domingo, 5 de abril de 2009

Guiné 63/74 - P4140: Tabanca Grande (130): Cátia Félix, jovem estudante de Ciências Farmacêuticas, solidária e interessada pela Guerra Colonial

Vamos receber hoje, formalmente, na nossa Tabanca Grande a Cátia Félix, uma jovem que serviu de elo de ligação entre Cidália Nunes, viúva do malogrado camarada António Ferreira que caiu em combate na tristemente célebre emboscada do Quirafo e o nosso Blogue.

Ela socorreu-se de nós para ajudar a apagar as dúvidas que subsistiam na nossa amiga Cidália Nunes de que o seu jovem marido não tivesse morrido naquele trágico dia 17 de Abril de 1972.

Vamos lembrar alguns passos que levaram ao dia de hoje.

1. No poste Guiné 63/74 - P4046: Ainda a atroz dúvida da Cidália, 37 anos depois: O meu marido morreu mesmo na emboscada do Quirafo ? (Paulo Santiago), lê-se a determinada altura:

Mensagem, com data de ontem, do nosso camarada e amigo Paulo Santiago
Assunto - A Guerra e o luto continua presente

Luís, Briote,Vinhal

Recebi em 3 de Março passado um mail, que reencaminho, enviado por uma jovem, Cátia Félix, a pedido de Cidália Nunes, viúva do 1º Cabo Radiotelegrafista António Ferreira, morto em combate em 17/04/1972 na emboscada do Quirafo (*).

Como imaginam, ao receber aquele mail, dois sentimentos brotaram de mim: satisfação e tristeza. Satisfação pelo que escrevi sobre a Tragédia do Quirafo, satisfação, também, por existir este blogue que o Luís em boa hora lançou, permitindo aos ex-combatentes da Guiné contarem a verdade que, a maior parte das vezes, não vem nos documentos oficiais. Tristeza, porque adivinhei que por trás daquele mail estava um luto com quase trinta e sete anos. Tanto tempo...

Há poucos minutos, tive um longo telefonema da Cidália, onde pressenti uma imensa saudade e uma imensa resignação, ainda que ponteada por algumas dúvidas, sendo a principal "O meu marido morreu naquela emboscada ?"
[...]

e mais à frente

Mail enviado ao Paulo Santiago, em 3 de Março último, por Cátia Félix

Assunto - As histórias da Guiné...

Caro Paulo Santiago

Sou leitora assídua do blog dos ex-combatentes da Guiné pois apesar da minha tenra idade (25 anos) sempre me suscitou muito interesse as histórias verídicas por todos vocês vividas.

De tudo o que li, a Tragédia do Quirafo foi sem dúvida a que mais me impressionou, talvez por conviver com uma família de um militar da CCAÇ 3490. Possivelmente já ouviu falar desse militar, António Ferreira (Porto), que era das Transmissões (radiotelegrafista) dessa companhia.
Estou a enviar-lhe este email a pedido e em nome da esposa do Ferreira, Cidália Cunha, que gostaria imenso de entrar em contacto consigo para trocarem impressões, pois apesar de já terem passado muitos anos as histórias da Guiné permanecem na vida de todos.

Porquê enviar um email ao Paulo? Porque de tudo o que lemos, sentimos que se tem dedicado imenso a todas as causas mal explicadas que se passaram naquelas terras áridas.

Desde já agradecemos imenso todo o seu empenho e sabedoria na forma como consegue transmitir na perfeição todos os assuntos relacionados consigo e com os seus camaradas.

Ficamos a aguardar uma resposta.

Com os melhores cumprimentos
Cátia Félix
(P'la Cidália Cunha)



2. No poste Guiné 63/74 - P4050: (Ex)citações (21): A esperança de que o António Ferreira ainda esteja vivo...(Cátia Félix), pode ler-se:

Cátia Félix, amiga da viúva de António Ferreira, Cidália Cunha, deixou o seguinte comentário ao poste de 18 de Março de 2009 > Guiné 63/74 - P4046: Ainda a atroz dúvida da Cidália, 37 anos depois: O meu marido morreu mesmo na emboscada do Quirafo ? (Paulo Santiago)

Boa noite, amigos

Desde já apresento-me...sou a Cátia, amiga da Cidália Cunha (viúva), que entrei em contacto com o Paulo Santiago (um SENHOR). Agradeço imenso a dedicação de todos, acreditem que tudo o que fizerem fará a diferença.

Tenho uma relação com a Cidália como mãe/filha e numa das nossas muitas confissões ela contou-me toda a sua história. O casamento de sonho com o grande amor da sua vida e o desabar de tudo nas terras da Guiné.

Esta grande Mulher que desde sempre fez frente aos "grandes" do exercito à procura de respostas que nunca conseguiu ter.
[...]


3. No poste Guiné 63/74 - P4117: A tragédia do Quirafo: 37 anos para fazer o luto pelo António Ferreira (Paulo Santiago / Cátia Félix)

Camarada Vinhal:

Após ter estado no Sábado, juntamente com o Santos Oliveira, com a Cidália, viúva do 1º Cabo Radiotelegrafista António Ferreira, e com a Cátia, pensei em escrever um poste mais ou menos longo. Hoje, recebido o mail que reencaminho, acho que terei muito poucas palavras a dizer. O mail da Cátia tem lá tudo.

Em todo o caso, tenho algo que deverá ser dito agora. Começo pela Cátia, que nos encantou, a mim e ao Santos Oliveira. Esta jovem, também bonita, dá uma lição de Solidariedade que fascina. Ela não tem ligações familiares com a Guerra Colonial, não é uma estudante de História ( frequenta Ciências Farmacêuticas ) que tivesse vindo ao nosso blogue para se documentar para os seus estudos, não, ela vem ao blogue porque está Solidária connosco, ex-combatentes na Guiné, vive as nossas angústias e também as nossas alegrias. Ela tem uma relação fraternal com a Cidália e foi ela que desencadeou toda esta acção em que nos envolvemos.
[...]


4. Luís Graça achou que devia convidar a Cátia Félix a fazer parte da Tertúlia e no dia 31 de Março de 2009 publicou um comentário no poste P4117:

Acho que a Cátia faz falta no nosso blogue, na Tabanca Grande... Convido-a a juntar-se, formalmente a nós. Ela é um elo de ligação ao António e à Cidália... Ela conseguiu um pequeno milagre, ajudou - com o apoio do Paulo, do Santos Oliveira e do nosso blogue - a ultrapassar o difícil processo de luto patológico da Cidália...

Imaginem, amigos e camaradas, o sofrimento de 37 anos, devido à dúvida (atroz) que perseguia a Cidália...
- Serei eu viúva? O meu António ainda estará vivo?

A somatização deste sofrimento pode ter consequências brutais na saúde física e mental de qualquer pessoa. Se puderes, Paulo, e tu, Santos Oliveira, se puderem vão à missa do dia 17 de Abril. Em nome de todos os amigos e camaradas da Guiné.

Um Alfa Bravo, a todos vós, Cidália, Cátia, Paulo, Oliveira. Que o António descanse finalmente em paz.

LG



5. Finalmente, Cátia Félix, em mensagem do dia 1 de Abril de 2009, dava a sua concordância a que a considerássemos uma das nossas.

Caro Luís

Fiquei muito sensibilizada com as suas nobres palavras. É com muito gosto que me juntarei a todos vós formalmente, apenas tem de me dizer como. Sei, no entanto, que a minha experiência de vida é muito petiz em relação a todos vós, mas no que puder opinar no vosso blog assim o farei.

"Camaradas" mais uma vez muito obrigado por todo o empenho neste caso. Sei que perceberam o quanto era importante e também comovente para esta família tudo o que se pudesse saber acerca de tudo o que se tinha passado naquele trágico dia 17 de Abril de 1972. Porque o LUTO, mais cedo ou mais tarde, teria de ser feito...
Porque já que militares e civis não são devidamente respeitados pelo governo, que o sejam entre amigos e camaradas.

Já o disse ao Paulo e ao Oliveira e volto a citar, fico muito grata e feliz por saber que existem pessoas como todos vocês. Que apesar de a guerra colonial não ser do "meu tempo", é no meu tempo que quero dizer a todos da minha idade que existem homens que honraram a nossa pátria...

Cumprimentos sinceros
Cátia Félix


6. Comentário de CV

Cátia, desculpa a expressão, uma das nossas, mas é mesmo assim que te consideramos a partir de hoje.

Peço-te que percas uns minutos a ler o lado esquerdo da nossa página, onde entre outras coisas ficarás a saber que nos tratamos todos por tu, independentemente dos nossos antigos postos militares, idade e posições (sempre subjectivas) sociais.

Poderás e deverás intervir no nosso Blogue sempre que aches que tens algo a acrescentar. Como digo muitas vezes, nós os ex-combatentes regemo-nos pelo coração, mais que pela razão, enquanto que as pessoas que não sofreram na pele o flagelo daquele guerra, têm um distanciamente que lhes permite uma visão mais calma, mais fria, talvez mais ponderada das situações. Não é por acaso que se diz que a história alguém a há-de escrever. A nós cabe deixar os relatos e os testemunhos para estudo futuro.

Agradecemos as bonitas palavras que nos dirigiste e aceitámo-las com alguma vaidade. Gostei particularmente que nos chamasses camaradas. Talvez não te apercebas do quão profundo é o sentimento de camarada. Muito mais que amigo, quase tanto como irmão. Irmão, mas de sangue diferente.

Tens as formalidades de admissão muito facilitadas, porque não tens que enviar as fotos da praxe (fardada e civil), nem contar uma história sobre a tua Unidade. Isso são coisa para nós, os mais velhotes.

Queremos sim que entres e faças companhia a estas senhoras nossas tertulianas: Adelaide Gramunha Marques, Ana Paula Ferreira, Diana Andringa, Gilda Brás, Manuela Gonçalves (Nela), Maria Clarinda, Paula Salgado e Zélia Neno. Queira Deus que não me tenha esquecido de alguma senhora. Claro que para comandar esta equipa feminina, não vamos propôr um homem, temos uma senhora, melhor, um dos nossos queridos Anjos da Guarda, a nossa camarada Giselda Pessoa, ex-Enfermeira Pára-quedista. Como vês estás bem acompanhada.

Desta vez não vou deixar um abraço da Tertúlia, mas sim um beijinho. Sê muito bem-vinda.

CV
__________

Notas de CV:

Sobre a tragédia do Quirafo e a morte do nosso saudoso camarada António Ferreira, vejam os postes de:

15 de Setembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1077: A tragédia do Quirafo (Parte V): eles comem tudo! (Paulo Santiago)

18 de Março de 2009 > Guiné 63/74 - P4046: Ainda a atroz dúvida da Cidália, 37 anos depois: O meu marido morreu mesmo na emboscada do Quirafo ? (Paulo Santiago)

19 de Março de 2009 > Guiné 63/74 - P4050: (Ex)citações (21): A esperança de que o António Ferreira ainda esteja vivo...(Cátia Félix)

31 de Março de 2009 > Guiné 63/74 - P4117: A tragédia do Quirafo: 37 anos para fazer o luto pelo António Ferreira (Paulo Santiago / Cátia Félix)

Vd. último poste da série de 29 de Março de 2009 > Guiné 63/74 - P4098: Tabanca Grande (129): Manuel José Ribeiro Agostinho, ex-Sold Radiotelefonista, Condutor Auto e Escriturário, QG/Bissau, 1968/70

5 comentários:

António Matos disse...

Cátia Félix, no mínimo foi estranho que a tua intervenção ao seres proclamada "cavaleira desta ordem", me tivesse emocionado com tão simples palavras, em completo contraponto com homéricas e epopeicas descrições bélicas de camaradas sofridos !
Eu próprio tive uma comissão militar "cheia", psicologicamente desgastante pelas mortes, pelos acidentes, pela intervenção pessoal no âmbito das minas, e mesmo assim não se me tem formado aquele nòzinho na gargante como aconteceu perante as tuas palavras.
Sou levado a pensar que pode ter sido um excesso de sensibilidade motivado pelo interesse pouco ususal dum jovem no período traumático duma guerra da geração a que eu pertenço, sei lá ....
Seja como fôr, também te recebo nesta nossa tabanca com um "bem vinda !" e que nos mostres toda a generosidade com que a tua geração nos possa mimar.
Ainda que um beijinho fosse mais adequado, e sem enjeitar essa oportunidade, venham de lá esses ossos e permite-me um abraço com uma palmada nas costas para que melhor te apercebas da generosidade desta gente !
António Matos

Anónimo disse...

Cátia Félix, bem vinda.
Li com muita atenção e emocionei-me com as tuas palavras e com a apresentação do Carlos Vinhal.
Apesar de ter quase outros tantos 25 anos mais do que tu, mesmo assim não estive na Guerra Colonial, mas faço questão de transmitir a minha mensagem de respeito e admiração pelos nossos ex-combatentes.
A pouco e pouco estes homens e mulheres merecem ficar a saber que alguns dos mais jovens os consideram e respeitam, já que oficialmente está complicado.
Infelizmente são poucos os que se importam ou, importando-se, se decidam a partilhar um pouco do seu tempo, vivido nesta correria e sofreguidão da nossa sociedade actual, para o demonstrar.
Felizmente não é o teu caso, e devo dizer que, se entre o pessoal da minha idade que teve o espectro da possibilidade de ir fazer a Guerra Colonial e afinal disso foi libertado com o 25 de Abril, é pouco usual esta preocupação, então no da tua idade ainda me pareceria menos , por isso fiquei admirado, muito positivamente admirado.
Se calhar nem tudo está perdido.
Um bem-haja para ti Cátia.
Saudações muito Especiais,
João Carlos Silva

Anónimo disse...

Cátia bem-vinda,foi com profunda
emoção e a teimosa lágrima no olho, que li e reli o teu relato na procura da verdade sonegada,podes dizer que os homens que fizeram a guerra também choram,de raiva, de dor, mas tão bem de emoção,ao meu Camarada Vinhal aquele abraço sentido,porque sempre conseguem traduzir aquilo que nos vai na alma.
Jose Nunes
1ªCabo Mec.Elect.
Guiné 68/70

Cátia Félix disse...

Caros Amigos

Desde já o meu muito obrigado pelas boas vindas e por todo o carinho manifestado.
Sinto um enorme ORGULHO em fazer parte desta grande família.
Sei que com vocês só tenho a aprender e, com as vossas histórias retirar uma grande lição de vida.
Quem é que hoje em dia, no nosso país, se sujeitava a deixar o aconchego do lar, tendo apenas como companhia a nefasta missão de defender a pátria idolatrada?
Que ORGULHO eu tenho de todos vocês que combateram entre bombas e ogivas, canhões e trincheiras, de corpo cansado, à deriva, com suor, sangue, lágrimas e solidão... Eu consigo reconhecer o vosso verdadeiro valor...
Os "grandes" não o reconhecem? Pois não... Porque apenas têm a frieza de inventarem guerras e as imporem aos seus soldados. Os "valentões" que governavam e gorvenam apenas têm ideias fertéis para inventarem, agora coragem para combater é outra história...

O amigo Carlos Vinhal disse: "a história alguém a há-de escrever. A nós cabe deixar os relatos e os testemunhos para estudo futuro."
Para mim a história são todos vocês. Vocês sim fizeram história e, é essa história que eu vou com certeza contar aos meus filhos, porque da minha parte a vossa história não morrerá no tempo. Farei o meu papel de "Cavaleira desta ordem" como disse o amigo António Matos.
Não vivi no tempo da Guerra Colonial, nem passei pelas angústias que as famílias passaram... Talvez não me aperceba mesmo o quão profunda é a palavra CAMARADA e o sentimento que ela transporta, mas provavelmente será UNIÃO, AMIZADE, LEALDADE... sentimentos que eu quero carregar e passar, porque sem isso a minha vida não teria sentido.

Amigos, em tudo que puder ajudar, apesar da minha tenra idade, estarei aqui...
Obrigado pelos beijinhos, pelo abraço com uma palmada nas costas (acredita que o consegui sentir)...Obrigado por existirem.

Disfrutarei com todos vocês, homens e mulheres de armas, esta viagem que é a vida, pois apenas tenho uma oportunidade e tenho de tirar o maior proveito.

Beijinhos da nova amiga
Cátia Félix

P.S. Desculpem a hora tardia, mas a noite é e sempre será a minha companheira.

Anónimo disse...

DE JOELHOS

«Bendita seja a Mãe que te gerou.»
Bendito o leite que te fez crescer.
Bendito o berço aonde te embalou
A tua ama, pra te adormecer!

...............................

(Florbela Espanca)

OBRIGADO CÁTIA, principalmente pela tua vontade e Juventude, que vieste trazer a estes "jovens cotas". A quem não deixaram viver a "Juventude".

Sê Feliz!

Se a noite será sempre a tua companheira!? Então mais um soneto da Florbela:

NOITINHA

A noite sobre nós se debruçou...
Minha alma ajoelha, põe as mãos e ora!
O luar, pelas colinas, nesta hora,
É água dum gomil que se entornou...

Não sei quem tanta pérola espalhou!
Murmura alguém pelas quebradas fora...
Flores do campo, humildes, mesmo agora,
A noite os olhos brandos lhe fechou..

Fumo beijando o colmo dos casais..
Serenidade idílica das fontes,
E a voz dos rouxinóis nos salgueirais...

Tranquilidade..calma...anoitecer...
Num êxtase, eu escuto pelos montes
O coração das pedras a bater...


Sejas bem vinda! Obrigado por tudo!

Com o desejo de felicidades maiores que o Cumbijã,

Mário Fitas