondo da tempestade abafou o ruido das primeiras bombas e só não morreu muita gente no Xitole porque os deuses da guerra estiveram do nosso lado. Não foi no tempo do alferes Silva, mas o Aliu trouxe-o à ribalta
História confirmada nessa mesma noite na Residencial do Saltinho em amena cavaqueira com o guarda noturno da pousada. Não é que ele mesmo foi um dos atacantes, nessa tarde maldita.
Graças a Deus que estamos aqui os dois. Palavras sentidas do antigo inimigo, que também esteve no célebre ataque às cinco da manhã com tentativa de penetração à tabanca, para raptar o régulo, segundo afirmou. Este ataque sofreu-o o Silva com toda a intensidade, competiu-lhe a ele comandar a defesa, como comandante.
O Alferes paraquedista lembrou que viu, neste ataque, um inimigo em cima de uma árvore e enviou-lhe os seus cumprimentos através de um dilagrama.
O agora amigo e grato a Deus pelas duas vidas que se salvaram confirma que o ataque com as armas pesadas estava a ser comandado de cima de uma árvore. O rebentamento do dilagrama assustou o comandante que caiu abaixo da árvore e partiu uma perna.
Sentados no chão traçaram as linhas de defesa e ataque. Um e outro entenderam-se na perfeição. Ainda se recordam do terreno palmo a palmo e da localização das máquinas que vomitando fogo semearam a morte e a dor. Localizaram as posições das armas pesadas de uns e de outros. A fuga com as granadas a rebentarem nas suas costas. O arrastar dos feridos e foram bastantes. Foi dia de ronco para os tugas comandados pelo Alfero paraquedista.
Guiné > Região de Bafatá > Xitole > 1 de maio de 2013 > > Bajudas (1)
Guiné > Região de Bafatá > Xitole > 1 de maio de 2013 > Bajudas (2)
Guiné > Região de Bafatá > Xitole > 1 de maio de 2013 > Junto ao poço. O velho mecânico, o Seido Baldé, contente por abraçar o "alfero Silva".
Guiné > Região de Bafatá > Xitole > 1 de maio de 2013 > Antiga casa do comando, agora transformada em morança particular. Pinturas (2)
Guiné > Região de Bafatá > Xitole > 1 de maio de 2013 > Antiga casa do comando, agora transformada em morança particular. Pinturas (3)
Guiné > Região de Bafatá > Xitole > 1 de maio de 2013 >Antiga casa do comando, agora transformada em morança particular. Pinturas (4)
Fotos (e legendas): © José Teixeira (2013). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: LG]
Descer à fonte e beber da água do poço que o outro Silva, o básico, como foi identificado pelo Mamadu, ia esvaziando todos os dias, arrastando a água para o quartel.
As mulheres e as bajudas a tomarem banho como antigamente com os peitos generosamente descobertos, agora um pouco envergonhadas. Será que é por já estarmos velhos, ou mudaram-se os tempos…
A Casa do Comando, transformada em morança. Os seus habitantes aceitaram o desafio e deixaram o Silva entrar no espaço que foi seu por algum tempo. Com que emoção descobriu as pinturas nas paredes que alguém muito antes do Silva ali pintou. Fotografei-as para a posteridade.
O velho mecânico, o Seido Baldé, veio dar uma ajudinha, a este deambular pela história do alferes Silva relembrando outras cenas vividas num tempo que já passou há muito tempo, mas que continua bem presente nas nossas mentes e só vão desaparecer com a morte que o destino nos marcou.
Braços abertos e sorrisos de quem se bateu por uma Pátria que os abandonou na primeira oportunidade.
Estávamos no dia primeiro de Maio – dia do trabalhador. Um grupo de cidadãos festejava com uma batucada bem regada este grande dia. Não se podia perder esta oportunidade. Há que chamar as nossas mulheres para participarem na festa. Há que cantar e dançar. Há comer e beber à saúde da classe do trabalho que enriquece o mundo, mantendo-se pela sorte maligna que a persegue. Sempre pobrete, mas alegrete.
Guiné > Região de Bafatá > Xitole > 1 de maio de 2013 > Restos do aquartelamento
Guiné > Região de Bafatá > Xitole > 1 de maio de 2013 >Restos do aquartelamento: a vala que corria para o Rio Corubal
Guiné > Região de Bafatá > Xitole > 1 de maio de 2013 >; Seido Baldé e Francisco Silva
Guiné > Região de Bafatá > Xitole > 1 de maio de 2013 > Amigos posam para a posteridade: Seido Baldé, Francisco Silva e Mamadu Aliu... Ao fundo, uma antena de telecomunicações.
Fotos (e legendas): © José Teixeira (2013). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: LG]
Para completar tão gratificante tarde, o menino da messe de sargentos convida o Silva para o casamento da sua filha que se realizará no sábado seguinte, sem que primeiro tenha tido o cuidado de ir junto da esposa do Silva para a informar que o alfero Silva era boa pessoa e muito estimada pelos africanos do Xitole.
A saga continuou. Desde o motorista que nos acompanhava, antigo cabo do exército português e nos fala com entusiasmo desmedido dos amigos que viu partir, ao Galissa que em Iemberém se identifica como “bandido que vai na mato” e hoje é o diretor da rádio local.
Não foi por acaso que esteve nas matas de Jumbembem exatamente no tempo em que o Silva comandava o Pelotão de Nativos aí estacionado. Não foi por acaso que estiveram frente a frente num terrível ataque que o PAIGC desenvolveu. Aninhados no chão reestruturam de novo as suas linhas de defesa e de ataque, como se tivesse sido hoje.
Apreciei todas estas (re)vivências do Francisco Silva neste seu regresso à Guiné. Ouvi um antigo soldado português dizer:
Tive muitos amigos portugueses que caminharam e combateram a meu lado. Grandes amigos. Tenho manga de sodades. Gostava de os poder abraçar de novo…
Perante tantas emoções, eu, o Zé Teixeira, senti-me na obrigação de abrir a minha veia poética e deixar que a esferográfica deslizasse pelo papel, escrevinhando algumas linhas que pretendem traçar o meu estado de espírito.
GUERRA É GUERRA
por Zé Teixeira
Guerra é guerra, meu 'ermon' (a)
Quando passa, não deixa saudades.
Mas, muitas amizades, neste mundo perdido
Os antigos inimigos se procuram,
Para saldar as contas com um abraço sentido.
Armas caladas,
Em mãos armadas,
Cantam horrores,
Silenciam com a morte,
Quem por má sorte
Lhe sofre as dores.
Sangue e pranto,
Em jorro constante,
Num jardim sem flores,
E na última despedida,
Clamam pela vida,
Que queriam viver.
E pelos seus amores,
A sua razão de ser.
A esperança, essa resiste,
Num corpo ainda quente,
Até aos últimos estertores.
…E uma vida se perdeu.
A seu lado ainda há vida,
E de armas na mão.
Não acredita,
No sangue que correu,
Chora uma lágrima sentida,
E avança.
Destemida.
Na vingança de quem morreu.
Verte a raiva que lhe vai no sangue
Para dentro da palavra
Que transpira asperamente.
Põe o dedo no gatilho,
E com que raiva lavra,
O destino de quem matou.
Inutilmente.
Até que a guerra tem seu fim,
Finalmente.
Inimigos de ontem,
Hoje perguntam, num abraço de paz,
Selado eternamente.
Que fiz eu?
E tu meu irmão,
O que nos aconteceu?
Choram lágrimas de alegria,
Caldeadas com lágrimas de dor,
Não pelo que sofreram,
Já passou,
Sem desejos de vindita,
Mas pelos amigos que perderam,
Na guerra maldita.
Que alguém sem rosto criou.
Zé Teixeira