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domingo, 7 de outubro de 2012

Guiné 63/74 - P10496 Meu pai, meu velho, meu camarada (33): Mais notícias das forças expedicionárias da ilha de São Vicente, Cabo Verde (1941/45) (Adriano Miranda Lima, cor inf ref)


1. Comentários, ao poste P10284 (*), de Adriano Miranda Lima, nosso leitor, cor inf reformado, natural de Cabo Verde, São Vicente, antigo combatente da guerra do ultramar (Angola e Moçambique), residente em Tomar [,  foto atual à esquerda, ] , e que gostaríamos que aceitasse o nosso convite para integrar esta Tabanca Grande:

(i) Manifesto ao senhor José Martins a minha admiração pelo excelente trabalho de pesquisa que empreendeu e permitiu a publicação desta lista dos militares portugueses falecidos em Cabo Verde. O meu reparo em relação ao lapso de registo respeitante ao major Nicolau de Luizi deve-se ao conhecimento muito particular que tenho do caso. Sou militar (coronel reformado) e servi grande parte da minha carreira no RI 15, sobretudo depois de finda a guerra de África. Essa condição permite-me conhecer muito bem o historial desse regimento, que beneficiei com pesquisas, reescrevendo algumas das suas páginas.


Como sou cabo-verdiano de nascimento, toca-me também de modo muito particular o historial das tropas expedicionárias durante a II Guerra Mundial. É por isso que me atrai este blogue, cuja consulta me tem facultado alguma ajuda para poder escrever alguns textos que comecei a publicar no blogue Praia de Bote, cujo nome se deve à praia com o mesmo nome existente na cidade do Mindelo, na orla do Porto Grande.

Ainda participei em 3 convívios realizados em Tomar pelos expedicionários do RI 15, que incluíam também expedicionários de outras unidades mobilizadas, como os de Infantaria 5 e 7. O grande entusiasta e organizador desses convívios era o senhor Francisco Lopes (que era conhecido no Mindelo como o Chico da Concertina). Infelizmente, faleceu há para aí 2 anos. Estava muito lúcido e ainda vigoroso, mas bastou terem-lhe tirado a carta de condução (conduziu até idade muito avançada) para entrar numa depressão a que seguiu uma pneumonia que foi a causa da sua morte. Julgo que ele tinha 89 anos.

Fiz duas comissões, uma em Angola e outra em Moçambique, mas na Guiné nunca estive.
(ii) Consultando de novo a lista dos militares inumados em S. Vicente, atentei no seguinte caso: Ovídio de Deus da Silva Buiça - 2º Sargento nº 51-42, da Companhia de Comando do 1º Batalhão Expedicionário da Regimento de Infantaria nº 5 [, Caldas da Rainha], idade não referida, natural de Portalegre, faleceu de ferida perfurante do crâneo, por arma de fogo, em 3 de Abril de 1943 [Possivelmente, suicídio]. Inumado na 14ª campa de Rua 56, do Cemitério do Mindelo, Ilha de São Vicente.

Confirmo que se tratou, de facto, de suicídio. Infelizmente, o sargento pôs termo à vida por irregularidades que lhe foram detectadas na administração de contas que tinha a seu cargo. Esse sargento era amigo de um familiar meu.

Visitei em Julho passado o talhão militar e não deixei de me comover com a visão das campas de dezenas de militares que morreram em terra distante longe das suas famílias. É a mesma comoção que me provoca a recordação de duas praças que deixei enterradas em Angola, por lá continuando ainda os seus restos mortais. Em Moçambique, os meus mortos foram já enviados para a metrópole, pois os enterramentos locais deixaram de se fazer. Tarde demais, quanto a mim, pois o efeito moral da situação contrária era arrasador.



2. Apontamentos do cor inf ref Adriano Miranda Lima, no blogue Praia do Bote, sobre as forças expedicionárias em São Vicente, durante a II Guerra Mundial:

(...) Vejamos agora alguns dados constantes da História do Exército Português (1910-1945), obra organizada sob a coordenação do general Arménio Nuno Ramires Oliveira, oficial que, por coincidência, serviu no comando militar de S. Vicente como capitão e major.

A organização militar, que devia ser estabelecida de acordo com o Decreto nº 29686, de 14 de Julho de 1939, acabaria por não ser efectivada em Cabo Verde. Assim, teve-se de recorrer ao envio de forças expedicionárias da metrópole para a sua defesa.

A ocupação das ilhas e a organização das forças foram sofrendo as adaptações que os efectivos iam permitindo. Uma das condicionantes foi a carência de material, em especial de artilharia. Mas em Julho de 1941 encontravam-se prontos a embarcar em Inglaterra com destino a Cabo Verde, 3 peças de artilharia 4,7", 3 jogos para plataformas e 450 munições. (Este material diz respeito à artilharia de costa). As autoridades inglesas ofereceram ainda pessoal para instruir e montar estas peças.


Em 1941, foi criada na cidade do Mindelo, em S. Vicente, uma Bateria de Artilharia de Costa. Em fins de Agosto de 1941, era transferida a título provisório, da cidade da Praia, em Santiago, para a cidade do Mindelo, em S. Vicente, a sede da Repartição Militar. A evolução da guerra mostrou a urgência de criar um dispositivo defensivo na ilha de S. Vicente, pelo que foi ordenada a mobilização das seguintes forças:

Para a Ilha de S. Vicente:

- Comando Militar de Cabo Verde, sendo comandante o brigadeiro Augusto Martins Nogueira Soares, desde Agosto de 1941 até Dezembro de 1944;
- Comando do Regimento de Infantaria 23, integrando os batalhões seguintes;- 1.º Batalhão expedicionário do Regimento de Infantaria 5 (Caldas da Rainha);
- 1.º Batalhão Expedicionário do Regimento de Infantaria 7 (Leiria);
-  1.º Batalhão Expedicionário do Regimento de Infantaria 15 (Tomar);
- Bataria de Artilharia de Costa 1;
- Bataria de Artilharia de Costa 2;
- Bataria de Artilharia Contra Aeronaves 9,4 cm;
- Bataria de Artilharia Contra Aeronaves 4 cm;
- Bataria de Referenciação;
- 2.ª Companhia de Sapadores Mineiros do Regimento de Engenharia 2;


Apoiavam estas unidades as formações dos serviços militares seguintes:

- Parque de Engenharia;
- Tribunal Militar;
- Hospital Militar Principal de Cabo Verde;
- Depósito de Subsistência e Material;
- Laboratório de Análise de Águas;
- Depósito Sanitário;
- Secção de Padaria.

O conceito de defesa da ilha de S. Vicente consistia essencialmente numa sólida ocupação e, em caso de emergência, manter a posse a todo o custo das regiões de João Ribeiro e de Morro Branco e a cidade do Mindelo. Para tal, 2 batalhões ocupavam posições de defesa e 1 batalhão, reduzido, encontrava-se em posição de reserva.

Para a ilha do Sal:

- 1.º Batalhão Expedicionário do Regimento de Infantaria 2:
- 1.º Batalhão Expedicionário do Regimento de Infantaria 11;
- 3.ª Bataria de Artilharia Contra Aeronaves.
O Hospital Militar do Sal apoiava essas unidades.

O conceito de defesa da ilha do Sal, embora previsse a defesa das costas contra acções provenientes do mar, tinha como principal finalidade a defesa do aeródromo e a sua posse a todo o custo.

Na ilha de Santo Antão, a guarnição era constituída por forças destacadas da ilha de S. Vicente, normalmente uma companhia de atiradores reforçada do batalhão em reserva. Tinha por missão ocupar a povoação de Porto Novo, mantendo a posse da água de abastecimento e a vigilância do canal, em especial na zona correspondente ao Porto Grande de S. Vicente.

Na ilha de Santiago, na cidade da Praia, estava uma companhia de caçadores de praças de recrutamento local/regional, podendo eventualmente ser reforçada com meios atribuídos pelo Comando Militar de Cabo Verde, sediado em S. Vicente. Competia-lhe a defesa da cidade da Praia, como capital de Cabo Verde.

Com o fim da guerra mundial, regressaram à metrópole os efectivos expedicionários. O regresso efectuou-se progressivamente, sendo extintas as unidades, comandos e serviços ali criados. O regresso do Comandante Militar, brigadeiro Nogueira Soares, em Janeiro de 1945, e sobretudo a extinção do Comando Militar criado para o efeito, em 30 de Novembro de 1946, marcaram o final do reforço militar de Cabo Verde, embora várias comissões liquidatárias se tenham mantido pelo tempo necessário à conclusão das suas tarefas.




Cabo Verde > Ilha de São Vicente > Monte Sosse > c. 1941-1945 > "Peça de 9,4 cm de uma das duas antigas baterias de artilharia anti-aérea de Monte de Sossego (Foto oferecida pelo filho de um antigo oficial que serviu, à época, em Cabo Verde)" [Legenda: Adriano Miranda Lima] [Foto reproduzida aqui com a devida vénia...]


(...) À época da segunda Guerra Mundial, a artilharia antiaérea vigiava o Porto Grande. E a nossa “Praia de Bote” estava, implicitamente, sob o chapéu protector, claro está. Que isto fique desde já assegurado, ou não tivesse a dita Praia sobrevivido até agora, vivinha da silva.

Ora, esta antiga peça de artilharia anti-aérea de calibre 9,4 cm presente nas fotos pertencia, entre outras, a uma das baterias (unidade táctica elementar de artilharia comandada por um capitão) instaladas no cimo do Monte de Sossego. 

A outra bateria era equipada com peças de 4 cm. Fazia também parte desse dispositivo artilheiro uma unidade de referenciação, constituída por projectores (holofotes), fonolocalizadores, preditores de tiro [, aparelho que calcula a posição futura do alvo aéreo,] e seguidores visuais. Desconheço se integrava também radares tácticos e de tiro. Uma vez que este conjunto integrava duas baterias, de comando de capitão, é de supor que o conjunto justificasse o comando de um major. A ser assim, aquelas duas unidades constituiriam um Grupo de Artilharia, embora reduzido nas suas componentes orgânicas, que é sempre de comando de oficial superior (major ou tenente-coronel). Mas admite-se que o conjunto pudesse estar sob o comando apenas de um capitão, já que nessa altura não havia grande abundância de oficiais superiores e o posto de capitão se mantinha até idade bem madura (mais de 40 anos), o que conferia um saber de experiência acumulada ao longo de anos.


Cabo Verde > Ilha de São Vicente > Mindelo > 2006 > Monte Sossego [, ou Ponta João Ribeiro ?,]> Restos da peça de arttilharia antiaére 9,4, do tempo da II Guerra Mundial... Ao fundo, a cidade do Mindelo, o Porto Grande, o oceano, o ilhéu dos Pássaros.

Foto: © Lia Medina (2009) / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Todos os direitos reservados

Este dispositivo e outros disseminados pela ilha de S. Vicente fazia parte das Forças Expedicionárias Portuguesas a Cabo Verde durante a Segunda Guerra Mundial (activadas entre 1941 e 1945).

Quem for ao cimo do Monte de Sossego encontra ainda quase intactas as estruturas entrincheiradas, tipo bunker, desse antigo dispositivo militar, construídas então pela engenharia militar portuguesa. E tem também oportunidade de reparar em algumas peças enferrujadas (só se mantiveram as de calibre 9,4 cm) e amputadas de alguns componentes.

Eu fui lá em 2003, e pela primeira vez na minha vida. Não estavam lá soldados nem equipamentos, à excepção das referidas peças enferrujadas. Estavam, sim, pessoas a viver no que resta daquelas instalações construídas em subsolo. Disseram-me que eram pessoas de S. Antão que chegavam a S. Vicente à procura de trabalho e não tinham outra hipótese de abrigo senão os bunkers. Mas penso que actualmente essas instalações estão desocupadas, conforme parecem demonstrar fotos de data mais recente que tive oportunidade de ver mas que não possuo. 

Tenho de dizer que me impressionou o estado deplorável em que vivia aquela gente. Cheguei ao local acompanhado de um tio e de um primo e fomos imediatamente rodeados por um rancho de crianças, que nos olhavam como se fôssemos extra-terrestres.

Como afirmei atrás, eu nunca tinha ido ao local, mas ao longo da minha meninice algumas manifestações da existência desse dispositivo artilheiro chagavam até mim de vez em quando. Sim, porque alguma coisa ainda lá se manteve depois da saída das Forças Expedicionárias. Lembro-me, nos anos da década de 1950, dos ensaios nocturnos dos projectores (holofotes). Iluminavam tudo em redor e até a distâncias consideráveis. Morava em Fonte Cónego e era uma festa, para a meninada, quando os focos de luz atingiam as casas e mesmo os nossos corpos. Interrompíamos as brincadeiras de “mangatchada” (brincar às escondidas) para nos deliciarmos com o espectáculo de luz que subitamente quebrava a rotina. (...) 
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Nota do editor:

(*) Vd. poste de 21 de agosto de 2012 > Guiné 63/74 - P10284: Meu pai, meu velho, meu camarada (31): Expedicionários em Cabo Verde, mortos entre 1903 e 1946 e inumados nas ilhas de São Vicente e Sal (Lia Medina / José Martins)

Último poste da série > 22 de setembro de 2012 > Guiné 63/74 - P10420: Meu pai, meu velho, meu camarada ( 32): Luís Henriques (1920-2012) evoca, em entrevista gravada em 10 de março de 2010, os sítios onde passou 26 meses, na ilha de São Vicente, em plena II Guerra Mundial: Mindelo, Lazareto, Matiota, São Pedro, Calhau...