domingo, 5 de abril de 2009

Guiné 63/74 - P4142: Bandos... A frase, no mínimo infeliz, de um general (10): A propósito dos Bandos que pululavam na Guiné (José Teixeira)

1. Mensagem José Teixeira (*), ex-1.º Cabo Enfermeiro da CCAÇ 2381, Buba, Quebo, Mampatá e Empada, 1968/70, com data de 1 de Abril de 2009:

Camaradas
Estou a tentar digerir as palavras do General Almeida Bruno, mas não consigo.
Assim sendo junto mais um desabafo

José Teixeira



A propósito dos Bandos que pululavam pela Guiné

Depois de reler atentamente as palavras do General dos óculos escuros sobre os célebres bandos que se entretinham atrás do arame farpado à espera que o bandido os viesse visitar e os textos de legítimo repúdio de muitos camaradas, que como eu ficaram profundamente ofendidos, decidi-me a agir.

Comecei por um aluno do 3.º ano do 1.º Ciclo

O que é um Bando de homens? Perguntei.

- Um conjunto de bandidos, foi a célere resposta.

De seguida fiz a pergunta à Internet e a resposta foi ainda mais rápida:

Quadrilha, Associação de malfeitores, Bando de ladrões

E deu exemplos muito concretos: Polícia prende bando que assaltou...; Bando mantém família refém enquanto rouba residência...; Bando armado assalta bomba de gasolina, etc., etc.

E... para suavizar um pouco: Bando, simboliza grupo de amigos.

Aí fiquei feliz. Afinal formávamos grupo de amigos que se entretinham a jogar cartas e a beber uns copos enquanto aguardávamos a visita do inimigo. Se ele soubesse que não passávamos de um bando até podia entrar e beber connosco.

Porque é que os senhores de galões dourados de Bissau os enganavam pela rádio Guiné dizendo que nós estávamos zangados com eles!

Ainda hoje temos o Bando da Tabanca Grande, o Bando da Tabanca Pequena de Matosinhos e tantos outros bandos que pelo menos uma vez por ano se juntam para relembrar e re-viver os tempos em que eram bandos sem saber.

Mas...

Bando... bandido... bandoleiro... é isso mesmo, não passávamos de uns bandoleiros.

Não se lembram que os nossos instrutores até nos mandavam pôr a arma em bandoleira?

Fui um pouco mais longe.

Procurei no Dicionário. Simples e sintético. A palavra bando significa: Conjunto de pássaros, ajuntamento de pessoas ou animais e... companhia de malfeitores. Bolas , voltamos ao mesmo !

Insisti e fui consultar uma enciclopédia. Agora sim. Bando quer dizer: conjunto de aves da mesma espécie ou semelhante, por vezes às centenas que voam em grupo. Tal sucede em especial com gansos, pombos, galinholas , perdizes ou patos.

Isso mesmo, não passávamos de uns patinhos, armados de G3.

Confesso que é muita areia para a minha camioneta, um General afirmar categoricamente que os militares que estavam no interior da Guiné, não passavam de bandos dentro do arame farpado à espera que o inimigo os viesse atacar.

Mas quem decidia as operações e as controlava de avião ?

Quem decidia a divisão de uma Companhia Operacional em três e mandava colocar um Grupo de combate nesta e naquela tabanca, tirando toda a força operacional à Companhia ?

Quem mandava os bandos de várias companhias avançar em direcção a uma base inimiga e quando esta estava cercada, apareciam as tais forças de elite para fazer o ronco final ? (nota que nada tenha contra, pelo contrário devo-lhes muito e registo no coração a sua coragem e abnegação, quer a Páras, Comandos ou Fuzas com quem convivi irmamente)

Quem nos mandava fazer segurança na construção de estradas meses e meses, quantas vezes com saídas em contínuo.

Quem nos obrigava a fazer colunas, com as picadas transformadas em riachos, onde as minas escondidas pelo bandido eram o maior inimigo, porque traiçoeiras, já que nas emboscadas, em que caíamos, havia um frente a frente e vencia o mais rápido ou o mais esperto e... o que tinha mais sorte ou habilidade em fugir da bala ou estilhaço assassino.

Quem dava instruções para avançarmos para este ou aquele objectivo ?

Fico-me por aqui: Afinal não passávamos de uns bandos patinhos armados de G3, não é senhor general?

Zé Teixeira
__________

Nota de CV:

(*) Vd. poste de 29 de Março > Guiné 63/74 - P4103: Carta aberta ao sr. Gen Almeida Bruno (1): Sinto-me muito honrado em ter pertencido a um dos tais bandos (José Teixeira)

Vd. último poste da série de 3 de Abril de 2009 > Guiné 63/74 - P4133: Bandos... A frase, no mínimo infeliz, de um general (9): Os livros não mudam o Mundo,... O Homem muda o mundo (José Martins)

4 comentários:

Anónimo disse...

Antes mais um abraço ao Zé Teixeira, de quem não há dúvidas de que deve ser filho de muito boa Gente....
Será que o Senhor General não sabe qual o número de mortos e feridos de cada um dos ramos das Forças Armadas?
Será que também não sabe quantos morreram dentro e fora do tal arame farpado que refere?
E já agora pergunto, a qual dos ramos ele pertencia?
As companhias, que como a CArt 730, que andaram vários meses em operações sem paradeiro certo também se incluem nos bandos? Ou neste caso eram mais saltimbancos?
Mas também quero lembrar que este sentimento elitista vem de muito longe. Lembro-me muito bem de ter assistido em Bissau a um desentendimento entre Fuzileiros e Paraquedistas, em que os Paraquedistas vieram todos para Bissau para dar porrada nos Fuzileiros. Vinham sem G3 como se entende.
A tal tropa dos "bandos" como nutria por uns e por outros a mesma simpatia, agruparam-se pelas esquinas e foram molhando a sopa nuns e noutros.
Penso que isto terá acontecido no 2º Sem de 1966, mas pode ser que haja alguém que se recorde melhor.

Artur Conceição
Cart 730

Anónimo disse...

Estranho o silêncio do Sr. General Almeida Bruno.

Que eu saiba, o mesmo, ainda não se pronunciou acerca da sua tão contestada declaração, afim de desfazer um eventual equívoco interpretativo das suas palavras, por parte de inúmeros ex-Combatentes, onde se incluem os esforçados e sacrificados COMANDOS, que o senhor general omitiu na entrevista vá-se lá saber porquê.

É extremamente comprometedor, pelo que ele duplamente simboliza: quer como oficial superior do Exército Português, quer como militar prestigiado e condecorado aos mais elevado níveis como ex-Combatente do Ultramar.

É grande contestação nomeadamente junto da Liga dos Combatentes, urgindo a necessidade de pronúncia sobre a verdade dos factos, isto é sobre o que realmente quis transmitir com aquelas palavras (já que está gravado em filme), fundamentalmente para elucidar as futuras gerações que venham a ver a gravação.

Quem cala consente! – diz o velho ditado.

Entretanto, os bandos da Guiné já habituados a esperarem pelo IN dentro dos arames dos quartéis entre 1963/74, aguardam calma e serenamente dentro dos limites deste blogue, que em qualquer dia destes, o senhor general nos honre e digne com algum esclarecimento.

Magalhães Ribeiro

Manuel Reis disse...

De Manuel Reis:

Zé Teixeira:
Amigo, não posso deixar de estar de acordo contigo.
Lamento, no entanto, que este assunto esteja a ser tratado com alguma reserva, quando estamos a falar dum ex-combatente, igual a todos nós.
A única diferença é que estamos a falar de uma pessoa mais responsável do que qualquer um de nós no desenrolar da guerra.
Ninguém ofendeu tanto e tanta gente.

Um abraço
Manuel Reis

Anónimo disse...
Este comentário foi removido por um gestor do blogue.