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sexta-feira, 14 de abril de 2023

Guiné 61/74 - P24221: S(C)em Comentários (9): Atravessando uma bolanha em... Angola: artigo publicado "Jornal de Angola", de 2/4/2023, ilustrado com foto (pirateada...) do Humberto Reis, tirada no subsetor do Xitole, na margem direita do rio Corubal, no decurso da Op Navalha Polida (2-3 de janeiro de 1970)



Guiné > Zona Leste > Região de Bafatá > Sector L1  (Bambadinca) > Subsector do Xitole > 2/3 janeiro de 1970 > Forças da CCAÇ 12 (na foto, o 2.º Grupo de Combate, dos furriéis milicianos Humberto Reis e Tony Levezinho). O Humberto vem atrás dos homens da bazuca e do lança-rockets (igual à dos páras). E, mais atrás, os 1.ºs cabos (metropolitanos) Alves e Branco. 

Não apareço na foto mas participei na Op Navalha Polida, em 2 e 3 de janeiro de 1970,  integrado desta vez no 4.º Gr Combate. Como me dizia amavelmente o meu capitão Brito - era um gentleman! - , eu era o peão das nicas, o tapa-buracas, o suplente, o que substituía os camaradas furriéis doentes, convalescentes, desenfiados ou em férias... Não sei por que carga de água é que os psicotécnicos me disseram que eu era bom para apontador de armas pesadas de infantaria. Como a CCAÇ 12 era uma companhia de intervenção, não tendo armas pesadas, eu tornei-me um polivalente, um pau para toda a obra... (LG)

Foto da autoria de Humberto Reis (ex-fur mil op esp, CCAÇ 12, Bambadinca, 1969/71). Tem sido imensa e despudoradamente  "pirateada" por aí, nas redes sociais, em livros, etc., sem referência ao autor e ao nosso blogue.

Foto:  © Humberto Reis (2006). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Mensagem de Fernando de Sousa Ribeiro (que integra a nossa Tabanca Grande desde 11/11/2018; foi alf mil, CCaç 3535 / BCaç 3880, Angola, 1972 / 74; tem 27 referências no nosso blogue): 

Data - 9 abr 2023 17:45
Assunto - Atravessando uma bolanha em... Angola
 
Boa tarde, Luis

Espero que tenhas tido uma boa Páscoa, apesar da morte recente da tua cunhada, que muito lamento.

Há um blog de um jornalista angolano, que por sinal é bastante tendencioso. O jornalista chama-se Luciano Canhanga, usa o pseudónimo Soberano Kanyanga, e o seu blog chama-se "Mesu Majikuka", que significa "Olhos Abertos" em quimbundo. 

Eu visito ocasionalmente o blog dele e, na última espreitadela que fiz, dei de caras com a fotografia do teu grupo de combate atravessando uma bolanha, como se a fotografia tivesse sido feita no Cuando Cubango no tempo da guerra civil angolana!

Aparentemente, a fotografia foi publicada no Jornal de Angola para ilustrar uma crónica do dito jornalista. A crónica também tem muito que se lhe diga, mas não é isso que agora me ocupa. O que me ocupa é o recorte do jornal, que pode ser visto no seguinte post:

http://mesumajikuka.blogspot.com/2023/04/kwitu-kwanavale-e-o-meu-representante.html




Folha de rosto do blogue Mesu Majikuka, e do poste de sábado, abril 08, 2023 > Kwitu Kwanavale e o meu representante. A foto que aqui se reproduz (e que é por sua vez de um artigo publicado pelo autor no "Jornal de Angola", em 2 de abril de 2023) foi tirada na Guiné, em 2 ou 3 de janeiro de 1970: retrata a atravessia de uma lala ou bolanha, de forças da CCAÇ 12, a caminho da península de Galo Corubal - Satecuta, na margem direita do Rio Corubal (Op Navalha Polida). Os créditos fotográficos são de atribuir a Humberto Reis e ao blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2006).

Aposto que não deste consentimento para a publicação da fotografia num jornal diário em Angola.

A sua publicação em Angola engana facilmente os incautos, pois, por um lado, o Cuando Cubango tem vastíssimas áreas alagadiças e, por outro, os uniformes camuflados usados pelas Forças Armadas Angolanas eram (ainda serão?) iguaizinhos aos que nós próprios usávamos. As FAA devem tê-los encomendado às OGFE em Portugal.

Quanto à fotografia propriamente dita, apetecia-me tecer algumas considerações, pois não gosto de alguns aspetos que vejo nela, mas isso agora não vem ao caso. Limito-me a dizer-te que me parece que ela documenta o que não se devia fazer numa situação como aquela.

Desculpa a minha sinceridade e aceita os meus votos de continuação de Boa Páscoa

Fernando de Sousa Ribeiro

2. Comentário de LG:

Obrigado, Fernando, pelo teu cuidado. Já regressei ao Sul, depois de quatro semanas no Norte a que uma parte de mim também pertence. (Aliás, basta ver o blogue A Nossa Quinta de Candoz, de que sou um dos editores.)

Quanto ao uso (e abuso) da tal foto pelo "Jornal de Angola"... Devo começar por esclarecer que: 

(i) a foto não é minha, é do meu amigo, camarada  e vizinho (de Alfragide) Humberto Reis, colaborador permanente do nosso blogue, ex-fur mil op esp, 2.º Gr Comb /  CCAÇ 12 (Bambadinca, 1969/71);  

(ii) eu, ex-fur mil arm pes inf, nunca tive pelotão distribuído, mas ao longo da comissáo andei mais com o 4.º Gr Comb e foi com eles que apanhei mais porrada;

(iii) concordo contigo: a malta do 2.º pelotão "fica mal na fotografia", ao atravessar aquela lala ou bolanha, no subsetor do Xitole, no decurso da Op Navalha Polida (2 e 3 de janeiro de 1970): serve para se mostrar o que não se deve fazer, num situação de guerra, uma morteirada em cima da malta e ia tudo ao charco...

Mas adiante: fizeste bem alertar-nos para mais um uso indevido desta foto... Não é o primeiro nem será o último. A foto da autoria de Humberto Reis, tem sido imensa e despudoradamente  "pirateada" por aí, nas redes sociais, em livros, em jornais, etc., sem referência ao autor e ao nosso blogue. 

Pessoalmente, não sei o que fazer mais para além de, mais uma vez, lembrar uma das dez regras básicas do nosso blogue, o respeito pela propriedade intelectual e pelos direitos de autor... É nossa preocupação habitual, na edição dos postes, de fazer a devida atribuição dos créditos fotográficos....

Procuramos cumprir e fazer cumprir o princípio da defesa (e garantia) da propriedade intelectual dos conteúdos aqui inseridos (texto, imagem, vídeo, áudio...). Gostamos de partilhar os nossos conteúdos, mas dentro da mais elementar das regras: qualquer outra utilização desses conteúdos, fora do propósito do blogue (ou da nossa página no Facebook), necessita de autorização prévia dos autores e dos editores (por ex., publicação em livro, jornal ou revista,  programa de televisão),,,

S(c)em (mais) comentários (*)...
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quarta-feira, 3 de novembro de 2021

Guiné 61/74 - P22684: A nossa guerra em números (1): os soldados do recrutamento local, de 1ª e 2ª classe, as milícias, os soldados básicos e o patacão que recebiam (Valdemar Queiroz / Fernando Sousa Ribeiro / Luís Graça)


Capa (, de resto pouco feliz,) do livro


1. Saiu recentemente, mas está por fazer a sua recensão aqui no nosso blogue, o livro do ten cor Pedro Marquês de Sousa, "Os números da Guerra de África" (Lisboa, Guerra & Paz Editores, 2021, 379 pp.). Já o tenho e estou a lê-lo, "na diagonal"... 

É muita informação em números, direi mesmo que é uma "indigestão" de números: não há praticamente uma página (das 379), em que não haja um quadro, ou um gráfico... O autor optou, de resto, por não numerar os quadros e os gráficos que surgem ao correr do texto. 

O que deixo escrito escrito atrás, não  impede de considerar que é um livro obrigatório na biblioteca de quem quer se interesse pelo estudo da "guerra de África"  (ou "guerra do ultramar" ou "guerra colonial", como cada um quiser).  Enfim, um dia alguém teria que escrever uma "calhamaço" destes, de consulta obrigatória, com informação estatística, básica, mas exaustiva,  sobre tópicos como: I. Recrutamento e mobilização: II. Os mortos e os feridos; III. Acções e meios de combate; IV. As despesas da guerra; e V. Os movimentos independentistas. 

A bibliografia é sucinta, é verdade, o mais importante são as fontes (oficiais e oficiosas) que o autor teve a oportunidade de consultar, fornecendo-nos por exemplo preciosas informações estatísticas sobre "o outro lado do combate" (os movimentos nacionalistas). Pode faltar-lhe informação mais fina, qualitativa, em cada um dos capítulos, mas nesse ponto o nosso blogue ajuda a colmatar algumas lacunas.

Muitos dos nossos leitores não terão tempo nem pachorra para ler livros como este. A pensar neles, iremos de vez em quando citá-lo e reproduzir um ou outro número  que nos pareça relevante para nos ajudar a compreender melhor a guerra que nos calhou em sorte, e em especial a que teve a Guiné como teatro de operações...

Neste primeiro poste vamos revisitar o  extenso e interessante capítulo, o IV (pp. 259-330), sobre "As despesas da guerra", incluindo os encargos com pessoal e logística, mesmo só tendo  lido o capítulo na diagonal.

A par disso, iremos reproduzir comentários, muito interessantes (e que "não se pode perder", menos acessíveis  nas respetivas caixas)  ao poste P22671 (*)... Falaremos dos nossos camaradas do recrutamento local (classificados em soldados de 1ª e 2ª classe, em função das habilitações escolares), respetivos vencimentos, mas também das "escolas de cabos", do pessoal das milícias, sem esquecer essa figura, em geral objecto de chacota ou de piedade, que era o "soldado básico" (normalmente, metropolitano).


(i) Valdemar Queiroz:

As velhas licenças «à bife» e os impressos que eram feitos para durar dez anos (196_).

Como curiosidade. Quem fosse incorporado na Guiné, Angola ou Moçambique tinha o mesmo vencimento mensal dos militares da metrópole ou passavam a ganhar o mesmo valor dos mobilizados para esses territórios? Por ex. Luanda não era considerado zona de guerra mas os metropolitanos mobilizados tinham o vencimento superior ao da metrópole, e os naturais/recrutados/incorporados em Luanda?. Nem me refiro à Guiné por ser toda zona de guerra.

A haver diferenças, até estou a pensar, quanto maior fossem as incorporações locais mais baratinha ficava a guerra. (...)

(ii) Fernando Ribeiro:

Caro Valdemar: Em relação a Angola, só posso referir o caso dos primeiros-cabos e dos soldados, porque os angolanos que pertenceram à minha companhia só tinham estes postos.

Os primeiros-cabos incorporados em Angola ganhavam tanto como os que tinham sido incorporados na Metrópole, incluindo os 100%. 

Já no caso dos soldados, havia diferenças. Enquanto na Metrópole só existia o posto de soldado (era-se soldado e mais nada, quer se fosse doutor ou analfabeto), em Angola havia dois: soldado de 1.ª e soldado de 2.ª. 

Os soldados de 1.ª tinham a 4.ª classe ou mais, enquanto os de 2.ª não, apesar de desempenharem exatamente as mesmas funções. Os soldados de 1.ª de Angola ganhavam tanto como os soldados da Metrópole. Os soldados de 2.ª ganhavam incomparavelmente menos; não sei ao certo, mas deviam ganhar qualquer coisa como 1/10 do que ganhavam os outros, o que era escandaloso.

Todos os soldados angolanos da minha companhia eram alfabetizados, quer fossem de 1.ª ou de 2.ª, o que não deixa de ser surpreendente. Aqueles que tinham sido analfabetos à data da incorporação no serviço militar frequentaram as aulas regimentais no RI 22, em Sá da Bandeira, durante a recruta e a especialidade. Fizeram-no com tanto êxito e tinham tanta vontade de aprender, que praticamente já sabiam ler, escrever e contar quando vieram para a minha companhia.

Quanto aos que já eram escolarizados antes da tropa, havia aqueles que tinham a 4.ª classe e eram oriundos das cidades; eram os soldados de 1.ª. Os já escolarizados oriundos das zonas rurais só tinham a 3.ª classe, porque as escolas do mato não ministravam a 4.ª classe. Eram as chamadas "escolas rurais", que em tudo eram semelhantes aos "postos escolares" que existiam nas aldeias mais remotas da Metrópole. Tal como nos "postos escolares" metropolitanos, o ensino nas "escolas rurais" não ia além da 3.ª classe, porque o professor, a maior parte das vezes, só tinha a 4.ª!

O comandante do meu batalhão pode ter sido o sujeito mais abominável do mundo, mas não descansou enquanto os soldados de 2.ª não fizeram o exame da 4.ª classe e passassem a ser soldados de 1.ª. Ele foi a Luanda tantas vezes quantas as necessárias para conseguir falar pessoalmente com o secretário provincial da Educação do Governo-Geral de Angola (o "ministro" da Educação da Província de Angola), a fim de chamar a atenção deste para a necessidade de submeter todos os soldados de 2.ª ao exame da 4.ª classe com a máxima urgência possível. Ao fim de três ou quatro meses, deixou de haver soldados de 2.ª em todo o batalhão.

Para terminar, quero chamar a atenção para a vontade dos militares angolanos em aprender, independentemente de passarem a ganhar mais ou não. Enquanto os militares metropolitanos só liam A Bola e quase só preocupavam em saber os resultados dos jogos de futebol, os militares angolanos tinham uma insaciável vontade de saber coisas novas, em múltiplos campos do conhecimento. Várias vezes eu pensei: «Se os africanos em geral forem como estes, então a civilização do futuro será africana». Ou então não haverá mais civilização, porque os "civilizados" darão cabo dela.

31 de outubro de 2021 às 01:31

(iii) Valdemar Queiroz:

Caro Fernando Ribeiro fiquei esclarecido.

Realmente os naturais também eram mobilizados para a guerra, mas a minha dúvida seria quanto aos que estavam fixos nos Quarteis da cidade p.ex. de Luanda. Por cá os 100% era aumentado quando eram mobilizados, diferente de estarem fixos no Quartel da RAP3 na Figueira da Foz.

Essa dos soldados de 1ª. e 2ª. devido a serem analfabetos, julgo que por cá havia os soldados básicos nessas condições, não tenho a certeza. Na minha CART11 de soldados fulas havia os soldados arvorados que andavam na escola "de Cabos" dada por mim e não sei, não me lembro, se por mais alguém. Julgo que depois estes arvorados passaram a Cabos.

É natural os analfabetos quando aprender a ler gostar de ler tudo o que tenha letras. É como ver uma bela paisagem que nunca viu e olhar com admiração para a mais pequena desinteressante imagem. (...)

31 de outubro de 2021 às 02:36

(iii) Tabanca Grande Luís Graça:

No livro do ten cor Pedro Marquês de Sousa,"Os números da Guerra de África" (Lisboa, Guerra & Paz Editores, 2021), há um extenso e interessante capítulo, o IV (pp. 259-330), sobre "As despesas da guerra", incluindo os encargos com pessoal e logística, que só li na diagonal.

Um estudo do Ministério do Exército, realizado em 1965, com base nos encargos suportados desde o início da guerra em Angola, estimava o custo de cada militar em 115 escudos (45,2 euros / dia, em valores de hoje), assim desagregado:

(i) vencimento e subsídio de campanha: 35$00 (30,4%);

(ii) alimentação: 23$00 (20,0%);

(iii) fardamento: 5$00 (4,3%);

(iv) transporte (via marítima): 10$00 (8,7%);

(v) outros encargos: 42$00 (36,6%) (inclui a despesa com armamento e munições, equipamento, combustível, água, luz, alojamento e manutenção)...

As percentagens são calculadas por nós...

Uma primeira conclusão é que se tratou de uma guerra, de baixa intensidade,  onde os encargos diretos com os combatentes (vencimento, alimentação e fardamento) representavam cerca de 55%...O essencial da guerra foi feita pelo homem com a sua arma, a "canhota"... Portanto, com escass0s meios tecnológicos (e poucos sofisticados, tirando a Força Aérea).

Há informação sobre o vencimento mensal base (mais subsídio de campanha ou vencimento complementar) relativamente aos anos de 1963/64, ao ano de 1971 (Guiné), ao final de 1972 (em que passou a ser pago, aos servidores do Estado, incluindo militares, o 13º mês ou "subsídio de Natal") e ainda ao final de 1973.

31 de outubro de 2021 às 18:16


(iv) Tabanca Grande Luís Graça:

Sobre o pré dos soldados do recrutamento local e das milícias, a informação é parcial...O autor, Pedro Marquês de Sousa, com base nos dados de 1964, um soldado do exército (metropolitano), na Guiné, ganhava 600$00 (vencimento mensal base: 30$00; vencimento complementar: 570$00).

Por sua vez, um milícia recebia 450$00 mensais (valor este que eu desconhecia). Ou seja, cada milícia recebia 15$00 diários (8 de alimentação e 7 de vencimento). A valores de hoje, eram 185 euros en 1964...Mas apenas 138 euros em 1969.

No meu tempo, os soldados de 2ª classe (só tinhamos um 1º cabo com o exame da 3ª ou 4ª classe) da CCAÇ 2590/CCAÇ 12) ganhavam os mesmíssimos 600 escudos, mais 24$50 por dia para a alimentação (uma vez que eram desarranchados). No total ganhavam cerca de 1350$ / mês, o que dava para comprar 225 quilos de arroz na loja do Rendeiro (1 saco de 100 quilos custava 600 pesos). Com famílias numerosas, não era muito, mas sempre era melhor do que andar a lavrar mancarra... Com o fim da guerra, foi o colapso da economia familiar...e pssou a rapar-se fome, apesar da ajuda sueca e outras...

31 de outubro de 2021 às 18:37 

(v) Tabanca Grande Luís Graça:

Valdemar, não tenho ideia nenhuma de haver, no meu tempo,em Bambadinca (BCAÇ 2852, 1968/70, e BART 2917, 1970/72), "escola de cabos"... Nenhum dos nossos soldados arvorados chegou a 1º cabo, no meu tempo. A CCAÇ 12 foi usada como "carne para canhão", foi "esmifrada" pelo comando dos batalhões do setor L1...

Dei explicações ao 1º sargento para frequentar a Escola Central de Sargentos, em Águeda, mas nunca fui requisitado para dar aulas aos nossos pobres soldados fulas... Sei que alguns mais tarde chegaram a 1ºs cabos, graças sobretudo ao seu esforço e sacrifício pessoais... Caso do Umaru Baldé, por exempplo, que no fim já era capaz de escrever uma carta em português acrioulado...

31 de outubro de 2021 às 18:47 

(vi) Fernando Ribeiro:

Prezado Valdemar, os soldados básicos eram geralmente analfabetos e até atrasados mentais. Eles costumavam ser os soldados que tinham reprovado nas provas finais da especialidade, qualquer que ela fosse, ficando sem especialidade. Em geral, eram indivíduos completamente incapazes, que só serviam para varrer a parada, limpar as casas de banho, lavar as panelas e tachos na cozinha e outras tarefas semelhantes.

Contudo, havia exceções, uma das quais foi o impedido do comandante do meu batalhão. Este impedido também era básico, mas de parvo não tinha absolutamente nada. Eu não me lembro do nome dele; só sei que tinha a alcunha de "Paraquedista". 

«"Paraquedista", porquê?», perguntarás. Porque ele tinha sido mesmo paraquedista na Força Aérea! Um dia, em Tancos, ele e mais dois ou três resolveram dar um passeio de helicóptero à socapa, julgando, talvez, que seria fácil pilotar um aparelho daqueles. A aventura correu-lhes mal, o helicóptero caiu e eles foram parar ao hospital. A seguir foram punidos e expulsos da FAP. Foram parar ao Exército, que era o destino de todos os que a Força Aérea rejeitava. 

Ora não existia no Exército alguma especialidade chamada "paraquedista". Logo, o nosso homem ficou sem especialidade, como soldado básico. Na verdade, ele era um militar perfeitamente operacional, que poderia ter sido feito soldado atirador ou soldado comando, mas não foi isso o que lhe aconteceu. O comandante do meu batalhão nomeou-o seu impedido, para ele lhe fazer a cama todos os dias, engraxar as botas, lavar a roupa, etc.

1 de novembro de 2021 às 01:42

(vii) Valdemar Queiroz:

Luís, desconhecia esses valores dos vencimentos dos soldados fulas desarranchados, manga de patacão. Também seria assim com outros soldados de recrutamento local, no "fim" pudera não quererem vir para a metrópole e vem o 'paguem-nos até Dezembro e ficamos cá'.

Agora, não sei explicar bem se as aulas (instrução primária) que eu dava eram verdadeiramente a "escola de cabos", lembro-me deles fazer exame e haver uma chatice por eu escolher um dos "putos" e os mais velhos comentarem 'rapaz não pode ser cabo e mandar nos mais velhos'.

Por acaso, também, fui eu que dei umas lições de matemática/álgebra ao nosso 1º. sargento que também veio a meio da comissão para Águeda.

Fernando Ribeiro,  é como dizes, alguns básicos, coitados, tinham 'uma pancada', mas como eramos um país poupadinho aproveitávamos tudo. O básico da nossa CART11 era o homem da cantina. (...)


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Nota do editor:

(*) Vd. poste de 30 de outubro de 2021 > Guiné 61/74 - P22671: Reavivando memórias do BENG 447 (João Rodrigues Lobo, ex-Alf Mil, cmdt do Pelotão de Transportes Especiais, Brá, 1968/71) - Parte VII: O meu percurso militar (I): Região Militar de Angola: EAMA, CICA, Companhia de Transportes nº 2560, QG-4ª Rep, Depósito de Adidos (1967/68)

quinta-feira, 2 de setembro de 2021

Guiné 61/74 - P22504: Pequeno dicionário da Tabanca Grande (13): "Máfrica" (termo irónico, para não dizer sarcástico, para designar a EPI, sita em Mafra), grafado por Vasco Pires e por Rui Alexandrino Ferreira


Mafra > Escola Prática de Infantaria (EPI) > 1964 > Curso de Sargentos Milicianos (CSM) > "Mafra, 26 de Janeiro de 1964 > O 1.º pelotão, da 1.ª Companhia, ao 2.º dia de tropa"... Pormenor: todos equipados de Mauser... Foto do álbum do nosso camarada Veríssimo Ferreira (ex-Fur Mil, CCAÇ 1422 / BCAÇ 1858, Farim, Mansabá, K3, 1965/67).

Foto (e legenda): © Veríssimo Ferreira (2013). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar:  Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. "Máfrica" é um vocábulo da nossa gíria castrense e consta do Pequeno Dicionário da Tabanca Grande, tendo sido "grafado" pelo nosso saudoso Vasco Pires (Vilarinho do Bairro, Anadia, 15/6/1948 - Porto Seguro, Baía, 31/10/2016) (foi alf mil art, cmdt do 23º Pel Art, Gadamael, 1970/72; entrou para a Tabanca Grande em 27/9/2012; tem cerca de 7 dezenas de referências no nosso blogue).

Alguns excertos do seus postes com o descritor "Máfrica:

&&&

 (...) Eu venho lá da Bairrada pofunda, que na década de 50 era mais conhecida como terra da batata, ao invés de terra do vinho, o vinho ainda se vendia a granel.

(...) A minha infância e adolescência foi passada em escolas da região, seguida de uma passagem de cinco anos pela efervescente cena coimbrã da segunda metade da década de 60.

Em 69, saí desse "borbulhar" de novas ideias e atitudes, para a disciplina EPI na "Máfrica" de tantos de nós. Logo começou a minha boa sorte, de ter camaradas, subordinados e superiores que me ajudaram nesta caminhada de três anos pelos quartéis de Portugal e África. (...) (*)

&&&

(...) Mas éramos todos muito inocentes, aí com facilidade o sistema nos enquadrava com um Tenente e dois Cabos Milicianos e às vezes, poucas, um Sargento.

Poucos dias depois receosos de perder o fim de semana, íamos-nos tornando instrumentos de um sistema que durante tantos anos (63 a 74), enquadrou uma geração de pouca sorte.

O processo começava aí: "Máfrica", Vendas Novas, Tavira, Caldas da Rainha... E lá íamos nós, mais ou menos convencidos e eficientes agentes, enquadrar outros mais, pelos quartéis de Portugal e de África. Mafra e Tavira, eram o início de um processo de inserção no sistema de muitos milhares, que a propaganda chegou a fazer pensar, que estavam "dilatando a Fé e o Império". (...) (**)

&&&

(...) De qualquer, a grande escola de cadetes e fábrica de oficiais que depois seguiam para os teatros de operações do ultramar, a grande 'Máfrica' (, a expressão é do nosso grã-tabanqueiro Vasco Pires), que terá formado dezenas e dezenas de milhares de oficiais subalternos e comandantes operacionais, era, como em qualquer parte do mundo, uma verdadeira "instituição totalitária" ("total institution") no sentido forte, sociológico, do termo.

Se não, vejamos alguns traços comuns às instituições e organizações a que poderíamos aplicar a tipologia desenvolvida, e,m 1961, pelo sociólogo americano Erving Goffman (Asyluns: essays on the social situation of mental patients and otther inmates. New York: Anchor, 1961).(...) (***) 

&&&

(...) Então, "Máfrica" exprimia a reação,  de jovens inocentes e provincianos que se julgavam na vanguarda da modernidade e pensavam que iam mudar o mundo, à disciplina militar, reforçada, por ser num curso acelerado [, o COM].

No meu caso, o impacto foi "amortecido", pois dormia e comia fora do quartel [, EPI]. (...) (****)

&&&

(...) Tempos atrás, lendo uma matéria, lembrei de cartaz que vi em um dos quartéis por onde passei, talvez "Máfrica" [, EPI, Mafra]. Dizia: "O boato fere como uma lâmina " (se não falha a memória).

Quantos boatos não passaram na nossa vida militar? Muitos fabricados pela contra-informacão, outros gerados pelos nossos medos. Logo propagados nos "jornais da caserna". (*****)

2. Comentário de Fernando Ribeiro ao poste P22489 (******):


(...) "Máfrica" - Estive cerca de seis meses a frequentar o COM em Mafra e tenho que puxar muito pela memória para me lembrar de ouvir alguém chamar "Máfrica" a Mafra. De que eu tenha a certeza, só ouvi uma vez, mas admito que tenha ouvido mais uma vez, no máximo duas. Fora isso, sempre ouvi chamar Mafra a Mafra. Confesso que acho estranha esta insistência na palavra "Máfrica", mas se calhar a minha memória é que já não é o que era. (...)

3. Comentário do editor LG:

Em relação a Mafra, as "memórias" são das personagens do conto, não do autor, o contista (******).  Quarenta anos depois é natural que haja contaminação entre "ditos" e "feitos" de diferentes épocas. 

Relativamente ao termo "Máfrica" temos, no nosso blogue, 14 referências   (*******)... E Mafra tem sessenta. A EPI cerca de metade.

Máfrica deve ser termo da gíria coimbrã, era uma forma irónica (, para não dizer sarcástica, ) de identificar a EPI, situada em Mafra... O nosso saudoso Vasco Pires, que morreu no Brasil, usava-o muito... Mas também o angolano, nascido em Sá da Bandeira (hoje, Lubango),  Rui Alexandrino Ferreira, no seu livro "Rumo a Fulacunda" (2.ª edição, 2003, Palimage Editores, Colecção Imagens de Hoje, 415 pp.). Veja-se este excerto:

(,,,) Para lá [,EPI, Mafra,] me vi empurrado, pois naquela altura, corria o ano de 1964, não havia Curso de Oficiais a não ser no continente. Infantaria só mesmo lá-. E como o rapaz Rui nem tinha padrinhos, nem certamemte servia para outra coisa... e sobretudo porque as necessidades eram "carne para canhão", ou seja, combatentes, nem vale a pena acrescentar mais nada...

"Muita chuva, muito vento, muita e...um convento". Eram com estes sábios, esclarecidos e esclarecedores termos que pela voz do povo se definia aquele "paraíso"- E como a voz do povo  mais não é do que a voz de Deus, já para não referir  quaisquer outras vozes - é claro - que afirmava, que "pior que África só mesmo Máfrica", correspondia em absoluto com a realidade no que dizia respeito  à chuva, ao vento e ao convento. Esqueceram-se de acrescentar o frio e a"merda que restava só podia ser mesmo a tropa".

Tropa que apesar de tão mal tratada, fazia com que a vila perdesse a  monotomia e espantassse a modorra de cada vez que se apresentava para a recruta mais uma fornada de "jeijão verde" (alcunha com que os locais brindavam os milicianos em geral, quer se tratassem de soldados-cadetes do Curso de Oficiais, ou de soldados-instruendos do Curso de Sargentos. Por grosso e atacado eram agrupados ao molho  e todos equiparados ao mesmo vegetal)" (pág. 49).

O Vasco Pires, emigrado no Brasil desde 1972, e que só descobriu o nosso blogue em 2012, não leu por certo o livro do Rui Alexandrino Ferreira. (*******)
_________





(******) Vd. poste de 27 de agosto de 2021 > Guiné 61/74 - P22489: A galeria dos meus heróis (41): De companheiros de infortúnio a amigos para a vida - Parte I (Luís Graça)