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segunda-feira, 19 de agosto de 2024

Guiné 61/74 - P25858: II Viagem a Timor: janeiro / junho de 2018 (Rui Chamusco, ASTIL) - Parte X: "Obrigadu, malae" João Crisóstomo!



Torres Vedras > Praia de Santa Rita > 15 de dezembro de 2016 > Eduardo Jorge e João Crisóstomo (Foto de Luís Graça)


Lourinhã > Ribamar > Praia de Porto Dinheiro > Tabanca de Porto Dinheiro > Convívio anual > 18 de agosto de 2017 > Eduardo, Luíse Rui (Foto de Álvaro Carvalho)




Lourinhã > Praia da Areia Branca > 2 de dezembro de 2017 > Rui Chamusco e Gaspar Sobral (Foto de Luís Graça)




Timor Leste > Liquiçá > Manati > Boebau > Escola de São Francisco de Assis (ESFA) > Março de 2018 > Da esquerda para a direita, Rui Chamusco, João Crisóstomo e Gaspar Sobral (foto de Rui Chamusco)



1. O nosso amigo Rui Chamusco partiu para Timor, em 25 de janeiro de 2018, com o Gaspar Sobral, ambos cofundadores e dirigentes da ASTIL (Associação dos Amigos Solidários com Timor-Leste), criada em 2015, com sede em Coimbra. 

Foi o nosso saudoso Eduardo Jorge Pinto Ferreira (Lourinhã, Vimeiro, 1952 -  Torres Vedras,  A dos Cunhados, 2019) quem mo apresentou, a mim, Luís Graça,  e me falou dos seus projetos em Timor. 

Eu, por minha vez, apresentei ao Eduardo o João Crisóstomo, afinal seu vizinho  (de A dos Cunhados).  O João conheceu o Rui, pelo Eduardo,  e ficou logo entusiasmado com a sua ligação a Timor. Afinal, o Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande!

De Timor Leste o Rui mandou para Portugal as crónicas dessa viagem (a segunda, de cinco já feitas, de 2016 a 2024), que achámos oportuno e relevante publicar no nosso blogue. Trata-se de uma seleção. Elas ajudam-nos a perceber melhor a idiossincrasia timorense, a história recente e passada deste povo a que nos ligam laços linguísticos, culturais e afetivos.

O Rui é  membro da nossa Tabanca Grande desde 10 de maio último. Natural da Malpaca, Sabugal, vive na Lourinhã onde durante cerca de 4 décadas foi professor de música no ensino secundário.  Em Timor, o Rui tem-se dedicado de alma e coração aos projetos que a ASTIL tem lá desenvolvido,nas montanhas de Liquiçá.

Em Dili  costuma ficar em Ailok Laran, bairro dos arredores na casa do Eustáquio (alcunha do João Moniz) , irmão (mais novo) do luso-timorense Gaspar Sobral, e que andou, com a irmã mais nova, a mãe e mais duas pessoas amigas da família, durante três anos e meio, refugiado nas montanhas de Liquiçá, logo a seguir à invasão e ocupação do território pelas tropas indonésias (em 7 de dezembro de 1975) (tinha "apenas" 14 anos...). O pai de ambos foi "liurai", "no tempo dos portugueses".

A menina dos seus olhos (dos três, o Rui, o Gaspar e o Eustáquio) é a Escola de São de Francisco de Assis, de Manatti / Boebau, município de Liquiçá. A escola e as suas crianças da montanha que finalmente podem aprender música e português. Há também um programa de apadrinhamento de crianças em idade escolar.


II Viagem a Timor: janeiro / junho de 2018 (Rui Chamusco, ASTIL)


Parte X -   "Obrigadu, " malae" João Crisóstomo!





Dia 08.05.2018, terça feira  - Relatório da Exposião Lameta para conhecimento do João Crisóstomo, em Nova Iorque



O João Telefonou a pedir-me um pequeno texto/relato sobre as exposições “ Lameta”, para ser utilizado, a seu critério, nos seus encontros made in USA. Aqui vai:



João Crisóstomo, Lourinhã, 
2017 (Foto de Luís Graça)

Caro amigo João Crisóstomo

Venho por este meio apresentar-te um relatório sobre a exposição “LAMETA - O Contributo Desconhecido das Comunidades Luso Americanas para a Independência de Timor Leste”.


Depois de 4 exposições já realizadas: Escola Rui Cinati, Escola Amigos de Jesus, Escola São Francisco de Assis, Universidade Nacional de Timor Leste, verificamos, com satisfação, o interesse crescente do povo timorense em conhecer este precioso contributo vindo de outras partes do mundo, tão distantes mas tão presentes e colaborantes no processo de autodeterminação deste jovem país.

E se, em Boebao, nas montanhas que abrigaram tantas lutas, ex-combatentes olhavam avidamente para as fotos que mostravam entidades relevantes do mundo internacional, em Dili, capital da nação, muitos estudantes e professores ficaram a conhecer factos e acontecimentos da história recente para muitos desconhecidos, através desta preciosa coleção. 

Quero destacar a exposição na UNTL no passado dia 4 de maio, onde a “Lameta” e o Grupo de Crianças de Ailok Laran tiveram tão caloroso acolhimento. Reitor da universidade, Diretora do Departamento de Língua Portuguesa, Embaixador de Portugal, vários professores catedráticos, ilustres convidados, e muitos alunos nos felicitaram pelo evento.

Quanto à coleção “Lameta”,  várias entidades, nomeadamente o senhor Reitor, manifestaram o seu apreço dizendo-nos: 

“Isto é um documento muito importante para a história de Timor Leste. É importante que os nossos jovens, muitos indiferentes ao passado, conheçam através dele a sua recente história.”

Nós também temos esta consciência. E, como fiéis depositários (património da Escola de São Francisco de Assis, em Boebau), tudo faremos por dá-lo a conhecer através de futuras exposições. Talvez, durante a nossa estadia em Timor, ainda possamos fazer mais uma na sede da Cruz Vermelha, em Liquiçá.

Caro amigo, a ti e a todos os que contribuíram ou contribuem para estas nobres causas o nosso preito e gratidão, sabendo de antemão que Deus vos pagará por tudo isso. “Quem dá aos pobres empresta a Deus", e Ele vos retribuirá 100X mais. E tu, João, sabes bem que há sorrisos que não têm preço. São a melhor moeda de troca.

OBRIGADO! THANK YOU! MERCI BIEN! GRAZIA TANTA! MUCHAS GRACIAS! DANKE SHAN!

O B R I G A D U !



Dia 09.05.2018, quarta feira  - De poeta, músico e louco ....


A história e os comportamentos de Felisberto (irmão Beto,  como é vulgarmente chamado) surpreendem-nos dia a dia, a cada instante. 

O Felisberto, ex-prisioneiro do regime indonésio, é um doente do foro psíquico, que merece a atenção de todos devido ao seu estilo de abordagem. De vez em quando tem atitudes violentas, destruindo o que bem lhe interessa, mas ele considera-se um verdadeiro messias, pelo que quando ele aparece já sabemos que vamos ouvir um grande sermão. Fala muito mas pouco ouve, porque se considera o detentor da verdade. E quando assim é, já sabemos o que acontece. A conversa começa a chatear.

Hoje ao pequeno almoço surgiu de novo o tema do Felisberto. Aproveitando a presença do Lito (Carlito), amigo desde a infância do Eustáquio que mora aqui mesmo ao lado, lembraram alguns dos episódios que passaram com o TiBeto. 

Contam os dois amigos que uma vez o TiBeto, passou-se dos carretos como de vez em quando é habitual, e decidiu enterrar dentro da sua casa, mesmo a pegar com a do Eustáquio, todas as imagens que tinha em seu poder. Fez um buraco bem fundo e para lá atirou tudo o que era santo ou santa, tapando bem a seguir para que ninguém pudesse lá ir salvá-los.

 Mas costuma dizer-se que “ o diabo faz a panela mas esquece-se do testo”. O Lito e o Eustáquio bem combinados, decidiram resgatar as imagens soterradas. Enquanto um vigiava o outro ia descobrindo cada santo e, num saco de arroz à maneira, aí ia depositando e escondendo o tesouro. Depois do trabalho completo, o Lito fugiu com o saco às costas, levando o espólio para lugar seguro, nunca descoberto pelo iconoclausta.

Conta também o Lito que uma vez, chamado pelo pregador Filisberto, foi interpelado pelo mesmo, e lhe disse: “disseram-me que tu lês muito a Bíblia. É verdade?"...  E o Lito lhe respondeu: "Sim, é verdade. Todos os dias eu leio a Bíblia. Abro o livro a meio e coloco-a sobre a minha cabeça para ela entrar dentro.” 

O TiBeto, muito admirado, comentou: “Qualquer dia ainda sabes mais do que eu!”

Pois é. Mal suspeita o Filisberto que a gente se ri com estas coisas. Considerando que “de poeta, músico e louco todos temos um pouco...”, penso que o Tibeto tem mesmo necessidade de ajuda. Ainda que ele não o admita, precisa de tratamento psiquiátrico, coisa que por aqui não será fácil de arranjar..




O  Toqué  (em Timor), ou Tokay Gecko.
Copyright (c) 1998 Richard Ling/GFDL
Fonte: Wikimedia Commons
(com a devida vénia...)
Vd. aqui áudios com as vocalizações
deste pequeno réptil
(Wikipedia, em inglês).
O Toqué, sinal de sorte?!...


Hoje vi o “Toquê” pela primeira vez. Este réptil tão respeitado e apreciado em Timor Leste, que devido ao preço inflacionado (os indonésios chegavam a trocar carros por estes lagartos) esteve em vias de extinção, está agora, graças ao programa de proteção por parte do governo timorense, em franca expansão. 

È rara a noite que não oiçamos ao nosso redor o seu canto vigilante: “Toquê!...Toquê!...” Na casa do Anô, mesmo aqui à nossa beira, há uns três ou quatro. E ninguém pense em espantar ou matar estes prestigiosos bichinhos. A sua presença dá sorte e proteção aos da casa.

Pois hoje o Valente apareceu por aqui em direção a casa, e trazia com ele um Toquê e um bonito galináceo. Claro que examinei ao pormenor este exemplar que, em boa verdade, não é nada feio, mesmo para quem não gosta de répteis. Depois de uns momentos de conversa, ajudado pelo Eustáquio como tradutor, o Valente pediu
 licença para se retirar e voltar a casa. 

Apeteceu-me gritar bem alto este desejo profundo que nos invade em relação à família do Valente: 

“ Que o Toquê vos proteja e que Deus, com as nossas ajudas, cuide de vós. Oxalá a vida vos sorria, tal como vós sorris para nós. Que o presente e o futuro possam ser melhores para todos vós”...


Dia 12.05.2018, sábado - Eleições: Ninguém gosta de perder, nem que seja jogar a feijões.


Dia de eleições antecipadas aqui em Timor Leste. A campanha eleitoral decorreu com dignidade, apenas com alguns pequenos incidentes e escaramuças, como em todo lado. 

Com o apelo ao voto vindo de todos os quadrantes religiosos, sociais e políticos adivinha-se uma participação massiva. Vamos a ver como ficará composto o puzle da Assembleia Nacional. Mas bem me parece que quem vencer vai ter que procurar alianças, pois não acredito que, seja quem for, tenha maioria absoluta. Que vença o melhor e que governe bem, é o anseio genuíno desta gente. E que, por falta de governo, Timor Leste não seja privado de programas e ações de desenvolvimento e apoios que muita gente, sobretudo os mais necessitados, estão à espera.

E, já agora, que os futuros governantes, para além das suas competências, tenham aprendido com outros governos que se criticam, cá dentro ou lá fora, a não cometerem os mesmos erros de governação. Este povo bem merece. Todos nós assim desejamos. Que os vencedores sejam suficientemente humildes para pedirem a colaboração dos outros. Que os que perderam sejam suficientemente solidários para participarem e ajudarem na governação. Nem que seja uma “geringonça à portuguesa”.



Dia 13.052018, domingo - Engano!...


Afinal enganei-me. Esta eleições tiveram uma participação massiva, a maior de sempre, e deram a maioria absoluta ao AMP (Aliança de Mudança para o Progresso) liderada pelos antigos presidentes Xanana Gusmão, Taur Mtan Ruak, e Naimori Buckar, presidente do novo partido Kunto.

O Gaspar, homem muito entendido nestas andanças, diz que “até que enfim alguém tem a coragem de dizer as verdades que têm estado ocultas".

Quanto a mim que nada tenho a ver com as eleições em Timor (pelo menos por enquanto), mais uma vez me enganei nas previsões, pelo que peço imensa desculpa. Vai haver governo sem geringonça nenhuma, cumprindo a vontade do voto popular que é quem mais ordena. Governe quem governar, que façam um bom trabalho em prol do desenvolvimento e do bem estar deste povo.




Dia 14.05.2018, segunda feira  - “ Que grande galo!...”


É um galo do caraças!... Logo cedinho, bate três vezes as asas, enche bem de ar o peito...e aí vai: Có-có-ró-có-có!.... Desafia os outros todos da redondeza, que em resposta cantam também alternadamente. Mas a ele ninguém o bate! “O nosso galo é bom cantor!”

Este galináceo veio das altas montanhas de Liquiçá, trazido pelo Abílio, o construtor da nossa escola em Boebau. Creio que não veio para aqui para ser cantor, mas sim para ser imolado e comido. E, se não fora eu, com certeza que já não estaria na terra dos vivos. 

Quando vim a saber que estava pronto para ser sacrificado, pedi com fervor para não ser morto, pelo menos enquanto eu aqui estiver. Fui atendido e por isso cá temos o nosso galo cada manhã, despertando-nos e dando graças pelo dia que aí vem. Não falha. E eu até já acho que ele faz isso para me agradecer a vida.

E no meio de tanta cantoria, há um descontrole inexplicável. Há galos que já cantam a qualquer hora do dia, não sei se enganados por alguém. Até o cantar dos galos já não é o que era. Talvez a luz artificial os confunda e já não saibam onde acaba a noite e começa o dia. Mas o nosso galo continua fiel. Que grande galo!...


Dia 15.052018, terça feira  - “Tenho medo...”


É a primeira vez que ouço esta expressão ao Eustáquio. E por isso quis saber mais sobre o seu temor. Então é assim. O Gaspar, muito atarefado com as lides de registos do terreno da Escola de São Francisco em Boebau e com o registo Da ASTILMB e da escola que lhe pertence, tem vindo a insistir que precisa urgentemente de ir a Liquiçá e a Boebau para serem assinados os documentos necessários para a legalização. 

Por várias razões, a mais plausível é ter estado a decorrer a campanha eleitoral, esta ida ainda não foi concretizada. Ontem, já passados dois dias das eleições, pensava o Gaspar poder viajar até às montanhas, e de novo insistia com o generoso irmão, porque o tempo aperta, porque assim, porque assado. Foi quando o irmão Eustáquio desabafou e disse: 

“Tenho medo!...”

“Tens medo de quê?”, perguntou o Gaspar.

E então veio a explicação mais compreensível do mundo, que nos deixou sem palavras. Desde há uns tempos que grassa por Timor e sobretudo nas cidades e arredores pequenos grupos aqui chamados Rama Ambon  (também conhecidos pelos grupos da fisga) que, ao entardecer ou já de noite, se escondem onde podem e atacam os transeuntes que lhes interessam,  lançando um tipo de setas com intenção de ferir e de matar. 

Já não são os primeiros que têm de ser assistidos no Hospital Guido Valadares, em Dli. Conta-se até que ainda há pouco, um jovem atingido na zona do coração, ao lhe retirarem a seta do crime, se esvaziou em sangue acabando por morrer. O Eustáquio tem medo que, dois dias depois do ato eleitoral, haja pelos caminhos que têm de percorrer alguns grupos destes que se queiram vingar dos resultados obtidos.

Claro que não houve resposta. Simplesmente silêncio e aceitação. A viagem será feita quando houver condições de confiança e segurança.

Mas hoje, dia 15 pelas 12 horas, dei-me conta do movimento de preparação das bagagens e do “motor”. Estava decidido que iriam partir até Liquiçá, seguindo logo que possível para Boebau. Boa viagem amigos, e que Deus vos acompanhe...

Nota: Agora percebo porque é que nunca me deixam sair sozinho ao escurecer ou durante a noite. Tenho realmente verdadeiros amigos.


Dia 17.05.2018, quinta feira - A miscigenação


Quem andar à procura de um rosto verdadeiramente timorense vai ter bastantes dificuldades em encontrá-lo. Aqui como em qualquer outra parte do mundo, as influências da globalização fazem-se sentir também na caracterização sobretudo das faces. 

A miscigenação é um fenómeno comum. E é com facilidade que nos cruzamos todos os dias, pelo menos nas cidades, com os rostos mais diversos: brancos, negros, mestiços; portugueses, chineses, australianos, angolanos, cubanos, indonésios, japoneses, etc... 

Neste momento Timor é uma amálgama de raças e de rostos com a maior diversidade possível. A tendência para o rosto asiático, devidamente colorida em café chocolate, é a mais notada. Mas nas montanhas, onde as influências são menos notadas, ainda há rostos que indiciam o verdadeiro retrato de um timorense do leste, possível de encontrar também nos timorenses do oeste, na parte ocidental da ilha.

Seja como for, não consigo imaginar o verdadeiro rosto timorense sem o sorriso aberto, carregado de simpatia, respeito e hospitalidade. Tudo o mais vem de outros lados, doutros países, de outros continentes com virtudes e defeitos que, em policromia e sincronia, fazem deste país uma terra encantadora e com um futuro promissor. Basta que nos aceitemos e respeitemos uns aos outros. Não sou defensor da “raça pura”, mas aprecio o que é genuíno.


Ausência e Presença


Ainda sou do tempo (década de 50) em que partir para um país longínquo como a Índia, Timor, Argentina, Brasil, etc) era considerado como o último adeus. Lembro-me da partida e da despedida da família do Tio Augusto para a Argentina nos começos dos anos cinquenta. Chorava-se de um lado e do outro porque se pensava que nunca mais nos iríamos ver. Ausência para sempre!...

Sessenta a setenta anos passados, eis que tudo se altera. As viagens aéreas, as facilidades de deslocação, os novos meios de comunicação, os facebooks, os emails, os whatsapps, os telemóveis, e tudo o mais criaram pontes de união, contactos, presenças constantes nas nossas vidas. 

Hoje em dia as distâncias não metem medo a ninguém. De manhã em Singapura, à noite em Lisboa. O que é agora ausência, torna-se mais tarde presença. Ou então podemos dizer que não há ausência nem presença, porque embora opostas, ambas estão sempre presentes. São imanentes.

E começo a pensar em coisas do outro mundo, da outra vida. Será que já estamos antecipando a experiência? Será que quando deixarmos este corpo que nos suporta a nossa presença é uma presença ausente, mas que nem por isso será menos importante na vivência da nossa outra vida? Não me incomoda nada se assim for. E então se essa vida futura for o cumprimento da promessa e o ponto de chegada, a plenitude da vida cristã, melhor ainda. Assim o creio e espero.


(Continua)

(Seleção, alguns dos substítulos, revisão / fixação de texto, negritos: LG)
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quarta-feira, 25 de janeiro de 2017

Guiné 61/74 - P16986: Inquérito 'online' (102): resultados definitivos: num total de 89 respostas, mais de 76% nunca votou antes do 25 de Abril


Marcelo Caetano (Lisboa, 17 de agosto de 1906 — Rio de Janeiro, 26 de outubro de 1980) > Últmo governante do Estado Novo,  foi presidente do conselho de ministros, substituindo Salazar, entre 27 de setembro de 1968 e 25 de abrill de 1974.

No seu "consulado", houve duas eleições legistaltivas para a Assembleia Nacional, em 26 de outubro de 1969 e 28 de outubro de 1973. Nessa época estavam recenseados cerca de 1,8 milhões de eleitores. Estas foram as únicas eleições em que  a nossa geração de antigos combatentes da guerra do ultramar puderam, teoricamente votar, além das duas anteriores, na época de Salzar: as eleições legislativas de 1965, e eventualmente,  as eleições para a Presidência da República de 1958  a que concorreu o "general sem medo", Humberto Delgado (1906-1965). Nenhuma  destas eleições eram "livres", no sentido que damos hoje ao termo... Os nossos filhos e netos que nasceram com a democracia têm dificuldade em perceber o que era isto de "eleições que não eram livres"... Em 1958 e depois em 1969, foi a única vez em que o regime abriu um bocadinho de anad a "tarraxa"... Ficou tão escaldado com a mobilização popular, conseguida por Humberto Delgadom, que nunca mais quis repetir a brincadeira... Em 1965 e em 1973, o regime foi às urnas a falar sozinho, como se tratasse de uma partida de futebol em que o campo, a bola, os jogadores e o árbitro vestiam todos a mesma camisola...

 (Foto: cortesia da Wikipedia).

I. INQUÉRITO DE OPINIÃO:

"ALGUMA VEZ VOTASTE
EM ELEIÇÕES LEGISLATIVAS,
ANTES DO 25 DE ABRIL DE 1974?"


Resultados definitivos (n=89)


1. Não estava recenseado, pelo que nunca votei  > 61 (68,5%)

2. Estava recenseado, mas nunca votei  > 7 (7,9%)



3. Estava recenseado e votei, pelo menos uma vez  > 16 (18,0%)



4, Não sei / não me lembro  > 5 (5,6%)

Total de respostas  > 89 (100,0%)


A votação terminou ontem às 11h34.


II. Comentários (*):

(i) João Sacôto:

[aqui, em 1965, em Ganjola, Catió]

O primeiro ano em que votei,  foi em 1958, e votei  no General Humberto Delgado. Daí até hoje, exerci sempre esse direito (que também considero dever de cidadania). Essas eleições estão muito na minha memória por terem correspondido ao meu primeiro acto eleitoral. Foram em 8 de junho de 1958, dia em que eu comemorei os meus 20 anos e pude votar, por ter sido emancipado em 1956, aos 18 anos.


(ii) Torcato Mendonça


Eu, obviamente, não tinha direito a votar. Razões de ordem pessoal fazem-me ser lacónico.

Recordo esse "acontecimento eleitoral" [, o de 1969,] pois recebia a Vida Mundial e, quando havia colagem recebia a Time ou NewsWeeek (se não erro), a "alertar" qualquer envio. Bons tempos e, mesmo lá sabia alguma novidade.

Quando das Eleições estava destacado em Candamã e Áfia [, subsetor de Mansambo, foto à direita]. Substituíram-me a meia dúzia de homens do meu Grupo que iam votar. Eles sempre me perguntaram quem era o sr James Pinto Bull... eu dizia que era bom eles saírem dali por dois ou três dias. Era lugar quente. Estiveste lá depois do ataque de fins de julho de 69 e viste a brutalidade... creio que tenho isto em escrito publicado no blog.

Recordo agora e estou a sorrir. Quando fomos para lá, creio que em finais de setembro de 69 fizemos 5 ou 6 fornilhos a rodearem cerca de metade de Candamã. Disparo eléctrico e os 5 ou 6, numerados, vinham para o meu abrigo e três iam também para o Furriel Rei. Foi carga demais e um raio de forte trovoada accionou aquela marmelada em simultâneo... nunca tinha ouvido tamanho estrondo...

À cautela agarramos em armas etc. Felizmente só o rádio ficou preto, as granadas da bazuca estavam demasiado encharcadas e não rebentaram. Ficaram dois ou três militares atordoados e, o mais grave, era o "cozinheiro". Depois de duas colheradas de azeite e um forte apertão estomacal vomitou bastante chispe de porco holandês e recuperou... Enfim, vidas...

Só votei em 1975 e estava bastante nervoso. Votei no mesmo Partido onde hoje voto. Infelizmente este Mundo ainda está uma trampa e custa a "endireitar"... um dia melhora.
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sexta-feira, 20 de janeiro de 2017

Guiné 61/74 - P16973: Inquérito de 'online' (101): Resultados preliminares: em 70 respondentes, só 1 em cada 4 estava inscrito nos cadernos eleitorais... E só 14% votou, pelo menos uma vez, em eleições legislativas, antes do 25 de Abril... Prazo de resposta: 3ª feira, dia 24, às 11h34... Queremos chegar às 100 respostas!


1ª página do "Diário de Lisboa", 26 de outubro de 1969, 4ª edição, a da noite.  O título de caixa alta revela alguma euforia, própria de um jornal diário, conotado com a oposição, dando destaque,  no próprio dia das eleições de 26/10/1969, à "grande afluência de votantes, considerada mesmo excecional em alguns pontos do País"... Pela primeira vez as mulheres, maiores ou emancipadas, sabendo ler e escrever, podiam votar, sem restrições, desde que recenseadas. No distrito de Lisboa, estavam recenseados mais de 350 mil eleitores.  E  pela primeira vez havia listas da oposição democrática em quase todos os distritos do país. Nas "províncias ultramarinas", penso que só existiam as listas da UN - União Nacional. (LG)

Cortesia da Fundação Mário Saoers | Casa Comum | Diário de Lisboa & Ruella Ramos  Pasta: 06606.144.24135 Título: Diário de Lisboa. Número: 16829,.Ano: 49. Data: Domingo, 26 de Outubro de 1969.

Citação:
(1969), "Diário de Lisboa", nº 16829, Ano 49, Domingo, 26 de Outubro de 1969, CasaComum.org, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_7627 (2017-1-20)


1. Às 00h15 de hoje, a 4 dias e meio de fecharmos o nosso inquérito desta semana, temos um já razoável número de respostas: 70. A tendência da votação dos nossos leitores mantém-se: mais de 2/3 da malta, da "nossa malta" (ex-combatentes da guerra colonial na Guiné), não estava inscrita dos cadernos eleitorais, não recebia o boletim de voto para votar e, portanto, também não votava...

Muitos de nós tínhamos idade (e demais condições) para votar nas eleições legislativas de 1969 e de 1973... Não falo já da anterior, 1965..., a primeira de que me lembro.

Um em cada dez de nós, mesmo recenseado, nunca votou antes do 25 de Abril, é uma das conclusões que já se pode tirar deste "inquérito de opinião".

A verdade é que, com a morte política de Salazar e a "primavera marcelista",  houve uma onda de ar fresco que percorreu, saudavelmente, a sociedade portuguesa, ou pelo menos alguns dos segmentos da população mais esclarecida, informada e consciente das grandes mudanças que se estavam a operar (em Portugal e no mundo)... O país estava em guerra... lá longe, e essa realidade não chegava aos jornais, à televisão e à rádio... No entanto, o país dos 3 Fs (Fado, Futebol e Fátima) mexia como um vulcão adormecido...

A malta nova começou a interessar-se pela "coisa pública", pela política, ou mesmo é dizer, pelo exercício da cidadania, daí ter  havido campanhas da(s) oposição(ões) democrática(s) para os portugueses se recensearem, nomeadamente nas cidades e vilas mais importantes...

A abertura política, com o marcelismo, era um incentivo à participação cívica, de há muito bloqueada com o salazarismo. Desde que se fosse cidadão português, maior (ou emancipado) e se soubesse ler e escrever, qualquer um, homem ou mulher, podia doravante inscrever-se no recenseamento. "Bastava", para tanto, fazer um requerimento, em papel comum, de 25 linhas, dirigido ao presidente da comissão de recenseamento eleitoral do concelho (ou bairro) de residência...

Mas foi sol de pouca dura, mesmo que em 26/10/1969 tenham sido eleitos alguns deputados reformistas que irão constituir a "ala liberal" da União Nacional (rebatizada logo a seguir, em 1970, como  ANP - Acção Nacional Popular), na Assembleia Nacional, entrando em choque com os ultraconservadores, como o Casal Ribeiro, por exemplo.

A "questão do ultramar" foi, de resto, um dos temas fracturantes da campanha eleitoral. Alguns cartazes de propaganda da União Nacional são, a esse respeito, elucidativos:

(i) "Portugal repudia o abandono do Ultramar apoiando os que defendem a integridade da Pátria. Vote na acção de Marcello Caetano, vote na lista da UN";

(ii) "Mulheres, mães de Portugal dizei não aos que querem vender o nosso ultramar"...

2. O que me surpreende, na resposta ao nosso inquérito desta semana, a avaliar pelos resultados preliminares, é a proporção de malta que estava recenseada (24%)...

Se calhar, o processo era também feito por "via administrativa", já não me recordo bem: os funcionários públicos e os militares do QP [, Quadro Permanente,], pelo menos, deviam ser inscritos "automaticamente"... Seria assim?

Tanto quanto me lembro, eu inscrevi-me na comissão de recenseamento eleitoral concelhia, que funcionava, se não erro, na câmara municipal, com 21 anos, em 1968, antes de ser chamado para a tropa e depois mobilizado para a Guiné, com 22 anos...

Daí ter recebido o boletim de voto em Bambadinca, para votar em 26/10/1969... É verdade, o "patrão" sabia onde eu estava... E a lei "cumpria-se" naquele tempo... Os burocratas lá encaminharam o meu boletim de voto, que  deve ter andado uns bons quilómetros até chegar ao meu SPM, o pioneiro código postal militar!... Não faço ideia onde foi impresso o boletim, se em Lisboa, se em Bissau...

Eis a desagregação das 70 respostas (resultados preliminares, às 00h15 do dia 20/1/2017):


1. Não estava recenseado, pelo que nunca votei > 48 (68%)


2. Estava recenseado, mas nunca votei > 7 (10%)


3. Estava recenseado e votei, pelo menos uma vez > 10 (14%)


4. Não sei / não me lembro > 5 (7%)


Total de respostas (provisórias) > 70 (100%) 


II. Espero que apareçam mais relatos sobre o que se passava a nível de companhia no que diz respeito à participação dos militares nas eleições legislativas... 

Até agora só se falou de duas companhias africanas: a CCAÇ 12 (Bambadinca, 1969/71) e a CCAÇ 5 (Canjadude, 1968/70)... Na CCAÇ 12, havia 3 inscritos; na CCAÇ 5, nenhum... Mas estas companhias tinham um número reduzido de pessoal metropolitano (só os graduados e os especialistas, cerca de 1/3 do total, sendo as praças oriundas do recrutamento local)...

Esperamos também às 100 respostas, na terça-feira, dia 24, até às 11h34.




1ª página do Diário de Lisboa, 29 de outubro de 1973, no dia seguinte
à realização das eleições para a XI Legislatura da Assembelia Nacional. A única lista candidata foi a da ANP - Acção Nacional Popular. As oposições retiram-se. O tom do jornal já não é de euforia... O regime endureceu e a repressão abateu-se sobre as oposições...  (LG)

Cortesia da Fundação Mário Saoers | Casa Comum | Diário de Lisboa & Ruella Ramos 
Pasta: 06819.169.26526 | Título: Diário de Lisboa. Número: 18265,.Ano: 53. Data: Segunda, 29 de Outubro de 1973.

Citação:
(1973), "Diário de Lisboa", nº 18265, Ano 53, Segunda, 29 de Outubro de 1973, CasaComum.org, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_5340 (2017-1-20)
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Nota do editor:

Último poste da série > 19 de janeiro de 2017 > Guiné 61/74 - P16968: Inquérito de 'online' (100): Resultados preliminares: em 52 respondentes, só 15 estavam recenseados, mas só 10 votaram pelo menos uma vez, antes do 25 de Abril, em eleições legislativas

quinta-feira, 19 de janeiro de 2017

Guiné 61/74 - P16968: Inquérito de 'online' (100): Resultados preliminares: em 52 respondentes, só 15 estavam recenseados, mas só 10 votaram pelo menos uma vez, antes do 25 de Abril, em eleições legislativas


Foto: Assembleia da República / Palácio de São Bento (cortesia do sítio da CM Lisboa) (Edição: Blogue Luís Graça & Caamradas da Guiné)



I. INQUÉRITO DE OPINIÃO: 



"ALGUMA VEZ VOTASTE 

EM ELEIÇÕES LEGISLATIVAS, 
ANTES DO 25 DE ABRIL DE 1974?"



Resultados preliminares até hoje de manhã (n=52)

1. Não estava recenseado, pelo que nunca votei  > 33 (63%)

2. Estava recenseado, mas nunca votei  > 5 (9%)

3. Estava recenseado e votei, pelo menos uma vez  > 10 (19%)

4, Não sei / não me lembro  > 4 (7%)

Total > 52 (100%) 



Votos apurados: 52 


Dias que restam para votar: 5 
Prazo termina a 24, 3ª feiras, às 11h34

II. Comentários dos nossos leitores:



(i) José Marcelino Martins (*):


Nunca estive recenseado,pelo que nunca votei. Recordo-me que, em 1969, quando estava em Canjadude [, na CCAÇ 5,] , houve eleições, tendo o destacamento sido sobrevoado por um heli a partir do qual informavam, com insistência, de que o presidente da assembleia de voto se devia deslocar à pista com a urna de votos para lhes ser entregue. Não havia urna, porque ninguém se tinha apresentado manifestando a intenção de votar.

(ii) Luís Graça (*):

Patriótico paradoxo: um português podia morrer pela Pátria mas podia não ter direito de voto nas eleições para a Assembleia Nacional... Na CCAÇ 2590/CCAÇ 12 (Contuboel e Bambadinca, 1969/71), só havia três camaradas recenseados (inscritos nos cadernos eleitorais, ans eleições legislativas de 26/10/1969), incluindo o capitão (que era do quadro permanente), um furriel um 1º cabo... Nem os sargentios QP!...



(iii) Luis Lima  (**) 

Se não estou em erro parece-me que decidiram que o meu voto era para o deputado [James] Pinto Bull que desapareceu no crasch do heli em [26 de julho de] 1970.



(iv) Julio Pereira (**)

Sim, é verddae. Quando eu casei, em 65,  nas eleições seguintes [, em 1969,] a minha esposa teve direito a votop mas eu não. Os [boletins de] votos eram entergues em casa.



(v) Tabanca Grande (*):



Em 1969, o representante da Guiné na Assembleia Nacional é o James Pinto Bull (Bolama, 15 de Julho de 1913 – Bissau, 26 de Julho de 1970). Foi provavelmente eleito também com alguns dos nossos  votos... em branco, entrados nas urnas (poucas) que haveria nos nossos quartéis, no TO da Guiné, em 26/10/1969.

Alguns dados biográficos do James Pinto Bull (fonte:  adapt. de Wikipédia e Assembleia da República):

(i) licenciado Ciências Sociais e Política Ultramarina pelo Instituto Superior de Ciências Sociais e Política Ultramarina (ISCPU) da Universidade Técnica de Lisboa

(ii) foi político e administrador de empresas, ocupou duversos na administração colonial;

(iii) foi deputado na VIII Legislatura, entre 1961 e 1965, na IX Legislatura, entre 1965 e 1969, e na X Legislatura, entre 1969 e 1973, tendo sido eleito pelo Círculo Eleitoral N.° 26, da Guiné;

(iv) ocupou os lugares de vogal da Comissão do Ultramar, de 1961 a 1970, e de Membro da Comissão Eventual para estudo da Proposta de Lei de Alterações à Lei Orgânica do Ultramar Português, nomeada na Sessão Legislativa de 1962-1963; 

(v) fez intervenções no Parlamento que se concentraram "na defesa dos interesses da Guiné, participando assiduamente nos debates das Contas Gerais do Estado, nos quais apresentou relatos circunstanciados da situação económica daquela Província"; além disso, "chamou, amiúde, a atenção dos seus pares para as carências do Círculo Eleitoral que representava, apelando, sobretudo nos debates do Plano Intercalar e do III Plano de Fomento, à realização de mais avultados investimentos na região."

(vi) foi eleito deputado à Assembleia Nacional em 1969, tendo sido membro da chamada Ala Liberal, que defendeu reformas políticas do regime;

(vii) morreu na Guiné em 26 de julho de 1970, num acidente de helicóptero, quando viajava de Teixeira Pinto para Bissau com outros três deputados, um dos quais era o líder da Ala Liberal, José Pedro Pinto Leite.

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quarta-feira, 18 de janeiro de 2017

Guiné 61/74 - P16964: Inquérito de 'online' (99): "Alguma vez votaste, em eleições legislativas, antes do 25 de Abril de 1974 ?"... Precisam-se pelo menos 100 respondentes até 3ª feira, dia 24, às 11h34


Foto: Assembleia da República / Palácio de São Bento (cortesia do sítio da CM Lisboa)


I. INQUÉRITO DE OPINIÃO: 

"ALGUMA VEZ VOTASTE 
EM ELEIÇÕES LEGISLATIVAS, 
ANTES DO 25 DE ABRIL DE 1974?"


1. Não estava recenseado, pelo que nunca votei 
2. Estava recenseado, mas nunca votei 
3. Estava recenseado e votei, pelo menos uma vez 
4, Não sei / não me lembro


Resposta.  até 24/1/2017, 3ª feira, até às 11h34, diretamente no blogue, ao canto superior esquerdo (*).


II. É a pergunta desta semana: quantos de nós, camaradas, estavam incluídos no tal milhão e oitocentos mil recenseados, que constavam dos cadernos eleitorais do Estado Novo, até ao 25 de Abril de 1974, podendo exercer o "direito de voto" nas eleições legislativas para a Assembleia Nacional (e apenas nestas) ?... Ou seja, apenas um em cada cinco portugueses!

Depois das eleições para a Presidência da República de 1958, por sufrágio universal, a Constituição (de 1933) foi alterada, passando a lei a prever que que o supremo magistrado da Nação passasse a ser eleito por um colégio eleitoral restrito de 602 membros.

Esses membros eram os seguintes: (i) deputados da Assembleia Nacional; (ii) membros da Câmara Corporativa;  (iii) representantes das estruturas administrativas dos territórios ultramarinos;  e (iv) representantes das câmaras municipais.

Lê-se no sítio oficial da Presidência da República Portuguesa, na nota biográfica de Américo Tomás: "O Colégio Eleitoral é o resultado das eleições de 1958. Foi criado para evitar situações problemáticas para o regime, como a hipótese de vir a ser eleito um candidato da oposição".

Recorde-se que em 1958, em eleição fraudulenta, Américo Tomás foi eleito com 75% dos votos (contra 25% do general Humberto Delgado), o que correspondia a 758 998 votos e 236 528 votos, respectivamente, para cada um dos candidatos....

O total dos recenseados nos "cadernos eleitorais" do Estado Novo, nas últimas eleições, as de 1973 eram cerca de 1 milhão e 800 mil para uma população de  pouco mais de 8,6 milhões, ou seja, pouco mais de 20%.

Compare-se esse número com o total de recenseados, para as primeiras eleições livres, em 25/4/1975, as eleições para a Assembleia Constituinte: mais de 6,7 milhões de eleitores (numa população de pouco mais de 8,7 milhões), o que equivale a 88,5% do total.

Nas eleições legislativas de 26/10/1969, eu estava há já cinco meses na Guiné  e exerci o meu direito de voto... Votei em branco mas não sei o que fizeram ao meu voto...

Recorde-se (para os mais novos...) que ante do 25 de Abril, o direito de voto era muito restrito, não era "um homem, um voto": só podiam votar: (i) os chefes de família (excluindo-se as mulheres e os filhos maiores que viviam com os pais); (ii) os indivíduos  com um grau de instrução igual ou superior a 4 anos e proprietários (excluíam.se  os analfabetos e os pobres...). O  recenseamento era administrativo e prestava-se a grandes arbitrariedades. Eram excluídos, administrativamente, dos cadernos eleitorais, muitos dos opositores ao regime... Enfim, a campanha eleitoral era de um mês, com muitos constrangimentos e intimidações para os da "oposição"... As assembleias de voto e as urnas eram controladas e manipuladas, não havia fiscalização, não havia partidos, não havia "tempos de antena"..
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Em suma, um português podia morrer pela Pátria mas podia não ter direito de voto nas eleições para a Assembleia Nacional... 

No TO da Guiné, numa  companhia como a minha (a CCAÇ 2590/ÇÇAÇ 12), com de cerca de 60 militares metropolitanos graduados e especialistas, creio que só havia três camaradas inscritos nos cadernos eleitorais e, portanto, com direito de voto, ou seja 5%:  (i) eu (fur mil armas pesadas inf); (ii) o cmdt da companhia (o capitão de infantaria Carlos Brito, hoje cor ref);  e (iii) o  1º cabo apontador de armas pesadas inf, que pertencia ao 1º Gr Comb, o  José Manuel Quadrado (infelizmente já falecido), o "Alentejano", como era conhecido na caserna. Quantos aos restantes 100 portugueses, as praças guineenses, da CCAÇ 12, nem pensar, não tinham, capacidade eleitoral; eram todos analfabetos, com exceção do 1º cabo José Carlos Suleimane Baldé (o único que, teoricamente, poderia votar, se estivesse recenseado...).

Na CCAÇ 2590, em 60 homens (metropolitanos)  só 3 estavam  recenseados nos cadernos eleitorais, o que é mais baixo (5%) do que a média nacional (20%). Pode ser que noutras companhias a proporção fosse maior.

Posso, por outro lado,  estar aqui a cometer uma injustiça, omitindo mais alguém, mas julgo que não, embora, para além do capitão QP, os restantes graduados do quadro, os dois segundos sargentos de infantaria, o José Martins Rosado Piça e Alberto Martins Videira também devessem, em princípio, estar recenseados. O 1º sargento de cavalaria Fernando Aires Fragata  ainda estava connosco: irá depois ingressar na antiga Escola Central de Sargentos, sita em Águeda, para frequentar o curso que dava a promoção a oficial do SGE. Alguns de nós, milicianos chegámos a dar-lhe explicações: português, matemática, etc.

Vamos lá responder a este inquérito. Precisamente de chegar pelo menos às 100 respostas.


III. Comentários sobre o tema (**):

(i) Carlos Vinhal

[Nasceu a 27 de Março de 1948 em Vila do Conde; vive em Leça da Palmeira, Matosinhos. aposentado da Administração dos Portos do Douro e Leixões SA; foi Fur Mil Art MA,  CART 2732 Mansabá, entre Abril de 1970 e Março de 1972; é coeditor do nosso blogue]

(...) Confesso a minha pouca importância dada à política de então, e até nem sei quando se adquiria o direito a votar. Seria aos 21 anos, coincidente com a aquisição da chamada maioridade?

Só me lembro do recenseamento no pós 25 de Abril e de ter votado pela primeira vez na minha vida (?) no dia 25 de Abril de 1975, quando até fiz parte de uma mesa de voto como escrutinador, acabando também por secretariar, já que o secretário nomeado me passou a pasta.

Não sei se era "lenda", mas dizia-se que os "votos" dos funcionários públicos que não votavam eram descarregados automaticamente nas listas do regime. De qualquer modo até 1975,  fui funcionário público assalariado de carácter permanente,  logo não devia contar para o número dos ditos "votantes".


(ii) António J. Pereira da Costa

[Coronel art ref, ex-alf art  da CART 1692/BART 1914, Cacine, 1968/69; ex-cap art  e cmdt  das CART 3494/BART 3873, Xime e Mansambo, e CART 3567, Mansabá, 1972/74)]

(...) Sobre a inscrição dos militares profissionais no "caderno eleitoral" admito que tenha sido obrigatória. Porém, na década de 60, esse uso terá caído em desuso. Nos períodos eleitorais que apanhei na tropa, fui brindado com "prevenções" e nunca dei que os profissionais saíssem do quartel para cumprir o "dever cívico".

Nunca estive inscrito e nunca fui convidado/obrigado a inscrever-me. Às vezes fico com a ideia de que, para a maioria dos militares daquele tempo, a política era uma coisa menor que se tinha de aturar e mais nada...

(...) Sobre as eleições recordo as "chapeladas" feitas com os votos dos legionários que estavam de prevenção e, por isso, não podiam ir às mesas de voto. Então os comandantes levavam os respectivos votos que entravam para as urnas e depois... era só contar.

Ouvi, outro dia, dizer que o embaixador inglês em Lisboa comentava o dito do Salazar (eleições tão livres como na livre Inglaterra), em relação às eleições portuguesas do pós-guerra, que daquelas só conhecia as da Polónia.

Enfim, passou-se...
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