Boa tarde Amigos bloguistas,
Quem não viu/ouviu o programa do Joaquim Furtado, tem que ouvi-lo na totalidade para analisar o contexto em que as palavras foram proferidas pelo Sr. General Almeida Bruno.
Eu penso que vi/ouvi bem o dito programa, embora na altura tivesse junto de mim o meu filho e a minha mulher a conversar e posso ter deturpado o sentido da tão discutida frase. Reparem que nadíssima me move contra o general A.B., pois eu considero-me seu amigo pessoal há uns anos a esta parte, tendo até várias fotos (uma delas podem vê-la no meu blogue) e o seu cartão de visita.
No entanto, o silêncio do general (que eu saiba o mesmo ainda não disse nada acerca da sua entrevista), sobre esta gravíssima matéria é comprometedor, pelo que ele duplamente simboliza: quer como oficial superior do Exército Português, quer como militar prestigiado e condecorado aos mais elevado níveis, como ex-Combatente do Ultramar.
Quem não se sente não é filho de boa gente, e estou à espera que ele a qualquer momento, face à grande contestação da malta (nomeadamente junto da Liga dos Combatentes), se pronuncie sobre a verdade dos factos, isto é sobre o que realmente nos quis transmitir com aquelas palavras. Na quase certeza absoluta que ouvi bem o que ele disse, e face à ira dos ex-Combatentes e à surpresa gerada entre os esforçados e sacrificados COMANDOS (em especial aquela que eu melhor conheci a 38ª Cia.), que o general omitiu na entrevista vá-se lá saber porquê, aguardemos pelos próximos episódios.
Hoje anexo o restante texto que completa o post 4126, e a que dei o título de: As origens dos bandos da Guiné.
No fundo do anexo podem ler uma primeira reacção do nosso camarada bloguista John Bonifácio (João).
Um grande abraço amigo do MR
2. Guiné: Bandos... A frase, no mínimo infeliz, de um general & O nosso direito à indignação.
As origens dos bandos da Guiné
Enquanto a memória não me atraiçoa, já que, com o implacável e irreversível avançar do tempo, vou sentindo que a senilidade se vai apoderando lentamente de mim, quero completar a minha divagação apresentada no post 4126 (*).
Já pensaram bem qual era, afinal, as origens dos bandos a que o Sr. General Almeida Bruno se refere na entrevista inserida no célebre episódio televisivo e que arribavam à Guiné em navios e aviões.
Em navios onde os bandos de praças viajavam cinco horríveis dias apinhados nos porões, no meio de um agoniante e enjoativo cheiro a vomitado, proveniente daqueles que enjoavam. No Uíge, onde regressámos, não posso dizer-vos como era a comida dos soldados, porque felizmente nunca a provei.
Pois os bandos surgiam chamados, obrigatoriamente, pelas Forças Armadas às fileiras 4 ou 5 dos seus mais belos anos, na flor da idade, períodos estes roubados à convivência com os amigos, namoradas, esposas e famílias, aos jogos de bola e outro desportos, aos estudos, aos dias de sol nas praias, etc.
Uns tantos estudavam, enquanto outros desde tenra idade laboravam em escritórios, fábricas, oficinas, outros já amargavam na rude vida dos campos com os seus pais, etc.
Havia os que pediam, por motivo óbvio, o amparo de mãe e algumas vezes lá o conseguiam, e os que estudavam e viam aprovados os pedidos de adiamento de incorporação, para poderem concluir os seus bacharelatos e licenciaturas.
Repare-se que em número de anos dedicado aos livros, tal perfazia uns 15 anos (4 primários + 7 liceus + 4, no mínimo, universitários).
A grande maioria de nós era quase imberbe, jamais tinha sequer viajado para fora da sua aldeia, vila ou cidade, alguns completamente desprovidos de qualquer grau de agressividade e, a quase totalidade, nunca tinha visto e muito menos pegado numa arma, nem sequer numa simples fisga.
Não vou falar aqui nos que fugiram, nem naqueles que por vários motivos, em que o medo/terror a uma eventual ida para a tropa/Ultramar era factor comum, se auto mutilavam ou arranjavam quem os mutilasse (lembro-me de um rapaz que pediu a outro que lhe cortasse o indicador direito), ou daqueles que arranjavam uma boa cunha para se safarem, ou da tropa toda, ou, pelo menos, da ida para o Ultramar.
Também não vou escrever mais nada da deficiente e quase ineficaz instrução dos bandos (já o fiz no post 4126), e que muitos só através da experiência (por vezes misturada de sangue e morte), que iam adquirindo aos longo do passar do tempo, mas um pouco daquilo que mais os revoltava, enfraquecia e desmotivava que eram as doenças, a qualidade da alimentação e as instalações.
Não é preciso ser médico para sabermos que as mazelas físicas (mais evidentes) e psíquicas (não menos mutilantes e desgastantes por invisíveis que sejam), reflectidas nas diversas doenças que contribuíram, e vêm contribuindo, para nos ajudar a matar. As maleitas venéreas, as disenterias, os paludismos, etc. a que se juntaram os efeitos da angústia das esperas de ataques do IN e, ou, dos que estiveram submetidos a ferro e fogo, de sermos feridos os mortos e de vermos serem feridos e mortos, ao nosso lado, os nossos irmãos de armas.
Excluindo qualquer crítica aos vagomestres, no mínimo, incompetentes, que não dignificavam os seus pares, queria apenas falar-vos dos alimentos de que me lembro, e que seria bom que um dos homens especialista neste assunto, nos descrevesse aquilo de que se lembra e que lá, nos confins da Guiné, onde os reabastecimentos eram obra maquiavélica, nos fazia sobreviver.
A verdade seja dita eu na minha estadia na Guiné, fui um privilegiado já que fome, propriamente dita, nunca passei. A ração de combate sempre dava para desenrascar e lembro-me do vinho nos chegar em bidões de 215 litros (salvo erro) fervidos e refervidos ao sol, da cerveja em lata, do bacalhau liofilizado, do leite em pó da Arábia Saudita e do pêssego em calda que constituía, invariavelmente, as nossa sobremesas.
Lembro-me da odiada comida de puta: arroz, com 1 ovo estrelado 2 salsichas e uma tira de fiambre, que era uma ementa muito utilizada.
Quanto a instalações fora de Bissau, os pré-fabricados eram um luxo, mas alguns destacamentos e secções, estrategicamente colocados em posições mais interiores e, ou, avançadas, viviam em autênticos buracos escavados no solo, cobertos com troncos de árvores e, ou, chapas de bidões cortados e alisados para o efeito.
Era então no seio destes potenciais mancebos, com 21/22 anos, que os bandos se iam treinando e formando, no Exército, na Marinha e na Aviação, recrutados em nome de Portugal, e que, doa a quem doer, com maior ou menor dificuldade, pesem-se na generalidade todos os inconvenientes, contrariedades sofrimentos, deficiente instrução, péssima alimentação, ferimentos e mortes, estóica e bravamente aguentaram inigualavelmente 36 anos de guerrilha na mata (13 em Angola, 12 em Moçambique e 11 na Guiné), ainda hoje considerado por grandes estrategas e estudiosos da matéria guerra, como um feito incomparável e prodigioso, ao nível mundial, até aos dias de hoje.
Resta-me acrescentar que, ninguém pense que eu sou apologista de qualquer resquício anti-militar, já que eu sou defensor, para muitos fins e efeitos que também não vou agora descrever, que todos os nossos jovens, mesmo em tempo da paz podre em que vivemos, deviam ser chamados aos quartéis uns 6 meses, afim de receberem instrução de recruta e uma especialidade.
Para concluir, lembro apenas aos mais distraídos, que os monumentos construídos em memória dos Combatentes do Ultramar, são erigidos em homenagem não ao fuzileiro xis ou ao pára-quedista y, mas em homenagem ao esforço global de todos os ex-Combatentes.
Já foi publicado no blogue - post 3490 -, um poema que em tempos escrevi a propósito, e aqui repito:
3. Sombras desta pseudo-democracia!
Éramos uns putos... feitos Homens!
Arrancados aos bancos dos liceus
Largando mães, namoradas, esposas...
Enfiados em quartéis... longe dos seus
Éramos uns putos... mas tesos!
Sabíamos que o destino era a guerra
Lá... muito longe... em meio hostil...
Pleno de mata, trilho, rio e serra
Éramos uns putos... com vinte anos!
Que crescemos mais rapidamente
Cientes que a coisa era… séria
Cheia de riscos... perigosamente!
Éramos uns putos... mas solidários!
Soubemos ultrapassar as dificuldades
À custa de vasto suor e muito sangue...
Algumas cicatrizes e enfermidades
Éramos uns putos... quase imberbes!
Instruídos p'ra matar... custa a crer!
Imbuídos duma obsessão suprema;
Acima de tudo... sobreviver!
Éramos uns putos... uma geração!
Lidamos com as privações e a morte
Cada um teve a sua missão
Com maior ou menor dose de sorte
Éramos uns putos... temperados!
Quantas vezes superamos as fraquezas
Para dar uma ilusão de sermos fortes
De modo a derrotar dores e tristezas!
Éramos uns putos... Grandes… enfim!
Fomos lá... cumprir... melhor ou pior!
Cada um com seus receios... medos!
Em nome dum Império duro e opressor
Hoje estes putos... já são avós!
E uma coisa estranham... revoltados!
O repugnante ostracismo político
A que, como ex-combatentes, são votados!
Quando pensaram: Cumpri com a PÁTRIA!
Descobriram, digamos que... espantados!
Somos sombras desta pseudo-democracia!
Pura e simplesmente... ignorados!
Cientes que os voluntários foram poucos
E os que não fugiram foram bastantes
A indignação é tanto mais e revoltante…
Quanto os sentimentos são frustrantes
Rezando pelos que entretanto vão partindo
Vão dando continuidade à vida… desgostosos
Desta imensa e repulsiva ingratidão
Por parte de políticos velhacos e rancorosos
Mantendo porém… firmes a sua esperança
Que neste país após a abrilada
Políticos com sentido e Amor Pátrio
Lhes prestem justiça e… mais nada
Porque tudo deram… do seu melhor!
Por vezes… sabe Deus com que sacrifícios
Dez mil morreram na flor da idade, e…
Milhares ainda sofrem mil malefícios!
Trocando experiências e memórias
Estes homens convivem entre si… alegremente
Tornam-se amigos, camaradas... irmãos…
Entre palavras, risos e choros... intestinamente!
Um abraço amigo do Pira de Mansoa
M.R.
4. Respostas do João Gomes Bonifácio
Magalhães, recebi o teu e-mail em relação às palavras proferidas por um oficial que todos conhecemos e que agora tanto nos desiludiu e entristeceu. Já tive a oportunidade de me referir a este caso há uns dias com outro nosso amigo e, do mesmo modo, fiz sentir, que o então Capitão Bruno, Ajudante de Campo do Gen. Spínola, não passou por ser mais do que isso, um militar sem mais que fazer do que: "toma nota Bruno". Depois da sua passagem pela Guiné, sem nunca ter sofrido o que outros de igual patente sofreram.
No mínimo considero uma afronta a inteligência dos seus camaradas com a mesma patente, e para com os militares em geral.
Um dos motivos que eu gostaria de focar relaciona-se com as tuas observações no que concerne à alimentação das nossas tropas.
Depois da minha recruta na Escola Prática de Cavalaria em Santarém, segui para a Póvoa de Varzim, onde fui tirar a especialidade de alimentação.
Também eu, e como referenciaste, tive a sorte de ter um rancho de primeira qualidade, porque também se formavam cozinheiros naquela escola.
Uma das promessas que eu fiz logo no início, foi de estudar bastante para conseguir a melhor classificação, que me permitisse poder escolher a unidade perto da minha família e, do mesmo modo, poder continuar a aprender a administração da alimentação, que no papel parecia muito simples, mas que se provaria mais tarde, que afinal o curso de pouco valeu.
Eu tive a sorte de logo após a chegada ao R.I.3 de Beja, ser logo nomeado para gerente da messe de Sargentos e Cabos Milicianos. Duas Messes, as mesmas refeições, apenas salas diferentes. Como podes imaginar e sendo uma unidade de recrutamento e instrução, eu tinha sempre uma enorme família às refeições.
Foi muito positiva toda a experiência que adquiri em Beja, pois serviu para na Guiné, minimizar todas as frustrações passadas, pelas constantes faltas de géneros e condições de trabalho e higiene, de modo a que a situação dos militares não se ressentisse.
É evidente e estou de acordo contigo, em dizer que a comida dos ranchos era uma lástima e às vezes até poderíamos de chamar imprópria para humanos, muito pior por se tratarem de soldados que sofriam um grande desgaste para cumprir as ordens e os caprichos que chegavam com frequência do poderoso Cmdt de Cia.
Contudo, tudo isto poderia ser tolerado se na altura não houvessem a tais liberdades, que de um modo geral, classificavam os tais vagomestres e eu era no fundo um deles.
Uma diferença existia. Eu procurei sempre, mas sempre, olhar pelo bem estar físico e até psicológico do soldado, tentando dentro das condições que tinha, de lhes proporcionar uma alimentação com os requisitos desejados e que eu tinha aprendido, tendo em conta as linhas de reabastecimento, o clima e o meio ambiente. A selecção de ementas foi feita e alterada sempre que tal se justificava, mais por falta de géneros do que pelo próprio desejo de mudar.
Tivemos que ser flexíveis e nisto estou a falar na quantidade de peixe, carne, vegetais e frutas.
Estivemos em CO onde havia muito e bom peixe e fruta local que foi sendo alterada com a da Militar. A Carne era pouca, porque a Companhia anterior fez por garantir que os que viessem a seguir não tinham vacas para comprar.
No Olossato, não havia peixe, mas muita carne. Como era costume eu mandava os Balantas irem a mata e roubar aos turras.
Na qualidade da comida, existem diferenças em se cozinhar para 150 soldados numa panela grande, e neste caso duas de 100, ou separar e cozinhar em panelas de 50 ou sejam quatro mais pequenas.
Os resultados são iguais, mas a qualidade é muito mais elevada e por razões que tem que ver com a atenção ao detalhe que eu exigia dos cozinheiros do rancho.
Nas messes por onde andei nunca tive problemas pois tive a sorte de ter tido profissionais da indústria hoteleira. O mesmo se pode dizer do pão. Nós tínhamos pão de Lisboa, onde através de uma mistura de farinhas americana e francesa, o meu padeiro, também profissional (condutor da tropa), nos prendou com o que se constava nessa altura como o melhor pão da Guiné.
Todos nós sabemos das diferenças entre os vários escalões das FA, dos graus de educação, das personalidades individuais, mas todos estamos de acordo, que muitos casos lamentáveis de má qualidade e até de fome, tenham sido originados e aqui dói-me dizê-lo, pela incompetência e desinteresse de colegas meus, e também pelas dificuldades de reabastecimento.
Para tudo era preciso uma cunha e boa. Eu tive sorte. O Camarão e a Ostra de Co ajudaram a derrubar muitas barreiras, e eu não tive nunca esse problema. Tive a coluna de reabastecimento a tempo e horas e o avião sempre disponível para me levar o carapau, sardinha, peixe-espada, pescada e fruta do continente.
No fim disto, e tal como todos os que sabem dos comentários do Gen. Bruno, e da falta de sentimentos por ele demonstrado, é de um desnível educacional ao mais alto ponto.
A tropa de macaca ou outro nome que indicaste, não teve culpa da má preparação. Nesse tempo era assim. Os PÁRAS, FUSOS E COMANDOS é que eram a elite. Mas eram eles, que tendo a boa vida que eu sabia em Bissau, eram os primeiros a ser mandados para os chamados pontos quentes. Depois a tal tropa ia fazer o rescaldo do que sobrasse.
Achei sempre que era injusto, mas tudo era diferente. Tão diferente que até eu me sentia Elite por saber que estava preparado para tomar conta da Alimentação dos militares sob a minha responsabilidade, mas também de todos os serviços administrativos da Companhia de Caçadores de que fazia parte.
Muito Obrigado pelo teu texto. Gostei de ler, mas também queria que soubesses, que na maioria dos casos, a incompetência, o interesse, a dedicação, e até a corrupção, estiveram para além de tudo, muito embora os reabastecimentos para o mato fossem muito complicados.
Um Grande Abraço,
João Gomes Bonifácio
Ex-Fur. Milº do Serv. de Admn. Militar
CCaç. 2402/Bat. 2851
Guiné 68/70
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Notas de CV:
(*) Vd. poste de 2 de Abril de 2009 > Guiné 63/74 - P4126: Bandos... A frase, no mínimo infeliz, de um general (7): Os Bravos da Tropa Macaca (Eduardo Magalhães Ribeiro)
Vd. último poste da série de 6 de Abril de 2009 > Guiné 63/74 - P4149: Bandos... A frase, no mínimo infeliz, de um general (11): Meditei sobre as palavras do sr. gen. Almeida Bruno (Mário Fitas)
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