1. Comentário deixado por António Matos (*), ex-Alf Mil da CCAÇ 2790, Bula, 1970/72, no poste 4075, no dia 25 de Março de 2009:
Caro Mexia Alves,
Depois de vir à janela da Tabanca ver como iam as modas, deparei com este teu texto sobre o dia de ida às sortes e deu-me ganas de escrever.
Não me irei debruçar sobre idêntica ocasião pois o meu caso foi vulgar de Lineu.
Entrei por um lado, saí pelo outro, e atribuíram-me a placa APROVADO, bem à semelhança das inspecções dos automóveis com mais de 4 anos.
Sorte a deles pois não era côxo ou cego o que provocaria um grande barrete uma vez que, julgo, nem para mim olharam.
Não sendo, portanto, motivo de história, falarei do dia da vacinação conhecida como de dose de cavalo pois dava para tudo e mais um prego.
Foi uma cerimónia com pompa e circunstância uma vez que mobilizou, não um Pelotão ou uma Companhia, mas sim um Regimento!
Estava em Mafra e o frio invernal (Outubro) provocava um bater de dentes parecido com um sapateado flamengo...
Íamo-nos aproximando da enfermaria em grupos de pelotão e uma vez lá, sentávamo-nos num banco corrido em grupos de 15.
De tronco nu, e de olhos esbugalhados com os exemplos das anteriores vítimas, preparámo-nos para a carnificina.
O cortejo abria com um enfermeiro transportando debaixo do braço e demasiado perto do sovaco, uma terrina cheia de agulhas.
Essa terrina servia, à hora das refeições, para transportar a sopa para as mesas.
Atrás vinha um 2.º enfermeiro que, com um maço de algodão a imitar uma esfregona, besuntava as omoplatas com tintura de iodo.
Depois aparecia a figura sinistra do espetador de agulhas!
À medida que se aproximava, iam-se esclarecendo as dúvidas de alguns sons que entretanto se ouviam.
Antes de enfiar o ferro, dava um chapadão nas costas do paciente e não raras eram as vezes em que o desgraçado voava literalmente estatelando-se no chão!
Aquilo eram verdadeiras bandarilhas e as semelhanças com uma tourada só não eram completas porque aquela malta não tinha idade para ser boi, além de que faltavam os olés!
Finalmente, eis que aparece um 4.º enfermeiro com a seringa!
Esta mais parecia uma para enseminar vacas e a distribuição das doses pareceu-me feita a olho o que provocava que o último do banco não levava a dose completa.
Retiradas as farpas, seguiu-se um fim de semana horroroso de dores e febres de 40's que nos prostou na cama com dispensa de qualquer actividade.
Nesse fim de semana houve um problema qualquer num quartel que pôs a malta de prevenção e lamentei a sorte deste país cuja segurança nos foi pedida !!!!
Hoje posso dizer que a dose era mesmo cavalar pois fiz todo o período militar sem constipações, enxaquecas, paludismos ou afim.
Um abraço
António Matos
2. Comentário de CV:
"Comentários que merecem ser Postes" vai ser uma série destinada aos comentários mais extensos e que contenham uma história interessante. O critério será o seguido com o exemplo de hoje. Nunca ninguém tinha aflorado este momento marcante da nossa vida de militares.
Lembro que qualquer tertuliano que queira publicar um comentário mais extenso, poderá enviá-lo directamente para nós que o publicaremos como poste autónomo.
__________
Nota de CV
(*) Vd. poste de 29 de Março de 2009 > Guiné 63/74 - P4091: Bandos... A frase, no mínimo infeliz, de um general (3): Fui desrespeitado de maneira ignóbil (António Matos)
Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
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2 comentários:
António Matos
Por qualquer motivo não tinha lido o comentário que aparece agora , ainda bem, como Poste.
Tens na verdade uma maneira de escrever, muito tua.Parabéns.
Pela minha parte,fui às "sortes" em Felgueiras.Eu e muitos lá do burgo,conhecidos e não.
À Pai Adão, sem parra e em bicha fomos entrando no gabinete médico onde estavam um escrevinhador e o médico.A seguir às perguntas:nome,sofre de alguma coisa...o Doutor apalava-nos os "fundos do pirilau" e ouvia-se... APROVADO!
Mais tarde e após muita reflexão cheguei à conclusão que a designação "bicha de pirilau" origem exactamente desse momento!
Sobre a "dose de cavalo" - nas Caldas da Rainha -que só não me deixou imune ao mosquito(foram precisos uns "uisquitos") e ao turra,também me fez gastar a cabeça a pensar:
- porque raio é que a aplicaram a uma quinta-feira??
- Porque nesse fim de semana não houve por norma castigos e nos mandaram passá-lo em casa??
- porque carga d'água me descontaram no pré,o valor das refeições que não fiz??
Será que foi por ter ficado temporáriamente "invalidado"e o exército estar com falta de "graveto"? Foi a minha inconclusão!
Um abraço
Luis Faria
O António Matos fez o filme exacto do momento da toma daquela miserável vacina, que se repetiu na Especialidade em Vendas Novas.
Voltando às Caldas da Raínha, tinhamos um camarada cujo número de ordem era o 2115, a quem chamávamos 115 (número de emergência à época), mas que de corajoso nada tinha.
Na altura da dita vacina, banco corrido e serviço série, o 115 fazia das tripas coração para manter a compostura. Aconteceu que, depois de levar com o líquido e antes que lhe retirassem a agulha, levantou-se para saír dali. Gritamos para ele se voltar a sentar, porque ainda tinha a agulha espetada. Olhando por cima do ombro para confirmar, quando deparou com aquele ferro espetado nele, caiu redondinho no chão desmaiado, sendo preciso reanimá-lo.
Dali por diante era o alvo das brincadeiras da malta.
Vinhal
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