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sexta-feira, 10 de novembro de 2023

Guiné 61/74 - P24838: S(c)em Comentários (14): Os fulas, que se alistaram nas forças armadas portuguesas, valorizavam o dinheiro, mas nunca perdiam de vista o mais importante que eram objectivos políticos a longo prazo (Cherno Baldé, Bissau)


Guiné > Região de Bafatá > Fá Mandinga  (?) > c. 1970/72 > O tenente graduado 'comando'  João Bacar Djaló,  rodeado de pessoal da 1ª CCmds Africanos. Entre outros, é possível identificar o furriel “Dico” Andrade, o 1º da esquerda, o furriel Orlando da Silva, ajoelhado, no meio e o 1º da direita, em cima, o soldado Francisco Gomes Nanque, que esteve preso na Libéria após a operação a Conacri. 

Foto de Amadu Bailo Djaló, publicado na pág. 190 do seu livro, " "Guineense, Comando, Português: I Volume: Comandos Africanos, 1964 - 1974", Lisboa, Associação de Comandos, 2010, 229 pp, + fotos, edição esgotada. 
 


Cherno Baldé, quadro superior
com formação em  economia e gestão,
vive e trabalha em Bissau;
colaborador permanente do nosso blogue:
 integra a Tabanca Grande
desde 19/6/2009;
1. Comentário de Cherno Baldé ao poste P24832 (*):


"Amadu, vais ser oficial. E a questão do vencimento vai resolver-se (...)".

O Amadu Djaló, com 32 anos de idade, dos quais 8 como soldado, estava cansado da guerra e do corre-corre da vida militar, sobretudo, dos comandos onde servia desde 1964.

Mas, no entendimento do seu Comandante [major inf 'cmd' A
lmeida Bruno], o problema era, antes de mais, financeiro, o dinheiro. E o Amadu, se acreditarmos no que está escrito no texto, não dá quaisquer sinais de discordar desta análise do seu superior.

Na minha opinião, esta deve ter sido a atitude prevalecente entre os soldados nativos e sobretudo dos comandos e que fazia pensar que estes soldados não lutavam por qualquer outra causa que não fosse pelo dinheiro.

Provávelmente, seria o caso para muitos que estavam a combater do lado português, mas a verdade é que, para uma grande maioria, sobretudo da etnia fula (fulacundas), e em especial as autoridades "gentílicas", a escolha entre os dois lados era óbvio, pois a sua aliança com as autoridades portuguesas tinha motivações de sobrevivência do seu poder (tribal) sobre os outros grupos rivais no mesmo território e que tinha sido duramente conquistado havia poucos anos antes do domínio europeu em África.

Estes,  sim, valorizavam o dinheiro, mas nunca perdiam de vista o mais importante que eram objectivos políticos a longo prazo que, inclusive, poderiam se transformar em conflitos com o poder colonial.

Cordialmente, Cherno Baldé  | 9 de novembro de 2023 às 00:12
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Nota do editor:

(*) Vd. poste de 8 de novembro de 2023 > Guiné 61/74 - P24832: S(c)em comentários (13): Éramos todos iguais mas uns mais do que outros... (Amadu Djaló dixit, mas por outras palavras)

quinta-feira, 31 de março de 2016

Guiné 63/74 – P15922: Memórias de Gabú (José Saúde) (62): Saudades daquela nota esverdeada estampada com a figura de Nuno Tristão, 50 pesos.



1. O nosso Camarada José Saúde, ex-Fur Mil Op Esp/RANGER da CCS do BART 6523 (Nova Lamego, Gabu) - 1973/74, enviou-nos mais uma mensagem desta sua série.

As minhas memórias de Gabu

Saudades daquela nota esverdeada estampada com a figura de Nuno Tristão, 50 pesos

Os conteúdos de memórias registadas na Guiné continuam. Nos seus teores cruzam-se recordações que jamais se apagarão das nossas respeitosas histórias e sobretudo analisadas sobre o prisma de militares que conheceram uma peleja que não dava folgas.

Numa destas últimas manhãs primaveris, ainda com o tempo bastante instável, atrevi-me a efetuar uma viagem por gavetas onde guardo alguns registos de uma vida que persiste em diluir-se num tempo sempre indeterminado, e detive-me perante uma nota de 50 pesos que trouxe da Guiné mas que arquivo religiosamente.

Falar em 50 pesos (escudos) é literalmente citar que essa nota, outrora grande, representa, atualmente, uns meros 25 cêntimos. Dá, quiçá, para comprar duas pastilhas elástica, ou coisa de somenos importância ou tão-pouco uma lembrança com o mínimo de projeção.

Mas, naquele tempo uma nota de 50 pesos na Guiné já fazia algum ronco. Sou de um tempo em que cruzei os anos de 1973/1974, sendo porém certo que a grandeza do dinheiro, escudos, foi paulatinamente ganhando novos contornos ao longo de comissões que a irreverente moçada cumpriu naquele território ultramarino.

Registo que o meu ordenado como furriel miliciano era de 6400$00 (seis mil e quatrocentos escudos, hoje, simplórios 32 euros), ficando na Metrópole 3800$00 e recebendo 2600$00 em Gabu. Manga de patacão, é verdade, daí que os gastos fossem fartos na compra de várias bugigangas e num beber permanente de bebidas alcoólicas entre as saudosas mariscadas, nomeadamente. Ah, fazia-se, à socapa, também um pequeno mealheiro.

Sobrou-me, assim, patacão para vir de férias e deliciar-me com os baldes de ostras, ou de camarão tigre, grelhado de preferência, bem como refrescar a garganta com as belas cervejas fresquinhas em cervejarias de casta em zonas nobres da cidade de Bissau e as noites de arrombo numa urbe que acolhia o pessoal que vinha do mato e já farto em levar “porrada”.

Para trás ficavam então as trincheiras do medo, ou, os indetermináveis dias em defesa de uma vida jovem e já entregue a insofismáveis incertezas, restando o momento de aparente sossego para a malta dar largas a leviandades próprias de uma idade que se situava na casa dos vinte e poucos anitos. 

Reconhecido pelo primeiro momento em que o blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné me proporcionou e, simultaneamente, abriu as suas portas para eu debitar pequenos textos enquadrados com exíguas memórias que cruzam gerações, atrevi-me a inserir nesta narrativa a razão óbvia da dimensão de uma nota de 50 pesos e a atual realidade de 25 cêntimos. Talvez que o repto seja eventualmente proveitoso para uma troca de ideias, tendo em conta a representatividade dos valores expostos.

E é com este pequeno subterfúgio que por ora deixo expresso que a vida, a nossa, conheceu momentos irónicos na guerra onde 50 pesos faziam rugido na Guiné e presentemente 25 cêntimos é um valor meramente irrisório. 



Guiné e a sua moeda designada por pesos. Como o tempo mudou, camaradas.

Um abraço, camaradas 
José Saúde
Fur Mil Op Esp/RANGER da CCS do BART 6523

Mini-guião de colecção particular: © Carlos Coutinho (2011). Direitos reservados.
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Nota de M.R.:

Vd. último poste desta série em: