1. Mensagem de Juvenal Amado, ex-1.º Cabo Condutor da CCS/BCAÇ 3872, Galomaro, 1972/74, com data de 1 de Abril de 2009:
Caros Carlos, Luis, Briote e restante Tabanca Grande.
Os traumas da nossa mobilização começaram muito antes de nós o sermos na realidade.
Os que foram mobilizados na mesma altura que eu, talvez não tenham sofrido o choque tão violento, pois tivemos anos para nos preparar para o facto. Ao contrários os mais velhos foram atingidos pelo desconhecido, pelas notícias de violência em terras tão longiquas e por vezes ampliadas pela distância.
De qualquer forma deixou marcas em todos os nós.
Um abraço para todos
Juvenal Amado
31.03.009
Amado, volta já para o Quartel
Desde o início da guerra ouvi falar de vários dramas despoletados pela mobilização para a guerra colonial.
Falou-se até em suicídios. Ou se for mobilizado mato-me.
O trauma da guerra na sociedade portuguesa, onde parece que nada acontecia, foi um choque violento.
Ainda garoto ainda intoxicado, com a visão do poderio Português no Mundo, onde éramos os mais fortes e mais valentes, pensava que a coisa ia ser despachada em três tempos.
Os valores da raça injectados na Escola Primária e na Mocidade Portuguesa, que nos faziam inchar de tanto orgulho em ser nascidos, neste jardim à beira mar plantado.
Enfim idealismos, que o tempo esfriou de forma bem rude.
A realidade era a extrema pobreza, analfabetismo, emigração a salto, e para quem por cá ficava, a repressão e a falta de direitos políticos, eram o pão nosso de cada dia.
Mas o meu irmão, acabou por ser mobilizado para Moçambique e a guerra entrou na minha casa.
Mais tarde quando eu fazia os impossíveis por chegar a Sta. Margarida, onde deveria ter chegado às oito horas vindo de um fim de semana e só cheguei ao meio dia, a guerra também me apanhou a mim.
O frio era terrível naquele Novembro de 1971. Eu conduzia o Comandante de um Batalhão que ia para Angola. A viatura deixava entrar o vento gélido. Nas pistas de combate o Batalhão chafurdava na lama entre explosões de petardos e rajadas de metralhadora obrigando os soldados a rastejarem por baixo de arame farpado. Só de pensar na lama gelada me dava arrepios. Só dei pela presença do meu camarada condutor, que comigo cumpria a diligência no CIME, embora pertencêssemos ao RI2 de Abrantes, já ele estava ao pé de mim.
Na verdade todos estávamos conscientes, que poucas hipóteses tínhamos de escapar, mas no fundo alimentávamos uma pequena esperança de pertencermos a uma minoria, que era bafejada pela sorte.
Quando o vi, vinha ele na minha direcção com um ar pesaroso, de quem já estava a olhar para um já meio morto.
Foi quase como quem pede desculpa por não ter sido ele . Amado volta já para o quartel, pois veio uma guia de marcha a dizer que foste mobilizado.
Regressei a Abrantes no mesmo dia. Estou alucinado. Parece que sou actor e espectador de um filme rasca. Os sargentos que regressam a Abrantes, fazem má cara por verem um praça partilhar o seu transporte com eles. Querem lá saber se fui ou não mobilizado, o meu lugar era na carroçaria de um qualquer transporte militar, nunca no seu autocarro.
Na secretaria recebo a notícia para onde ia. Então cheio de sorte hem. Gozava o sargento que tinha o documento na mão. Para a Guiné.
Apresento-me na Companhia e o Capitão pergunta-me com maus modos, onde raio tinha eu estado metido que à oito dias andavam à minha procura?
Não fui preso como desertor por mero acaso.
Vamos gozar férias, só penso como é que eu vou dizer em casa, que vou para a Guiné?
Quando virem os sacos, metade do trabalho estará feito. Depois só falta dizer para onde.
Juvenal Amado
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Nota de CV:
Vd. último poste da séri de 2 de Abril de 2009 > Guiné 63/74 - P4125: O trauma da notícia da mobilização (7): Não se pode mudar o destino (Pedro Neves)
Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
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