1. O nosso camarada Zé Teixeira, ex-1.º Cabo Enfermeiro da CCAÇ 2381, Buba, Quebo, Mampatá e Empada, 1968/70, que nos honra de vez em quando com as suas fabulosas estórias cheias de humanidade, enviou-nos hoje esta mensagem em tom que não é de todo o seu habitual.
Camaradas:
Como o Sr. General podia estar calado e assim não corria o risco de dizer baboseiras que nos ofendem, eu correndo o mesmo risco, mas em sentido contrário, também não me calo, porque quem cala consente.
Um abraço para toda a tabanca.
José Teixeira
Esquilo Sorridente
CARTA AO sr. GENERAL ALMEIDA BRUNO
Senhor General:
Eu sinto-me muito honrado em ter pertencido a um dos tais “bandos” que vaguearam pela Guiné e se “escondiam” atrás do arame farpado muito calmamente à espera que o inimigo nos viesse visitar. Outros, com muito mais categoria e responsabilidade o faziam no ar condicionado e longe do perigo, escondidos em Bissau.
As suas afirmações foram a resposta à questão que me perseguia desde o dia em que pisei o “tchão” da Guiné. Agora entendo o porquê de durante dois longos anos que por lá andei em bando (felizmente não era de malfeitores – provam-no a forma como tenho sido recebido pelas populações que tenho visitado ultimamente ). Porque é que os oficiais do Q.P. eram aves muito raras no teatro profunda da guerra?
Lá nos locais por onde andávamos, e lutávamos em nome de uma Pátria, e chorávamos de desespero ao vermos os camaradas caírem, e partirem para a eternidade ou feridos gritarem pela mãe e se agarrarem a pagela da Mãe do Céu última esperança de salvação, ou, de medo por sentir que o próximo podia ser qualquer um de nós.
Lá nesse inferno conheci poucos. O Capitão Rei (dos Lenços Azuis) e os Majores Carlos Azeredo e Carlos Fabião de quem guardo, e, creio mesmo muitos camaradas dos tais bandos estarão de acordo comigo, as melhores recordações e o Capitão da 15 .ª de Comandos que fazia jus em partir com os seus homens para o mato, tropa especialista que me habituei a admirar, pela coragem e abnegação, mas que pelos vistos também fazia parte dos tais bandos.
Constou-me que havia um capitão do Q.P. em Gandembel, mas estranhamente nas vezes que lá fui (o bando às vezes fazia umas pequenas saídas para se divertir) estava sempre para Bissau.
Havia ainda um outro, o senhor mesmo, com a patente de capitão, que apareceu algumas vezes, vindo do céu, a acompanhar o Comandante Geral. Estou a ver a sua imagem de óculos escuros tipo James Bond, luvas brancas, botas a brilhar e de camuflado ainda virgem. Isto é, ainda cheirava a novo, nunca tinha passado pelas águas fétidas e sujas da bolanha e dos tarrafos. Não estava manchada pelo suor que nos derretia nas longas caminhadas à caça do inimigo, em operações que os senhores do Q.P controlavam e comandavam, mas, de avião. Nem surrado dos dias e noites passados em emboscadas, colado à terra vermelha e quente, onde expectantes observávamos o terreno na mira de alguém desprevenido que ousasse por ali passar... Havia ainda as colunas, que o Senhor não fazia e a massacrante e arriscada segurança na construção de estradas e depois... o descanso no serviço à segurança da Unidade.
Pode crer que fazíamos isto tudo para nos divertirmos. A prova está nos cerca de 10.000 mortos e muitos mais, feridos fisicamente nestas diversões e os que ainda hoje sofrem as mazelas físicas e psíquicas daquelas andanças.
Era este o trabalho que estes bandos de que o senhor falou com tanto desdém faziam na Guiné, mas para quem estava em Bissau, nas bolanhas de alcatrão e casernas de ar condicionado, não era nenhum trabalho especial. Pelo menos servíamos para isolar Bissau do perigo da presença armada do Inimigo por perto, podendo os senhores da guerra, dormir descansados. Dê-nos pelo menos esse mérito, senhor general.
Deixe-me dizer-lhe ainda, que agora entendo porque razão a classe militar e a classe politica, dá o mais profundo desprezo aos combatentes que tanto deram pela Pátria, abandonando-os à sua sorte.
Quantos de nós ainda sofre na pele as mazelas do que viveram na guerra.
Quantos de nós não consegue dormir uma noite em paz, perseguido pelos fantasmas que ganhou (as medalhas) na guerra.
Quantos de nós tem uma vida destabilizada, pessoal e familiar, pelas doenças do foro psicológico que persistem e os inibe, por exemplo, de trabalhar de se relacionarem como pessoas com pessoas.
Quantos de nós procuram no álcool e nas drogas um lenitivo que faça esquecer.
E os que ficaram no terreno em campas perdidas no mato. Esquecidos de todos, menos dos camaradas e da família que não consegue fazer o luto e mantém a dúvida.
Agora entendo senhor general, nas suas palavras a razão de tantas perguntas que, nós os combatentes, fazemos a nós mesmos e para as quais não tínhamos resposta – Afinal éramos uns bandos armados a mamar o sangue da Pátria.
Que tristeza ouvir da sua boca, da boca de um distinto general de óculos escuros, tanta baboseira.
Até o General Spínola, que me habituei a respeitar como um comandante dos que há poucos, por este mundo fora e tanta consideração expressava por nós a tropa macaca, deve ter dado umas voltas no caixão e se pudesse lhe arrancaria os galões, como fez a alguns que considerava indignos de os usar.
José Teixeira
1.º Cabo enfermeiro
Guiné 1968/1970
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Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
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9 comentários:
Boa Zé!
Gostei da imagem do general de óculos escuros. Provavelmente mal divisava o terreno, por isso não podia arriscar o pé em ramo verde. Parece uma imagem do Gabriel Garcia Marquez, um Nobel que trata devidamente certos generais.
Este fez-te pena? a mim também.
Abraço fraterno
José Dinis
Sinceramente gostei do comentário, que subscrevo.
Parabéns pela ironia do texto e pela capacidade de observação (gosto da parte que insinua o "culto" de auto-imagem do "nosso" general).
António Duarte
Que em tempos fez parte dos "bandos" CART 3493 e CCAÇ 12
SINCEROS PARABÉNS PELO TEXTO. BATESTE ONDE DEVIAS.
O HOMEM TEM UM EGO ENORMÍSSIMO E VAI SENTIR A PANCADA.
FOI MESMO NA "MOUCHE"...
FOI POR CAUSA DE CHEFES DESTE TIPO QUE A GUERRA DEU NO QUE DEU...
O BURACO QUE TINHAM AO FUNDO DAS COSTAS ERA ENORME...
ENCHIAM O PEITO DE MEDALHAS QUE PENDURAVAM UNS NOS OUTROS MAS QUEM AGUENTOU TUDO FORAM OS NÃO PROFISSIONAIS.
Convem não esquecermos os "bandos" que (acantonados dentro dos muros guardados por praças bem fardadas e de luva branca) todos os dias frequentavam a piscina, o restaurante e o bar do Q.G.em Bissau, que, quando avistavam um dos seus conhecidos em trânsito de ou para o interior, chamavam-no, com ironia:- Anda cá, ó herói!
Alberto Branquinho
Oh "fermero" Teixeira, esta belíssima prosa irónica, mas tão séria, foi mesmo de arrasar. Só faltou o APONTA BRUNO, para mais vincar tão distinta personagem.
Comandante Luís, é de pensar na sugestão já feita num dos comentários posterior a este Poste de reunir tudo e porque não colher as assinaturas dos apoiantes e remeter, talvez até com um ramo de flores, ao visado?
Um abraço do tamanho do Mansoa ao Cacheu, deste que por lá andou a veranear e a "mamar as massas" da Pátria, que até enriqueceu...
Jorge Picado
Disto é que eles gostavam, pavanear-se com a ferragens dependurada na farda, esta foto mostra como o general estava preparado para o combate ia para a mata com as ferragens pois assim i IN dava às de vial Diogo, dava?
Houve muitos a fazer a guerra de Helicopetro e não há dúvida que tinham uma visão area dos acontecimentos, mas deitar o corpo no chão com elas a assobiarem, está quieto, já lá não estavam, nessa altura já estavam no bar dos oficiais em Bissau a botar uns wiskies, ah! valentes.
Desta vez é grave. Se, como diz Mexia Alves, num jornalista sempre se entende alguma ignorância (embora seja lamentável, jornalista tem responsabilidades acrescidas) a um general, de cavalaria e comando,Torre e Espada, discípulo destacado da corte de Spínola na Guiné, não se pode perdoar. O senhor não falou "em directo", não foi uma frase que escapa num "directo". Insultou, gratuitamente, milhares de jovens, que fizeram, não voluntáriamente, o melhor que souberam - e que aguentaram, por 13 anos, aquilo que talvez nenhum outro exército aguentou, depois da 2ªGuerra Mundial.
Julgo que Almeida Bruno exprime o que alguns "pretorianos" pensam dos cidadãos feitos "povo em armas" e que, à sua maneira, também anda à procura de bodes expiatórios; ou seja,a guerra não foi ganha porque a tropa era constituída por "bandos" de não-profissionais.
Penso, se me permitem, que desta vez, quem esteve na Guiné se deve organizar para fazer chegar ao sr.General a expressão do seu protesto, não individualmente, mas sim através de abaixo-assinado (organizado pelos editores deste blogue?)com cópias para, entre outras instituições, Liga dos Combatentes, Associação 25 de Abril, Associação dos Comandos, Estado-Maior General das Forças Armadas, RTP ( e outros MCS) e Assembleia da República.
J.Coelho
Mais uma á Zé Teixeira. Afinfa-lhe.
Mas admitamos,por absurdo, que o homem tem razão,um "sepônhamos" como na conversa da treta.
Afinal de quem era a guerra?
Dos milicianos obrigados a dar 3/4 anos da sua juventude (3/4 ANOS, repito para que se ouça,e a
ás vezes mais) 2 dos quais no ultramar (as chamadas "colónias de férias")?
Quem eram os que viviam á custa da guerra,ou seja quem eram os profissionais da guerra?
Quem eram os donos,"Senhores da guerra"?
Não seria legítimo aos que eram obrigados a faze-la que se auto-defendessem?
Mas afinal o que estavam a fazer nos "belos e confortáveis"aquartelamentos, rodeados de arame farpado, não fosse a tropa "macaca"tentada a dar o salto?
Mas, afinal quem congeminou em Bissau,a estratégia de abandonar Madina de Boé?
Ou já se esqueceu que os "ricos" aquartelamentos estavam juntos á população para defesa desta? E que nalguns casos, nem arame farpado a dividir existia? Por exemplo Guidage em 68.
Quem e aonde se fazia a estratégia da guerra?
Alô Bissau?
Alô COP's?(não é a polícia americana na TV.não sr)
Alô CAOP's?
Alô ETC e TAL nos COP'OS em Bissau?
Estou mesmo a ver mais um BANDO ao redor duma piscina no meios do mato com copos de whisky á farta a deliniar o assalto a Bissau.
-Os milicianos contavam o tempo que faltava.
-Os profissionais contavam as comissões.
-os milicianos tentavam defender-se, dentro ou fora do arame farpado.
-Os profissionais desenrascavam-se (em Bissau).
-Os milicianos defendiam-se.
-Os profissionais mandavam-nos defende-los(guarda-costas, impedidos, etc,etc.seguança reforçada, helis,etc,etc...)
Afinal o que defendiamos?
O que estavamos ali a fazer?
Não bastava aturarmos os politicos,já só faltava aturar o generalato caseiro.
Desculpem, a irritação já vai longa.
Um abraço dentro ou fora do arame farpado.
cumprim/jteix-veterano de guerra
ex-Furriel MIlº Art
CART2412 68/70 Bigene-Guidage-Barro
vidé + comentário meu in TABANCA de MATOSINHOS p125
jt
Estive em Bedanda em 1971-1972 há que perguntar a esse Sr: General se por acaso sabe o que se passou em Fevereiro de 1973 em Bedanda,Ele ou a seita da Chincalhada Igual a ele que continuam a esconder a verdade da guerra do (Ultramar ou Colonial).Por FAVOR não vamos dar TRELA a pessoas dessa LAIA Guerra perdida ? Agora SIM ao verificar o que essa seita arrecada mensalmente é de espantar.UM ENORME ABRAÇO PARA TODOS OS QUE POR LÁ PASSARAM Carlos
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